quinta-feira, 29 de setembro de 2011

A REPRESSÃO ÍNDÍGENA NA BOLÍVIA

A REPRESSÃO A INDÍGENAS NA BOLÍVIA E OS DIREITOS HUMANOS
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
A violenta repressão aos índios na Bolívia trás à baila a questão dos direitos humanos.
A condenável ação da polícia levou à renúncia da Ministra da Defesa Cecília Chacón e também do Ministro do Interior, Sacha Llorenti.
Os índios protestavam contra a estrada sobre uma reserva ambiental na Amazônia boliviana.
O Presidente Evo Morales suspendeu o projeto de construção da estrada que cortaria o Território Indígena Parque Nacional “Isiboro Sécure” até que tudo se esclareça.
Ele quer que haja uma investigação sobre os fatos envolvendo os maus tratos aos índios.
Segundo os relatos publicados nos jornais a violência policial contra os manifestantes não poupou nem mulheres, nem crianças.
O que causa espanto aqui no Brasil é que a estrada em questão, que é parte da rodovia que unirá os oceanos Pacífico e Atlântico e promoverá o comércio na América do Sul, é um projeto é financiado pelo BNDS, com custo total de US$ 415 milhões.
A verdade é que acordos, sejam eles quais forem, nunca devem fomentar atitudes contra os direitos humanos e ainda bem que o Itamarati manifestou preocupação com os fatos ocorridos.
O cientista político Gustavo Pedraza, professor da Universidade Gabriel René Moreno, do Departamento de Santa Cruz, disse que o mínimo que o Brasil poderia fazer é dar solidariedade aos indígenas que foram maltratados.
A violência nunca é o meio mais eficaz para a realização de um objetivo social porque a violência gera a violência, enrijece as resistências e pode retardar a consecução do respeito ao direito de quem é oprimido. No caso boliviano se trata evidentemente de uma questão interna e cumpre, de fato, verificar se há ou não prejuízos ao meio ambiente. O emprego da força bruta contra os índios é injustificável.
A face cruel da violência é chocante e toda brutalidade é hedionda.
O respeito à dignidade absoluta e a igualdade essencial para todos os homens, independentemente de sua cor, situação socioeconômica, ou cultura deve ser corajosamente defendido.
Trata-se de uma dignidade absoluta porque não depende de nenhuma qualificação, baseando-se no mero fato de se tratar de uma pessoa humana, dignidade que lhe confere um valor inestimável e a coloca como razão de ser de todas as instituições sociais, políticas e econômicas.
O caso boliviano deve merecer toda atenção, mesmo porque infelizmente ainda prevalece o infeliz ditado: “A razão do mais forte é sempre a melhor”.
* Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

sábado, 24 de setembro de 2011

RELIGIOSIDADE DE UM POVO

A RELIGIOSIDADE DE UM POVO
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Muito se tem escrito sobre o fim do comunismo e o debacle da URSS ( União das Repúblicas Socialistas Soviéticas) que se deu muito antes do que se poderia esperar. Estão vindo a tona os crimes cometidos em nome do marxismo desde 1917. Os números são impressionantes: oitenta e cinco milhões de mortos e até o execrável nazismo matou menos, pois foram vinte e cinco milhões as vítimas do totalitarismo hitleriano.. É evidente que o século vinte ficou definitivamente marcado e manchado por estas duas horrípilas hecatombes. Stalin foi, porém, muito pior do que Hitler! A diferença alarmante do número da carnificina perpetrada por ambos não distingue, entretando, um do outro. Ambos foram dois monstros detestáveis. O nazismo foi vencido em 1945 e agora ruíram os mitos comunistas. Uma visita à Polônia e à Rússia neste momento foi sumamente proveitosa, pois já reconstruíram muito do que a Segunda Guerra Mundial destruiu e uma década após a queda do muro de Berlim e da dissolução da URSS se pode perceber a ojeriza do povo polonês e russo ao regime comunista. Os símbolos marxistas foram banidos e tremula triunfante as bandeiras de novas pátrias libertadas. Na Polônia os postais mostram o que era antes da Guerra de 1939, o que foi após a guerra, e o que já foi recuperado. São ruas, monumentos, estátuas ... Está viva na mente do povo polonês o holocausto dos judeus e o monumento elevado às vítimas é visitado com emoção e repulsa por crimes tão vís. Na Rússia é impressionante o retorno às práticas religiosas. Os comunistas destruíram mais de seiscentas igrejas, mas conservaram os grandes templos da Igreja Ortodoxa, riquíssimos em ouro, prata e ícones feitos por notáveis artistas. Muitas ainda são visitadas como museus, outras já estão sendo utilizadas para o culto, sendo que são numerosas as Igrejas Católicas onde os ofícios religiosos são assistidos por inúmeros fiéis. Este sacerdote pôde celebrar Missas na Rússia, sendo que, por ser domingo, em São Petersburgo, antiga Leningrado, ao se dirigir à atendente na portaria do Hotel a qual falava um bom francês, ela passou o horário de várias Missas naquele domingo. Conseguimos dos padres dominicanos um horário especial Eram quatro horas da tarde naquela cidade. Uma igreja inteiramente queimada pelos comunistas! Devia ser imponente! Está sendo, aos poucos, restaurada com ajuda dos EUA e da Alemanha. Muitas pessoas estavam dentro da Igreja de Santa Catarina numa das principais avenidas da antiga capital russa e assistiram aquela Missa. É impressionante o número de ícones de Nossa Senhora e dos santos nas Igrejas Ortodoxas e naquelas onde já se realizam o culto divino os fiéis a acenderem velas diante dos ícones de sua devoção. O vaticínio de Nossa Senhora de Fátima se realizou: deu-se a derrota do comunismo na Rússia. Após mais de setenta anos de um regime ateu, durante o qual o ateísmo era imposto nas Escolas, perceber que a religiosidade do povo não se apagou é a prova incontestável de que o homem é, de fato, um ser por excelência religioso e que Deus realmente existe! Vale a pena visitar a Rússia com seus museus fantásticos, como o Ermitage de São Petersbugo, êmulo, sem dúvida, do Museu do Prado de Madrid. No dia em que estávamos nesta cidade eram sepultados os corpos do czar Nicolau II, seus familiares, seu médico e uma funcionária doméstica que haviam sido fuzilados por ordem iníqua de Lenin. tendo sido seus corpos jogados numa floresta. Um estudo científico levou até os cadáveres destas vítimas da insânia leninista e o Presidente Yeltsin, apesar dos protestos dos comunistas remanescentes, lá estava para prestigiar a cerimônia na fortaleza de Pedro e Paulo. A grande conclusão é esta: Nazismo nunca mais, comunismo nunca mais!

