FRUTIFICAR PARA O CÉU
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Jesus na parábola das minas quis mostrar que cumpre frutificar para o céu (Lc 19,11-26). O servo que não agiu com sabedoria foi duramente repreendido e perdeu até o que lhe tinha sido dado. Para multiplicar os dons outorgados por Deus um dos meios mais valiosos é a humildade, porque o cristão, não confiando em si mesmo, invocando sempre a proteção divina, produz muitos frutos para a vida eterna. Com efeito, a humildade é o espaço aberto do conhecimento de si que se abre para Deus. Trata-se do reconhecimento da própria fraqueza e dependência total do Ser Supremo, baseado no que disse Jesus: “Sem mim nada podeis fazer” (Jo 15,5). A vulnerabilidade do pecado original atinge todos os seres humanos, com exceção da Virgem Maria e ainda os mais santos dos homens ou as mais santas das mulheres estão sujeitos a esta condição humana. Entretanto há duas espécies de humildade: uma imperfeita e outra perfeita. A imperfeita leva ao reconhecimento das próprias faltas ainda que sejam leves e à aceitação da debilidade humana diante da santidade incomensurável da Trindade Santa. A perfeita é o autêntico conhecimento de si e o humilde diz sempre a Deus: “Tu és o Ser Eterno, Necessário e nós somos seres contingentes, finitos, limitados”. Deste modo o cristão vai além de suas fraquezas para se imergir inteiramente no seu Senhor, amando-o apesar de suas limitações, nele inteiramente confiando e não desanimando nunca, passando sempre as páginas da existência e não olhando para trás. Resulta este posicionamento do amor superabundante e eminente de Deus em si mesmo. Diante dele toda natureza treme, todos os eruditos são tolos e todos os santos e anjos são meras criaturas. Por isto ninguém tem direito de desesperar de suas debilidades, mas deve confiar totalmente neste Deus infinitamente santo e misericordioso. Tal humildade une ao amor insondável de Deus que é o fundo do nosso ser. Então o cristão caminha sempre para frente dando frutos opimos de perfeição, colocando em prática o conselho de um grande santo: “Ama nesciri et pro nihilo reputari – Ama ser desconhecido e tido por nada pelos homens”, só se preocupando então em amar mais e mais a seu Senhor. Para se passar da humildade imperfeita para a perfeita cumpre esquecer todo conhecimento e todo sentimento do próprio ser, sem se preocupar se ele é santo ou miserável. Atinge então a alma do batizado plena maturidade e pode dar frutos cem por um. Este abandono de si mesmo torna fértil o terreno do coração. Muitos são os que tomados pelo senso profundo do horror ao pecado não se perdoam a si mesmo o que não passa de um ato de orgulho. Perfeito é só Deus. O reconhecimento das próprias faltas e o remorso têm seu lugar, mas a ruminação incessante dos mesmos não passa de um estratagema mental que é explorado pelo Inimigo e leva a uma divagação mental interior inútil e perigosa, porque o cristão fica com o foco sempre voltado para si e não para Deus. É óbvio que a humildade imperfeita é um substrato necessário, mas é insuficiente. Nada há de mais humilde do que a consciência das falhas humanas, mas a humildade perfeita faz ir além renunciando até ao sentimento estar com o coração partido, desolado, pois isto poderia levar à inércia. O verdadeiro humilde se aceita como é e sabe que as deficiências fazem parte da procura de Deus. Percebe também que há duas espécies de arrependimento: o primeiro é um simples pesar, o segundo é um arrependimento divino e resulta numa grande alegria espiritual que eleva a alma acima de toda tristeza e a liga fortemente a Deus. Então o cristão assim se dirige a Ele: “Senhor, apesar de toda minha fraqueza, eu confio em vós”. Qualquer ansiedade fica vencida . O humilde descobre que o fim da estima de si é o abandono nas mãos do Pai misericordioso, o esquecimento de si mesmo no silêncio de Deus. Compreende-se então o que disse São Paulo: “Por isso, por amor de Cristo, regozijo-me nas fraquezas, nos insultos, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias. Pois, quando sou fraco é que sou forte” (2 Cor 12,10). É que o humilde descobre a vastidão de seus abismos lá onde Cristo preside o desenrolar da litrugia de suas feridas humanas. O humilde pode então fazer frutificar os dons recebidos, multiplicando as minas a ele confiadas porque está sempre caminhando para frente rumo ao Deus três vezes Santo, no qual deposita a mais total confiança.* Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.
quarta-feira, 31 de agosto de 2011
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário