segunda-feira, 28 de dezembro de 2020

 

01 “MARIA GUARDAVA TODAS ESTAS COISAS E SOBRE ELAS REFLETIA EM SEU

                                   CORAÇÃO” (Lc 2,17)

Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*

Na primeira sexta-feira do ano de 2021 unidos à Santa Mãe de Deus, Maria, muitos fazem mais uma comunhão reparadora ao Coração de Jesus, e todos começamos a caminhada através de um Ano Novo. A narrativa do Evangelho sobre a ida dos pastores ao Presépio ressalta a importância da Virgem Maria, Mãe de Jesus, a qual refletia no seu coração sobre os fatos maravilhosos que se davam em derredor de seu divino filho recém-nascido (Lc l2, 16,21). Contempla-se então uma fé confiante. É justamente após a comunicação do anjo de que um Salvador lhes nascera, o Cristo Senhor, é que os pastores se puseram apressadamente a caminho até o presépio. Contemplaram no anjo o mensageiro de Deus e nele creram. Isto se deu   porque havia neles uma abertura sobrenatural que lhes permitia acolher aquilo que jamais eles teriam imaginado, ou seja, um Redentor viera a este mundo. Isto na verdade tinha ocorrido na cidade de Davi bem próximo deles. Sabiam perfeitamente que para Deus nada é impossível, mesmo o inimaginável. Deste modo no raiar de um Ano Novo estes pastores nos ajudam a perseverar em uma absoluta confiança em Deus, bem como Maria, cujo sim dado ao anjo da Anunciação trouxera ao mundo o eterno amor, o filho de Deus, e cujo manto sagrado cobriria de luz os que dessem idêntica adesão às mensagens divinas. Maria, como como ressaltou São Lucas, guardava todas estas coisas e sobre elas refletia em seu coração. Durante todo o amo de 2021 cumpre fazer a experiência do Salvador em nossas vidas. Os pastores se puseram em marcha até onde se achava Menino. Não basta confiar, é preciso agir de acordo com esta confiança e esta fé. Como bem lembra célebre ditado: “Ajuda-te que o céu te ajudará”. É preciso fazer a experiência deste Salvador na própria existência. Os pastores foram ao encontro de Menino Deus e encorajam os fiéis a irem sempre à procura de Jesus, Maria e José, deles nunca se afastando e junto deles encontrando as graças divinas.  Por que vivia imersa nestas realidades celestiais, analisando-as em seu coração, Maria irradiava por toda parte os esplendores divinos. Eis porque então depois de encontrarem Jesus, os pastores voltaram, glorificando e louvando a Deus por tudo que tinham visto e ouvido. Isto a nos convidar a passar este novo Ano numa fé confiante e ardente, fazendo de cada dia uma realidade marcada pelo louvor divino, Uma vida bela, santa e luminosa. A cada hora deparando motivos de uma sincera e vibrante glorificação à divindade, corações imersos na luminosidade do Menino Deus salvador, vivendo em plenitude aa experiência da salvação na qual estava mergulhada Maria. Total disponibilidade interior numa disposição contínua, recolhida, humilde e atenta. Então estaremos aptos a implorar a paz e misericórdia de Deus para o mundo tão conturbado no qual se vive no presente contexto histórico, e haveremos de tornar isto uma faustosa realidade. É de se notar que os pastores não se deixaram envolver por grandes questões filosóficas ou teológicas, mas simplesmente acolheram as mensagens celestiais, aproximando-se daquela que era a cheia de graças junto da qual depararam o divino Redentor. Àquele menino, como registrou ainda São Lucas, completados os oito dias para sua circuncisão, lhe foi posto o nome de Jesus como lhe tinha sido dado pelo anjo antes que nascesse. A exemplo de Maria, José e os pastores saibamos acolher plenamente a palavra de Deus, vivendo-a profundamente em todo o decorrer de 2021 sempre maleáveis à ação do influxo divino.   Lembremo-nos sempre que a fé, a  esperança e a caridade são os anjos que indicam o crepúsculo   seguido duma aurora sempre rósea e ridente.  Estas virtudes não são negada a dor alguma, não recusam pousar no leito de qualquer que seja o doente, de acariciar com sua asa benéfica a fronte de todo aquele que se sentir infeliz com as provações que por certo virão durante 2021. Com a graça divina todas as tribulações poderão ser vencidas.  Grande feitos poderão marcar este Ano Novo. Lembremo-nos de que a vida do autêntico cristão não deve ser um campo imenso, mas deserto; uma árvore grande, mas infrutífera; um dia longo de inverno, mas sem sol. A exemplo de Maria, guardemos todas estas verdades e sobre elas reflitamos em nossos corações. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

 

01 OFERECERAM OURO, INCENSO E MIRRA

Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*

O trecho do Evangelho de São Mateus que narra a adoração dos magos (Mat 2,12) apresenta, além do personagem central que é Jesus, um outro rei que é Herodes, o cruel, cioso ao extremo de seu poder. Ele ficará extremamente agitado ao lhe perguntarem sobre “o rei dos Judeus que acaba de nascer”. Os magos, com efeito tinham vindo para adorar o soberano universal. Eram pagãos que se apresentaram em Jerusalém à procura do senhor dos Judeus. Ao lhes dizerem que em Belém da Judeia que era o local em que isto se daria logo para lá se dirigiram Entram na casa onde o menino Deus se achava com seus pais Maria e José. Como bem observou o sábio teólogo Jean-Christian  Lévêque, eles foram os primeiros entre seus irmãos de todos os tempos que vão às Igrejas para aí encontrar o Salvador universal. A partir deste encontro com Jesus, os Magos se tornam homens de fé, rompendo definitivamente com Herodes. Deus lhes indica um caminho de volta guiados não mais por um astro, mas lhes comunica em sonho para estarem longe dos caminhos herodianos. Rebrilha a teologia da salvação valorizando este precioso texto. Os Magos, vindos do Oriente eram sábios, persas ou babilônios, provavelmente astrônomos que talvez tenham podido ter contato com o messianismo israelita nas joalherias judias da Babilônia ainda florescentes na época. Através deles o mundo da ciência se colocou em marcha para o Redentor, Cristo-Messias. É o universo dos pagãos que se voltava para a luz do Evangelho. NNão se sabe se eram três, a não ser o número dos presentes e, é certo, que não eram reis, como aliás não o afirmaria a tradição cristã antes do Livro aramaico da infância, datado do VI século. No que diz respeito à estrela,  o essencial, que aliás o texto sublinha, é que aqueles sábios viram nela um sinal e, de acordo com a tradição dos judeus que considerava o Astro  da tribo de Jacob como um dos símbolos do Messias esperado: ”Eu o vejo, mas não por agora, eu o contemplo mas não de perto: um astro saiu de Jacob e um cetro  surgiu de Israel( Nm 24,17, oráculo de Balaão) Já os teólogos da Idade Média, no seu sólido bom senso tinham notado que não se  tratava de um corpo celeste ordinário, dado que seu brilho era intermitente e seu movimento descontíuo.O certo é que a mensagem messiânica de todo o episódio é sublinhado pelo texto do profeta Miquéias que os escribas citam logo a Herodes: “E tu Belém terra de Judá, tu não és certamente a menor  das cidades da  judéias, porque de ti sairá  um chefe que apascentará o meu povo de Israel” (Mic 5,1)”. Ao prosseguir a leitura da profecia de Miquéias chega-se ao presépio e aos confins do mundo: “Eis por que eles serão abandonados até o tempo em que dará à luz aquela que deve conceber, e o resto de seus irmãos voltará para os filhos de Israel (os exilados voltarão ao país). Ele permanecerá firme e governará com a força do Senhor, eles serão estáveis, quando ele crescer até os confins da terra e é Ele que será a paz”. Portanto para São Mateus, a   chegada dos Magos a Belém marca o cumprimento das promessas da antiga aliança. Os Magos ao chegarem não viram senão um menino, mas o Evangelista, pela sua narrativa tão clara e tão incisiva, lembra a seus leitores o que a fé deve contemplar naquela criança, ou seja, o Pastor do povo de Deus, o único guia para a salvação do gênero humano, o rei da paz e da autêntica felicidade. São Mateus faz entrever também o destino de Cristo que seria sempre sinal de contradição, marcado pelo drama da descrença. Herodes não pensava senão no poder terreno, cogitando apenas em cidades deste mundo. Os escribas conheciam a fundo as Escrituras.sabiam de cor as profecias messiânicas, mas não agiram em consequência  ao que elas anunciavam sobre estas verdades atinentes ao Messias. Segundo São Mateus, os Magos, estrangeiros vindos de longe, adoraram o Menino e lhe ofereceram seus presentes ouro, incenso e mirra nele reconhecendo o Senhor dos senhores apesar da pobreza que o rodeava. Reconheceram a manifestação de Deus ao mundo para a salvação não só de Israel, mas de todos os povos. Ofereceram-lhe seus dons. A Jesus devemos oferecer o ouro de nosso mais sincero amor, o incenso do mais ardente louvor e o sacrifício continuo de cada instante de nossa vida. Uma entrega sem reserva a quem tanto nos amou e se fez um de nós. Sigamos, porém, o conselho de São João Crisóstomo, isto é, antes de nos prostramos ante o Menino Deus, retiremos de nós todas as nossas misérias para que nossa adoração seja inteiramente agradável a Ele. Fraquezas e limitações assumidas com humildade, bens e riquezas, talentos e qualidades, tudo, porém, sendo colocado ao serviço de Deus e dos irmão e irmãs. *Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

