O MANDAMENTO MAIOR
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
O cristianismo é por excelência a religião centrada no amor. Jesus foi claro na resposta que deu ao fariseu que O interrogou sobre o mandamento maior da Lei:”Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento!” (Mt 22, 37). A vida cristã deve, portanto, ser uma educação contínua para esta dileção incondicional ao Ser Supremo. Cristo estimula seu seguidor a dar um sentido extraordinário à sua vida pessoal. Para isto é preciso descobrir o que é o ágape, isto é, o amor-caridade, para possibilitar o desenvolvimento das linhas de força do preceito divino. É que o amor deve mover a vontade à busca efetiva do bem dos outros. Foi esta a razão pela qual Jesus acrescentou: O segundo mandamento é semelhante a esse: “Amarás ao teu próximo como a ti mesmo”. São João depois explicará: “Se alguém disser: “Amo a Deus”, e odiar seu irmão é mentiroso. Em verdade, quem não ama o seu irmão, que vê, não pode amar a Deus que não vê e este mandamento recebemo-lo dêle: quem ama a Deus, ame também a seu irmão”. (1 Jo 4, 20-21). A fonte, porém, é o próprio Deus o qual, segundo o mesmo São João, é amor (1 Jo 4,7). Eis porque teologicamente há uma sequência: amar a Deus, amar a si mesmo e amar o próximo. Este mecanismo, este encadeamento é lógico. Imerso no oceano infinito de afeição, que é o Criador, esta se desdobra em afeição a si mesmo e aos outros. Este Deus que é mar imenso de ternura habita pela graça santificante a alma do cristão que precisa ter consciência desta realidade sublime. Santo Agostinho exclamou: “Tarde eu te amei, ó beleza tão antiga e tão nova, tarde eu te amei! No entanto tu estavas dentro de mim e eu vivia fora”. Por tudo isto, é necessário degustar o amor de Deus por nós e no sentido inverso nosso amor para com Ele. Isto supõe total disponibilidade. Amar a Deus, ensina Santo Tomás de Aquino, é fácil porque Ele é “o ser mais amável pelo ser mesmo”. Para se saber, porém, se há este amor, em primeiro lugar, é verificar se os mandamentos são observados, pois a prova da dileção são as obras conforme a vontade da pessoa amada. Depois, é examinar se a alegria, a paz reinam no próprio coração como fruto do dom de si mesmo manifestado em todas as tarefas da existência as quais custam sacrifício. Com efeito, se isto é fruto do amor, tudo é feito com júbilo interior, porque sua fonte deve tudo irrigar. É preciso ainda estar consciente de que a aliança entre Deus e nós é o fundamento da aliança entre nós conosco mesmos e entre nós e os outros. Se a dileção começa para si mesmo, reinará o egoísmo, o narcisismo com todas as suas consequências funestas. Se começa pelo próximo falta a seiva principal que é o amor de Deus, do qual deve ser um desdobramento natural a dileção ao semelhante. Então, sim, o amor ao próximo não parece opor-se ao amor de si mesmo, nem ao amor de Deus. Aos romanos São Paulo mostrou que “o amor de Deus se encontra largamente difundido nos nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5,5). Quando então o cristão procura entrar em si mesmo, na sua realidade interior, ele depara esta presença amorosa de Deus nele e passa a amar a si mesmo e ao próximo. Quando alguém se encontra na baixa estima, no ódio de si mesmo e se torna incapaz de amar os outros para os quais passa a transferir todas as suas mazelas e misérias espirituais, é porque lhe falta a dileção ao Senhor de onde promana a verdadeira caridade. Esta descomplica a própria existência e facilita a ajuda oportuna aos outros sob todos os aspectos. Diante de todas estas reflexões se conclui que, na verdade, não há senão dois mandamentos que não formam senão um, mas sendo três as matérias do amor. Um amor, dois mandamentos semelhantes entre si e três objetos, ou seja, o amor a Deus, a si mesmo e aos semelhantes. Trata-se de um itinerário sublime que envolve a vida do cristão numa bem-aventurança total, porque todos os desvios são evitados e jamais se confundirá o amor com o apego a si mesmo e os desvirtuamentos da adesão ao que é material, animalizando a dileção verdadeira nas maiores baixezas morais. Em torno do amor se fabricam na sociedade todos os mecanismos de ilusões. Os atos de amor do cristão não podem nunca ser produção de um imaginário deturpado. Como o amor é inato ao ser racional ele se torna objeto de todo tipo de manipulação a serviço do sexo, do consumismo, dos prazeres que bestializam quem foi criado à imagem e semelhança de Deus. Esquecido o Criador, a criatura dotada de inteligência deixa de amar a si mesma e se destroi nas drogas, na bebida, nos derregramentos morais. Cessa, por isto mesmo, de amar o próximo e daí toda uma onda de crimes, de corrupção. Falta ao mundo de hoje, mais do que nunca, o amor a Deus e que não se pode intercalar nada entre nós e Deus, entre o próximo e Deus, pois tudo deve estar envolvido no esplendor divino. Temos uma inteligência, uma autonomia e uma liberdade. Seguir em tudo a vontade de Deus por amor a Ele não é ser uma marionete, um robô. Eis porque cumpre sempre refletir sobre a imensa riqueza do preceito do amor a Deus para incarnar nas minudências do dia a dia todo seu esplendor, longe dos critérios de um mundo que tanto fala do amor e não conhece o verdadeiro amor. Este não pode fluir da sensibilidade imediata, das reações e emoções meramente carnais, mas de sua nascente divina que é o próprio Deus. Apenas o senso do divino, sobrenaturaliza as ações humanas. Então se praticará um cristianismo sólido, porque fundado no amor de Deus que habita naquele que O ama e se deixa inteiramente possuir por Ele. Então, sim, já se degusta na terra um pouco da ventura do céu, porque pelo amor o cristão percebe a eternidade dentro de si. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.
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quarta-feira, 24 de agosto de 2011
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