* Professor no Instituto de Filosofia do Seminário de Mariana

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

UMA REDENÇÃO TOTAL

UMA REDENÇÃO TOTAL
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
A redenção operada por Jesus foi total. Ele realizou tudo quanto a justiça divina exigia. Todas as tentativas de reconciliação com a divindade, operadas após a expulsão de Adão e Eva do paraíso, sobretudo os sacrifícios do Povo eleito, não satisfariam nunca ao Deus ofendido pelo ser humano, pois se “sem sangue não há remissão de pecados” (Hb 9,22), só um sangue divino poderia agradar plenamente ao Todo-Poderoso Senhor, numa reparação cabal. Os sacrifícios oferecidos à divindade na Mesopotâmia, na Pérsia, na Grécia, em Roma, nas longínquas paragens da China e da Índia, além de apresentados a falsas deidades, ainda que fossem ofertados ao único Deus verdadeiro, Este poderia abordar os homens dizendo: “ Que necessidade tenho, ó homens, de tuas ofertas. Tudo que a terra possui a mim me pertence”. O sangue derramado por Jesus, porém, sangue divino, este, sim, foi uma perfeita satisfação à justiça de Deus, reparando inteiramente o pecado do homem.
Tudo que a caridade exigia para demonstrar o amor foi apresentado por Cristo ao Pai. De fato, tudo que a dileção mais exigente pediria, tudo quanto convinha para patentear o soberano afeto Ele realizou em proporções grandiosas, inimagináveis. Se percorremos a História Universal, se examinamos os feitos dos heróis que se sacrificaram por sua gente, por sua pátria, se verifica que nenhum deles demonstrou tanta dileção. Tudo que gemeram as flautas, soluçaram os alaúdes, soaram os címbalos de prata, foram meras figuras do imenso vulcão de amor do Salvador. As crônicas da dedicação, os gestos de imolação, as páginas do patriotismo são meras sombras comparadas com o que Cristo fez pela humanidade. Ninguém rivalizou, nem rivalizará jamais, sua prova de amor se sacrificando pela humanidade. Ninguém O suplantará. Sua dileção foi às raias do infinito. Como pôde atestar o Evangelista: “Como amasse os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 19,1).
Ele pode surgir ante os séculos e perante todo o ser humano e inquirir: “Que poderia eu fazer mais por vós, meu povo?”. Ele, realmente, regulara a salvação do homem pelos empenhos da ternura mais maravilhosa. Milagres de caridade assinalaram suas obras e dele fizeram plenamente o oceano incomensurável da bondade e da ternura. Ele se fez a figura central da humanidade. Perante Ele emurcheceram os louros e glória de um Ciro ou de um Alexandre Magno, obnubilaram-se Davi e Salomão e todos os demais personagens ilustres da História.
Ele foi, não há dúvida, a realidade ideal, inesgotada, inesgotável. A glória dos gênios e dos benfeitores estaria sempre circunscrita a um povo, a uma ciência determinada, a um feito específico. Sua influência se veria fechada nos limites estreitos de um grupo de admiradores. Cristo, porém, foi e será sempre o ponto de reparo de todas as glórias, de todos os triunfos, de todo o progresso. Ontem, hoje, amanhã e sempre o Rei imortal dos séculos, a maior figura da História em todos os tempos, porque o Salvador, o Redentor do gênero humano ao qual ofereceu uma redenção completa. Ele cumpriu em plenitude sua missão redentora!
Todos nós também temos uma missão a realizar neste mundo. Pesa mesmo sobre cada um de nós a inexorabilidade de uma sentença: “Com o suor de teu rosto comerás o pão” (Gên 3,19). A exemplo de Cristo devemos realizar nossa tarefa para podermos, um dia, comparecer diante do Pai, como o Apóstolo Paulo, afirmando ao Criador de tudo: “Combati o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a fé. Desde já me está reservada a coroa de justiça, que me dará o Senhor, justo Juiz, naquele Dia; e não somente a mim, mas a todos os que tiverem esperado com amor a sua gloriosa manifestação” (2 Tim 4,7). Venturosos os que, ao passarem a última página do livro de sua existência, puderem escrever na plenitude de uma afirmação verídica: “Cumpri o meu dever, fiz tudo que estava a meu alcance, o mundo ficou melhor, eu por ele passei. A cada um de nós impende uma tarefa específica na trama da vida social: aos médicos, deveres de médico; aos advogados, deveres de advogados; aos professores, deveres de professores; aos agricultores, deveres de agricultores e assim em todas as demais profissões e atividades. Cumpramos este nosso dever e a hora da nossa morte será não apenas a última página do livro de nossa vida nesta terra, um mero epílogo de uma existência histórica, mas o prólogo de uma eternidade feliz junto do Redentor. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