 

 

 

segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

 

A FAMÍLIA DE JESUS

Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*

Após a apresentação de Jesus no templo de Jerusalém, diz São Lucas que Ele e seus pais voltaram para Nazaré, onde o Menino “crescia robusto, cheio de sabedoria e a graça de Deus estava com ele” (Lc  l 22-40). Uma família santa, perfeita, normal em perpétua busca do equilíbrio. José e Maria custodiavam Aquele que era o “Messias do Senhor, luz das nações pagãs e gloria de Israel”.  Por sua encarnação Jesus escolheu a humanidade inteira como família. A Bíblia apresenta o tema da Aliança entre o céu e a terra, entre Deus e homem. Do Gênese ao Apocalipse, Ele se revela como um Pai que quer estender sua família trinitária   por toda a terra. Todos os seres humanos devem se considerar então irmãos e irmãs. Um ícone sublime desta verdade é, portanto, a Sagrada Família de Nazaré, a qual é uma referência, um modelo para as famílias de todos os tempos. Com efeito, nesta família nasce Jesus o santo de Deus e suas três pessoas tinham em comum, antes de tudo e sobre tudo, o amor divino, anteriores a suas relações afetivas recíprocas.  O mistério da Encarnação, cuja grandiosidade é meditada durante o tempo litúrgico do Natal mostra Jesus como o Filho de Deus, primogênito de uma multidão de irmãos. É assim o tipo da humanidade que acolhe Deus, mesmo porque a família não é um modelo meramente sociológico, mas deve ser um exemplar de inspiração e de imitação. José e Maria vivendo inteiramente em função de seu divino Filho, a mostrarem que primordial é o dever de educação dos Pais, que necessitam ser os educadores por excelência, de tal modo que sua progênie possa exercer plenamente seu papel no mundo em todos os aspectos. Eis porque a família é um lugar importantíssimo para o engrandecimento de toda a humanidade. José acolheu Jesus e Maria com uma fé profunda e assumia a responsabilidade de pai desta família, conformando sua vida não a seus projetos, mas aos desígnios de Deus, Maria em tudo que ocorria em seu derredor, de São José e de Jesus, guardava e meditava em seu coração, tendo absoluta confiança na providência divina. Belo exemplo de José e Maria que amavam Jesus não com seu próprio olhar, mas tentando captar o pensamento de Deus e, por isto, perscrutavam cuidadosamente como deveriam agir com relação a Jesus. A vida de uma família não está nunca já escrita, mas está sempre em construção e, por vezes, numa edificação dentro de um cotidiano, rude, difícil, imprevisível. Aí porque a sabedoria e a dedicação dos pais e a compreensão dos filhos é imprescindível. A solenidade da Sagrada Família vem lembrar que a missão dos pais e dos filhos não é algo fácil e que, com exceção da Sagrada Família de Nazaré não há família perfeita. Assim sendo cumpre reconhecer em cada membro de nossas famílias pessoas que devem ser amadas, respeitadas, acompanhadas, orientadas. Jesus, Maria e José souberam discernir e aceitar os planos divinos e, apesar das tribulações que enfrentaram, cumpriram sua nobre missão. Por tudo isto, não se trata de idealizar todas as famílias, porque sempre aparecem as rupturas, as dores, e até as violências familiares, sobretudo num mundo tão turbulento como o atual. O que cabe ao cristão é minimizar todos os males que atacam a estrutura familiar tudo fazendo para que brilhe por toda parte os reflexos da grandeza da família de Jesus. Não querer nunca enquadrar os outros em moldes individuais, mas acolher o outro não como o queremos que seja, mas tal como ele é, fazendo sempre com perspicácia os ajustes necessários, pois só Deus é perfeito A vida conjugal e familiar é um dos lugares fortes da existência na qual se estuda a maneira de aceitar a realidade assim como ela é e não como a queremos que seja. Na tradição cristã a família é a primeira célula da Igreja, ou Igreja em miniatura. Na família se aprende respeitar os pais e estes a acatar e amar os filhos; os jovens a amar os anciãos e estes a ajudar os moços. A família é uma escola de perdão e de partilha; de abertura para os outros, de compreensão mútua. Da família de Nazaré saiu o Redentor da humanidade, nas famílias cristãs se formam missionários, devotados apóstolos, mesmo porque os pais devem ser os primeiros catequistas dos filhos. O mundo será, de fato, feliz quando os pais, como acentua belíssimo cântico, se assemelharem plenamente a José, as mães a Maria e os filhos a Jesus! E fica, então, a pergunta: “Será porque   mundo não consegue entender o que se deu em Nazaré?  Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

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domingo, 13 de dezembro de 2020

 

MARIA, CHEIA DE GRAÇA

Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*

Neste quarto domingo do Advento é recordado o grande mistério do anúncio do nascimento de Jesus (Lc 126-38). Esta verdade ficou em silêncio até então e, segundo o relato de São Lucas, foi nesta ocasião solenemente manifestado. A obra da salvação do mundo desejada por Deus ia se realizar através de um intercâmbio entre o céu e a terra onde se achava uma santa jovem judia, chamada Maria. Esta foi saudada pelo Arcanjo Gabriel como a “cheia de graça”. Admirável iniciativa do Criador, mas este, na sua delicadeza infinita, desejou o consentimento daquela que fora predestinada a ser a progenitora do Redentor. A sublime escolha se tornou assim conhecida através de um mensageiro para tal designado.  Dada a anuência de Maria, ela se torna objeto de especial misericórdia do Todo-poderoso. Realiza-se a promessa feita um dia a Davi através do profeta Natã no célebre vaticínio messiânico. Cumulando Maria de graças, o Ser Supremo preparou uma morada digna para si. Quer o Anjo, quer Maria, ficaram maravilhados perante este acontecimento. Gabriel deslumbrado com a beleza daquela que era a escolhida entre todas as mulheres. Maria, por seu turno, enlevada pelo fato de ter sido elegida para tão sublime missão de ser a Mãe do Salvador. Comovida, ela reflete, mas não é precipitada e pede explicação ao Anjo de como isto se daria. Aquele era um instante de respeitoso temor ante os insondáveis desígnios divinos e, ao mesmo tempo, de fascínio ante os planos da eterna Sabedoria. Aí está a razão pela qual o mensageiro do céu explica que tudo seria obra do Espírito Santo e que para Deus nada é impossível. Fulge então a adesão confiante e humilde daquela que sempre esteve unida a Deus: “Eis aqui a serva do Senhor! Faça-se em mim segundo a tua palavra”. A promessa anterior de casamento dada a José em nada era infligida, mas serviria para guardar o segredo do projeto salvífico de Deus até o ulterior esclarecimento dado por Deus a José que seria o pai de Jesus perante a Lei. Como registrou São Mateus, «eis que o Anjo do Senhor manifestou-se a ele em um sonho, dizendo: 'José, filho de Davi, não temas receber Maria, tua mulher, pois o que nela foi gerado vem do Espírito Santo. Ela dará à luz um filho e tu o chamarás com o nome de Jesus, pois ele salvará o seu povo dos seus pecados'.  José, ao despertar do sono, agiu conforme o Anjo do Senhor lhe ordenara e recebeu em sua casa sua mulher», Por sua parte Maria, aderindo à obra  de Cristo, oferecia também exemplos extraordinários de colaboração aos intentos do Ser Supremo a cuja vontade deve em tudo estar submisso o ser humano, que precisa estar sempre atento às inspirações celestiais. Muitas vezes se considera Maria como uma mulher fora do comum. Mas ela era sobretudo alguém que estava engajado no serviço de Deus, a Ele ininterruptamente obediente numa liberdade responsável, entrega sem limites. Nela se deve contemplar ainda sua simplicidade e uma confiança admirável, numa oferta pessoal de si mesma sem reservas, total disponibilidade para seguir as determinações do Onipotente. Como Maria, quem tem fé diz simplesmente a Ele:” Eis-me aqui, Senhor!”.  Embora enorme seja a diferença entre a grandeza espiritual da Mãe de Jesus e cada um dos cristãos, reflexos da elevação daquela que é também a mãe dos discípulos do Redentor devem fulgir constantemente na existência de quem se diz seguidor de Cristo. Próximos do Natal esta reflexão sobre a Anunciação de Maria solicita muita atenção, interpelando para que se faça um exame de como tem sido a preparação para a magna comemoração do dia 25 próximo. Jesus mostrar-se-á verdadeiramente Deus e verdadeiramente homem. Cumpre agradecer muito a Deus que revelou verdade tão extraordinária. Estupefatos pelo enorme amor do Todo-poderoso Senhor é preciso corresponder a tanta generosidade. Trata-se também de receber com gratidão o perdão que o divino Redentor trás do céu à terra, se imergindo na esperança da conquista da felicidade eterna Ressoa forte o apelo de se levar por toda parte a paz e cultivar um absoluto desapego ao que é transitório neste mundo. É o já viver nesta terra instantes da eternidade, mesmo porque o cristão deve sempre se sentir um bem-amado do Pai. Por tudo isto necessário de faz viver sob a égide de Maria, a cheia de graças que garante a vivência de tão excelsas realidades. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

