PREPARAR-SE PARA O ENCONTRO COM DEUS
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Feliz o homem que nos extremos limites de sua existência pode repousar tranqüilo nas mãos de seu Pai do céu. Para isto é preciso que se viva o belo e significativo epitáfio do grande filósofo franciscano Duns Scoto: “Semel sepultus, bis mortuus”, ou seja, uma vez sepultado, mas duas vezes morto. Com efeito, é preciso estar em vida morto para os prazeres ilícitos, para o vício, para o pecado, para o mal. Como muito bem disse o poeta, “mortos não são aqueles que jazem numa tumba fria, mortos são os que têm morta a alma e vivem todavia”. Estes foram sepultados duas vezes e não uma, pois já jaziam na catacumba de seus delíquios, de sua maldade, de sua perversidade. Bem diz o ditado: “Tal vida, tal fim”. A revelação da boa morte é a boa vida. Cristo tracejou o destino afortunado de quem viveu com sabedoria: o regresso ditoso ao seio do Pai. A vida deve ser uma preparação consciente para a morte. Aqueles que se apartaram renitentemente do Pai no final de sua carreira dificilmente terão bom senso para dizer: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito”. Estes como castigo de seus voluntários desvarios se verão lançados longe da eterna beleza naquele lugar, onde, segundo o próprio Jesus, haverá choro e ranger de dentes ( Mt 8,12; Lc 13,28).
A morte para os que não seguiram a Cristo é terrível: uma vida que se acaba e uma eternidade infeliz que se inicia! Que aflição, que angústia para quem não correspondeu aos desígnios divinos e não cumpriu sua missão neste mundo! No momento da morte o que vai dar desgosto a cada um é o que buscou por seu próprio gosto e, muitas vezes, com tanto sacrifício inútil em busca de gozos passageiros, ilusórios. Quantos gostariam de voltar no tempo para refazer seus atos, mas já é tarde. Só então se compreenderá como se inutilizou a existência nesta terra e por todo o sempre. Entretanto para quem cumpriu o seu dever, para o pecador arrependido sinceramente, para quem fez de sua vida um hino de louvor a Deus e de serviço ao próximo fechar-se-á a porta do tempo e logo se abrirão os pórticos luminosos da Jerusalém celeste. O que causou pena, mas foi suportado com afeto a Deus é que dará alegria, Morrer em graça e ver garantida a salvação, eis o que mais deve preocupar quem tem bom senso neste mundo, pois tudo mais é secundário e só vai causar ansiedade ao se deixar esta terra. Com razão o Livro do Eclesiástico ensina que é a morte que define quem cada um é: “Antes da morte não beatifiques a ninguém, pois em seu fim é que se conhece o homem”( Ec 11,28).
Preparemo-nos, pois, durante todos os momentos desta trajetória terrena para o instante solene de nossa morte. Este pensamento, longe de ser negativo, é altamente construtivo. Deve enfronhar todas as nossas ações, decisões, aspirações; iluminar todas as nossas atividades; aclarar todos os nossos ideais; impregnar todas as nossas lides; fortificar todas as nossas resoluções; dourar todas as nossas afeições; alicerçar todos os nossos anelos; fundamentar todos os nossos desejos; enflorar todas as nossas aspirações. Aliás este foi o conselho de Jesus: “Vigiai, portanto, porque não sabeis em que dia vem o vosso Senhor” ( Mt 24,42). Diante da morte encarada com seriedade os prazeres mundanos não passam de um divertimento danoso e indesejável; o pecado o maior de todos os males; o tempo empregado em futilidades uma perda irreparável. A morte pervaga, dia e noite, o palacete luxuoso do rico, ela desce a todas as horas ao tugúrio desprotegido do pobre, ela não conhece classes nem títulos, idade ou condição social, galardões ou insígnias. Sem ruído e sem cicio, como um ladrão à noite, na correta comparação de Cristo, ela surpreende o pecador no fundo caliginoso de seus crimes e de suas reincidências no vício e torna perene a inimizade para com o Pai. Do mesmo modo ela vem ao encontro do justo e o convida para as Bodas do Cordeiro. Sua visita não tem hora, nem lugar. A incerteza marca terrivelmente o mais certo dos fatos. Não sabemos o lugar, as circunstâncias, o momento em que ela virá. Daí a sapientíssima advertência do Apóstolo Paulo: “Enquanto temos tempo, façamos o bem!” (Gl 6,10). * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.
quarta-feira, 5 de outubro de 2011
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