UMA MISSÃO BEM CUMPRIDA

UMA MISSÃO BEM CUMPRIDA
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Nem sempre se reflete sobre as significativas palavras de Jesus um dia proferidas do alto da Cruz: “Tudo está consumado” (Jo 19,30). Enquanto homem, pouco antes de entregar a sua alma ao Pai, o divino Salvador fez uma retrospectiva admirável. Como se fora um video tape Ele repassou tudo que fora dito sobre sua vinda a este mundo e sua tarefa redentora. Ele viu-se em espírito rodeado pelos profetas e todos eles a uma voz a proclamarem que tudo que fora vaticinado sobre o Messias se realizara. Os discípulos de João Batista o haviam interrogado a mandado do próprio Precursor: “És tu aquele que há de vir ou devemos esperar outro?” (Mt 11,3) Jesus havia atestado então, referindo-se aos oráculos de Isaías: “Ide contar a João o que estais ouvindo e vendo: os cegos recuperam a vista, os coxos andam, os leprosos são purificados e os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e os pobres são evangelizados” ( Idem v.4). Na Sinagoga de Nazaré Ele lera um trecho de Isaías e pudera asseverar: “Hoje se realizou essa Escritura que acabaste de ouvir” (Lc 4,21). Antes, os sacerdotes e os escribas do povo haviam confirmado outro fato messiânico que se dera: “E tu Belém de Judá de modo algum és o menor entre os clãs de Judá, pois de ti sairá um que será o guia que apascentará Israel”, o meu povo” (Mt 2,5). Ele nascera em Belém e com o cajado da Cruz conduziria multidões à verdadeira Terra da promissão. Jesus foi passando um a um tudo que profetizaram Jeremias, Habacuc, Joel, Amós, enfim tudo que sobre Ele se falou no Antigo Testamento e tudo havia se cumprido. Jesus repassou toda sua trajetória: seus milagres, suas palavras, suas ações e era exatissimamente o que deveria ter acontecido. As Escrituras cumpriram-se plenamente. Sofrera o que deveria padecer. As figuras do Messias nele se realizaram. Ali na Cruz Ele era o novo Abel morto, não por um irmão apenas, mas por muitos que o levaram a tal suplício. Era Noé salvando a humanidade com o madeiro da Cruz. Isaac ia ser imolado por seu pai, mas Ele estava sendo, de fato, sacrificado pelo Pai Eterno. Davi com cinco pedras vencera o gigante Golias, Ele com as cinco chagas derrotava o insidioso Satã. Cristo percebeu também ao vivo que estava concretizado aquilo que Ele havia declarado: “Como Moisés levantou a serpente no deserto, assim é necessário que seja levantado o Filho do Homem” (Jo 3,14). Aquela Cruz era muito mais poderosa que o sinal mosáico que curava enfermos, pois era o símbolo universal da salvação eterna de todos aqueles que a recebessem com fé e amor. Missão cumprida! Ele se lembrou ainda daquela prece secular do povo eleito que clamava: “Gotejai, ó céus, lá do alto, derramem as nuvens a justiça, abra-se a terra e produza a salvação” (Is 45,8). Vê, porém seu sangue borrifando os homens e a redenção desejada operada. Nem escapou à sua recordação um poeta célebre e festejado que teve acentos de profeta, o grande Virgílio, que pulsara sua lira de ouro e rogara às musas da Sicília que entoassem a sua voz, pois se aproximava a regeneração humana. Num momento de pulcra inspiração, este vate pedira a Apolo para rasgar os véus que envolviam os segredos das Sibilas e clamava por uma nova ordem irrompendo no seio dos séculos, uma nova progênie descendo das alturas, anunciando a vinda de um menino desconhecido. A presença dele faria o mar, o céu, o universo todo desprender um cântico sublime, um hino que excederia as músicas de Lino e as melodias de Orfeu. Seria um cantar jubiloso anunciando a renovação de tudo, anúncio das alvoradas do espírito. Anunciava Virgílio deste modo uma nova economia que jorrava do íntimo dos séculos, uma nova geração que descia altaneira do alto, porque havia nascido o infante, aquele que era a salvação. Cristo bem podia aplicar a si o dito virgiliano, pois Ele, e unicamente Ele, poderia assim vir de encontro às aspirações salvíficas que pulsavam por toda a parte. Ele, realmente, respondia a todas as expectativas do homem de todos os tempos. Contemplou os vícios de então, as trevas que cobriam horizontes sociais, afincou seu olhar sobre todos os feitos da História, antes e depois do Calvário, vislumbrou o passado e o futuro e pôde afirmar: “Tudo está consumado”! Ninguém cumpriria sua missão nesta terra como Ele, ontem, hoje e sempre o mais perfeito personagem de todos os tempos! * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