 

DAR TESTEMUNHO DA LUZ

Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*

Notável São João Batista, por ter sido ele o mensageiro que preparou o caminho do Salvador da humanidade (Jo 1, 6-8.10-28)). Ele deu testemunho da luz verdadeira que veio a este mundo. Tal deveria ser, através dos tempos a missão do seguidor de Jesus. O Percursor foi um personagem excepcional. Admirável sua fé profunda, sua irradiante humildade, fiel até o fim a sua sublime missão. Personagem excepcional, o último dos profetas. Trata-se de saber como bem viver este tempo do advento. Nada de um planejamento artificial. O Batista foi claro: “No meio de vós se encontra um que vós não conheceis: ele veio depois de mim e eu não sou digno de desatar-lhe as correias das sandálias”.  No contexto histórico no qual esta sentença foi proferida, aqueles que vinham receber o batismo no Jordão pelas mãos do Precursor de Jesus não O conheciam. Entretanto, João, o Evangelista escreveu seu Evangelho 70 anos mais tarde e ele se dirigia a uma comunidade de batizados que procuravam seguir a Cristo e discutiam as Escrituras. Esta frase do Batista ressoava para eles de uma maneira surpreendente, como acontece em nossos dias. Vale ainda hoje a assertiva de que no meio de nós está Aquele que não conhecemos. No cerne desta afirmativa está o verbo conhecer que vem do latim cum-nascere, ou seja, nascer com. Conhecer com alguém é nascer com ele, num processo que exige muita humildade sobretudo no que diz a Jesus, que foi em tudo manso e humilde de coração. Esta é uma condição primordial para auferir as graças natalinas. É preciso se despojar de todos os preconceitos pessoais e tomar em consequência resoluções imediatas, sem nenhuma tergiversação. Apenas assim se pode estar totalmente à escuta das inúmeras inspirações que vêm do Presépio. Escutar Jesus, crescer com Jesus, vivendo sempre com Ele. Nada de presunções humanas, enquadrando o divino Redentor nos próprios moldes mentais, negando a sublimidade de seu mistério, de seu ser profundo. É tudo isto que o testemunho de São João Batista recorda, pois no meio de nós está alguém que devemos conhecer. Cumpre, então, afastar todo orgulho, a exemplo do que fizeram através dos tempos os grandes místicos. Deste modo o cristão não se deixa abalar pelos imprevistos da vida, pelos percalços que costumam surgir, entraves naturais para seres contingentes, finitos, limitados. Foi após seus sofrimentos que Jó assim falou a Deus: “Eu não te conhecia senão por ouvir falar de ti, mas agora meus olhos te veem” (Jó 42,5). Depois de deparar a figura do Salvador, será mais fácil imitar João Batista também na pobreza, na simplicidade e demais virtudes como resultado do Reencontro com o Filho de Deus no seu Natal. Outra diretriz do Precursor é “aplainar o caminho do Senhor”, comparando-se a uma voz que clamava no deserto. Quando se explora um deserto é preciso levar um roteiro, água e bússola. Na sua época, o Batista interpelava as pessoas porque elas estavam perdidas, andando sobre uma terra seca longe de Deus. Conduzia a todos para uma rota a mais segura, ou seja, Jesus Cristo. Hoje aplainar o caminho do Senhor significa seguir o caminho, ou seja, acompanhar Jesus através do deserto espiritual longe das insídias do mundo moderno. Devemos então saber onde encontrar a água viva que é o Filho de Deus, seguindo o roteiro proposto pela liturgia e tendo como bússola a Igreja. Devemos ser agradecidos a Deus pelo dom de seu Filho que nos guia neste mundo para saciar nossa sede do verdadeiro amor às verdades externas e para nos consolar por entre as vicissitudes terrenas. Trata-se de praticar com eficiência todas as virtudes que nos aproximam das realidades celestiais recordadas pelo Natal. Cumpre agradecer a Deus pela dádiva de seu Filho, nosso caminho neste mundo, fazendo uma salutar mortificação de tantas coisas das quais se deve privar para o bem próprio da saúde do corpo e da alma. João Batista deixou claro que ele não era Elias, aquele que deveria inaugurar o fim dos tempos; não era um profeta como Moisés, destinado a renovar os prodígios do Êxodo, do qual falou o Livro do Deuteronômio (Dt 18,15). São João Batista deixou patente que ele era, isto sim, como dizia o profeta Isaias a voz que ressoa no deserto: “Aplainai o caminho do Senhor” (Is 0,3). Voz não de alguém que fascina e atrai os outros para si, mas uma voz inteiramente a serviço da mensagem que estaria sendo proclamada ao mundo pelo Redentor diante do qual deveria se ajoelhar todo aquele que, de fato, O procurasse conhecer. A exemplo de São João Batista todos os cristãos deveriam, portanto, por toda parte dar testemunho da Luz.  * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

 

segunda-feira, 30 de novembro de 2020

 

01 JESUS BATIZOU COM O ESPÍRITO SANTO

Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho

São João Batista aconselhou claramente aos que o escutavam que preparassem o caminho do Senhor, mesmo porque Jesus batizaria com o Espírito Santo (Mc 1,1-8). Eis porque a fé e a esperança, intimamente conjugadas, imergiriam o cristão em realidades sublimes. A fé sempre alimentada na vivência da obra salvadora de Deus e a esperança colocando o batizado no limite da realização das promessas feitas por Deus que se cumprirão após a trajetória de cada um neste mundo. É quando se dará o acabamento dos esforços na luta pela justiça, pela paz e pela verdade pregadas pelo Filho de Deus. É nesta plenitude do amor de Deus que passaria a viver quem fosse batizado no Espírito Santo. Tal foi o importante ministério do Batista, dado que Jesus lançaria neste mundo   o germe do Reino de Deus do qual participaria quem bem se preparasse para cumprir os compromissos batismais. A presença de Deus e sua obra salvadora no coração de cada fiel, com a força de notáveis virtudes, constituiriam assim a realidade dessas promessas que terão seu acabamento após esta vida terrena. Eis aí o cerne glorioso da esperança cristã que se apoia na certeza da fidelidade divina que paira acima das realidades terrenas. A primeira etapa da realização das referidas promessas se dá pela presença de Deus no coração de quem crê e esta presença é o motor do agir do cristão na própria vida e na sua atuação junto dos outros, constituindo isto a essência da história do cristianismo. Deste modo, o batizado vive no presente, mas voltado para o futuro, porque acredita em tudo que o Redentor prometeu. Quem crê, acolhe então o Natal dentro de si mesmo através de uma vida de penitência e arrependimento das próprias faltas, como ensinou João Batista. Ele era a voz que pregava no deserto bem o símbolo de tantas situações que viveriam os batizados uma vez que é no deserto, isto é, no silêncio interior, que ressoará sempre este seu apelo: “Preparai o caminho do Senhor”. Eis aí a Boa Nova de Jesus Cristo, o Filho de Deus que São Marcos desenvolverá no seu livro, cuja introdução contém tão ricos ensinamentos Não se trata de uma mera filosofia ou de um determinado programa, mas de um ensinamento profundo que verdadeiramente clareia e salva. Trata-se do contato amoroso não com um personagem qualquer, mas com Jesus Cristo e as outras Pessoas da Santíssima Trindade. Assim surge um Rei envolto não em esplendores terrenos, mas alguém que só será reconhecido por aquele que estiver revestido da humildade, longe de toda soberba interior, apartado de qualquer vaidade exterior. Para que tudo isto se concretize nas vicissitudes da existência de quem foi batizado no Espírito Santo é preciso, além da comunhão eucarística, o alimento da Palavra revelada, adaptando-se à mesma as atividades cotidianas, buscando resultados espirituais que fortificam a união com Deus, levando à prática de sua vontade santíssima. Trata-se da adoração ao Senhor de tudo em espírito e verdade Eis porque é preciso a tranquilidade interior para que as luzes divinas envolvam o cristão a fim de que ele reflita e assimile os recados vindo da Trindade Santa que habita no fundo do coração de quem se acha em estado de graça. Então há condições para sejam feitos pedidos afim de solucionar tudo aquilo que é contrário aos desígnios divinos. Os obstáculos ao crescimento espiritual são afastados. Deus abomina expressões vazias e falsas promessas. O verdadeiro cristão deve primar no cumprimento do dever cotidiano, afastando tudo que contradiga qualquer um dos preceitos do Decálogo. É preciso que Deus, realmente, ocupe toda a vida do batizado que se submete inteiramente a Ele. Isto no desapego dos bens temporais e rejeitando corajosamente as vantagens obtidas com fraudes, tendo em mira as mansões eternas e infindas nos céus.  Certo de que a glória presente é passageira, ilusória e vã, quando endeusada longe da eternidade celeste, obediente aos preceitos do Senhor, quem foi batizado no Espírito Santo deseja continuamente em tudo a riqueza, mas lá na pátria verdadeira onde os ladrões não arrombam nem furtam, nem se desfazem estes bens pela ferrugem ou pela traça. É para lá que deve tender o cristão com desejos ardentes e amor profundo, muitas vezes, se voltando para destino tão maravilhoso. Cumpre refletir sobre tudo isto na caminhada de preparação até o Presépio. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

