CONSIDERAÇÕES SOBRE O VERBO ENCARNADO
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Qualquer reflexão sobre a Encarnação do Verbo de Deus há de se ligar sempre ao episódio edênico e ao verdadeiro significado da desobediência daqueles que foram postos à prova como representantes de todo o gênero humano. Havia a proibição divina de que não comessem da árvore do conhecimento do bem e do mal (Gn 2,17). A gravidade da desobediência não foi tanto este fato em si, mas o modo como ele ocorreu, a saber, o acatamento da insinuação do espírito maligno. Este projetou o orgulho, o qual foi a causa da punição dos anjos rebeldes, e levou Adão e Eva a se rebelarem contra o Senhor Onipotente. Portanto, eles acreditaram mais na serpente do que no próprio Deus. Foi uma injúria ao Ser Supremo. A grande questão surgiu então, isto é, o ser racional finito, limitado não poderia nunca reparar uma ofensa feita a Deus. Na alheta de Santo Anselmo se comprende que somente Cristo, porque o único sem mancha, poderia oferecer espontaneamente ao Pai uma vida santa; e, por isso, poderia satisfazer pelos pecadores aquilo que Ele nunca ficou a dever. A redenção foi então oferecida a todos aqueles por cuja salvação Cristo se fez homem. A infinita misericórdia de Deus manifestou-se na salvação oferecida aos pecadores que, sem ter como se redimirem, estariam condenados aos tormentos eternos. Nada foi tão grande, nem tão sublime como aquela majestade serena na morte, na morte na Cruz de um Deus! O Pai, em Cristo, reconciliou o mundo. O Concílio de Trento proclamou que na sua misericórdia quis Deus não somente a justificação do homem pela remissão do pecado, mas também sua total redenção. O cristão que penetra fundo no mistério redentor percebe infalivelmente no mais íntimo recesso de seu coração o grande convite a valorizar ao máximo o sangue redentor do Filho de Deus. Eis porque o Concílio Ecumênico Vaticano II mostrou enfaticamente que o cristão tem uma vocação inata para a santidade existencial. Nunca se pode esquecer, além disto, que a paixão do Salvador não opera de uma maneira mágica, mecanicamente, fazendo o homem partícipe de uma ação na qual não tomaria parte. A cruz de Cristo deve ser a partilha dos batizados. Jesus, o Verbo Encarnado ao morrer ignominiosamente no Calvário conheceu a morte para liquidar o poder da morte. Ainda aqui cumpre retornar ao Éden onde Eva disse à serpente: “Podemos comer os frutos das árvores do jardim, mas do fruto da árvore que está no meio do jardim Deus nos disse que não comêssemos e nem tocássemos, para não morrermos” (Gn 3, 2). Após a infração do preceito divino, porque a serpente afirmou “não, não morrereis” (v.4), vieram as consequências e entre elas a morte. Deus inquiriu claramente a Adão, como chefe do gênero humano: “Não terás comido da árvore que te havia proibido de comer?” (Gn 3,11). São Paulo escreveria na Carta aos Romanos: “Por isso, como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim a morte passou a todo o gênero humano, porque todos pecaram.. (Rm 5,12). Ao morrer na Cruz, Cristo venceu a morte e ressuscitou imortal e impassível ao terceiro dia Compreende-se desta forma que a necessidade da Cruz de Jesus só pode ser entendida à luz de sua Ressurreição. Tal a doutrina do Apóstolo: “Pois sabemos que Cristo, tendo ressurgido dos mortos, já não morre, nem a morte terá mais domínio sobre ele (Rm 6,9). Tudo isto deve levar ao cristão à vivência plena do mistério do Verbo Encarnado como acontecia com São Paulo que pôde asserverar: “Anseio pelo conhecimento de Cristo e do poder da sua Ressurreição, pela participação em seus sofrimentos, tornando-me semelhante a ele na morte, (Fl 3,10). É deste modo que o batizado não se contenta em estar cristão, mas em ser verdadeiramente cristão até atingir o ideal paulino: “Eu vivo, mas já não sou eu; é Cristo que vive em mim. A minha vida presente, na carne, eu a vivo na fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim” (Gl 2,20). * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário