QUE TODOS SEJAM UM
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
A grande prece de Jesus dirigida ao Pai contém diretrizes preciosas para seus seguidores e se destaquem os versículos vinte a vinte e seis. (Jo 17,20-26). Cristo roga pela unidade dos que nele crêem. Esta unidade não é uma palavra sem sentido. Com efeito, é pela revelação da unidade entre Jesus e seu Pai que se realiza, através dos séculos, sua glorificação e isto só se efetua no amor que une seus discípulos. Estes, onde quer que estejam, devem permanecer com Ele e, portanto, todos conectados entre si e com Aquele que é a Cabeça do Corpo Místico. Aí o fundamento cristológico desta união. Este liame se dá pela fé no divino Redentor que do céu enviou o Espírito que associa tudo no amor de Deus, por ser a Terceira Pessoa da Santíssima Trindade a fonte de toda afeição. Esta dileção se fundamenta na fé, porque crer é perceber que o Ser Supremo, invisível, se deu a conhecer em Cristo, o grande revelador do Criador de tudo. Assim a unidade é, de fato, a revelação do Pai, como toda a vida terrestre de Jesus a manifestou. A unidade de Deus, a unidade em Deus é o ponto de referência da coesão de todos os que crêem: “Que todos sejam um, do mesmo modo, ó Pai, que tu estás em mim e eu em ti”. Eis porque esta unidade divina é bem mais do que um simples modelo, dado que ela se exprime de maneira real precisamente nos fiéis, tornando-se, assim, perceptível no mundo inteiro. Foi o que disseram admirados os pagãos, referindo-se aos primeiros cristãos: “Vejam como eles se amam”! É que a comunidade cristã formava “um só coração e uma só alma” (Atos 4,32). Isto porque o mandamento novo estabelecido por Cristo, o amor fraterno, é fruto opimo do amor divino e opera maravilhas. O preceito dado por Jesus a seus seguidores convida, pois, cada um a um conhecimento mútuo que é o sinal visível da caridade que as Pessoas divinas exprimem entre si. Foi o que explicou magnificamente Santo Agostinho: “Conhecer para melhor amar”. Na mentalidade bíblica conhecimento não se trata de um ato de inteligência, mas de um entrelaçamento recíproco que prende as pessoas umas às outras numa vivência cordial. Ver Jesus e O conhecer e nele ver o Pai é viver em comunhão com Ele e com os irmãos. A união fraterna é condição indispensável para a intimidade com Deus, entrando cada um na corrente de amor que liga Jesus ao Pai na unidade do Espírito Santo. O que se esquece muitas vezes é que este ideal só é atingido na medida em que o fiel se deixa transformar pelo amor do Coração do Mestre divino. Ele que se imolou pela humanidade, até o extremo da oferta de sua vida por todos, se tornou um modelo e, desta maneira, pôde afirmar: “Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns para com os outros” (Jo 13,35). A prática desta norma não consiste em meras palavras, mas precisa ser um impulso concreto que leve cada um a se tornar as testemunhas em atos de um amor comum. Eis porque é no engajamento desinteressado da afeição mútua que esplende no mundo o amor eterno de Deus. Esta atitude é tanto mais importante quando se verificam numerosas fraturas e divisões no seio da sociedade, as quais podem inclusive contaminar as comunidades cristãs. Deus não quer estas divergências. Diversidades oriundas da pluralidade são admissíveis, mas não as discordâncias, os desacordos, as dissensões. Estas, infelizmente, levam a tantas desuniões nos lares e podem resultar nos efeitos maléficos dos divórcios que separam os cônjuges entre si, os filhos de seus pais, lançadas inclusive por terra as promessas matrimoniais feitas solenemente diante do Altar. As discrepâncias que impedem o anelo de Cristo expresso neste seu desejo: “Que todos sejam um, do mesmo modo, ó Pai, que tu estás em mim e eu em ti” passam a imperar tantas vezes nas escolas, nos ambientes de trabalho e até nas diversas pastorais. O cimento da coesão, porém, é o esforço constante de se escutar o outro, de perdoar sempre, de se sacrificar pelo próximo, de falar o que é certo, mas no momento propício e com aquela serenidade que brota do amor. Há, porém, ainda uma atitude basilar a ser adotada para que reine a fraternidade que é a fuga pertinaz do desacordo interior que pode reinar no íntimo de cada um. O salmista pedia a Deus: “Unifica, Senhor, o meu coração para que eu vos tema” (Sl 85,11). Quando a dispersão se instala dentro de cada um, o ser humano se torna agressivo e nele domina o desamor. As manifestações de um egoísmo intransigente se transformam numa barreira à fraternização. Onde não há, em todos os sentidos, o amor preconizado por Cristo, o cristão se faz escravo de suas paixões e se torna vítima de seus caprichos. Este desequilíbrio interno leva ao afastamento da dileção para com os outros. O amor fora da unidade interior é uma mentira, porque a relação do cristão com Jesus fica distorcida e construída em terreno movediço. Portanto, a união preconizada por Cristo comporta uma enorme gama de atitudes positivas que levem, de fato, à realização de seu desejo da perfeita união de todos com Deus e com o próximo, exigindo uma reflexão profunda sobre todos estes aspectos. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário