quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

A CONVERSÃO QUARESMAL

                        A CONVERSÃO QUARESMAL
                                   Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
A quaresma é tempo propício à intensificação da conversão, numa rejeição sincera de tudo que impede o progresso espiritual. Esta atitude é indispensável para se obter a salvação eterna. Jesus foi claro: “Se não vos emendardes, pereceis todos” (Lc 13,3). Este alerta do Mestre divino é uma recordação palpitante do que Deus, no Antigo Testamento, falou pela boca do Profeta Ezequiel: “Sacudi de cima de vós todos os delitos nos quais caístes e forjai-vos um coração novo e um espírito novo. E porque quereríeis morrer, ó casa de Israel? Porque eu não sinto prazer na morte do que morre, diz o Senhor Javé. Convertei-vos e vivereis” (Ez 18 31-32). Está escrito no livro de Isaías: “Lavai-vos, purificai-vos, tirai a imundície das vossas ações de diante dos meus olhos. Cessai de fazer o mal, habituai-vos a fazer o bem” (Is 1,16-17). Entre as práticas penitenciais da quaresma que facilitam a metamorfose interior está uma maior sobriedade no comer e no beber. Mais do que os regimes alimentares terapêuticos visando a boa saúde corporal, é este comedimento uma terapia da alma. Com efeito, a temperança facilita o esforço ascético para se colocar em plena condição de se escutar a Deus. É caminho para a interioridade exatamente porque se vive numa sociedade de consumo na qual, por efeito da propaganda, há uma incitação aos maiores excessos. Os meios de comunicação não devem ser os mestres da vida do cristão. A moderação da gula e o espírito de oração têm uma profunda correlação. Além disto, durante a quaresma é preciso controlar ainda mais o que se fala, cortando críticas, maledicências.  A busca de uma maior misericórdia e paciência devem também fazer parte do roteiro quaresmal. Lançar para longe do coração qualquer ressentimento, refulgindo a gratidão a Deus e ao próximo. Isto significa o triunfo sobre o egoísmo. É preciso que a esperança brilhe, para que se possa depois se envolver nas alegrias pascais. Assim, de lado devem ficar as preocupações e inquietudes inúteis que revelam sempre falta de total confiança em Deus. Adite-se um rigoroso controle do tempo que leve à fuga de diversões inúteis e ocupações superficiais, não essenciais, evitando a dissipação que malbarata as horas preciosas do dia. Procura cuidadosa do silêncio para um íntimo diálogo com Deus. Eis aí tópicos importantes da conversão quaresmal que torna, por isto mesmo, a quaresma um tempo de luta espiritual em diversos níveis da existência de cada um. Combate corajoso contra o orgulho, as tentações, contra tudo que afasta o cristão da presença de Deus e entrava o progresso espiritual. Além do mais, este é um contexto especial para que se prepare uma ótima confissão, buscando os tesouros celestiais do perdão divino, que dispõem a comunhões fervorosas. Tal o conselho de São Tiago: “Aproximai-vos de Deus e ele se aproximará de vós [...] Purificai os vossos corações” (Tg 4,8). Está no livro do Apocalipse o que diz o Senhor: “Eis que estou à porta e bato. Se alguém ouvir a minha voz e me abrir a porta, entrarei em casa dele e cearemos juntos, eu com ele e ele comigo” (Ap 3,20). Isto inclui então o arrependimento de todos os erros e a renúncia corajosa ao pecado. Esta atitude, contudo, exige energia. A paz da consciência requer a entrega filial nas mãos de Deus, sem medo, sem tergiversação. Nada de retorno aos ídolos criados pela mídia, aos falsos deuses. O Ser Supremo, Ele sim, deve ter a prioridade em tudo. Ser cristão é seguir totalmente o que Jesus ensinou, trilhando sempre os caminhos da virtude, na vivência completa de tudo que o Pai revelou. A quaresma vem, deste modo, lembrar que é necessário se render à lógica do amor de Deus. Assim sendo, a conversão quaresmal supõe o exercício da dileção com a qual Jesus caminhou até o Calvário para fazer florir o amor em plenitude. Isto significa abandonar a rotina de uma existência medíocre.  Mais do que nunca é preciso que os cristãos se tornem testemunhas fiéis da palavra de Deus para  poderem, após a própria metanóia,  converter aqueles que se acham longe do Divino Pastor. Trata-se de uma transformação fundamental dos pensamentos, do modo de ser, num total convertimento espiritual. Este é o tempo para fazer a comunidade na qual se vive mais luminosa, harmoniosa e verdadeiramente cristã. A penitência quaresmal envolve tudo isto e então o fiel, do primeiro degrau do progresso espiritual que é o desprendimento de tudo que é passageiro e transitório, passa à segunda etapa que é sua união com Deus, inebriado na sua grandeza infinita que leva a uma reverência humilde ao Criador de tudo. Então, até o dia da Páscoa se estará no cimo da preparação para poder contemplar a luminosidade  da vitória de Cristo, participando, realmente, de sua gloriosa ressurreição, centrado cada um não nas ilusões terrenas, mas nos valores eternos.* Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.





quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

O COMPLEXO MUNDO DO TRABALHO

O COMPLEXO MUNDO DO TRABALHO
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Desde a Revolução Industrial o trabalho humano ganhou dimensões tais que transformou o panorama econômico do mundo. Tudo a girar em torno da aceleração produtiva. Acumulação do capital se tornou uma realidade. De plano, agravou-se o abismo entre ricos pobres, fenômeno que, posteriormente, se ampliou  e fez surgir  nações poderosas e outras legadas à pobreza. Desordem distributiva visível entre as classes sociais. Desequilíbrio, objeto do estudo dos cientistas sociais e dos economistas a buscarem explicações, soluções e a apontarem caminhos de um desenvolvimento sustentável que trouxesse a verdadeira harmonia sócio-econômica.  O capitalismo selvagem se viu frente a frente com o marxismo. No inicio deste milênio, com o esvaziamento marxista e as desgraças ocasionadas pelos excessos do capitalismo, percebe-se uma tendência a uma opção pela maior valorizarão do trabalho em si e um maior respeito à dignidade da pessoa humana. Pois bem, em momento algum, através de sua doutrina social, a Igreja se omitiu e os princípios por ela exarados se apresentam até hoje como a sólida  segurança de um  desenvolvimento mais humano e eqüitativo..A carta magna dos trabalhadores foi a Rerum Novarum de Leão XIII. Esta encíclica chamou claramente a atenção para a pessoa que realiza um trabalho, o qual não poderia ser considerado uma mercadoria na alheta dos marxistas. Clamava  o Papa pela justiça social e pelos direitos dos operários que deveriam ter um salário justo, podendo se associar na defesa de uma classe que não deveria ser explorada. Pio XI alertou sobre a situação deprimente do proletariado e patenteou que  uma iníqua distribuição dos bens temporais não podia estar de acordo com a vontade de Deus. Pio XII prosseguiu na mesma linha e ecoa até hoje o que ele sintetizou numa sentença fulgurante: “O supérfluo dos ricos pertence aos pobres”. A economia de cada nação deveria oferecer as condições materiais na qual pudesse se desenvolver plenamente a vida individual dos cidadãos. A doutrina deste sábio Pontífice preparou a Mater et Magistra de João XXIII. Neste documento uma orientação luminosa: “ A presença do Estado no campo econômico, por mais ampla e profunda que seja, não pode ter como meta reduzir cada vez mais a esfera da liberdade da iniciativa pessoal dos cidadãos; pelo contrário deve garantir a essa  esfera a maior latitude possível, protegendo efetivamente, em favor de todos e de cada um, os direitos essenciais da pessoa humana”. Paulo VI, sobretudo na encíclica Populorum progressio exaltou magnificamente o aspecto criador inato a toda atividade humana, enquanto o homem colabora com Deus na construção de um mundo melhor. Com a sabedoria que o caracterizou o bem-aventurado João Paulo II nos seus escritos  aprofundou todos estes aspectos e afirmou solenemente o  princípio da prioridade do trabalho face ao capital, salientando-se sua encíclica Laborem exercens. Bento XVI na sua mensagem para o dia primeiro de janeiro de 2013 fustigou as ideologias do liberalismo radical e a tecnocracia, defendendo a dignidade do trabalhador. Criticou então o crescimento econômico ao preço da erosão da função social do Estado e das redes de solidariedade da sociedade civil e dos direitos e deveres sociais. Estes deveres, insistiu ele, são fundamentais para a plena realização dos outros direitos e deveres cívicos e políticos. Diante de uma ameaça visível ao direito ao trabalho, incentivou então a todos a procurar políticas corajosas e inovadoras. Eis suas palavras textuais: ”A realização deste objetivo ambicioso tem por condição uma apreensão renovada do trabalho fundada sob princípios éticos e valores espirituais que levam a reforçar sua concepção como bem fundamental para a pessoa, a família e a sociedade”. Portanto, na visão da Igreja o trabalho deve sempre assegurar a dignidade essencial de cada um num mundo no qual haja mais solidariedade com uma distribuição mais equânime da riqueza que não pode ficar concentrada nas mãos de uns poucos. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.



segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

REFLEXÕES SOBRE A RENÚNCIA DO PAPA




REFLEXÕES SOBRE A RENÚNCIA DO PAPA
Côn.José Geraldo Vidigal de Carvalho*
No turbilhão das mais variadas notícias e comentários atinentes à renúncia de Bento XVI o significado mais profundo deste gesto pontifício fica obnubilado. Nobreza e desprendimento fulgem na atitude deste sucessor de Pedro. Num contexto histórico no qual se verifica uma metamorfose do conceito de valores por força do relativismo imperante e no qual, por isto mesmo, o referencial ético fica comprometido, fulgem a dignidade e a modéstia de um Pastor e de um dos maiores pensadores hodiernos. É evidente que isto resulta da irradiante espiritualidade de quem vive o que fala e escreve deste os tempos de sua trajetória como professor abalizado e, posteriormente, como Mestre de toda a cristandade. Alicerçado na sua visão de Igreja e do mundo pós-moderno, o Papa percebeu que suas limitações físicas o impediam de exercer uma missão tão espinhosa e que a glória de Deus e o bem das almas estavam acima de todas as honras que retinha no cargo que exercia.  Deixa o pontificado com serenidade e muita humildade. Fez refulgir diante da humanidade uma fé profunda nas realidades que transcendem este mundo e, não tendo apego ao poder, ao deixá-lo, vai agora imergir ainda mais na contemplação intensa daquelas verdades que irradiou por toda parte. Lega uma lição maravilhosa para todos que se escravizam às vaidades terrenas e seus símbolos mistificadores. Patenteou aos homens e mulheres de hoje que cumpre enfrentar a realidade face a face para, sob as luzes divinas, tomar sempre destemidamente as resoluções mais acertadas. Há na postura de Bento XVI um convite a que se penetre fundo no sentido da renúncia. Esta não é, como muitos julgam erroneamente, sinal de debilidade, de fuga do dever a cumprir, mas, ao contrário, é sinal de fortaleza, quando há o reconhecimento dos limites impostos pela saúde e pela idade. Além disto, é preciso continuamente que cada um deixe de lado o egoísmo e seus interesses pessoais. Como isto deveria, sobretudo, tocar os políticos de toda parte, muitos deles narcisistas, laborando apenas pelos seus interesses pessoais e pouco se importando com o bem comum. Muitos homens públicos, infelizmente, se especializaram na arte de extorquir os outros e o patrimônio que pertence a todos os cidadãos. Bento XVI renuncia a seus direitos de Sumo Pontífice, mas, livre das ocupações e preocupações de um cargo tão afanoso, terá ainda mais tempo para, já nesta terra, prosseguir degustando as delícias da eternidade. Por isto, como ele mesmo declarou, estará ainda mais perto de todos os fiéis pelos quais estará orando na presença do Ser Supremo com o qual estará em tertúlias mais prolongadas. Fica então também uma mensagem de desapego para todos que neste mundo pós-moderno vivem num ambiente impregnado por todas as aliciações da economia de mercado no qual o que vale é ter coisas materiais e não o  viver na plenitude da valorização interior. O Cardeal Joseph Ratzinger cumpriu magnificamente sua missão como Papa e será sempre lembrado pelo equilíbrio e pela dedicação com que sabiamente conduziu a nau de Pedro como Mestre e Pastor. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.
      

      



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domingo, 17 de fevereiro de 2013

O QUE NENHUM PAPA PODE APROVAR


O QUE NENHUM PAPA PODE APROVAR
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Entre o tumulto de opiniões as mais irrisórias as quais estão disseminadas na mídia, comentando a renúncia do Papa Bento XVI estão assertivas completamente errôneas, afirmando,  inclusive, que um Chefe da Igreja  atualizado, moderno, poderá inclusive ir contra a Lei divina.
O Papa, seja ele quem for, não  aprovará nunca o aborto e a eutanásia, que são contra o quinto mandamento da lei de Deus; a homossexualidade como livre opção sexual, que vai contra o sexto mandamento e recomendará sempre a castidade..
O Papa Bento XVI está sendo injustamente condenado pelos tribunais anticlericais por não ter cedido a nada que afronta o Decálogo.
A Igreja não transigirá nunca diante do que Deus estabeleceu. Ela continuará sempre a pregar a Verdade doa a quem doer.
A História com o passar do tempo irá mostrar  ainda mais a grandiosidade do pontificado de Joseph Ratzinger e, por certo, ratificará  aspectos positivos que inúmeros bons historiadores já estão focalizando.
O esforço de erigir padrões de julgamento é a anti-história. O que se exige, isto sim, é a análise profunda do que aconteceu. Busca das conexões causais, das significações, dos valores. Daí a necessidade do cientista social apreender, diagnosticar e explicar. Não é sua tarefa julgar e quem é movido por uma subjetividade condenável.emite juízos de valores que deturpam inteiramente os fatos e os personagens neles envolvidos. 
A História, enquanto ciência, é a testemunha das épocas, a luz da verdade, a vida da memória, a mestra da vida, a mensageira da antiguidade. O tempo passado orienta o presente e o porvir.
É preciso dar tempo ao tempo para uma hermenêutica não passional do que foi o pontificado de Bento XVI e  cumpre não se aceite a superficialidade com que o mandato do atual Papa vem sendo mostrado.
Percebe-se, além disto, por parte de certos comentaristas  um profundo ódio à Igreja católica e se pugna pela desestruturação completa da instituição estabelecida por Jesus Cristo.
A História  não pode ser exercitada como apoio a um projeto político, a uma ideologia,  ou a outra finalidade qualquer, porque se isto ocorrer haverá infalivelmente a manipulação dos fatos, das idéias e se distorcerá inteiramente a verdadeira postura de qualquer personagem.
Nada mais indesejável do que uma interpretação preconceituosa de fatos e pessoas.
O novo Papa que sucederá Bento XVI encontrará novos problemas, mesmo porque a sociedade se transforma continuamente por força do progresso tecnológico e científico, mas saberá, com discernimento, guiar os fiéis, como o fizeram seus antecessores. Estará firme na defesa da fé, lutando contra o relativismo e todos os erros que contradigam a Verdade revelada e o Decálogo sagrado. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