A OBRA MISSIONÁRIA DA IGREJA

A OBRA MISSIONÁRIA DA IGREJA
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
O que se esquece muitas vezes é que, através dos tempos, a Igreja ao clamor daquele apelo lá no Calvário “Tenho sede” (Jo l9,28) jamais se esqueceria de sua missão sublime de levar a todas as partes a regeneração do sangue redentor. Cristo, que veio salvar a humanidade, tem sede de almas. É com sua admirável obra missionária que a Igreja sacia a imensa sede espiritual de Cristo. Ela ultrapassou o Tibre, o Nilo, atravessou o Danúbio, pervagou o Eufrates e os vastos areais da África; foi até os lagos do Canadá e atingiu os desertos da Sibéria; penetrou nas florestas do Novo Mundo, estendendo continuamente o reino de Jesus mundo todo. Ela atraiu sempre multidões para junto do Bom Pastor. Ao som daquele apelo “Tenho sede”, homens formidáveis, não duvidaram e enfrentaram mil perigos longe da pátria e da família. Afrontaram obstáculos como tormentas dos mares, dos rios impetuosos, das montanhas agrestes, dos desertos extensos e sufocantes. Tudo isto para conquistar almas para Cristo. Afã glorioso destes heróis sublimes que entenderam perfeitamente o anseio de Jesus naquele “Tenho sede”. Cantou maravilhosamente Castro Alves, na belíssima poesia intitulada “Jesuítas”, esta surpreendente atividade: “Homens de ferro! Mal na vaga fria / Colombo ou Gama um trilho descobria / Do mar nos escarcéus / Um padre atravessava os equadores / Dizendo: “Gênios!...sois os batedores / Da mantilha de Deus” / Depois as solidões surpresas viam / Estes homens inermes, que surgiam / Pela primeira vez. / E a onça recuando s’esgueirava, / Julgando o crucifixo ... alguma clava / Invencível talvez. / O martírio, o deserto, o cardo, o espinho, / A pedra, a serpe do sertão maninho, / A fome, o frio, a dor, / Os insetos, os rios, as dunas, / Chuvas, miasmas, setas, savanas, / Horror e mais horror. / Nada turbava aquelas frontes clamas / Nada curvava aquelas grandes almas / Voltadas pra amplidão... / No entanto eles só tinham na jornada / Por couraça - a sotaina esfarrapada ... / E uma cruz - por bordão. [...] Quantas vezes sobre a fogueira, / Aos estalos sombrios da madeira, / Entre o fumo e a luz ... A voz do mártir murmurava ungida: / “Irmãos! Eu vim trazer-vos - minha vida... / “Vim trazer-vos - Jesus!” / Grandes homens! Apóstolos heróicos! / Eles diziam mais do que os estóicos: / Dor, - tu és um prazer! / “Grelha, - és um leito! Brasa, - és uma gema! / “Cravo, - és um cetro! Chama, - um diadema! / “Ó morte, - és o viver!” Foi aquele “Tenho sede” que fez um Francisco Xavier surgir no Japão e, antes dele, Gregório a iluminar a Armênia; Vitorino, a Síria; Frumêncio, a Etiópia. “Tenho sede!” Patrício não duvidou e converteu a Irlanda; Agostinho, a Inglaterra; Columbano, a Escócia; Clemente, a Holanda; Bonifácio, a Alemanha; Cirilo e Metódio os povos eslavos. Como diria o mesmo Castro Alves na referida poesia: Foram eles que o verbo do Messias / Pregavam desde o vale às serranias / Do polo ao Equador ... / E o Niágara ia contar aos mares ... / E o Chimborazo arremessava aos ares / O nome do Senhor! O clamor de Jesus deve chegar até nós. No dizer do papa Leão XIII, a expansão da Igreja, embora obra divina, devida aos sopros e socorros do Espírito Santo, se processa à maneira bem humana. A sabedoria divina que ordena todas as coisas e as conduz a seu fim pelo meio que se relacione com a natureza de cada uma delas, quer a difusão da Igreja por meio dos esforços de seus filhos. Deus tudo realiza por meio dos homens de boa vontade. É esta, aliás, a grande realidade mostrada pelas Escrituras Sagradas. Não nos é dado ficarmos insensíveis ao apelo de Jesus: “Tenho sede”. Com as preces, as esmolas generosas que são auxílios valiosos às obras missionárias, com o engajamento nas diversas pastorais, estaremos respondendo ao anelo de Jesus que quer a salvação de todos.Lembremo-nos, porém, que será operando a nossa redenção pessoal que melhor estaremos compreendendo esta aspiração divina. Pela penitência e pela renúncia, pelo apostolado, pela união à Cruz estaremos respondendo a este “Tenho sede” doloroso e imperativo. Estaremos, também, salvando o mundo, pois um ato de amor repara mil blasfêmias. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