segunda-feira, 23 de novembro de 2020

Estai atentos! Vigiai e orai!

 

ESTAI ATENTOS! VIGIAI E ORAI.

Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*

Com o Advento um novo ano litúrgico começa e a Igreja convida a todos os fiéis a bem se prepararem para a solenidade do Natal. Nesta época na qual reina no atual contexto social, nas instituições e até nas famílias e comunidades católicas o temor, a apreensão ocasionada pela pandemia e outros males, viver profundamente a alegria pela comemoração da vinda do Filho de Deus a esta terra, é renovar a fé, indo ao encontro de uma nova esperança. Esta esperança tem um nome sublime: Jesus. Ele fará cada um caminhar sem desfalecimentos no seu aprimoramento pessoal, contribuindo a fim de que o mundo seja melhor para todos. Enorme responsabilidade, porque Deus vem com graças especiais ao encontro dos que se imergirem na mística cristã deste período litúrgico e daí o alerta: “Estai atentos! Vigiai e orai”.  É que as inspirações divinas deverão ser captadas e a vigilância é imprescindível, vivida, porém, numa união ainda mais profunda com este Deus que se fez homem e habitou entre nós. Isto para a todos chamar afim de participarem da natureza divina. Donde ser necessária total disponibilidade para corresponder a tão maravilhosa vocação. Vigilância para que os corações não endureçam, não estejam inertes, mas aptos a cor. responderem aos chamados divinos. Trata-se de percorrer com mais fervor o caminho da santidade através dos sofrimentos de cada hora, do trabalho humilde e da prece constante. O Advento leva assim o cristão a um reencontro especial com seu Senhor no coração mesmo de sua história pessoal. Estar de sobreaviso para que cada um possa passar frutuosamente estes dias abençoados do Advento, como insistia São Paulo: na sobriedade, revestidos da couraça da fé e da caridade, do capacete da esperança da salvação que Jesus veio trazer para os que O receberem com amor. As forças humanas, as intelectuais como as biológicas, são sempre insuficientes, donde a precisão da energia divina que cumpre seja pedida com persistência. À impotência humana vem o poder do Todo-poderoso Senhor que deve ser confiadamente aguardado. A oração confirma a insignificância do ser humano e robustece, porém, sua fé. As calamidades dos fenômenos da natureza exigem, mais do que nunca atenção e oração. Jesus veio, vem e virá são as três certezas que o tempo do Advento nos recordará. Ele veio, porque desceu do céu e se encarnou no seio da Virgem Maria, abolindo maravilhosamente toda distância entre o Criador e suas criaturas, lançando seus apelos no interior de cada um que procurar seguir seus caminhos, ajustando-se à Sua vontade longe da borrasca do pecado; Trata-se do dinamismo divino que varre para longe as misérias e fraquezas humanas. Ele veio e vem até os corações de boa vontade, oferecendo sua amizade, seu corpo e sangue, todas as riquezas celestiais. Faz conhecer os dons divinos, as delicadezas de seu amor redentor que transfiguram o coração humano. Tudo isto se dá na medida em que cada um vive coerentemente tudo que Ele veio ensinar para conseguir a vida eterna.   Ele veio na humildade, vem na intimidade de cada coração e virá um dia na sua glória. Esta glória outra coisa não é senão sua união com o Pai, a densidade da vida e da felicidade que Ele oferece como Segunda Pessoa da Trindade Santa.   Vivendo santamente o Advento, virá o grande dia prometido por ]esus que é fiel com quem lhe foi fiel nesta terra  e o verá face a face. Daí a importância da vigilância e da oração.tão insistidas por Jesus. Ele deseja que estejamos alertas. Eis aí disposição essencial do verdadeiro cristão que compreende o significado do Advento, que entende o que quer dizer verdadeiramente estar atento. Não estar a dormir, nem estar adormecido, mas cauteloso, consciente do bom aproveitamento deste tempo de graças especiais, voltado unicamente para Deus e não para as futilidades terrenas.  Longe, portanto, das preocupações mundanas, de sonhos mirabolantes, da dispersão, de uma passividade deletéria. Que se afastem as inquietações, as preocupações estéreis, as obsessões malignas. O amor de Deus deve mais do que numa reinar, porque Jesus que chega é salvador amoroso que quer recompensar e não punir.  Velar é se voltar inteiramente para Deus, desejando ardentemente sua manifestação   amorosa, pois Ele é o salvador misericordioso. Daí a prática cuidadosa de toda justiça com alegria, seguindo mais perfeitamente os caminhos do Senhor que vem. É preciso sentir a ausência daquele que ansiosamente se espera. Trata-se da sede espiritual de quem crê e aguarda o grande Rei * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

 

segunda-feira, 16 de novembro de 2020

 

CRISTO, REI DO UNIVERSO

Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*

Ecoam neste domingo especiais louvores a Cristo Rei do Universo. Como lemos no Evangelho de São Mateus, o Filho do homem voltará a esta terra em sua gloria para o juízo universal (Mt 25,31-40) Dada a impetuosidade das forças do mal, sobretudo no atual contexto histórico, nada mais necessário do que meditar sobre esta intervenção do poder do Redentor da humanidade. De uma maneira ainda mais cruel, seres humanos são massacrados, as inteligências são asfixiadas com os erros mais absurdos e a mentira campeia através dos meios de comunicação social e. até. se popularizou a expressão “fake news” – notícias falsas. Nada, portanto, mais necessário do que implorar a vinda do Senhor do céu e da terra para dar rumos mais justos por entre tantas calamidades, para que a justiça reine por toda parte. Cumpre, entretanto, que cada um se examine até onde é culpado nestes transtornos atuais. A certeza, porém, de que todos e tudo que praticaram, um dia, serão submetidos ao julgamento de Deus, é um poderoso alerta. Cristo, o Crucificado que ressuscitou imortal e impassível, no juízo final, separará os bons e os maus. A vitória será daquele amor que raiou no alto de uma cruz, fato glorioso bem assim sintetizado por São Paulo: "Com efeito, de tal modo Deus amou o mundo, que lhe deu seu Filho único, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna." (Jo 3,16). No decorrer da história há os que trilham o caminho do bem, ou seja, os que seguem os preceitos estabelecidos pelo Criador, e aqueles que aderem àquilo que a esta vontade divina se opõe. A liberdade de cada um é sempre respeitada pelo Senhor de tudo. São, contudo, duas sendas opostas. No dia a dia do ser humano nesta terra muitas vezes se percebe que a fronteira do bem e do mal passa dentro de si, tanto que a própria Bíblia afirma que o coração do homem é duplo. Segundo São Tiago, “aquele que hesita é semelhante à uma onda do mar, batida pelo vento. Portanto, não pense tal homem que receberá do Senhor coisa alguma, irresoluto como é e volúvel em todo o seu operar” (Tg 1,8). Na hora da morte, contudo, o proceder de cada um estará definido pois ou foi inteiramente bom ou completamente mau. Por isto, no julgamento final haverá apenas duas categorias, pois os bons receberão as promessas do Reino e os outros o fogo eterno. A responsabilidade pessoal fica definida ao se deixar este mundo. A Bíblia emprega uma linguagem concreta e fala do fogo eterno “preparado para o demônio e seus anjos”. Mensagem direta que deve ser bem assimilada por aquele que crê na vida eterna, pois o julgamento divino será com relação ao bem ou ao mal que se praticou. O juízo será sobre os atos e não é meramente conceptual, pois o Evangelho de hoje focaliza como se agiu diante dos pequenos, dos fracos, dos famintos, dos sedentos, dos sofredores em geral, com os quais Jesus se identificou. O que cada um fez ao menor dos irmãos é a Cristo que foi feito. Quem socorreu o próximo não por uma generosidade interesseira, mas gratuitamente, por verdadeira caridade, receberá o faustoso convite: “Vinde benditos de meu Pai, recebei em herança o Reino preparado para vós desde a criação do mundo”. O mesmo não ocorrerá com quem não teve compaixão para com os outros. Desde modo, a solenidade de Cristo Rei deve levar a todos os seus súditos a uma revisão do modo como tem tratado seu semelhante, dado que se trata de uma recompensa ou de uma condenação por toda a eternidade. Na sua primeira Carta São João deixou esta séria advertência: “Não amemos por palavras nem com a língua, mas por obras e em verdade. Por este sinal saberemos que somos da verdade” (1Jn 3,1). Cristo Rei é, como foi dito, a revelação do Deus de amor, aquele que mostrou que o verdadeiro amor está em Deus. Entrarão em seu reino apenas aqueles que viveram em função desta dileção concretizada em atos que ampararam nesta terra os mais necessitados. Diante de seu tribunal seremos examinados sobre como amamos os indigentes, vendo neles sua figura salvadora. Todo serviço ao próximo que teve a marca da caridade foi passaporte para o céu. Deixemo-nos então penetrar pelo poder de Cristo Rei, tão próximo de nós em nossos irmãos e estaremos conscientes de nossa responsabilidade nesta nossa trajetória terrena. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

                                                                                

 

segunda-feira, 2 de novembro de 2020

 

O ENCONTRO COM DEUS

                                              Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*

 Um tema recorrente na liturgia, sobretudo com a aproximação do Advento, é a vigilância na preparação do encontro com Deus, após a trajetória de cada um neste mundo. A parábola das virgens estultas e das virgens prudentes ilustra bem a reflexão sobre questão tão importante na existência do cristão (Mt 25,1-13). Trata-se da atenção ativa no que tange o momento no qual estará decidido o destino de cada um por toda a eternidade. As virgens imprevidentes não puderam entrar para a festividade do banquete nupcial. Claro o conselho de São Paulo na Carta aos Tessalonicenses para que todos sejam sóbrios, revestidos como de couraça, da fé e da caridade, tendo por elmo a esperança da salvação (1Tes 5,8). O que importa não é saber a hora em que o Senhor virá, mas se cada um estará ou não apto a acolhê-lo.  Jesus inculca a seus seguidores uma vigilância inteligente e confiante, atitude bem diferente da que tiveram as virgens descuidadas da parábola narrada pelo Filho de Deus. O amor com que se deve aguardar o encontro derradeiro com o divino Salvador aparta qualquer inquietação, mas também impede todo descuido que impede a entrada  um dia no banquete que Ele preparou para os que lhe forem fiéis nesta terra. Daí a necessidade de direcionar bem a liberdade e de agir com responsabilidade como quem espera confiante a chegada do grande Rei.   Trata-se de fazer frutificar os dons que Deus concedeu a cada um. Então, amorosamente, o cristão pratica todas as virtudes por que deseja estar para sempre junto a seu Senhor. O tempo de vida que Deus concede a cada um é o precioso dom que Ele concede nesta preparação para o encontro definitivo com Ele. O que não se deve olvidar é a importância decisiva do instante da morte. Esta é, por assim dizer, o resultado, a súmula de todas as horas até então vividas  nesta terra praticando o bem. Cada ato de fé, de esperança e de amor a Deus e ao próximo, cada esforço para fazer ininterruptamente a vontade divina fulgirão naquele momento final para felicidade de quem foi virtuoso.  Para os bons a morte firmará a relação filial com o Ser Supremo, garantindo-lhe a salvação eterna. Feliz aquele cuja vida tiver sido uma procura continua para conhecer e amar a Deus, pois se estará para sempre com Ele. Felizes na hora derradeira os que tiveram total gratuidade para com o grande Rei que os receberá para o festim dos eleitos. É de bom alvitre observar ainda que a Parábola das dez Virgens se desenrola em dois tempos: inicialmente na primeira parte da noite e daí as lâmpadas para aguardar o esposo e, depois, sua chegada. O esposo representa Deus.  A lâmpada significa a fé. O óleo simboliza a confiança. De plano, as dez jovens estavam tranquilas, confiantes. Suas lâmpadas iluminavam. Elas puderam até adormecer.  Tudo estava sereno.  Eis, porém, que chega o esposo, mas o óleo havia acabado, bem simbolizando a fé que pode se extinguir. Entretanto, cinco foram cautelosas e trouxeram suplemento deste óleo consigo, mas cinco tiveram que ir comprar aquele combustível e ao voltarem encontraram porta fechada. Daí a grande lição dada por Jesus: “a Vigiai porque não sabeis nem o dia nem a hora”.  Por vezes, o desânimo se torna insuportável, incompreensível, multiplicam- se as ilusões, os momentos de angústia, o abandono, o vazio, o temor! Não se pode ficar jamais sem o óleo da esperança para si e para os outros.  Os insensatos não terão outra chance, adverte Jesus, mostrando que se deve estar sempre prevenido. Cumpre ter sem cessar uma fé atuante alimentada pelo desejo da vida eterna e pelas preces contínuas.  A condição para poder participar das delícias eternas é não deixar adormecer as verdades perenes, pois, elas conduzem à liberdade, deixando sempre Deus agir em tudo.   Cumpre,continuamente, repetir com o salmista: “Pronto está o meu coração, ó meu Deus, quero entoar e cantar louvores. [...] Despertai harpa e cítara! Quero acordar a aurora, quero louvar-vos sempre, ó Senhor! (Sl 56,8-9). Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.                       

segunda-feira, 26 de outubro de 2020

 