JESUS TRANSFIGURADO, ÍCONE DO CRISTÃO

                  JESUS TRANSFIGURADO, ÍCONE DO CRISTÃO
                              Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
A narrativa da transfiguração de Jesus apresentada em plena quaresma tem um profundo significado. Não, evidentemente, como um fato maravilhoso e recordado fora de tempo oportuno, mas como uma lembrança viva da pessoa divina do Redentor da qual deve participar todo batizado. É de se notar que os evangelhos sinóticos, pouco antes de registrarem o que ocorreu no Monte Tabor, anotaram a interrogação de Cristo: “Vós quem dizeis que eu sou?” (Lc 9,20). A resposta de Pedro foi taxativa: “O Ungido de Deus”. Pois bem, Jesus depois tomou exatamente Pedro e  dois Apóstolos e os levou à montanha e lá confirmou que Ele era, de fato, o enviado pelo Pai. Serão os mesmos que estariam no Horto das Oliveiras e já aqui há um liame notável com o tempo quaresmal que prepara os fiéis para a comemoração da Paixão e Morte do Salvador. O que se deu no Tabor,  alta colina da Galiléia a 575 metros acima do nível do mar não foi uma alucinação coletiva ou a descrição de um belo sonho, nem uma epopéia fantamasgórica. Os Evangelistas não eram romancistas, ficcionistas,  meros jornalistas. Eles propunham uma realidade de fé através do que Pedro, Tiago e João tinham visto e ouvido, ou seja, a manifestação resplandescente do Pai, do Filho então glorificado e do Espírito Santo, bem representado na nuvem que os encobriu. O que se deu com os três discípulos embevecidos na contemplação trinitária é o que ocorre tantas vezes quando um cristão se deixa imergir numa oração que leva a uma união íntima com o Deus três vezes santo. Instante  no qual o fiel percebe algo sublime como se do céu uma porção se estivesse a degustar. É para a maioria um momento raro de uma manifestação-revelação do Ser Supremo. Trata-se da presença viva do Onipotente projetada nas vidas de seus fiéís  através de uma luz peculiar. Então se pode repetir com São Pedro: “É bom estarmos aqui”. Não se pode, contudo, ter o céu nesta terra e Cristo deseja que cada um processe sua transfiguração pessoal nas árduas tarefas cotidianas, no relacionamento cordial com o próximo, na prática persistente das virtudes, não obstante as obscuridades próprias de uma passagem pelo exílio terreno até se chegar à luminosidade do céu. A felicidade perene não se aclimata bem neste mundo, pois é um tesouro da eternidade. Até lá, contudo, é possível na história espiritual de cada um viver momentos inefáveis, quando se entra dentro de si mesmo e se mergulha na total confiança em Deus em cuja presença se deve viver. Jesus deixou um alerta: para se chegar à glória eterna é preciso passar pelo Calvário e aí está uma lição quaresmal de notável valor ascético e místico. Eles depois desceram da montanha, dado que a colina do Gólgota em Jerusalém estava à espera do mesmo Jesus então não trasnfigurado, mas desfigurado pelo sofrimento, pela dor, pelo horrípilo martírio a bem da humanidade. Em suma, a transfiguração de Jesus foi uma resposta divina de amor incondicional que transfigura a humanidade desfigurada pelo pecado  e pelos consequentes sofrimentos de um vale de lágrimas. Por isto mesmo, nunca se deve esquecer o que disse o Pai: “Este é o meu Filho amado, escutai-o”. Muitas vezes, porém são as vozes do mundo, dos falsos formadores de opinião que prevalecem na existência do batizado. Há um outro detalhe importante, ou seja,  ao som  destas palavras do Pai, diz São Lucas, “Jesus ficou só”. Nesta frase  está bem clara a condição normal do discípulo de Cristo neste mundo o qual deve se ligar só no Mestre divino, percebendo sempre sua presença, até mesmo quando ele se oculta sob as espécies eucarísticas. Enxergar Jesus na sua humildade, paciência, benignidade  por entre os deveres difíceis de cada hora. Concentrar nele toda a atenção, sem se deixar distrair pelas coisas do mundo. Tudo com Ele, por Ele e para Ele. Desta maneira, Ele aparecerá transparente, uma vez que em qualquer circunstância é um serviço que se está prestando a alguém e quem O vê no próximo valoriza as menores ações. Deste modo,  tudo fica transfigurado para o cristão. É a vivência essencialmente cristológica da Transfiguração e de seu liame com os sofrimentos messiânicos, pois tudo que se empreende neste mundo exige esforço, sacrifício, que devem ser valorizados  para, um dia, se entrar na inefável visão beatífica por toda a eternidade. Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

CARÁTER TEÂNDRICO DA IGREJA

CARÁTER TEÂNDRICO DA IGREJA
                                   Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
 Ante o sensacionalismo com que os meios de comunicação social estão a divulgar as opiniões sobre outras possíveis causas  da renúncia de Bento XVI, cumpre, em primeiro lugar não se esquecer o caráter teândrico da Igreja, ou seja, ela é divina (theos) e humana (ander). Apontam alguns os escândalos morais ocorridos dentro da Igreja durante o pontificado do atual Papa como um dos fatores que mais o abalaram e o levaram à deixar o pontificado.  A Igreja na parte divina ela é incorruptível. Na parte humana há falhas. Com a liberdade de pesquisa que um Historiador sério, não jornalistas despreparados e mal intencionados, deve ter, para que ele bem  possa  compreender certos aspectos da Cidade de Deus,  há que  levar em consideração este caráter teândrico do Corpo Místico de Cristo. A Igreja é uma realidade divina e humana. Pio XII na Encíclica Mystici Corporis Christi explicava que, quando nesta Instituição se descobre algo que argüi a debilidade de nossa condição humana não há que se atribuir isto à sua constituição jurídica, senão à deplorável inclinação dos indivíduos ao mal, a qual o seu Fundador permite ainda nos mais altos membros do Corpo Místico, para que se prove a virtude das ovelhas e dos pastores e para que em todos nós se aumentem os méritos da fé cristã. Como dizia o Apóstolo Paulo, Jesus amou esta Igreja “e por ela se entregou a si mesmo para a santificar, purificando-a no batismo da água pela palavra da vida para apresentar a si mesmo esta Igreja gloriosa sem mácula, sem ruga ou coisa semelhante, mas santa e imaculada” (Ef 5, 24-27). O divino que há na Igreja brilha preciosamente com maiores fulgores no meio das sombras. Deus respeita sempre a vontade livre do homem. A melhor prova da indestrutibilidade da Igreja é, exatamente, o fato de que, apesar das múltiplas faltas dos homens, clero e fiéis, ela não pereceu. Além disto,  não se pode esquecer  que entre doze apóstolos que conviviam com Jesus e viram seus milagres, um O traiu; outro (Pedro) o negou; todos, menos João, covardemente, fugiram e não estiveram no Calvário. Numa Igreja que tem mais de dois mil anos é claro que iriam se multiplicar os Judas  e outros que errariam. Entretanto, na sua milenar História são milhões de santos de todas as classes, de sacerdotes, bispos e papas de todas as nações, heróis na prática das virtudes evangélicas. Voltar a falar em pedofilia eclesiástica, sem ponderar sobre a santidade de milhares de bons sacerdotes é um sofisma inominável. Só Deus é perfeito! Quer o bem-aventurado João Paulo II, quer Bento XVI agiram sempre com muita firmeza e prudência. Além disto, os fiéis devem estar atentos a tudo mais que está sendo propalado injustamente sobre o Vaticano. Cumpre ter senso crítico diante dos noticiários e comentários e não vacilar na fé. Jesus foi claro ao afirmar que as portas do inferno não prevaleceriam contra sua Igreja (Mt 16,18). * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos



terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

O LEGADO DE BENTO XVI

O LEGADO DO PAPA BENTO XVI
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Diante da decisão do Papa Bento XVI de renunciar a partir do dia 28 de fevereiro o importante é, sem dúvida, que se reflita sobre o legado que o sucessor de bem-aventurado João Paulo II deixa para a História. Além de seu acendrado amor à Igreja, com sua invejável cultura, Ele soube sabiamente interpretar o Vaticano II apresentando orientações condizentes a este contexto pós-moderno. Bento XVI é um dos maiores intelectuais do mundo contemporâneo e se tornou um dos mais notáveis pontífices da História da Igreja, um Pastor de almas dedicado, a exemplo de São Paulo, fazendo-se tudo para todos para a todos salvar. Ele ofereceu à Igreja e ao mundo uma extraordinária lição de um estilo pastoral o qual revelou um serviço eclesial que patenteou um Pontífice inteiramente atento a todas as necessidades dos homens e mulheres de todas as nações, raças e crenças. Tal foi sempre sua postura em suas alocuções, nas suas viagens apostólicas na Itália e em outros paises, nos livros que publicou e, sobretudo, nas suas três monumentais encíclicas: “Deus é amor”; “Spes Salvi “ sobre Esperança cristã e “Caridade na Verdade”. Ele soube recolher a herança deixada pelo seus predecessores e, com seu modo de ser doce e reservado, com suas palavras moderadas e profundas, com seus gestos medidos, mas incisivos fez um trabalho apostólico de uma relevância tal que superará todas as declarações tendenciosas daqueles que querem uma Igreja desestruturada e que pregam uma teologia libertária, bem longe da verdadeira libertação preconizada na Bíblia. Ele sempre soube escutar a palavra e a vontade divinas, se deixou guiar continuamente pelas luzes do Espírito Santo. Por isto ele foi um profeta que sempre falou de Deus com uma fidelidade, com um destemor dos grandes personagens bíblicos. Com coragem apontou sempre os erros do mundo hodierno, criticou a violência que pretende ter uma justificação religiosa, execrando sem cessar o relativismo e o hedonismo. Procurou corrigir os desvios éticos com prudência, mas com inflexibilidade. No centro de seu pensamento nunca deixou de estar presente a questão da relação entre a fé e razão, entre a religião e a renúncia à violentação da liberdade religiosa.  Não houve neste pontificado uma involução como certos comentaristas apressados estão propalando, nem ele foi um mero pontífice de transição, mas, isto sim, foi um papa de progressão, que impulsionou um movimento histórico ou marcha para diante da grei de Cristo, resguardando com firmeza os princípios que fundamentam uma fé esclarecida, baseada no amor de Deus pelo homem e que encontra na cruz do Redentor e na sua ressurreição sua máxima expressão. É que para Bento XVI a fé nunca foi uma questão a ser solucionada, mas um dom que deve ser redescoberto dia a dia, trazendo alegria e a plenitude da paz.   As especulações sobre as causas da renúncia do Papa são fruto de interpretações fantasiosas. Na sua declaração o Papa foi claro: “No mundo de hoje, sujeito a rápidas mudanças e agitado por questões de grande relevância para a vida da fé, para governar a barca de São Pedro e anunciar o Evangelho, é necessário também o vigor quer do corpo quer do espírito; vigor este, que, nos últimos meses, foi diminuindo de tal modo em mim que tenho de reconhecer a minha incapacidade para administrar bem o ministério que me foi confiado. Por isso, bem consciente da gravidade deste ato, com plena liberdade, declaro que renuncio ao ministério de Bispo de Roma, Sucessor de São Pedro, que me foi confiado pela mão dos Cardeais em 19 de Abril de 2005, pelo que, a partir de 28 de Fevereiro de 2013, às 20,00 horas, a sede de Roma, a sede de São Pedro, ficará vacante e deverá ser convocado, por aqueles a quem tal compete, o Conclave para a eleição do novo Sumo Pontífice”. É um papa que deixará marcas positivas na história. Cabe agora aos fiéis rezarem para que os Cardeais, iluminados pelo Espírito Santo, escolham o novo Papa que prosseguirá impulsionando a Evangelização no mundo como o fez com galhardia e muito talento Bento XVI. Até lá haverá o abuso indevido dos termos conservador, progressista e quejandos, rotulando aquele que supostamente será o 265o sucessor de Pedro * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

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domingo, 10 de fevereiro de 2013

