MIOPIA ESPIRITUAL
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Na linguagem popular miopia ou hipermetropia significa vista curta. Numa aplicação extensiva do sentido desta palavra, é falta de perspicácia e isto leva, metaforicamente, a uma cosmovisão estreita, limitada. Fica deturpada a compreensão geral do universo e da posição nele ocupada pelo ser racional. A miopia espiritual é mais grave ainda porque o dom da fé, que deve determinar, em última instância, a vontade e os atos do cristão, fica inteiramente ofuscado. Com efeito, a carência de visão sobrenatural de longo prazo leva aquele que crê a não projetar claramente na eternidade o seu destino último. Deste modo, já não valem para ele as palavras de São Paulo: “Não temos aqui cidade permanente, mas vamos em busca da futura” ( Hb 13,14). Se então o discípulo de Cristo não procura logo uma terapia espiritual perde o rumo do céu e a verdadeira noção de tudo que Deus revelou nas Escrituras Sagradas. A percepção deturpada das realidades divinas leva então este cristão a procurar não as coisas do alto, mas as da terra. É, deste modo, urgente que haja o retrocesso de tal problema. Cumpre, de plano, reconhecer o mal e, imediatamente, não rejeitar os óculos que conduzam a enxergar melhor as verdades bíblicas, removendo os sintomas de uma débil fé, de uma crença enfraquecida. É preciso, de plano, a reflexão a respeito de tudo que a Igreja ensina, um aprofundamento das diretrizes do Mestre divino, Jesus Cristo. O estudo e a meditação dos livros da Biblia levam a lançar os projetos de vida bem além dos terrenos horizontes. Nos momentos de uma boa Confissão, o sacerdote é o médico que saberá orientar o fiel que busca sua cura espiritual, mesmo porque, neste caso, o padre é ainda juiz que julgará as razões pelas quais ocorreu esta miopia e é o mestre que apontará caminhos luminosos que conduzem à busca do Reino de Deus. Se necessário, o representante de Cristo aconselhará até uma intervenção cirúrgica, a qual inclui um questionamento sincero que leve a uma revisão de vida, a uma conversão total, dado que, muitas vezes, são as paixões desregradas, os vícios não combatidos corajosamente, a entrega às invectivas do demônio, que vão causando a miopia espiritual. Este tipo de cirurgia não traz o risco de problemas pós-operatórios, porque quem a ela se submete passa a perceber um tão grande júbilo interior e este oferece força para superar qualquer tipo de recaída no mal. Pode haver assim a cura total através do aperfeiçoamento pessoal. Fica, desta maneira, obviado qualquer trauma que poderia conduzir ao desânimo. Cabe, portanto, ao proprio cristão perceber seu estado espiritual para ir em busca desta terapêutica. Mister se faz vencer o orgulho que impede o retorno à própria santificação que o tratamento exige. Com humildade o processo de mudança se torna fácil. Isto porque Deus resiste aos soberbos, mas dá a sua graça aos humildes. O orgulhoso nunca percebe sua limitação e, assim, não procura os meios para curar sua miopia emergente ou já acentuada, nem tem coragem para sair de seu estado mórbido. Ele passa a ser dono de sua verdade e não se adaptará mais ao Evangelho. A caminhada espiritual supõe sempre uma viagem do natural para o sobrenatural e isto requer uma visão estratégica que o míope não possui. Esta visão estratégica oferecida pela fé é o articulador de todas as decisões existenciais para se atingir o porto da eternidade venturosa lá na Casa do Pai. Um verdadeiro cristão é aquele que tem uma ampla visão do mundo além morte através da visão clara que vem da fé que impede as distorções conducentes à perdição da alma. Quando, porém, o cristão percebe que sua visão espiritual está ficando distorcida cumpre rapidez na busca dos recursos que a graça divina oferece. Vale aqui o dito de um grande santo: “Temo a Jesus que passa e pode não voltar”. Rapidez que não significa agitação, mas a serena procura dos antídotos oportunos. Então o cristão saberá marchar corajosamente nos caminhos da própria perfeição dentro de seus limites humanos, acatando a viabilidade de uma vida santa. O progresso de ontem e de hoje não são garantia de progresso de amanhã, dado que é preciso perseverança na busca de resultados positivos na prática das virtudes. Nunca, porém, faltará o auxílio da graça, porque Deus nunca a nega aos que são sinceros e desejam alcançar sua salvação eterna. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.
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