SOLENIDADE DE TODOS OS SANTOS

Còn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*

No livro do Apocalipse São João se refere aos eleitos e assevera que viu uma multidão incalculável de todas as nações, tribos, povos e línguas de pé diante do trono e do Cordeiro, vestidos com vestes brancas e com palmas na mão” (Ap 7,9). Sobretudo na solenidade de hoje, unimo-nos ainda mais estreitamente à litugia do céu. Cada vez que os fiéis se reúnem para celebrar os santos Mistérios da Salvação, oferecidos por Deus em seu Filho Jesus Cristo, eles se unem a esta liturgia celeste que se desenrola diante do Criador e perante Aquele que foi imolado no sacrifício do Calvário. Os seguidores de Cristo se ligam àqueles que morreram, mas que se acham vivos na presença do seu Senhor após terem passado pela porta da morte. Trata-se de uma participação intensa na imolação do Filho de Deus que veio a este mundo para salvar e remir todos aqueles que recebem com fé e amor o sacrifício redentor. A manifestação da dileção de Deus, que ficou clara no fato da criação e   refulgiu também na Encarnação Redentora de seu Filho, deixou patente o desejo divino de levar para junto dele lá no céu um número imenso daqueles que depararam a sua salvação eterna, participando da vida sem fim que passa do Pai ao Filho e do Filho ao Pai no dinamismo incessante, maravilhoso, do Espírito Santo. É nesta felicidade sem fim que já se encontram todos aqueles que hoje são comemorados por já estarem na glória eterna. Cada fiel no dia do seu batismo foi revestido com uma vestimenta pura, santa, sendo purificado no sangue do Cordeiro Imaculado, imerso no sacrifício salvador do Filho de Deus. Torna-se participante da sua morte para ser também participante de sua gloriosa ressurreição. Eis por que São Paulo chamou os cristãos de “santos” (Rm 1,7: Col 1,2: Ef 1,1). Esta santidade desabrochará na cidade dos santos após a trajetória de cada um nesta terra de exílio. É quando se dará o que São João escreveu na sua primeira carta, dizendo que “quando o Filho de Deus aparecer, seremos semelhantes a Ele, porque nós o veremos tal como Ele é” (1 Jo 3,2). Então a graça do batismo terá se desenvolvida plenamente em cada um. É o que ensina o mesmo São João ao nos levar a contemplar a grandeza do amor de Deus que cumula de graças o batizado de tal forma que ele seja chamado seu filho em seu Filho único: “Somos filhos de Deus, mas o que seremos não aparece ainda plenamente” (l Jo 3,2). Eis por que o batizado renuncia continuamente ao pecado. Aí está o motivo pelo qual a festa de todos os santos repleta de esperança aqueles que creem. Esperança fulgurante de se tornar semelhante a Jesus Redentor para gozar dele por toda a eternidade. A santidade que Deus quer de cada batizado vai se desenvolvendo através da vida do cristão e desabrochará na ultravida. Desde esta terra, porém, Deus quer que todo batizado seja bem-aventurado (Mt 5,3 e ss), feliz em todas os acontecimentos e situações. As beatitudes não são simplesmente um código moral ou um ideal irrealizável, ou uma sabedoria de vida. Elas são bênção de Deus sobre nossa humanidade um vibrante apelo à esperança da posse um dia da vida eterna junto de todos os santos.  Entretanto, para fazer parte um dia desta vida eterna feliz, todo batizado deve praticar a pobreza do coração e a doçura, chorar e desprezar todo e qualquer pecado, tornar-se misericordioso, ter fome e sede de justiça para poder viver a bondade e a pureza de coração, passar pela contradição dos maus por causa de Cristo, sendo assim também artesão da paz. A solenidade de hoje é um apelo a que cada um se torne verdadeiramente “santo”. Não se trata, é certo de se tornar pessoas perfeitas, mas cristãos que acolhem a vida de Deus e procuram se ajustar sempre em tudo e em toda parte à vontade santíssima do Ser Supremo.  Cada um, não obstante, é livre e pode recusar, infelizmente, a adoção filial proposta pelo Senhor de tudo. É a triste condição do pecador, dado que o pecado é a ruptura com a filiação divina. Foi o que aconteceu com o Filho Pródigo da parábola contada por Jesus. O retorno à casa paterna é sempre possível, porque a Casa dos Santos está sempre aberta graças à misericórdia divina e oferece oportunidade para a vivência das Bem-aventuranças. O amor do divino Redentor é sempre oferecido graças à misericórdia de um Deus que quer a salvação de todos. É Jesus que leva à prática das oito beatitudes e a participação na Eucaristia é o lugar basilar da união com o Coração amoroso do Filho de Deus. Quem comunga com fervor não se apartará da vida eterna junto com todos os eleitos. Todos os santos que hoje são fervorosamente homenageados realizaram em suas vidas sua admirável vocação à santidade e, como dizem os teólogos, se tornaram mestres de uma vida santa. Todos eles, mas sobretudo os santos da devoção de cada fiel os levam a   assegurar sempre a caminhada rumo ao céu, onde estão à espera dos que na terra nele confiaram e os imitaram com perseverança.  * `Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.


 

segunda-feira, 19 de outubro de 2020

 

O MAIOR MANDAMENTO

Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*

Qual é o maior mandamento da lei foi a questão que, no templo de Jerusalém, apresentaram a Jesus os fariseus (Mt 22.24-40). O Mestre divino foi interrogado na qualidade de Rabi, ou seja, como alguém cuja autoridade se queria averiguar. Ele ofereceu a seus interlocutores uma resposta completa, mostrando que o amor a Deus era o primeiro e o maior mandamento, mas acrescentou que o segundo é semelhante a este, isto é, amar o próximo como a si mesmo. No judaísmo este tema se revestia de uma particular importância, dada a multiplicidade de preceitos da lei. Contavam-se 613, repartidos em 365 proibições e 248 preceitos. Daí a necessidade de separar o essencial do acessório, atingindo o principal mandamento. Ninguém melhor do que Jesus para condensar de uma maneira perfeita toda a fé de Israel, conjugando o amor de Deus e a dileção fraterna Aquele que era a Verdade enunciou um princípio espiritual de ação, uma atitude que deveria ajudar cada um a caminhar na verdadeira via em qualquer situação. Jesus mostrou que o amor em sua plenitude deve abarcar o Criador e todas as suas criaturas. Seguir Jesus Cristo implica uma dupla e radical abertura a Deus, o Pai, e aos irmãos. A resposta dada por Jesus traça uma cruz com uma haste vertical voltada para o céu, o amor do Pai, outra horizontal, o amor ao próximo. Estava claro no Livro do Deuteronômio (6,5): Amarás o Senhor teu Deus de todo teu coração, de toda tua alma e de todo teu espírito”, mas também estava preceituado no Levítico (19,18):” Tu amarás teu próximo como a ti mesmo” A originalidade de Cristo é que Ele colocou estes dois mandamentos no mesmo plano. Não há dois amores, mas apenas um. A atitude que se tem para com o próximo indica a postura que se tem para com Deus. É deste modo que devia ser todo o passado de Israel, a Lei e os profetas. A Nova Aliança não teria outra exigência senão viver o amor manifestado em Jesus e por Jesus. O evangelista São Mateus frisa claramente que o apelo ao amor é o coração da nova aliança realizada no Filho de Deus Na trajetória do cristão a observância dos mandamentos o deve colocar na rota sagrada deste amor pregado por Jesus. Ser agradável a Deus é observar sua vontade santíssima atendendo sempre a ordem de Cristo de amar o Criador e todos os seres racionais que Ele criou. Deste modo, o apelo à dileção divina e humana não se torna algo vago, indeterminado. Jesus se apresenta a seus seguidores como aqueles que têm fome, que choram, que padecem injustiça e tudo mais que Ele detalhou ao falar do juízo universal (25, 31-46). São João asseverou que se alguém diz que ama a Deus, mas odeia a seu irmão é mentiroso Pois, quem não ama a seu irmão que vê, não pode amar a Deus que não viu (1 Jo 4,20); O próximo é todo aquele que tem necessidade do outro como Jesus deixou claro na parábola do Bom Samaritano. É aquele que  cruza nosso caminho regularmente ou ocasionalmente. Ele não pede senão um pouco de atenção, de ajuda, de reconforto, de justiça, de amor e isto sem exigir nenhum retorno. O próximo é Deus que todos os dias se apresenta sob uma aparência humana. Jesus ligou o amor ao próximo e o amor a Deus, colocando o amor a Deus em primeiro lugar, porque o segundo mandamento é semelhante ao primeiro e não o inverso. Entretanto, este termo semelhante atrai nossa atenção e estabelece uma relação estreita entre os dois aspectos do grande mandamento.  Relação estreita que não pode ser comentada de maneira simplista por declarações categóricas como: “Não há amor de Deus senão no amor ao próximo”. Não se trata de equivalência, mas da maneira de agir da consciência cristã que, a cada passo, manifesta sua dileção a seu Senhor e aos irmãos, sem privilegiar uma ou outra atitude. Os dois mandamentos são semelhantes, ou seja, amar a Deus, o Criador e Redentor do homem, e amor ao ser humano, imagem e similaridade de Deus. São João assim se expressou: “Caríssimos, amemo-nos uns aos outros, porque o amor vem de Deus, e todo aquele que ama é gerado por Deus e conhece a Deus quem não ama não aprendeu a conhecer a Deus, porque Deus é amor ( 1 Jo 4,7). Na prática, porém, distinguimos entre um ato que manifesta nosso amor a Deus e outro que manifesta nossa dileção ao próximo. Em síntese, o certo é que a doutrina de Cristo mostra a seus discípulos o caminho maravilhoso do amor. O autêntico cristão é aquele que sabe amar de maneira incondicional, que acolhe nele a unção magnífica do amor paternal de Deus, origem e termo de toda dileção, e, assim, ama ternamente também o seu semelhante. Trata-se do dom de si mesmo a Deus e do maravilhoso acolhimento aos outros em todas as circunstâncias. “Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

terça-feira, 13 de outubro de 2020

 