Pescadores de almas

PESCADORES DE ALMAS
      Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Aventura sublime: de pescadores de peixes a pescadores de almas! Os primeiros discípulos de Jesus que admirados haviam presenciado a pesca milagrosa, mais espantados ficaram quando Jesus disse a Pedro: “Não tenhas medo, doravante serás pescador de homens”. Conclui o Evangelista Lucas que depois de conduzirem os barcos para a terra, deixaram tudo para seguirem a Cristo (Lc 5,1-21). Foi um ato corajoso movido pela fé, pois eles mal conheciam o Mestre divino e sabiam, apenas que Ele era um novo pregador na Galiléia, com palavra repleta de autoridade, que fizera algumas curas em Cafarnaum. Diante, porém, do fato maravilhoso de uma pesca, para eles inteiramente improvável, sobretudo pela hora do dia e num momento inteiramente fora de propósito, ocorreu para aqueles rudes pescadores a lógica de uma profunda confiança. Eles haviam obedecido a uma ordem estranha para quem era acostumado àquela tarefa e que não haviam nada conseguido durante toda a noite, mais propícia para uma pescaria: “Lançai as redes”. Uma ordem que transformou suas vidas e tocou seus corações. Novas perspectivas surgem para Simão e os filhos de Zebedeu, Tiago e João, cuja existência recebe então um sentido, um rumo profundamente transformador. Algo maravilhoso se passou então na mente dos primeiros apóstolos que nem de longe poderiam vislumbrar o que lhes aconteceria no futuro numa mudança radical de vida. Através dos tempos milhares abandonariam tudo para, imitando estes corajosos pescadores, se lançarem a um apostolado vibrante aderidos aos sucessores dos apóstolos e na vivência eficiente do batismo que torna o cristão partícipe do múnus profético e régio do divino Redentor. A Igreja sempre precisaria de pescadores de almas, como aconteceria depois com São Paulo e centenas de outros conscientes da urgência de anunciar por toda parte a Boa Nova da salvação de Deus. Jesus está sempre à procura de sacerdotes e colaboradores leigos para as mais diversas pastorais e quer generosidade, desprendimento, coragem, disposição para que o Reino de Deus se torne sempre uma venturosa realidade. Cumpre, assim, alimentar a vocação para o apostolado através da Palavra revelada a qual dá uma nova dinâmica para a proclamação da fé. Isto consiste em deixar o Espírito Santo falar através de uma existência integralmente impregnada pelo Evangelho. Ninguém sabe a hora em que Jesus quer agir através de cada um de seus discípulos e é preciso a disponibilidade dos primeiros apóstolos para cooperar na conversão dos irmãos. É importantíssima esta revisão de vida, pois conduz a um discurso edificante em mensagens oportunas, atos e preces pela obra da evangelização. Inúmeros são aqueles que querem dar um sentido a suas vidas e a mudarem profundamente, se tornando católicos praticantes e convictos. Jesus, realmente, conta com a boa vontade de todos que O amam e querem fazê-lo conhecido e mais amado. Tornar-se pescadores de almas, seguindo a Cristo, é sempre uma postura necessária e que chama à responsabilidade todo batizado. Cumpre não hesitar e cada um, de acordo com seus dotes e carismas pessoais, pode e deve colaborar generosamente no projeto missionário da Igreja no meio em que vive, a saber, no lar, no trabalho, na escola, nos lugares de diversão. Jesus chama a cada batizado para esta tarefa sublime e este apelo é fecundo, pois cria a capacidade de responder, corresponder e  segui-lo sem desfalecimentos. Este seguimento é um dom não menor que o próprio chamado divino. Faz despertar um apostolado que ilumina não só a própria vida, mas a existência de todos que estão à volta do verdadeiro cristão. É que este convite de Cristo não pressupõe uma predisposição à correspondência ao mesmo, mas oferece, isto sim, a possibilidade de ser apóstolo. Trata-se de um “sim”, de uma adesão que devem ser como um eco impossível de ser contido, pois Jesus mesmo disse que veio para que todos tivessem a vida e a tivessem em abundância e Ele espera a cooperação de seus epígonos para  que  todos que realmente O conheçam e amem. Para isto é preciso estar sempre com Jesus para poder exercer um papel ativo pela sua causa. Há, de fato, uma diferença entre estar com Cristo e lutar por Cristo. É inútil, com efeito, proclamar as maravilhas do Filho de Deus se Ele fica à distância. Tanto isto é verdade, que os discípulos que assistiram a maravilhosa pesca não poderiam apenas proclamar por toda parte o que haviam presenciado, mas se puseram imediatamente a seguir Jesus. Inúmeros são aqueles que muito falam, mas pouco agem, exatamente porque não vivem profundamente unidos ao Mestre divino e não podem repetir com  São Paulo: “Já não sou eu quem vive, é Cristo quem vive em mim” (Gl 2.19-20). Apenas deste modo pode o cristão ser um verdadeiro pescador de almas. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

sábado, 9 de fevereiro de 2013

VITÓRIA SOBRE AS TENTAÇÕES

VITÓRIA SOBRE AS TENTAÇÕES
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
No início da quaresma a narrativa da cena da estadia de Jesus no deserto e de seu tríplice combate diante do tentador, com as sequentes vitórias, patenteia um momento crucial no início da vida pública do Redentor. É significativa Sua ida  para um lugar solitário. Aí Ele se entrega à oração, como depois acontecerá no Horto das Oliveiras onde se doará outra vez à vontade do Pai, Ele que estaria junto dos homens nos caminhos da Palestina antes de sua imolação no Calvário. Eis momentos marcantes dos grandes combates por Deus e pelos homens, pela Verdade e pela Vida, experimentados pelo Filho de Deus. A quaresma vem lembrar aos fiéis o combate espiritual, a luta. Tempo precioso para ainda mais  imitar e seguir a Cristo e manifestar o acolhimento ao seu maravilhoso amor, consumado na sua doação pela salvação da humanidade. Isto exige um melhor conhecimento do Mestre divino e uma abertura à sua luz celestial para lhe ser totalmente fiel. O deserto é o lugar bíblico do encontro com Deus, do combate ao maligno, da contemplação das realidades sobrenaturais, da fuga do mundo, de despojamento das ilusões terrenas. Na vida cotidiana do cristão há momentos e espaços para viver esta experiência do deserto. No silêncio das Igrejas, no recolhimento de um recinto da própria casa reservado à oração, nunca faltam momentos especiais de união com o Ser Supremo, deixando o Espírito Santo falar, fortalecer, esclarecer. Isto, mormente deve se dar no período quaresmal. Jesus sentiu fome, que é sinal da fragilidade humana, a qual deve ser saciada, mas sem voracidade e na abstenção de tudo que prejudica a saúde. A ousadia do espírito maligno propondo a Jesus que se lançasse a seus pés em adoração como condição da soberania sobre o universo é outro alerta importante. Inúmeros os ídolos aos quais tantos cristãos se rendem, sobretudo, numa sociedade de consumo no afã de sempre querer mais, se tornando escravo da economia de mercado que atrai com propagandas enganosas. Além disto, o fato de o demônio ter sugerido a Jesus  se lançar do alto do templo é uma expressão da fuga das responsabilidades de cada um, ao se projetar no ilusório, no desperdício do tempo, horas e horas diante da televisão ou o dissipando nas  redes sociais de relacionamento da internet. Todas estas proposições satânicas mostram a necessidade imperiosa do autocontrole para, com a graça divina obtida através da mortificação, da penitência, se poder triunfar sobre as aliciações do diabo. Jesus, tentado por satanás, quis mostrar que não se pode esvaziar a realidade da tentação. Centenas de vezes ao se rezar o “Pai Nosso” seu discípulo pede ao Pai: “Não nos deixeis cair em tentação”. No entanto muitos se entregam a uma fatal acomodação, não fugindo das ocasiões de pecado, expondo-se a um teste, a uma prova na qual inevitável mente vão sucumbir.  Falta então o discernimento, resultando a fraqueza da vontade que acaba fraquejando. Na vida espiritual o forte é quem foge das ciladas do demônio, para poder sempre viver em função da Palavra de Deus sem jamais a perverter, se lançando em circunstâncias que conduzem à perda da graça santificante. O cristão, então se fortalece espiritualmente para qualquer eventualidade com o Pão do céu que é Jesus eucarístico, evitando transformar a oração em idolatria, quando se pede a Deus não o que é necessário à própria salvação, mas o supérfluo para a existência, o que é uma perversão da prece que não leva a uma conversão, mas à obsessão de tudo ter.  Para não se lançar no precipício da omissão dos deveres é mister, além do mais,  a coragem que demonstrou Jesus, repelindo logo as insinuações do maligno. Finalmente, é preciso afastar todo e qualquer equívoco, pois o combate que Cristo permitiu houvesse entre Ele e o diabo não deve se apresentar ao seu discípulo como algo impossível de ser vencido. É que imerso no mistério trinitário se pode repetir sempre com São Paulo: “Eu tudo posso naquele que é a minha fortaleza” (Fp 4,13). Jesus foi conduzido ao deserto pelo Espírito Santo e, fiel à missão que Lhe fora confiada pelo Pai, derrotou o demônio. Trata-se de um combate espiritual, mas com o Espírito divino a vitória é de Cristo com o qual se identifica o cristão e o objetivo é a vontade do Pai. Com isto, nem a gula, nem a idolatria, nem a omissão impedem a caminhada rumo à Trindade Santa na Jerusalém celeste. Por tudo isto a quaresma envolve na esperança fagueira de que nunca se cairá nas garras de satanás. Ninguém pode escapar à prova da tentação, mas o progresso do cristão se realiza no combate. Para se conhecer a si mesmo é preciso ser provado e não pode ser coroado sem ter vencido o inimigo e suas invectivas. Deste modo, as tentações de Jesus trazem uma formidável esperança, porque mostram que o fiel, revestido da austeridade, com a graça de Deus, será sempre um vitorioso! * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.


quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

O SIGNIFICADO DA MORTE DE CRISTO

O SIGNIFICADO DA MORTE DE CRISTO
Côn.José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Muitas vezes se reflete sobre o motivo do sacrifício do Calvário o que é sumamente importante para a vida espiritual do cristão.  É necessário, porém, além disto, ir fundo no significado da morte do Filho de Deus. São Paulo na Carta aos Filipenses ressalta que Cristo Jesus “despojou-se a si mesmo, tomando a natureza de servo” (Fl 2,7).  Ele, realmente, renunciou a si mesmo num total abandono ao Pai, tornando-se “oblação e sacrifício de agradável odor” (Ef 5,2), “humilhou-se, fazendo-se obediente até à morte e à morte de cruz” (Fl 2,8). Ele consentiu inteiramente nesta entrega radical, sendo o servidor sujeito ao Pai, imergindo-se totalmente no silêncio de Deus. Este aspecto da cristologia é importante, dado que a glorificação de Jesus decorreu exatamente desta sua postura. Explica São Paulo: “Por isto Deus o exaltou e lhe deu o nome que está acima de todo o nome, para que, ao nome de Jesus, todo o joelho se dobre, nos céus, na terra, e abaixo da terra, e toda a língua proclame que Jesus Cristo é o senhor para a glória de Deus Pai” (Fl 2, 9-11). Eis aí o fundamento de toda honra e glória do divino Redentor da humanidade. O rebaixamento voluntário do Filho corresponde à honraria que Lhe estabelece o Pai. Houve um sublime intercâmbio entre estas duas Pessoas da Santíssima Trindade sob o influxo do Espírito Santo, dado que tudo isto se deu por força de um amor mútuo sem limites. O próprio Jesus assim se dirigiu ao Pai: “É chegada a hora. Glorifica teu Filho para que teu Filho te glorifique” (Jo 17,1). Jesus se referia à sua morte no Gólgota. Comentando esta passagem, Santo Agostinho escreveu que foi como se Cristo dissesse “Ressuscita-me para que tu te faças conhecer por mim a todo o universo”. Tem razão o sábio bispo de Hipona, pois a plenitude de Jesus se manifesta no seu surgimento da morte pelo poder divino. Jesus que admitira a entrega ao Pai até o ato supremo da morte, concorda, igualmente, na recuperação da vida da parte dele, pelo seu poder onipotente. A glória da ressurreição tem o seu epílogo admirável no dia da ascensão ao céu. Tudo isto porque pelo Filho a obra que o Pai lhe outorgou para fazer é a revelação do dom mútuo do Pai e do Filho na pessoa do Espírito Santo. Trata-se de verdade que ultrapassa a razão humana, mas que a teologia harmoniza, dado que introduz o fiel no âmago do mistério trinitário. A manifestação divina por ocasião do batismo de Jesus no rio Jordão e da transfiguração no monte Tabor são sumamente então elucidativas. Todas estas considerações levam a consequências teológicas essenciais, indispensáveis à existência cristã. Penetrar a glória de Deus é se aproximar de maneira mais tangível do esplendor e da magnificência do Ser Supremo, não apenas num deslumbramento exterior a si mesmo, mas também, muito mais, numa experiência íntima, rica de uma percepção quase sensível do indizível, num acolhimento do amor do Pai, da obra salvadora do Filho, através do total acolhimento do Espírito Santo. Com sua morte, Jesus satisfez inteiramente a justiça divina e enviou aos seus discípulos a Terceira Pessoa da Santíssima Trindade para prosseguir neles a sua obra. Esta obra é a manifestação da glória do Pai e do Filho. Isto se realiza na hora da morte do cristão que recebeu em plenitude os frutos de sua redenção, quando “Deus será tudo em todos” (1 Cor 15,28). O verdadeiro seguidor de Cristo é já neste mundo o lugar da glorificação das Três Pessoas divinas. Foi o que ensinou o próprio Jesus: “Se alguém me ama, meu Pai o amará, viremos a ele e faremos nele nossa morada” (Jo 14,23). Aí está o penhor da vida eterna merecida pela morte do Salvador. Este amor para com Ele e o Pai é fruto da ação do Espírito Santo que leva ao conhecimento pleno do significado da morte de Jesus. Então à imitação de Cristo Salvador, a peregrinação do cristão nesta terra tem um fim sublime: glorificar o Pai no Espírito dando frutos de santidade. Isto representa manifestar a presença de Deus em cada instante da própria vida, testemunhado as maravilhas que o Criador realizou na obra salvífica através da adesão total do Filho numa ação que manifestou uma dileção sem limites. Então o cristão, vivendo sua proximidade extraordinária de Deus, se torna sinal vivo de sua presença no meio em que se acha. Entretanto, este ideal só é colimado se cada um sai de si mesmo, se despoja como Jesus e se entrega inteiramente nas mãos do Pai. Renúncia que é um verdadeiro enriquecimento por ser despojamento de tudo que impeça a clara visão de Deus. Enriquecimento, porque, penetrando então melhor no amor de Deus, o ser humano se engrandece, realizando-se em plenitude. Como a glória de Cristo culminou na cruz no dom sem reserva que Ele fez de sua pessoa ao Pai, assim pela oblação cotidiana de si mesmo o cristão entra neste movimento de uma glorificação sem cessar de Deus. Eis porque é importante decodificar o verdadeiro significado da morte de Cristo. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

O MISTÉRIO FULGURANTE DA RESSUREIÇÃO DE CRISTO

O MISTÉRIO FULGURANTE DA RESSURREIÇÃO DE JESUS
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Refletir sobre a vitória de Cristo que triunfou da morte, ressuscitando imortal e glorioso, é penetrar fundo na "teologia ajoelhada", isto é, no pensamento teológico  ligado à oração e à adoração. No dizer do  Papa Bento XVI, cumpre sempre "quebrar aqueles circuitos que tantas vezes mantêm a razão prisioneira de si mesma, abrindo-a aos espaços do infinito". Cristo Ressuscitado abre para seu seguidor verdades que não se contramuram em terrenos horizontes, mas que devem levar o cristão a romper as barreiras do tempo e se imergir nas realidades eternas. Como Jesus, cada um conhecerá a morte, mas com Ele se verá um dia envolto em delícias eternas na Casa do Pai. Não se trata de uma simples superação dialética dos sofrimentos terrenos, mas de um conhecimento da manifestação das consequências do mistério pascal. Neste resplandece com todo fulgor o imenso amor divino, cuja insuperabilidade deve tocar intimamente quem tem fé. Não se pode esquecer então a mensagem escatológica do triunfo de Jesus o qual abre perspectivas alentadoras de uma esperança bem fundamentada da salvação que Ele oferece a todos.  Por tudo isto, cumpre revalorizar cada vez mais a Vigília Pascal que convida a um silêncio frutuoso no aguardo dos alvores pascais. Como bem salientou o notável teólogo Paolo Martinelli, na Vigília Pascal “nos encontramos parados em frente ao mistério dos mistérios, pois a Palavra eterna do Pai, da qual todas as coisas foram feitas (Jo 1,3), não só morre, mas partilha o ser morto próprio dos falecidos. Jesus, deposto da cruz, é colocado no sepulcro sobre o qual é colocada uma grande pedra como lacre”. Eis porque o Sábado Santo é um dia de espera tranqüila, de reflexão serena. Horas de pesar e de expectativa. É preciso que o espírito do seguidor de Cristo não esteja fechado, lento a compreender a morte do Mestre, como aconteceu com os Apóstolos. É de bom alvitre dialogar com o Mestre e Senhor, passando tranquilamente este dia na contemplação, refletindo sobre tudo que Jesus falou sobre sua paixão e sobre os acontecimentos que precederam o desenlace final lá no Calvário. Jesus desceu à mansão dos mortos, como está num dos artigos do Credo. Ele quis partilhar a sorte dos haviam morrido e estavam longe de Deus.  Não se trata aqui do inferno da condenação eterna dos pecadores impenitentes, mas da situação de todos aqueles que estavam mortos antes de Cristo. Com sua alma unida à sua Pessoa divina, Cristo alegrou nos infernos os justos que aguardavam seu Redentor para enfim terem acesso à visão beatífica. Depois de ter vencido pela sua morte, a morte e o diabo, que tem “o poder da morte” (Hb 2,14) ele levou aos justos a Boa Nova de que as portas do Céu lhes seriam abertas, conforme se lê no Compêndio do Catecismo da Igreja Católica. Por tudo isto, a Sábado Santo relembra a vontade salvífica de Deus, realidade que deve levar cada um a cuidar sempre mais de sua salvação eterna, influenciando na liberdade dos outros para que todos se abram à inefável misericórdia divina. /Se é certo que não se deve alimentar uma falsa garantia sobre a conquista do céu, pois isto levaria fatalmente a não se temer o julgamento de Deus, é preciso, contudo, solidificar a confiança absoluta na bondade de Deus que é amor. Deste modo, o Sábado Santo incita a cada um a procurar sempre mais a comunhão com o Ser Supremo, dado que Cristo Ressuscitado oferece todos os meios para que se adentrar na Jerusalém Celeste. É o mistério da katábase e da anábase que se verifica claramente na Vigília Pascal. Ele desceu dos céus a esta terra e, depois, subiu novamente para junto do Pai no dia da sua admirável Ascensão. Após sua morte, ele desceu à mansão dos mortos para subir gloriosamente ressuscitado neste mundo, aparecendo aos Apóstolos. Aí está razão pela qual já ressoa na Vigília Pascal o que Jesus quer que todos mentalizem no Domingo da Páscoa: “Eu ressuscitei e estou contigo”. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                      

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

OS SOFRIMENTOS DE JESUS

OS SOFRIMENTOS DE JESUS
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Cumpre ao cristão sempre se lembrar de que foi por causa dos sofrimentos de Jesus que o Pai escuta o clamor de todos que padecem na trajetória por este vale de lágrimas e vem ao encontro dos que se acham nas regiões da dor e do desamparo. Eis por que é importante se refletir sobre os padecimentos do Redentor, penetrando fundo na razão de ser de tudo que ele sofreu, não apenas para que se aumente a gratidão a Ele por seu amor sem limites, mas também para que se tirem lições preciosas de seus tormentos. Dentre os padecimentos de Cristo se ressalte sua agonia no Getsêmani. Aí Ele teve uma antevisão próxima de tudo que lhe ocorreria e a amargura mais intensa penetrou todo o seu ser. Foi uma angústia antecipada de tudo que aconteceria durante sua paixão e morte e daí suas perturbações. São Mateus relatou: “Adiantou-se um pouco e, prostrando-se com a face por terra, assim rezou: Meu Pai, se é possível, afasta de mim este cálice! Todavia não se faça o que eu quero, mas sim o que tu queres. (Mt 26,39).  Não se tratou de um instante de debilidade da parte de Jesus, mas, naquela hora, Ele sabia que se angustiava terrivelmente não por si, mas por aqueles que Ele redimiria. Não havia em sua alma um só recanto onde a aflição não penetrasse .Com efeito, Ele  se entregaria a um mar de terríveis aflições para sanar a enfermidade de uma multidão. Foi o que explicou São Paulo: Cristo se ofereceu uma só vez para tomar sobre si os pecados de muitos”!" (Hb 9,28) Como se tratava de ofensas ao Ser Supremo que deveriam ser reparadas, imenso o sofrer que O aguardava. Santo Inácio de Antioquia decodificou bem o pensamento de São Paulo e mostrou aos fiéis de Smyrna que  “tudo Jesus padeceu por nós foi para que fôssemos salvos”. De fato, na Horto das Oliveiras a tristeza se apossou dele para que Ele nos doasse a sua alegria, ou, como dizia Santo Ambrósio,  Ele “desceu até à angústia da morte, para nos fazer voltar à vida com seus passos”. Tudo  que se passou com Ele, realmente,  tem como referência todos os homens., dado que Ele não tinha motivo algum para se entristecer por si próprio., Quando então se contempla a Paixão de Cristo, mergulhado numa fé profunda, o cristão retira para sua vida conclusões vivenciais de extraordinária repercussão.  Jesus assumiu a dor exclusivamente por misericórdia, por amor, mas o que lhe ocasionou tanto sofrer no corpo e na alma foram os pecados de uma humanidade que se desviou se seus destinos eternos numa revolta consciente contra Deus. O fato de ter carregada uma cruz e nela morrendo foi um gesto de dileção que deve comover quem medita na imensidade da maravilhosa dileçãodo do Filho de Deus. A tristeza de Jesus no Horto das Oliveiras e depois tudo que sofreu durante sua Paixão e Morte  devem ser para o cristão motivo de alento e de alerta. Alento, sim, porque o Filho de Deus deixou os esplendores de sua glória e não foi indiferente à desgraça de suas criaturas. Ele quis conhecer não só as dores físicas, mas ainda as que são mais atrozes, as angústias do espírito. Quando atroar no batizado o fantasma do desalento e do desamparo, quando a morte vier ao seu solar e lhe roubar um ente amado, nos instantes de solidão, que solidão sempre visita o ser humano, no momento do pesar, da aflição, saiba, quem tem fé, que sempre que há alguém que sofreu muito mais. Este é Jesus que compreenderá o amargor de toda lágrima, o desalento do ser humano. Alerta, porque foram os pecados dos homens, os crimes e todas as aberrações morais que o transformaram na Vítima de expiação. Cumpre a seus discípulos romper com tudo aquilo que foi a causa do sofrer do Mestre, mesmo porque, no abandono que a ausência de Deus causa, a exclamação será esta: Porque abandonei a Deus, todos os males vieram ao meu encontro. Aliás, Cristo no Horto das Oliveiras via com um só olhar o desenrolar da História. Todas as rebeldias do gênero humano, todas as recusas das almas aos apelos de seu amor. A ausência de Deus nos corações era então ali reparada. A sentença profundamente teológica de Pascal deve repercutir no íntimo dos corações, quando coloca nos lábios de Cristo estas palavras: “Eu pensei em ti na minha agonia, derramando todas as gotas do meu sangue por ti”. Lembremos-nos do que asseverou São Pedro: “Jesus carregou nossos pecados em seu corpo sobre a Cruz” (1 Pd 2,14). Ali no Getsêmani, Cristo mirava os homens insensíveis, imersos em desgraças, porque não tomariam conhecimento de uma presença inefável de Deus, o que deveria orientá-los, mas, o que era mais doloroso, nem mesmo a consciência desta terrível ausência, o que os deveria atemorizar.  Por tudo isto meditar nos sofrimentos de Jesus é profundamente salutar* Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

sábado, 2 de fevereiro de 2013

ÉTICA E DEMOCRACIA

ÉTICA E DEMOCRACIA
Côn.  José Geraldo Vidigal de Carvalho, da Academia Mineira de Letras
Mais uma vez o povo brasileiro fica estarrecido diante de certos fatos políticos. Um senador denunciado pelo Procurador Geral da República ao Supremo Tribunal Federal por peculato, falsidade ideológica e uso de documentos falsos é eleito Presidente do Senado Federal. Antes, um dos incriminados no famigerado mensalão assumiu  uma cadeira na Câmara dos Deputados. Tudo isto em nome da democracia. Por outro lado, o jogo sofístico do sagrado termo “ética” foi feito acintosamente por estes personagens escudados numa falsa noção de “democracia”. Nestes dias tudo vai ficar para depois do carnaval e resta a esperança de que se reabilitem os ideais morais e políticos desta nação. É preciso urgentemente canalizar para além dos sistemas e das ideologias as grandes e indestrutíveis aspirações do ser humano. Acontece que, muitas vezes,  imperam  a demagogia e  os interesses particulares e não a honra pública e o interesse dos cidadãos. No final das contas quem sai sempre prejudicado é, de fato, o povo. Não se pode esquecer nunca que a ética supões um conjunto sistemático de normas que orientem cada um para a realização de seu fim A noção de moralidade pública implica na necessidade de que os atos externos e públicos, inclusive dos políticos, sejam conformes às exigências dos bons costumes. Pelas atitudes de certas autoridades, ações lesivas à justiça, escandalosas mesmo, são justificadas pelo apelo indébito de se viver num sistema democrático.  Ora, precisamente o Estado é o responsável pelo bem comum em todos os seus aspectos. É urgente se captar profundamente o significado da palavra politização.  Politizar é despertar o senso das responsabilidades políticas. Assim sendo, quando a população contempla pessoas acusadas de graves erros assumindo postos de relevância na República todo o sistema político nacional fica maculado, abalado. Tudo isto mostra quão importante é a conscientização popular no sentido de saber escolher melhor os que se apresentam como candidatos a cargos públicos.  A politização se revela inútil uma democracia inoperante e inoculada de corrupção. Além disto, os partidos precisam de uma melhor disciplina partidária e da consciência viva das  suas responsabilidades  na política nacional. Louvores, porém,  aos destemidos senadores e deputados que estão erguendo sua voz contra as mazelas que vão tomando conta da República. Estes são os autênticos patriotas que, no cumprimento de seus deveres de cidadania, se esforçam em contribuir para o progresso e engrandecimento da Pátria. São os que fazem por merecer o voto que receberam. Ostentam uma atitude ativa de interesse e participação nos problemas do povo a quem oferecem um exemplo de hombridade e dignidade. Estão sempre vigilantes e denunciam os crimes que são cometidos e que denigrem a classe política e escandalizam e prejudicam o povo. Os bons políticos estimulam sempre os valores sociais positivos, reprimindo os elementos ou fatores sociais negativos e se tornam um incentivo ao desenvolvimento harmonioso e sadio de toda a sociedade. .

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Considerçãoes sobre o Verbo Encarnado

CONSIDERAÇÕES SOBRE O VERBO ENCARNADO
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Qualquer reflexão sobre a Encarnação do Verbo de Deus há de se ligar sempre ao episódio edênico e ao verdadeiro significado da desobediência daqueles que foram postos à prova como representantes de todo o gênero humano. Havia a proibição divina de que não comessem da árvore do conhecimento do bem e do mal (Gn 2,17). A gravidade da desobediência não foi tanto este fato em si, mas o modo como ele ocorreu, a saber, o acatamento da insinuação do espírito maligno. Este projetou o orgulho, o qual  foi a causa da punição dos anjos rebeldes, e levou Adão e Eva a se rebelarem contra o Senhor Onipotente. Portanto, eles acreditaram mais na serpente do que no próprio Deus. Foi uma injúria ao Ser Supremo. A grande questão surgiu então, isto é, o ser racional finito, limitado não poderia nunca reparar uma ofensa feita a Deus.  Na alheta de Santo Anselmo se comprende  que somente Cristo, porque o único sem mancha, poderia oferecer espontaneamente ao Pai uma vida santa; e, por isso, poderia  satisfazer pelos pecadores aquilo que Ele nunca ficou a dever. A redenção foi então oferecida a todos aqueles por cuja salvação Cristo se fez homem. A infinita misericórdia de Deus manifestou-se na salvação oferecida aos pecadores que, sem ter como se redimirem, estariam condenados aos tormentos eternos. Nada foi tão grande, nem tão sublime como aquela majestade serena na morte, na morte na Cruz de um Deus! O Pai, em Cristo, reconciliou o mundo. O Concílio de Trento proclamou que na sua misericórdia quis Deus não somente a justificação do homem pela remissão do pecado, mas também sua total redenção. O cristão que penetra fundo no mistério redentor percebe infalivelmente  no mais íntimo recesso de seu coração o grande convite a valorizar ao máximo o sangue redentor do Filho de Deus. Eis porque o Concílio Ecumênico Vaticano II mostrou enfaticamente que o cristão tem uma vocação inata para a santidade existencial. Nunca se pode esquecer, além disto, que a  paixão do Salvador não opera de uma maneira mágica, mecanicamente, fazendo o homem partícipe de uma ação na qual não tomaria parte. A cruz de Cristo deve ser a partilha dos batizados. Jesus, o Verbo Encarnado ao morrer ignominiosamente no Calvário conheceu a morte para liquidar o poder da morte. Ainda aqui cumpre retornar ao Éden onde Eva disse à serpente: “Podemos comer  os frutos das árvores do jardim, mas do fruto da árvore que está no meio do jardim  Deus nos disse que não comêssemos e nem tocássemos, para não morrermos” (Gn 3, 2).  Após a infração do preceito divino, porque a serpente afirmou “não, não morrereis” (v.4), vieram as consequências e entre elas a morte. Deus inquiriu claramente a Adão, como chefe do gênero humano: “Não terás comido da árvore que te havia proibido de comer?” (Gn 3,11). São Paulo escreveria na Carta aos Romanos: “Por isso, como por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim a morte passou a todo o gênero humano, porque todos pecaram.. (Rm 5,12). Ao morrer na Cruz, Cristo venceu a morte e ressuscitou imortal e impassível ao terceiro dia  Compreende-se desta forma  que a necessidade da Cruz de Jesus só pode ser entendida à luz de sua Ressurreição. Tal a doutrina do Apóstolo: “Pois sabemos que Cristo, tendo ressurgido dos mortos, já não morre, nem a morte terá mais domínio sobre ele (Rm 6,9). Tudo isto deve levar ao cristão à vivência plena do mistério do Verbo Encarnado como acontecia com São Paulo que pôde asserverar: “Anseio pelo conhecimento de Cristo e do poder da sua Ressurreição, pela participação em seus sofrimentos, tornando-me semelhante a ele na morte, (Fl 3,10). É deste modo que o batizado não se contenta em estar cristão, mas em ser verdadeiramente cristão até atingir o ideal paulino: “Eu vivo, mas já não sou eu; é Cristo que vive em mim. A minha vida presente, na carne, eu a vivo na fé no Filho de Deus, que me amou e se entregou por mim” (Gl 2,20). * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.