A SEDE ESPIRITUAL DO HOMEM
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Os homens ao pervagarmos as rudes veredas da existência até a gloriosa entrada na mansão celeste têm sede no íntimo de si mesmos. Será contudo, sempre junto da Cruz de Jesus que depararão o alívio e o refrigério, o consolo e a fortaleza de ânimo.
Há no mais profundo do coração humano uma fonte inesgotável de nobres aspirações que não se contramuram em terrenos horizontes. Nenhum progresso, nenhum avanço científico, nenhuma solução terrena jamais logrará estancar tais anelos nem lhes dar uma resposta satisfatória. Segundo Dostoïewski o incomensurável e o infinito são tão necessários ao homem como o pequeno planeta que pisa.
Ante a caducidade dos bens terrenos e o insaciável de seus desejos, ante a atração irresistível de um ideal nunca plenamente realizado nos estreitos lindes e nas misérias desta existência passageira, ante o insondável do infinito, o ser racional tem sede.
Sofre então torturas indizíveis, vive irrequieto, anelante, atenazado, perplexo. Angústias sem medida de um ente em anelo da maturidade plena de si mesmo. É a sede daquela alegria sem fim e sem ocaso. Sede de justiça, de paz, de amor, de fidelidade, de compreensão.
Esta insofreguidão ontológica, inseparável da natureza humana, é seu padecimento e sua glória no pensamento de Platão. Isto faz do homem um animal glorioso na versão aristotélica. Tácito, embora menos versado nas questões metafísicas, com razão diz ser o arraigada aspiração de uma alma que quer alçar vôo para o Infinito, preso, porém, nos muramentos terrestres de um inexorável exílio.
Quando o homem percebe desiludido o desaparecimento de seus falsos ídolos, de suas fantasias efêmeras, de suas ilusões, das quimeras de falsos profetas do hedonismo e dos que endeusam a ciência e a técnica, e vê, através da experiência repetida de seus enganos, o quanto realmente se iludiu surge a sede da inteligência decepcionada, torturada, desesperada. No contato mútuo o homem percebe mais traição que sinceridade (Sl 116 (114-115),11).
O Apóstolo Paulo mostra que, “Deus é veraz, enquanto todo homem é mentiroso”. De fato, quantas ingratidões, quanta inveja. Com rosto de benevolências, ódios; com flores de louvores, calúnias ferinas; com promessas fagueiras, insídias diabólicas; com a bandeira da paz, perseguições. Surge então a decepção do coração e com ela a sede de dileção, de entendimento, de afeição de carinho, de benevolência.
Do alto da Cruz tal foi o brado de Jesus “Tenho sede” (Jo l9,28) e este clamor sintetiza o drama interior do homem, o destino deste ser que tanto sofre, porque tanto aspira e que vive no torvelinho de suas ilusões desfeitas. Pendente entre o céu e a terra padeceu Cristo um tormento inaudito.
Logo Ele o Criador de tudo, o Senhor de todos os poços que refletem as mais longínquas estrelas, Ele o proprietário de todas as torrentes de águas cristalinas que buscam a saída de uma fonte e correm como veias ocultas pelo seio da terra. No paroxismo de dor imensa Ele não teve ninguém que o pudesse ajudar!
Sofreu, de fato, horrípila sede o Filho de Deus um dia lá no Calvário.
Dificilmente cada um de nós passará por transe semelhante, pois graças à munificência divina a água é ainda um dom acessível a todos. Em nossas enfermidades o carinho de nossos entes queridos não deixará sem o alívio oportuno da água benfazeja.
Jesus, entretanto, esteve na Cruz sofrendo. Ele experimentou horrípila sede. Apiedemo-nos dele, porque só Ele pode nos ajudar naquela sede inata a nossa natureza, ou seja, sede de perdão, de misericórdia, de clemência, de comiseração.
Todas as vezes que dissermos a Ele: “Senhor, tenho sede” Ele virá até nós e minorará nossos sofrimentos como Ele mesmo prometeu: “Eu vos aliviarei!” (Mt 11,28).
Ele está sempre a dizer ao cristão: “Tenho sede de tua alma”. Que cada cristão possa Lhe responder: “Senhor, tenho sede de vós”!
* Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.
terça-feira, 20 de setembro de 2011
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário