A TERRÍVEL SEDE DE JESUS NA CRUZ
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Lá no Calvário, no alto da Cruz, Jesus exclamou:“ Tenho sede” (Jo l9,28). Durante a Semana Santa. nem sempre, se medita quão terrível foi este padecimento do Redentor. No que tange ao sofrimento, à tortura a Cruz era uma invenção satânica. Fixemos então com atenção o divino Crucificado. Está pregado à madeira. Seus nervos medianos estraçalhados por penetrantes e agudos cravos quadrangulares de doze centímetros de comprimento. Línguas candentes de fogo lhe percorreram o chagado corpo a cada movimento na Cruz, pois os cravos perfuraram uma região nervada e rica de vasos, como o são mãos e pés. Estes tiveram que ser assentes na trave horizontal para serem pregados e foram repuxados por meio de uma flexão dos joelhos. Isto ocasionou um sofrimento e caimbras torturantes. Jesus sorveu o cálice dos sofrimentos mais pungentes e estes lhe advieram ainda daquela imobilidade que provocava contrações e uma congestão progressivas. Ele procurava, instintivamente, aliviar-se, apoiando-se nas mãos e nos pés. Tentava pequenas deslocações e só a custa de novas indescritíveis dores conseguia atenuar ligeiramente o profundo suplício. Esgotamento total. Nem mesmo o desmaio, essa evasiva da natureza que foge da dor pela inconsciência era possível a Jesus Cristo. A impossibilidade desta alternativa é bem explicável: era impossível o desmaio porque este era repelido por contínuas e violentas convulsões, pois a horrível tetania lhe martirizava todo o ser. A posição dos braços e a tração dos músculos intercostais tornavam a respiração ofegante. Jesus foi aos poucos sufocado. O coração sujeito a trabalho excessivo palpitou com exagerada precipitação, mas debilmente. Disto resultou para o sangue uma regeneração imperfeita, um excesso de ácido carbônico, uma acumulação de detritos, causa da referida tetania nas fibras musculares. Por isto mesmo se deu a horrível congestão do cérebro, o célebre “círculo de ferro” de que nos falam os médicos, com torturas inenarráveis. A coroa, cujos louros eram espinhos, não permitia manter o equilíbrio. A incômoda posição intensificou as dores. O arquejar que obrigava a boca a se abrir foi secando até os pulmões as mucosas irritadas. Suas veias esvaziaram-se, cada vez mais, de sangue e sobretudo daquele líquido verdadeiramente nutritivo que é a água. É de se notar que, após a agonia no monte das Oliveiras, onde “o suor se lhe tornou semelhante a espessas gotas de sangue que caíam por terra”(Lc 22,44), Ele fora flagelado, carregara a Cruz, por três vezes caíra por terra e terrível febre já havia dele se apossado. Pregado no Madeiro, tendo derramado mais sangue ainda, o suplício por excelência dos feridos dele tomou conta com a terribilidade que lhe é peculiar. Jesus então não pôde deixar de escapar uma queixa plangente que revela a profundidade de seus sofrimentos: “Tenho sede”. Teve sede e sede martirizante o Filho do Eterno ali na colina da amargura, no leito estranho de morte. Quando um grande místico inquiriu a Cristo: “Senhor, de que tens sede? Esqueces da Cruz e clamas da sede?”, sem dúvida este místico desconhecia a tortura alucinante que faz o delírio do peregrino incauto na solidão do Saara. Padecimento que origina a loucura do náufrago infeliz na vastidão de deserta ilha e que faz o delíquio do caminhante errante no alto de desprotegido monte. Ele não ouvira falar da sofreguidão com que em límpida fonte se inebria o sedento, saciando-se com alvoroço. Ele não conhecia a intensidade desta ansiedade cruel. Ele ignorava aqueles passos famosos da História nos quais soldados iníquos se salvaram por terem socorrido a imperadores poderosos num instante de sede. Foi precisamente isto que aconteceu com aquele soldado romano Caio que, levado ante Júlio César, coberto de gravíssimos crimes, no momento da sentença se viu salvo. Perante Júlio César ele declarou: “Ó poderoso Imperador nas planícies da Espanha, sufocado de sede, exânime vos detivestes sob uma árvore e um soldado vos aliviou” e naquele instante foi reconhecido e, imediatamente, indultado. Passagens históricas de reis que se renderam e entregaram seus palácios, suas terras, seus haveres por uma porção de frígida água, como se deu com Lisímaco que se fez prisioneiro com todo o seu exército. No Calvário, porém, em circunstâncias muito mais agravantes, a sede se apoderou de Jesus. É que a desidratação progressiva lhe ateou esta tortura ao paroxismo, calcinante, devoradora. Vísceras embraseadas, garganta e lábios secos aquele brado “Tenho sede” é impressionante. Às gargalhadas os soldados embeberam uma esponja em vinagre e colocando-a na ponta de uma lança ergueram-na aos lábios do que agonizava. Cumpria-se à risca a profecia do salmista: “Na minha sede fizeram-me beber vinagre” (Sl 69 (68),22). Um dia, aos pés do poço ele pedira à Samaritana: “Dá-me de beber” (Jo 4,7). Diz o Evangelista que Cristo estava fatigado da caminhada. No decorrer, porém, do diálogo com a Samaritana Jesus mostrou que Ele possuía a verdadeira água que se tornaria em quem a recebesse “fonte de água jorrando para a vida eterna” (Idem v.14). Era isto bem a explicação da verdadeira sede de Jesus: sede de almas para lhes dar a água viva da salvação. Sede imensa nas angústias extremas da consumação redentora do mundo. Seu desejo imenso de salvar a todos os homens, conduzindo-os à casa do Pai. Ele dissera: “Eu vim para que todos tivessem a vida e a tivessem em abundância” (Jo 10,10). Cooperemos, então, num apostolado sério para que este plano salvífico se realize por toda parte! * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.
terça-feira, 20 de setembro de 2011
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