JESUS TRANSFIGURADO, ÍCONE DO CRISTÃO
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
A narrativa da transfiguração de Jesus apresentada em plena quaresma tem um profundo significado. Não, evidentemente, como um fato maravilhoso e recordado fora de tempo oportuno, mas como uma lembrança viva da pessoa divina do Redentor da qual deve participar todo batizado. É de se notar que os evangelhos sinóticos, pouco antes de registrarem o que ocorreu no Monte Tabor, anotaram a interrogação de Cristo: “Vós quem dizeis que eu sou?” (Lc 9,20). A resposta de Pedro foi taxativa: “O Ungido de Deus”. Pois bem, Jesus depois tomou exatamente Pedro e dois Apóstolos e os levou à montanha e lá confirmou que Ele era, de fato, o enviado pelo Pai. Serão os mesmos que estariam no Horto das Oliveiras e já aqui há um liame notável com o tempo quaresmal que prepara os fiéis para a comemoração da Paixão e Morte do Salvador. O que se deu no Tabor, alta colina da Galiléia a 575 metros acima do nível do mar não foi uma alucinação coletiva ou a descrição de um belo sonho, nem uma epopéia fantamasgórica. Os Evangelistas não eram romancistas, ficcionistas, meros jornalistas. Eles propunham uma realidade de fé através do que Pedro, Tiago e João tinham visto e ouvido, ou seja, a manifestação resplandescente do Pai, do Filho então glorificado e do Espírito Santo, bem representado na nuvem que os encobriu. O que se deu com os três discípulos embevecidos na contemplação trinitária é o que ocorre tantas vezes quando um cristão se deixa imergir numa oração que leva a uma união íntima com o Deus três vezes santo. Instante no qual o fiel percebe algo sublime como se do céu uma porção se estivesse a degustar. É para a maioria um momento raro de uma manifestação-revelação do Ser Supremo. Trata-se da presença viva do Onipotente projetada nas vidas de seus fiéís através de uma luz peculiar. Então se pode repetir com São Pedro: “É bom estarmos aqui”. Não se pode, contudo, ter o céu nesta terra e Cristo deseja que cada um processe sua transfiguração pessoal nas árduas tarefas cotidianas, no relacionamento cordial com o próximo, na prática persistente das virtudes, não obstante as obscuridades próprias de uma passagem pelo exílio terreno até se chegar à luminosidade do céu. A felicidade perene não se aclimata bem neste mundo, pois é um tesouro da eternidade. Até lá, contudo, é possível na história espiritual de cada um viver momentos inefáveis, quando se entra dentro de si mesmo e se mergulha na total confiança em Deus em cuja presença se deve viver. Jesus deixou um alerta: para se chegar à glória eterna é preciso passar pelo Calvário e aí está uma lição quaresmal de notável valor ascético e místico. Eles depois desceram da montanha, dado que a colina do Gólgota em Jerusalém estava à espera do mesmo Jesus então não trasnfigurado, mas desfigurado pelo sofrimento, pela dor, pelo horrípilo martírio a bem da humanidade. Em suma, a transfiguração de Jesus foi uma resposta divina de amor incondicional que transfigura a humanidade desfigurada pelo pecado e pelos consequentes sofrimentos de um vale de lágrimas. Por isto mesmo, nunca se deve esquecer o que disse o Pai: “Este é o meu Filho amado, escutai-o”. Muitas vezes, porém são as vozes do mundo, dos falsos formadores de opinião que prevalecem na existência do batizado. Há um outro detalhe importante, ou seja, ao som destas palavras do Pai, diz São Lucas, “Jesus ficou só”. Nesta frase está bem clara a condição normal do discípulo de Cristo neste mundo o qual deve se ligar só no Mestre divino, percebendo sempre sua presença, até mesmo quando ele se oculta sob as espécies eucarísticas. Enxergar Jesus na sua humildade, paciência, benignidade por entre os deveres difíceis de cada hora. Concentrar nele toda a atenção, sem se deixar distrair pelas coisas do mundo. Tudo com Ele, por Ele e para Ele. Desta maneira, Ele aparecerá transparente, uma vez que em qualquer circunstância é um serviço que se está prestando a alguém e quem O vê no próximo valoriza as menores ações. Deste modo, tudo fica transfigurado para o cristão. É a vivência essencialmente cristológica da Transfiguração e de seu liame com os sofrimentos messiânicos, pois tudo que se empreende neste mundo exige esforço, sacrifício, que devem ser valorizados para, um dia, se entrar na inefável visão beatífica por toda a eternidade. Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.
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