VITÓRIA SOBRE AS TENTAÇÕES
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
No início da quaresma a narrativa da cena da estadia de Jesus no deserto e de seu tríplice combate diante do tentador, com as sequentes vitórias, patenteia um momento crucial no início da vida pública do Redentor. É significativa Sua ida para um lugar solitário. Aí Ele se entrega à oração, como depois acontecerá no Horto das Oliveiras onde se doará outra vez à vontade do Pai, Ele que estaria junto dos homens nos caminhos da Palestina antes de sua imolação no Calvário. Eis momentos marcantes dos grandes combates por Deus e pelos homens, pela Verdade e pela Vida, experimentados pelo Filho de Deus. A quaresma vem lembrar aos fiéis o combate espiritual, a luta. Tempo precioso para ainda mais imitar e seguir a Cristo e manifestar o acolhimento ao seu maravilhoso amor, consumado na sua doação pela salvação da humanidade. Isto exige um melhor conhecimento do Mestre divino e uma abertura à sua luz celestial para lhe ser totalmente fiel. O deserto é o lugar bíblico do encontro com Deus, do combate ao maligno, da contemplação das realidades sobrenaturais, da fuga do mundo, de despojamento das ilusões terrenas. Na vida cotidiana do cristão há momentos e espaços para viver esta experiência do deserto. No silêncio das Igrejas, no recolhimento de um recinto da própria casa reservado à oração, nunca faltam momentos especiais de união com o Ser Supremo, deixando o Espírito Santo falar, fortalecer, esclarecer. Isto, mormente deve se dar no período quaresmal. Jesus sentiu fome, que é sinal da fragilidade humana, a qual deve ser saciada, mas sem voracidade e na abstenção de tudo que prejudica a saúde. A ousadia do espírito maligno propondo a Jesus que se lançasse a seus pés em adoração como condição da soberania sobre o universo é outro alerta importante. Inúmeros os ídolos aos quais tantos cristãos se rendem, sobretudo, numa sociedade de consumo no afã de sempre querer mais, se tornando escravo da economia de mercado que atrai com propagandas enganosas. Além disto, o fato de o demônio ter sugerido a Jesus se lançar do alto do templo é uma expressão da fuga das responsabilidades de cada um, ao se projetar no ilusório, no desperdício do tempo, horas e horas diante da televisão ou o dissipando nas redes sociais de relacionamento da internet. Todas estas proposições satânicas mostram a necessidade imperiosa do autocontrole para, com a graça divina obtida através da mortificação, da penitência, se poder triunfar sobre as aliciações do diabo. Jesus, tentado por satanás, quis mostrar que não se pode esvaziar a realidade da tentação. Centenas de vezes ao se rezar o “Pai Nosso” seu discípulo pede ao Pai: “Não nos deixeis cair em tentação”. No entanto muitos se entregam a uma fatal acomodação, não fugindo das ocasiões de pecado, expondo-se a um teste, a uma prova na qual inevitável mente vão sucumbir. Falta então o discernimento, resultando a fraqueza da vontade que acaba fraquejando. Na vida espiritual o forte é quem foge das ciladas do demônio, para poder sempre viver em função da Palavra de Deus sem jamais a perverter, se lançando em circunstâncias que conduzem à perda da graça santificante. O cristão, então se fortalece espiritualmente para qualquer eventualidade com o Pão do céu que é Jesus eucarístico, evitando transformar a oração em idolatria, quando se pede a Deus não o que é necessário à própria salvação, mas o supérfluo para a existência, o que é uma perversão da prece que não leva a uma conversão, mas à obsessão de tudo ter. Para não se lançar no precipício da omissão dos deveres é mister, além do mais, a coragem que demonstrou Jesus, repelindo logo as insinuações do maligno. Finalmente, é preciso afastar todo e qualquer equívoco, pois o combate que Cristo permitiu houvesse entre Ele e o diabo não deve se apresentar ao seu discípulo como algo impossível de ser vencido. É que imerso no mistério trinitário se pode repetir sempre com São Paulo: “Eu tudo posso naquele que é a minha fortaleza” (Fp 4,13). Jesus foi conduzido ao deserto pelo Espírito Santo e, fiel à missão que Lhe fora confiada pelo Pai, derrotou o demônio. Trata-se de um combate espiritual, mas com o Espírito divino a vitória é de Cristo com o qual se identifica o cristão e o objetivo é a vontade do Pai. Com isto, nem a gula, nem a idolatria, nem a omissão impedem a caminhada rumo à Trindade Santa na Jerusalém celeste. Por tudo isto a quaresma envolve na esperança fagueira de que nunca se cairá nas garras de satanás. Ninguém pode escapar à prova da tentação, mas o progresso do cristão se realiza no combate. Para se conhecer a si mesmo é preciso ser provado e não pode ser coroado sem ter vencido o inimigo e suas invectivas. Deste modo, as tentações de Jesus trazem uma formidável esperança, porque mostram que o fiel, revestido da austeridade, com a graça de Deus, será sempre um vitorioso! * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.
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