01 A CÉSAR O QUE É DE CÉSAR E A DEUS O QUE É DE DEUS.

Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*

Este precioso ensinamento de Jesus se tornou um lema para seus seguidores (Mt 22,15-21). Entretanto, nem sempre se penetra fundo no seu significado. Esta fórmula não visa, de plano, determinar uma linha de demarcação entre o temporal e o espiritual e, menos ainda, justificar os que querem restringir o aspecto religioso à estrita esfera da vida privada. É preciso analisar o contexto no qual  Jesus a proferiu. Ele percebera bem as más intenções de seus interlocutores, os quais não procuravam uma solução para uma questão que os preocupava e, menos ainda, estavam em busca da verdade. Eles tentavam armar uma cilada da qual Jesus não pudesse escapar. Uma resposta afirmativa tê-lo-ia tornado mal visto pelo povo que o julgaria partidário do opressor  estrangeiro; se negativa  tê-lo- ia  feito  passar por rebelde  e agitador contra a autoridade do César romano. Fulgiu, porém, a sabedoria do Mestre divino que lhes pede uma peça da moeda do tributo. A moeda era o sinal por excelência da autoridade, pois cunhar a moeda era um direito do poder político. Os fariseus aceitavam a moeda romana, pois eles a tinham consigo e a mostraram a Jesus.  Viviam, portanto, dentro do jogo econômico dirigido pelo ocupante, aceitando assim sua soberania inclusive o imposto por ele estabelecido. Jesus patenteia então a incoerência de seus interlocutores. Que então dessem a Cesar o que era de César e a Deus o que era de Deus. Jesus, porém, se serviu daquele episódio para ministrar uma lição espiritual profunda, abrindo o espírito deles ao que estava na Bíblia. Foi por isto que Ele perguntou de quem era a efigie que estava na moeda. Era a imagem da autoridade suprema do Império romano que tinha sobre os judeus um evidente poder político. Entretanto, focalizando este aspecto da imagem, Cristo queria que se pensassse em uma outra imagem. Quem trazia a moeda com a imagem de César que lhe desse o que lhe era devido. No entanto, aqueles que acreditavam em Deus trazem em si a imagem de Deus e a Deus cumpre Lhe dar o que Lhe é devido. Nas primeiraspáginas da Bíblia, lemos que Deus disse: “Façamos o homem a nossa imagem e semelhança” [...] “Deus criou o homem a sua imagem, a imagem de Deus Ele o criou, homem e mulher os criou”. Mediante estas palavras a máxima de Jesus ganhou um esplendor peculiar. Os fariseus levantavam uma questão econômica, mas o principal, porém, era o significado espiritual que Jesus ressaltou, ou seja, dar a Deus o que é de Deus. Para viver, acatamos as normas do jogo da economia, mas isto não é tudo em nossa vida. Cumpre estar atentos às exigências da vida espiritual. A presença de Deus, por vezes, é facilmente esquecida, porque se trata de uma presença discreta. Deus não se impõe, Ele se propõe. Somos chamados a viver em comunhão com Ele. Se o dinheiro que traz a marca da autoridade política lembrava os deveres políticos como o  pagamento dos impostos, a pessoa humana traz, contudo,a marca da imagem divina, devendo se voltar continuamente para o seu Criador. Esta volta para Aquele que marcou em nosso coração sua imagem se dá não somente no fim de nossa trajetória terrena.  O importante é reconhecer a presença de Deus em nossa vida cotidiana, como ensinam os grandes teólogos. Eis por que é preciso viver na presença divina, já que o ser humano é criado à imagem de Deus. Ao Estado pagamos cada dia, direta ou indiretamente, impostos, mas nossa relação com Deus deve também ser ininterrupta. A pressão espiritual do Senhor sobre seus fiéis é claramente menos forte que a coação fiscal do Estado, mas cabe ao fiel, usando sua liberdade, voltar-se sempre para o seu Senhor, consagrando-Lhe com fervor tempo reservado à oração e se dirigindo a Ele com fervorosas invocações durante todo o dia. Marcado com o selo do Espírito, durante toda a vida, o fiel deve ser uma oferenda contínua ao seu Senhor  e estar no serviço ao  próximo, vendo nele a imagem de  Cristo. Além disto, o engajamento nas diversas pastorais é outra meneira de dar a Deus o que é de Deus. Trata-se de organizar sabiamente a vida espiritual. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

 

segunda-feira, 5 de outubro de 2020

 

O BANQUETE NUPCIAL

Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*

A parábola do banquete nupcial (Mt 2,1-14) tem oferecido aos hermeneutas, aos intérpretes da Bíblia, inúmeras interpretações. Aqueles que fazem uma leitura histórica deste texto reconhecem nesta página do Evangelho o drama da aliança no Antigo Testamento. Deus convidou seu povo para entrar em aliança com Ele, partilhando seu amor. Este convite figurado então num chamado para um festim de núpcias, uma união celebrada entre seu Filho e a humanidade. Infelizmente, os homens têm respondido mal a este chamado divino ou com indiferença, ou com desprezo e até com rejeição dos profetas que falaram em nome do Senhor. O plano traçado por Deus entretanto permanece, uma vez que a malquerença e até a hostilidade para com seu próprio filho da parte de alguns permitiu que o convite para aquele banquete nupcial fosse estendido a um grande número de pessoas. Isto se deu na Nova Aliança. Jesus foi claro ao afirmar que Ele veio a este mundo “para que todos tivessem a vida e a tivessem em abundância” (Jo 10,10). Esta ampla abertura das novas núpcias na Nova Aliança foi uma demonstração de afeição sem limites para com toda a humanidade, causa de um imenso júbilo. Tudo isto proporcionando uma gratidão imensa para com este Deus três vezes santo. Imersos nesta alegria os que procuram corresponder a tanta bondade não lhes cabe julgar os ingratos para com o honroso convite divino. Adite-se que o fato de um dos convidados ter entrado no banquete sem a vestimenta apropriada e ter sido expulso e atado de pés e mãos. sendo lançado nas trevas exteriores, é um alerta para o comportamento daqueles que desejam ser fiéis a Jesus Cristo. O rei da parábola condenou severamente o ousado que entrou sem ter traje adequado para aquela celebração. Para os cristãos através dos tempos cabe aqui uma leitura simbólica, ou seja, a vestimenta das núpcias simboliza bem as boas obras realizadas pelos batizados. A graça santificante conservada pelas boas ações cotidianas são indispensáveis para estar no banquete do grande Rei Jesus. Aliás, punição semelhante a desta parábola merece aquele que ousa ir ao banquete eucarístico, comungando em pecado mortal, sem estar em estado de graça. É o alerta de São Paulo a quem vai comungar: “Examine-se, pois, cada qual a si mesmo e assim coma deste pão e beba deste cálice, pois quem come e bebe sem fazer distinção de tal corpo come e bebe a própria condenação” (l1 Cor 11,27-30). Torna-se, de fato, réu ao participar indignamente, não estando em estado de graça. São Jerônimo comenta esta passagem do Evangelho sobre o banquete nupcial dizendo que o traje deste banquete sagrado são as obras realizadas segundo a lei do Evangelho. Trata-se do traje do homem novo. Com razão, o sacerdote antes de iniciar a distribuição do pão eucarístico proclama: “Felizes os convidados para a ceia do Senhor”, ou seja, os que se acham preparados para uma fervorosa comunhão, para participar do banquete de Jesus. O banquete eucarístico nesta terra é o anúncio e uma antecipação do grande festim da eternidade lá na Casa do Pai. A graça santificante supõe que o coração do fiel se acha revestido de ternura, bondade, humildade, doçura, paciência. Pela sua conduta os convidados para este banquete por suas boas obras se ajustam à grandeza deste festim entrando em comunhão com Deus. Eis porque o cristão que se prepara para comungar está numa transformação contínua, transformação exterior e interior. A Eucaristia é um banquete maravilhoso oferecido a todos de boa vontade. A participação digna na Eucaristia, porém, está ligada a uma maneira de viver que torna o cristão apto para compartilhar da mesa eucarística e para entrar um dia no banquete das núpcias eternas. Como falou São Paulo aos Gálatas, “todos quantos em Cristo fostes batizados, de Cristo vos revestistes” (Gal 3,27). Nisto consiste a santificação: (1 Ts 4, 3a). Deste modo esta Parábola do banquete nupcial lembra esta realidade sublime de que o cristão é o homem novo de que fala São Paulo, assim revestido  de Cristo com o qual estará por toda a eternidade, após recebê-lo em comunhão aqui na terra. Isto se formos encontrados “vestidos e não despidos”, como lembra o Apóstolo. (2 Cor 5,3), Este homem novo foi criado segundo Deus na justiça e na santidade da  verdade (Ef 4,22-24). Numerosas lições oferece, deste modo, o Evangelho de hoje. Convidados para as núpcias do Cordeiro o cristão deve consciente e livremente dar uma sábia resposta ao convite de Deus para participar de tão honroso convite da aliança com Ele nesta e na outra vida. Todo descuido trará consequências funestas. Impedindo o acesso aos espaços de tão sublimes banquetes, no tempo e na eternidade. *Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

 

segunda-feira, 28 de setembro de 2020

 

