A ALMA DA ORAÇÃO
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Numa de suas admiráveis alocuções o Papa Bento XVI mostrou que, não obstante o secularismo que impera neste início de milênio, “vemos muitos sinais que nos indicam um despertar do sentido religioso, uma redescoberta da importância de Deus para a vida do homem, uma exigência de espiritualidade, de superar uma visão puramente horizontal, material da vida humana”. De fato, se percebe de um lado a busca do Ser Supremo por parte de muitos que se desligaram das realidades eternas, e, mesmo entre os cristãos, o anseio de um contato mais profundo com Deus. Multiplicam-se os “Grupos de Oração”. Nota-se uma participação mais fervorosa nas Missas. Contemplam-se nas Igrejas durante o dia pessoas diante dos Sacrários numa postura reflexiva. Em muitas casas voltaram a ter espaços oratórios que propiciam momentos de uma prece ardente. Por tudo isto nada melhor do que uma reflexão sobre a alma da prece, ou seja, desta tensão para o Criador, desta necessidade de se relacionar com o Ente Superior do qual ontologicamente cada um em tudo depende. Prece que indica a passagem para um mundo no qual tudo é consagrado à divindade. Por isto a oração é a fonte inesgotável que oferece uma luminosidade que regenera, purifica, salva. É como uma mina abundante repleta de um sem número de veios com incomparáveis riquezas espirituais. Fonte da água viva a qual sacia a sede de infinito que está no mais íntimo do ser humano. É que no coração da oração está a Presença do Criador de tudo e, deste modo, a prece desaltera, reidrata a alma daquele que crê. Ela oferece todos os bens de ordem sobrenatural. Trata-se daquela água que jorra para a vida eterna de que Jesus falou à Samaritana (Jo 4,14). A oração é o instrumento a serviço da renovação contínua desta fonte. São João da Cruz na sua poesia sobre a “Noite Obscura” assim se expressou: “Eu não percebia nada para me guiar senão a luz que brilhava no meu coração”. A alma marcha na obscuridade clarificada pela oração a qual é, no dizer de Santo Tomás de Aquino, “a expressão do desejo que o homem tem de Deus”. Este Deus é a luz que ilumina o ser humano. O fogo do amor divino alumia o orante. Este então se distancia sempre mais das trevas caliginosas do pecado. É, entretanto, importante que o cristão esteja certo de que o entretenimento com Deus é aprazível e acessível a todos que sinceramente O procuram. Segundo Santo Afonso de Ligório se deve falar com Deus sobre todas as preocupações, desabafando tudo com Ele que é o mais fiel e poderoso dos amigos. Embora, de fato, Ele saiba de tudo que cada um necessita, quer que lhe exponhamos nossas apreensões para que o ser racional possa atingir objetivamente aquilo de que precisa. Ele socorrerá dando o que for mais importante para a salvação individual. Se tal é o melhor para sua criatura, Ele fará com que Sua graça a sustente nos momentos de provações, dando neste caso muita paciência para tudo suportar como meio de santificação. Aliás, uma excelente prece é dizer a Ele: “Tua graça me basta, é nela que eu confio”! Tal súplica inclui em si uma total aceitação da Sua vontade santíssima. O salmista recomenda: “Descobre teu caminho ao Senhor” (Sl 36,5) e dá o motivo: “Ele sara os corações quebrantados e pensa-lhes as feridas” (Sl 146,3). Este foi o conselho que o pai deu a seu filho Tobias: “Pede a Ele que dirija teus passos e que todos os teus intentos estejam firmes nele” (Tb 4,20). O referido Santo Afonso ensina: “Na aflição, na doença, na tentação, nas afrontas do próximo e em outra prova qualquer, rapidamente, recorrei ao Senhor para que Sua mão vos sustente”. Tem razão o grande santo, pois Jesus afirmou: "Vinde a mim vós todos que estais fatigados e sobrecarregados e eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, que sou manso e humilde de coração, e assim encontrareis conforto para as vossas almas, pois o meu jugo é suave, e o meu peso é leve” (Mt 11,2830). “Bento XVI explica que neste olhar para Deus, nesse dirigir-se para “além” se encontra a essência da oração como experiência de uma realidade que supera o sensível e o contingente”. De fato, se dá então o que falou Davi: “O Senhor é minha luz e minha salvação, a quem eu temerei”? (Sl 26,1) [...] "A vós Senhor recorro; não seja eu jamais confundido; livrai-me na vossa justiça”! (Sl 30,1). Tudo isto supõe o trinômio: familiaridade, confiança e respeito, ou seja, entregar a Ele o problema que aflige e deixar a Ele a solução. O erro de muitos orantes é quererem manipular o Senhor Todo-Poderoso, fazendo-lhe exigências descabidas, ousando assim ostentar uma soberba que é a negação mesma da prece filial. Quem, porém, sabe orar com facilidade passará então da súplica para uma prece contemplativa, meditando diante de Deus as grandes verdades que Ele revelou contida nas Escrituras e nisto encontra um valioso alimento espiritual. *Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos
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