A SEDE ESPIRITUAL DO HOMEM

A SEDE ESPIRITUAL DO HOMEM
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Os homens ao pervagarmos as rudes veredas da existência até a gloriosa entrada na mansão celeste têm sede no íntimo de si mesmos. Será contudo, sempre junto da Cruz de Jesus que depararão o alívio e o refrigério, o consolo e a fortaleza de ânimo.
Há no mais profundo do coração humano uma fonte inesgotável de nobres aspirações que não se contramuram em terrenos horizontes. Nenhum progresso, nenhum avanço científico, nenhuma solução terrena jamais logrará estancar tais anelos nem lhes dar uma resposta satisfatória. Segundo Dostoïewski o incomensurável e o infinito são tão necessários ao homem como o pequeno planeta que pisa.
Ante a caducidade dos bens terrenos e o insaciável de seus desejos, ante a atração irresistível de um ideal nunca plenamente realizado nos estreitos lindes e nas misérias desta existência passageira, ante o insondável do infinito, o ser racional tem sede.
Sofre então torturas indizíveis, vive irrequieto, anelante, atenazado, perplexo. Angústias sem medida de um ente em anelo da maturidade plena de si mesmo. É a sede daquela alegria sem fim e sem ocaso. Sede de justiça, de paz, de amor, de fidelidade, de compreensão.
Esta insofreguidão ontológica, inseparável da natureza humana, é seu padecimento e sua glória no pensamento de Platão. Isto faz do homem um animal glorioso na versão aristotélica. Tácito, embora menos versado nas questões metafísicas, com razão diz ser o arraigada aspiração de uma alma que quer alçar vôo para o Infinito, preso, porém, nos muramentos terrestres de um inexorável exílio.
Quando o homem percebe desiludido o desaparecimento de seus falsos ídolos, de suas fantasias efêmeras, de suas ilusões, das quimeras de falsos profetas do hedonismo e dos que endeusam a ciência e a técnica, e vê, através da experiência repetida de seus enganos, o quanto realmente se iludiu surge a sede da inteligência decepcionada, torturada, desesperada. No contato mútuo o homem percebe mais traição que sinceridade (Sl 116 (114-115),11).
O Apóstolo Paulo mostra que, “Deus é veraz, enquanto todo homem é mentiroso”. De fato, quantas ingratidões, quanta inveja. Com rosto de benevolências, ódios; com flores de louvores, calúnias ferinas; com promessas fagueiras, insídias diabólicas; com a bandeira da paz, perseguições. Surge então a decepção do coração e com ela a sede de dileção, de entendimento, de afeição de carinho, de benevolência.
Do alto da Cruz tal foi o brado de Jesus “Tenho sede” (Jo l9,28) e este clamor sintetiza o drama interior do homem, o destino deste ser que tanto sofre, porque tanto aspira e que vive no torvelinho de suas ilusões desfeitas. Pendente entre o céu e a terra padeceu Cristo um tormento inaudito.
Logo Ele o Criador de tudo, o Senhor de todos os poços que refletem as mais longínquas estrelas, Ele o proprietário de todas as torrentes de águas cristalinas que buscam a saída de uma fonte e correm como veias ocultas pelo seio da terra. No paroxismo de dor imensa Ele não teve ninguém que o pudesse ajudar!
Sofreu, de fato, horrípila sede o Filho de Deus um dia lá no Calvário.
Dificilmente cada um de nós passará por transe semelhante, pois graças à munificência divina a água é ainda um dom acessível a todos. Em nossas enfermidades o carinho de nossos entes queridos não deixará sem o alívio oportuno da água benfazeja.
Jesus, entretanto, esteve na Cruz sofrendo. Ele experimentou horrípila sede. Apiedemo-nos dele, porque só Ele pode nos ajudar naquela sede inata a nossa natureza, ou seja, sede de perdão, de misericórdia, de clemência, de comiseração.
Todas as vezes que dissermos a Ele: “Senhor, tenho sede” Ele virá até nós e minorará nossos sofrimentos como Ele mesmo prometeu: “Eu vos aliviarei!” (Mt 11,28).
Ele está sempre a dizer ao cristão: “Tenho sede de tua alma”. Que cada cristão possa Lhe responder: “Senhor, tenho sede de vós”!
* Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

