A CONVERSÃO QUARESMAL
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
A quaresma é tempo propício à intensificação da conversão, numa rejeição sincera de tudo que impede o progresso espiritual. Esta atitude é indispensável para se obter a salvação eterna. Jesus foi claro: “Se não vos emendardes, pereceis todos” (Lc 13,3). Este alerta do Mestre divino é uma recordação palpitante do que Deus, no Antigo Testamento, falou pela boca do Profeta Ezequiel: “Sacudi de cima de vós todos os delitos nos quais caístes e forjai-vos um coração novo e um espírito novo. E porque quereríeis morrer, ó casa de Israel? Porque eu não sinto prazer na morte do que morre, diz o Senhor Javé. Convertei-vos e vivereis” (Ez 18 31-32). Está escrito no livro de Isaías: “Lavai-vos, purificai-vos, tirai a imundície das vossas ações de diante dos meus olhos. Cessai de fazer o mal, habituai-vos a fazer o bem” (Is 1,16-17). Entre as práticas penitenciais da quaresma que facilitam a metamorfose interior está uma maior sobriedade no comer e no beber. Mais do que os regimes alimentares terapêuticos visando a boa saúde corporal, é este comedimento uma terapia da alma. Com efeito, a temperança facilita o esforço ascético para se colocar em plena condição de se escutar a Deus. É caminho para a interioridade exatamente porque se vive numa sociedade de consumo na qual, por efeito da propaganda, há uma incitação aos maiores excessos. Os meios de comunicação não devem ser os mestres da vida do cristão. A moderação da gula e o espírito de oração têm uma profunda correlação. Além disto, durante a quaresma é preciso controlar ainda mais o que se fala, cortando críticas, maledicências. A busca de uma maior misericórdia e paciência devem também fazer parte do roteiro quaresmal. Lançar para longe do coração qualquer ressentimento, refulgindo a gratidão a Deus e ao próximo. Isto significa o triunfo sobre o egoísmo. É preciso que a esperança brilhe, para que se possa depois se envolver nas alegrias pascais. Assim, de lado devem ficar as preocupações e inquietudes inúteis que revelam sempre falta de total confiança em Deus. Adite-se um rigoroso controle do tempo que leve à fuga de diversões inúteis e ocupações superficiais, não essenciais, evitando a dissipação que malbarata as horas preciosas do dia. Procura cuidadosa do silêncio para um íntimo diálogo com Deus. Eis aí tópicos importantes da conversão quaresmal que torna, por isto mesmo, a quaresma um tempo de luta espiritual em diversos níveis da existência de cada um. Combate corajoso contra o orgulho, as tentações, contra tudo que afasta o cristão da presença de Deus e entrava o progresso espiritual. Além do mais, este é um contexto especial para que se prepare uma ótima confissão, buscando os tesouros celestiais do perdão divino, que dispõem a comunhões fervorosas. Tal o conselho de São Tiago: “Aproximai-vos de Deus e ele se aproximará de vós [...] Purificai os vossos corações” (Tg 4,8). Está no livro do Apocalipse o que diz o Senhor: “Eis que estou à porta e bato. Se alguém ouvir a minha voz e me abrir a porta, entrarei em casa dele e cearemos juntos, eu com ele e ele comigo” (Ap 3,20). Isto inclui então o arrependimento de todos os erros e a renúncia corajosa ao pecado. Esta atitude, contudo, exige energia. A paz da consciência requer a entrega filial nas mãos de Deus, sem medo, sem tergiversação. Nada de retorno aos ídolos criados pela mídia, aos falsos deuses. O Ser Supremo, Ele sim, deve ter a prioridade em tudo. Ser cristão é seguir totalmente o que Jesus ensinou, trilhando sempre os caminhos da virtude, na vivência completa de tudo que o Pai revelou. A quaresma vem, deste modo, lembrar que é necessário se render à lógica do amor de Deus. Assim sendo, a conversão quaresmal supõe o exercício da dileção com a qual Jesus caminhou até o Calvário para fazer florir o amor em plenitude. Isto significa abandonar a rotina de uma existência medíocre. Mais do que nunca é preciso que os cristãos se tornem testemunhas fiéis da palavra de Deus para poderem, após a própria metanóia, converter aqueles que se acham longe do Divino Pastor. Trata-se de uma transformação fundamental dos pensamentos, do modo de ser, num total convertimento espiritual. Este é o tempo para fazer a comunidade na qual se vive mais luminosa, harmoniosa e verdadeiramente cristã. A penitência quaresmal envolve tudo isto e então o fiel, do primeiro degrau do progresso espiritual que é o desprendimento de tudo que é passageiro e transitório, passa à segunda etapa que é sua união com Deus, inebriado na sua grandeza infinita que leva a uma reverência humilde ao Criador de tudo. Então, até o dia da Páscoa se estará no cimo da preparação para poder contemplar a luminosidade da vitória de Cristo, participando, realmente, de sua gloriosa ressurreição, centrado cada um não nas ilusões terrenas, mas nos valores eternos.* Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.