A ESPIRITUALIDADE DO CRISTÃO
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Um dos segredos da vida cristão é saber transformar os obstáculos em meios de santificação. Em vez de crescer na aspereza, na intolerância, na insensibilidade, na crítica mordaz, na maledicência, no lamento, cumpre caminhar suavemente no sentido contrário a tudo isto. Progredir na simplicidade, na gratidão, no despojamento e na confiança. O júbilo tem a ver com uma essencialidade que só na simplicidade espiritual se pode acolher. Muitos, além disto, são os que deploram as tentações, as distrações nas orações, as dificuldades interiores e exteriores. Isto pode paralisar e desencorajar no percurso rumo à perfeição ordenada por Cristo: “Sede perfeitos como o Pai celeste é perfeito” (Mt 5,48). Os obstáculos, contudo, podem ser um trampolim para que o cristão se eleve até Deus. O reconhecimento da própria fraqueza já é um ato de humildade que muito agrada ao Ser Supremo e disto resulta um abandono confiante em Suas mãos, junto ao desejo sincero de evitar qualquer complacência com o que não está de acordo com Sua vontade santíssima e sapientíssima. O espírito de confiança leva à vitória contra o mal, dispõe o fiel a se concentrar nas suas preces e o deixa sereno diante de qualquer situação complicada. A segurança interior é fruto do contato continuo com Deus. As contingências terrenas vão sendo superadas e as adversidades se fazem degraus para se atingir uma espiritualidade mais apurada. Deus vai se tornando um amigo muito querido. Para tanto, sobretudo a participação no Santo Sacrifício da Missa e a Comunhão se tornam a força poderosa e se prolongam através do dia por força da união com a humanidade e divindade de Jesus. Fica assim mais fácil tomar a cruz de cada instante e seguir o Mestre (Mt 26,24). O que se esquece muitas vezes é que Jesus sempre insistiu na necessidade da penitência, da mortificação, da austeridade, o que se dá no cumprimento dos deveres cotidianos e na paciência perante as tribulações. No Evangelho se acham normas severas, imperiosas, mas também a certeza de que a doutrina de Cristo oferece a garantia da possibilidade de observá-las. Claras suas palavras: “Coragem, eu venci o mundo” (Jo 16,33). A ruptura com tudo que não se coaduna com o Decálogo é a marca definitiva da espiritualidade do seguidor de Cristo. Este foi claro: “Vos sois meus amigos se fizerdes o que eu vos prescrevo” (Jo 15,14). O resultado, entretanto, é faustoso, ou seja, o encontro da alegria verdadeira que flui sempre da consciência do dever cumprido. O ser humano vai atingindo sua plena maturidade e pode inclusive usufruir plenamente as maravilhas que o Criador espalhou nesta terra. Pauta seus atos pela virtude e pela coragem e vive intensamente cada instante dele tirando todo proveito. Feliz aquele que caminha segundo o Espírito Santo para uma semelhança com Cristo de progresso em progresso nas vias da própria santificação até alcançar “a medida da plena estatura de Cristo” (Ef 4,13). Trata-se do homem espiritual que tem o pensamento de Jesus (1 Cor 2,15). Para que se consiga chegar a este estágio cumpre nunca se opor à ação santificadora do Espírito Santo, não O contristando nunca (Ef 34,30). É deste modo que se concretiza o desejo de Jesus: ”Nisto será glorificado meu Pai: que deis muito fruto; e assim vos demonstrareis que sois meus discípulos (Jo 15,8). Desta maneira a verdadeira espiritualidade atinge todo o ser do cristão como falou São Paulo aos Tessalonicenses: “E ele próprio, o Deus da paz, vos santifique até à perfeição e que todo o vosso ser, o espírito, a alma e o corpo, se conserve irrepreensível para a vinda de nosso Senhor Jesus Cristo” (1 Tes 23). Em suma, uma inteligência renovada, sentimentos santificados, vontade inteiramente submissa aos ditames do Evangelho, o que vem a ser o fundamento indispensável do edifício cristão. A fé se torna assim uma afirmação divina, “consistência daquilo que se espera; demonstração de realidades que não se vêem” (Hb 11,1). Eis porque as provações são recebidas como um aspecto positivo da pedagogia de Deus na alheta do Apóstolo que afirmou: ”sabemos que Deus em tudo coopera para o bem daqueles que O amam” (Rom 8,28). Flui então, portanto, confiança total na sabedoria divina. A tudo isto se acrescente que Jesus sempre sublinhou a importância da fidelidade nas pequenas ações e aí está outro sinal de uma autêntica espiritualidade que não busca nunca ações espetaculares (Lc 16,10). * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.
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