CRISTO, PEDRA ANGULAR, BELA E SÓLIDA

Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*

Com a parábola dos vinhateiros homicidas Jesus ofereceu uma síntese da história da Antiga e da Nova Aliança (Mt  23,33-43). A Israel sua vinha escolhida e bem amada, Deus enviou profetas que não foram bem recebidos. Nos últimos tempos, numa nova expressão de misericórdia e de manifestação de compaixão, mandou seu próprio Filho, o verdadeiro herdeiro das promessas feitas a Abraão. Jesus, o Verbo Encarnado, confirmou sua missão e inclusive anunciou   qual seria o seu destino, sendo que Ele seria lançado fora da vinha e da cidade, lá onde seria morto por seus inimigos. Eis porque os Sacerdotes e os Fariseus logo decodificaram esta parábola. De fato, eles teriam uma enorme responsabilidade no suplício e na morte do Filho de Deus. Entretanto, uma das frases de Jesus vem merecendo peculiar atenção através dos tempos, a saber, a passagem do salmo l18 por Ele citada: “A pedra que os construtores rejeitaram se tornou a pedra angular”. É que muitos através dos tempos deliberadamente ou por ignorância desprezaram esta pedra que é Jesus Cristo. Isto ocorreu ou por não quererem aceitar os valores que Ele pregou ou por recusarem as perspectivas que Ele ofereceu, ou por não acatarem as exigências que Ele estabeleceu concernentes aos direitos de Deus e os deveres do ser humano. Mesmo não se podendo cientificamente negar a figura singular de Jesus de Nazaré, nem sua influência através dos séculos, sua mensagem é deixada de lado como uma pedra inútil, tudo se fazendo para apagar sua influência. Jesus é apenas arrolado, muitas vezes, entre os fundadores de uma nova religião. Muitos de seus seguidores têm sido privados de liberdade ou sua Igreja desqualificada através de campanhas caluniosas. Uns tudo fazendo para apagar sua influência, outros perseguindo seus seguidores e, entre eles, inúmeros a não acatarem em plenitude seus ensinamentos. Toda uma maquinação diabólica para marginalizá-lo, para rejeitar Jesus, Salvador do mundo. Trata-se de uma diabólica desestabilização da fé. Não obstante tudo isto, Jesus permanece como a pedra angular bela e sólida. Ele a verdadeira esperança da salvação da humanidade. Através dos tempos, porém, há também uma multidão a produzir frutos para a vida eterna. Isto, afirmou Jesus, “é uma maravilha a nossos olhos”, porque “é obra do Senhor Deus”. Esta reflexão sobre a parábola dos vinhateiros homicidas deve conscientizar os que querem dar bons frutos a serem pedras vivas na construção do reino de Deus, fugindo de toda e qualquer infidelidade às inspirações do divino Espírito Santo. Trata-se desta certeza dos que pertencem à vinha daquele senhor, o novo Israel, que realmente, frutifica. Este novo Israel é a Igreja na qual todos os povos encontram a salvação. É que se trata de uma fé que não é individualista, fechada, mas que é preciso comunicar a quantos não a possuem. Os que pertencem à vinha do Senhor formam uma comunidade apostólica que sabe que é edificada sobre a pedra angular, eminentemente missionária. Ela deve então atrair pela força e pela beleza do Ressuscitado, por palavras, gestos, ações os que não acatam plenamente, que não aceitam plenamente o Enviado do Pai e, assim, não pertencem a sua vinha. É de se notar que quem tem Jesus como a pedra angular, jamais a rejeitando, possui o Evangelho no qual se encontra a solução de todos os problemas. Na parábola de hoje Jesus espera ser considerado como esta pedra angular através do reconhecimento da soberania divina sobre todos os atos dos que lhe pertencem e que sabem que é Ele quem sustenta realmente a história de cada um que diz pertencer à sua vinha.  Entretanto, um outro critério para saber se o Mestre divino é a luz de sua existência, é verificar se, em tudo, sempre, Deus é o referencial de todos os seus atos e, assim, ininterrupta é a ação de graças por tudo que dele se recebe. Então verdadeiramente se poderá adorar o Redentor, alegrando-se, não obstante a indigência espiritual de cada um, pois o culto devido a Deus estará purificado. Deste modo é que se vive por Ele, com Ele e nele e sua vontade estará realizada em cada um. Jesus sendo assim a pedra angular da vida do cristão que estará dando frutos opimos para a eternidade e, um dia, entrará no Reino que para todos Ele abriu. A graça de Deus vem sempre socorrer o bom que persevera e o pecador arrependido que deixa a humildade reinar dentro de si. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.           

 

segunda-feira, 21 de setembro de 2020

 

ARREPENDER-SE PARA CRER

Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*

A parábola dos dois filhos é concisa, mas deixa claro quão abominável é a falsidade e como é digno de louvor o arrependimento que leva à boa ação (Mt 21,28-32). De fato, não basta dizer “sim” a Deus,  ou “Jesus eu te amo’, ou ainda “Senhor, eu creio em ti”, para entrar no Reino de Deus. É preciso obedecer às ordens de Deus, colocando sempre em prática a vontade divina. Não são suficientes belas palavras, ou meras práticas religiosas externas, destituídas, entretanto, de sinceridade. É necessário um amor vivo, traduzido em gestos concretos. Um dos filhos da parábola disse que não iria trabalhar na vinha do pai, mas se arrependeu e foi. Aderiu à vontade do pai, ao contrário do irmão que falou em obedecer a ordem recebida, mas não obedeceu. É o que acontece com cada um diante dos desejos de Deus, que conhece cada coração humano e sabe suas resistências, seus problemas interiores, suas fobias, suas indecisões. O que conta, porém, é a deliberação final, fruto de um arrependimento sincero que leva a aderir ao que Deus preceitua, adesão plena de afeição. Trata-se da verdadeira conversão de vida, vinda do fundo do coração. A vida do verdadeiro cristão deve estar sempre de acordo com o que quer o seu Senhor, desejo manifestado em seus ensinamentos. A arrogância do primeiro filho deve sempre ser banida, mas seu arrependimento demonstra que a bondade reinava em seu coração. Isto o   levou a um comportamento dentro de uma lógica de valor universal. Numa mesma situação os dois irmãos reagiram de maneira inteiramente diferente, A verdadeira conversão que brilhou na atitude do  primeiro irmão patenteia que a autêntica conversão se realiza unicamente por atos concretos e não por palavras. Jesus falou claramente: “Não é dizendo ‘Senhor, Senhor!’ que se entrará no Reino dos céus, mas fazendo a vontade de meu Pai que está nos céus”(Mt 7,21). Foi o que aconteceu com tantos publicanos que se converteram, como São Mateus, e tantas pecadoras, que mudaram de vida, como Madalena. Por tudo isto, esta parábola deve levar, seja quem for que se diz cristão, a verificar sempre qual tem sido sua atitude no seu relacionamento com Deus. De fato, ou se age desobedecendo como o primeiro filho ou como o segundo que se arrependeu e foi trabalhar na vinha do seu pai. Há necessidade de lutar sempre para que se manifeste em nós o que há de melhor no fundo do coração e jamais perseverar no erro. Não obstante as falhas, a pequenez de cada, um, Deus nos olha e nos diz como o   pai aos dois filhos: “ide para a vinha”. Esta ordem é dada  com doçura, com misericórdia, porque é o coração que Deus perscruta. Nunca é tarde para ser evangelizador na vinha do Senhor e, em tudo, fazer a sua vontade. Dizer sim e agir, ver e crer, Nada de simplesmente prometer, mesmo porque nunca é tarde para acertar a própria vida com o desejo de Deus que quer uma existência santa e virtuosa, estando sempre cada um num processo de conversão. Tal vai ser a surpresa no juízo final quando estarão no reino de Deus aqueles que se arrependeram e tiveram coragem de mudar de vida, reparando, enquanto tiveram tempo, seus erros e extravios. Como mostra a parábola de hoje Jesus deixa patente a exortação ao arrependimento. É preciso captar o que é justo, compreender, discernir, mas isto não basta. Algo mais é necessário, ou seja, sempre uma radical mudança de vida, isto é, pensar corretamente e agir em consequência. Deve haver a primazia dos atos sobre as palavras, da prática da fé sobre o conhecimento da verdade. Nada pior na vida do cristão do que promessas feitas a Deus e não cumpridas. Jesus foi taxativo: “A glória de meu Pai é que deis muito fruto” (Jo 15,8). Durante sua vida nesta terra o cristão diz tantas vezes “sim” a Deus, como na sua profissão de fé através do batismo, do sacramento da crisma, na recepção dos outros sacramentos, ou estando a serviço dos irmãos e irmãs ao assumir uma atividade  específica  nos seus afazeres de cada dia. Seja como for, é sempre tudo isto um trabalho na vinha do Senhor. Ele espera sempre de cada um fidelidade e perseverança. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.