JESUS SAIU PARA UM LUGAR DESERTO
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Enquanto homem, Cristo se retirou, várias vezes, para um lugar deserto para estar em tertúlia com o Pai. Bem se diz que o deserto é o lugar propício para uma viagem ao país do silêncio, onde se pode estar em contacto com o Ser Supremo. A atitude do Mestre Divino indo para um espaço isolado foi para deixar uma lição preciosa para seus seguidores. O espaço para a quietação interior que permite uma união maior com a divindade não é necessariamente o deserto geográfico, mas o interior de cada um, lá onde moram as Três Pessoas divinas. Jesus foi claro: “Se alguém me ama, meu Pai o amará, viremos a Ele e nele faremos a nossa morada”. O segredo do progresso espiritual é exatamente se sentir envolto na presença de Deus. Tal o conselho que o salmista registrou: “Meditai em vossos corações e fazei silêncio” (Sl 4,6). Eis aí o refúgio permanente que se abre para todo batizado, permitindo o caminho da aderência a Deus mesmo durante as tarefas de cada instante, estando o fiel na presença permanente de seu Senhor. É que há uma luminosa vastidão dentro do discípulo de Cristo. É lá que se pode perceber o turbilhão de amor de um Ser Infinito. Trata-se de uma arte espiritual sutil, simples, mas das mais dignificantes. Comunicar-se com Deus no silêncio do coração é uma capacidade dada por Ele mesmo, mas Ele não se impõe, Ele se propõe. O que muitos se esquecem é que este Deus que faz o dom de Si mesmo é o ser do nosso ser, a vida de nossa vida. Entretanto, isto só é possível para quem entra no deserto da profundeza de seu coração e, num abandono total, se dispõe a captar a riqueza imensa que tem dentro de si, isto é, Aquele no qual, segundo São Paulo, vivemos, existimos e somos (Atos 17,28). Isto não requer nenhuma técnica apurada, nenhum estratagema extraordinário, mas o hábito de não se esquecer do Hóspede divino através do recolhimento e da tomada de consciência das maravilhas que se dão na alma em estado de graça. Cumpre encontrar momentos de silêncio que isolam da trepidação exterior e, até mesmo, fugir das divagações da imaginação. Segundo Santo Agostinho é preciso procurar Aquele que está em nós, se queremos estar com Ele. Qualquer cristão pode se abrir ao sacrário interior e se tornar verdadeiramente livre de toda ansiedade, desânimo e medo. Não é algo a ser adquirido, mas vivido, porque no Batismo se passa a participar da natureza divina como ensinou São Pedro na sua segunda carta (2 Pd 1,4). Aliás, o citado Santo Agostinho lembra que Deus é mais íntimo de nós que nós mesmos, nele somos o que nós somos. A questão é estar ciente e consciente desta maravilhosa realidade. Enquanto Criador, Ele é o fundo do que cada um é. São João da Cruz afirma que “o centro da alma é Deus”, Ele é o fundamento do ser humano. Eis porque proclamou Davi “Somente em Deus repousa, ó minha alma” (Sl 62,6). Aí está o motivo pelo qual Santo Agostinho assim se dirigia a Ele: “Senhor, o nosso coração está inquieto até que descanse em vós”. Quem percorre com atenção o Evangelho de São João percebe sua insistência sobre a habitação divina. Assim quando ele relata o que Jesus falou sobre a vinda do Espírito Santo proclama as palavras do Mestre divino: “Nesse dia, reconhecereis que eu estou no Pai e que vós estais em mim e eu em vós” (Jo 14,20). Esta foi uma das preces de Cristo: “Como tu, Pai, estás em mim e eu em ti que eles também estejam em nós” (Jo 17,21). São Paulo, o autor dos escritos mais antigos do Novo testamento que chegaram até nós, é um testemunho importantíssimo. Na Carta aos Gálatas ele afirma: “Eu estou crucificado com Cristo e não sou mais eu que vive, mas Cristo que vive em mim” (Gl 2,19). Ele olha para si mesmo e não vê mais Paulo, mas Cristo. Paulo e Cristo já não são mais duas realidades distintas, porque Paulo soube encontrar o lugar deserto que é a terra do silêncio, o fundo de seu ser. Então verificou que, sob o ponto de vista da criação, há duas realidades distintas, mas não sob o ponto de vista da transformação da consciência, existindo, isto sim, uma união perfeita com Deus. Paulo via o fundo da sua consciência e não os objetos da consciência, ou seja, as coisas que estavam em sua volta. Tão apenas quando o espírito imita Jesus e vai para um lugar afastado do mundo que é este campo aberto da consciência surge a Realidade unificante de todas as unidade e de todas comunidades, como fundo de tudo que é, como sendo toda a vida, toda a inteligência. Compreende-se, desta maneira o pedido de Jesus dirigido ao Pai: “Que todos sejam um, como tu e eu, Pai, somos um”. Felizes os que procuram o país do silêncio, o íntimo de seu coração, desertando-se das aparências visíveis para se fixar no Único necessário, escolhendo a melhor parte, como falou Cristo a Marta, referindo-se a Maria que se preocupava menos com o que era transitório, para se imergir nas realidades divinas. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.
sábado, 6 de agosto de 2011
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