O ENCONTRO COM DEUS
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Na sua imensa generosidade Deus mesmo veio ao encontro do homem como está claro na Bíblia. Ele se manifestou a Moisés como “Aquele que é”, ou seja, Aquele no qual a essência se confunde com a existência. Ele é o Ente Supremo, o próprio Ser subsistente. Assim sendo, dado que o homem deve, em consequência, se voltar para Ele, existe um preceito no Deuteronômio: “Amarás ao Senhor, teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças” (Dt 6,5). Entretanto, este encontro com Deus se deu em toda sua plenitude para ser racional através de Cristo. Com efeito, este foi o acontecimento maior de toda a história humana: a Encarnação da Segunda Pessoa da Santíssima Trindade. Aí o magno mistério de Deus que desceu do Céu para assumir nossa humanidade. Solene as palavras de São João no prólogo de seu Evangelho: “O Verbo se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1,14). O Papa Bento XVI foi felicíssimo ao explicar: “Aqui a palavra “carne”, segundo o uso hebraico, indica o homem na sua integralidade, o homem todo, mas justamente sob o aspecto da sua caducidade e temporalidade, de sua pobreza e contingência”. Eis porque não se pode deixar o corpo fora da relação de amor para com o Criador de tudo. No encontro com Deus o corpo tem um papel importante na caminhada espiritual. Não pode ser visto como um obstáculo à afinidade com a divindade. No pensamento humano, não iluminado pela fé, o ser de Deus se acha além de toda realidade material, sua perfeição não seria compatível com tudo que está presente no mundo cósmico. O homem não poderia assim se unir ao divino senão pela parte que escapa à matéria, isto é, pela sua alma. Na filosofia dualista grega o corpo humano era tido como o túmulo da alma. Sob o influxo desta errônea concepção muitas correntes espirituais ensinaram um desprezo do corpo, para oferecer à alma todas as possibilidades de se voltar para Deus. Cunhou-se até um princípio antropologicamente falso: “Tudo que se dá ao corpo, se tira da alma”. Deste modo, o corpo seria um entrave para o encontro com Deus. Na sua dimensão material isto seria verdade, tanto que São Paulo afirmou: “Eu castigo o meu corpo e conservo-o na escravidão, a fim de não me suceder que, depois de ter pregado aos outros, eu venha a ser desaprovado”. É que sob este aspecto o corpo é a fonte do pecado que afasta de Deus. Cristo, aliás, ordenou: “Se tua mão é para ti uma ocasião de pecado, corta-a {...} se o teu pé é para ti ocasião de pecado, corta-o [...] se o teu olho é para ti ocasião de pecado, arranca-o" (Mc 9, 43ss). Precioso alerta, dado que a pessoa humana é um corpo animado por uma alma e uma alma que anima o corpo, tanto que a alma separada do corpo não constitui a pessoa humana. Cristo, contudo, veio reencontrar o homem e é nesta mesma corporeidade que ele nos encaminha para o Pai. Por Jesus o corpo se tornou o sacramento do reencontro com Deus, apesar de destinado à morte por ser material. Foi pela carne do Verbo Encarnado, morto no Calvário, que o homem obteve a vida eterna e por Seu sangue aí derramado para remissão dos pecados que se deu a reabilitação humana. Corpo sagrado do Filho de Deus o qual depois de sepultado ressuscitou imortal e impassível já com um corpo glorioso. É o que se dará com o homem que morrerá, mas ressuscitará um dia a exemplo de Cristo. Adite-se que é pela água derramada no corpo no dia do Batismo que o cristão é introduzido na realidade do Corpo de Cristo. Este Corpo de Jesus alimenta o cristão na Eucaristia, Pão da vida eterna. Dentro destas considerações, o corpo deixa de ser um óbice para o encontro com Deus, pois na realização prática da fé está o fundamento deste encontro. A penitência que o cristão se impõe se torna então uma participação na paixão de Cristo na alheta de São Paulo: ”Eu completo em minha carne o que falta às tribulações de Cristo (1 Cor 1,14). A austeridade imposta ao corpo fica deste modo sublimada por uma configuração ao processo redentor de Jesus. Eis porque o corpo é uma parte integrante da relação com Deus ao qual se devota um amor que não pode ser afetado pelas imposições carnais. Assim sendo, não se pode esquecer a importância das genuflexões diante do Santíssimo Sacramento, a participação nos diversos ritos litúrgicos, nas procissões, o valor do sinal da cruz. Fica, portanto, afastado qualquer resquício de maniqueísmo. Isto representa o respeito que o cristão tem para com seu corpo que não pode ser manchado no pecado (1 Cor 6,13). Ele é o templo da Santíssima Trindade. Donde também o cuidado para com aqueles que passam necessidade (Mt 25,35-36). Cumpre, além disto, um crescimento contínuo na devoção à Eucaristia, pois o Corpo e Sangue de Cristo são o verdadeiro alimento do batizado. Em suma, deve-se amar a Deus também com todo nosso corpo, bem simbolizado no coração no preceito do Deuteronômio, * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.
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