PERDOAR SEMPRE
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
A vida do cristão deve se desenrolar no ritmo do perdão. Cristo não apenas ensinou a rezar ao Pai: “Perdoai nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido”, como também respondeu a Pedro que o indagou sobre quantas vezes se deve anistiar o irmão, tendo o Apóstolo colocado como padrão o número sete: “Não te digo sete vezes, mas até setenta vezes sete”, ou seja, remissão sem limites. Ele mesmo daria o exemplo quando, pregado na cruz, rogou o indulto total para seus cruéis e gratuitos inimigos: “Pai, perdoai-lhes, eles não sabem o que fazem”. “Pai, perdoai-lhes”! Eis aí o lema glorioso do verdadeiro cristão, distintivo supremo do epígono do Mestre, admirável penhor de eterna salvação, atitude glorificada numa das bem-aventuranças: “Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia” (Mt 5,7). Oitenta anos antes daquela cena lá no Calvário expirava em Roma o famoso Sila. Ele ditara o seu epitáfio que era bem o símbolo do mundo antigo: “Nenhum amigo jamais me serviu e nenhum inimigo jamais me ofendeu sem que eu tivesse deixado de me vingar”. Imperava o ódio: “Dente por dente, olho por olho”. Eram cabeças de desafetos a enfeitarem os acampamentos. Reinavam as retaliações mais desumanas. Jesus instalou uma nova ordem nesta terra. Lançou a mensagem de clemência, de compreensão, de perdão, de benignidade, de bondade, de tolerância. Iluminou ele os caminhos dos homens, esmaltando todos os pensamentos, suavizando todas as atitudes; plasmou heróis formidáveis como a do proto-mártir Santo Estevão a repetir quase suas mesmas palavras ao ser apedrejado e morto por seus perseguidores: “Senhor, não lhes imputes este pecado” (Atos 7,60). Estevão, o primeiro a imitar Jesus e, depois dele, uma série de santos a reproduzirem com ênfase a postura do Mestre divino, espalhando no mundo aquela mútua bondade que desculpa sempre e que distingue e honra o verdadeiro cristão. A doutrina e o exemplo de Cristo retroaram até na eternidade e repercutiram nos sábios do passado, na mente de todos os chefes e líderes dos povos antigos. De fato, quem lhes dera ter recebido as lições do Meigo Rabi da Galiléia para poderem pregar a seus seguidores sabedoria tamanha, sublimando-a com exemplos que patenteiam a grandeza de uma alma nobre, repleta de ternura. O ensinamento e a conduta de Jesus rasgaram para a humanidade perspectivas de serenidade, harmonia e tranqüilidade. O mundo seria muito diferente se tudo sempre fosse olhado com o olhar de Jesus, com a transcendente visão que o divino amor inspira, porque é sempre a bondade e nunca o ódio, sempre o perdão e nunca o rancor que tem razão no céu e na terra. Na vida humana multiplicam-se as ocasiões de clemência a desanuviar as revoltas ante as atitudes do próximo. O perdão deve ser um estilo de vida do seguidor de Cristo o qual promove por toda parte a cultura da compreensão e da paz no lar, nas escolas, no lazer, no ambiente de trabalho, seja onde estiver um verdadeiro cristão. Nota-se, porém, nos dias de hoje uma regressão do perdão na deterioração das relações pessoais, na incapacidade crescente de restaurar rupturas, na maneira brusca que impera nas relações cotidianas. Uma sociedade repleta de conflitos faz estampar nos meios de comunicação social os gestos mais absurdos de desforra, muitos consumados com assassinatos desumanos. A violência que surge das polêmicas mais insignificantes se extravasa tantas vezes não apenas em palavras de baixo calão, em ameaças, mas, até, realmente em agressões físicas indesculpáveis. São as fronteiras do perdão ultrapassadas desumanamente num subjetivismo indigno de batizados. Cumpre que se restaure o império da fraternidade através da anistia cordial, pois esta é capaz de tocar o coração do ofensor que acaba por perceber a mesquinhez de seu ultraje. Isto significa fazer o culpado, entrar num processo de transformação e purificação interiores. Bento XVI mostrou como “a cidade dos homens deve ser edificada não apenas nas relações de direitos e deveres, mas ainda nas relações de gratuidade, de misericórdia, de comunhão. A caridade, doutrinou o Papa, manifesta sempre o amor de Deus nas relações humanas também”. É que o cristão tem que ser um semeador de paz e de serenidade. A caridade age em círculos concêntricos de dentro de um coração compreensivo para fora, ao contrário do que se passa no círculo ofensa-vingança que pode ser representado por uma espiral que atira tudo contra seu centro destruidor para tudo arrasar com sua passagem. O perdão deve ser uma postura que flui de um espírito inebriado pela caridade, fruto da coerência cristã. Precisa se tornar um hábito e não pode aparecer em alguns momentos apenas. Na escola de Jesus se aprende a perdoar, porque nela se aprende a amar! *Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.
segunda-feira, 15 de agosto de 2011
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