A TERRÍVEL SEDE DE JESUS NA CRUZ

A TERRÍVEL SEDE DE JESUS NA CRUZ
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Lá no Calvário, no alto da Cruz, Jesus exclamou:“ Tenho sede” (Jo l9,28). Durante a Semana Santa. nem sempre, se medita quão terrível foi este padecimento do Redentor. No que tange ao sofrimento, à tortura a Cruz era uma invenção satânica. Fixemos então com atenção o divino Crucificado. Está pregado à madeira. Seus nervos medianos estraçalhados por penetrantes e agudos cravos quadrangulares de doze centímetros de comprimento. Línguas candentes de fogo lhe percorreram o chagado corpo a cada movimento na Cruz, pois os cravos perfuraram uma região nervada e rica de vasos, como o são mãos e pés. Estes tiveram que ser assentes na trave horizontal para serem pregados e foram repuxados por meio de uma flexão dos joelhos. Isto ocasionou um sofrimento e caimbras torturantes. Jesus sorveu o cálice dos sofrimentos mais pungentes e estes lhe advieram ainda daquela imobilidade que provocava contrações e uma congestão progressivas. Ele procurava, instintivamente, aliviar-se, apoiando-se nas mãos e nos pés. Tentava pequenas deslocações e só a custa de novas indescritíveis dores conseguia atenuar ligeiramente o profundo suplício. Esgotamento total. Nem mesmo o desmaio, essa evasiva da natureza que foge da dor pela inconsciência era possível a Jesus Cristo. A impossibilidade desta alternativa é bem explicável: era impossível o desmaio porque este era repelido por contínuas e violentas convulsões, pois a horrível tetania lhe martirizava todo o ser. A posição dos braços e a tração dos músculos intercostais tornavam a respiração ofegante. Jesus foi aos poucos sufocado. O coração sujeito a trabalho excessivo palpitou com exagerada precipitação, mas debilmente. Disto resultou para o sangue uma regeneração imperfeita, um excesso de ácido carbônico, uma acumulação de detritos, causa da referida tetania nas fibras musculares. Por isto mesmo se deu a horrível congestão do cérebro, o célebre “círculo de ferro” de que nos falam os médicos, com torturas inenarráveis. A coroa, cujos louros eram espinhos, não permitia manter o equilíbrio. A incômoda posição intensificou as dores. O arquejar que obrigava a boca a se abrir foi secando até os pulmões as mucosas irritadas. Suas veias esvaziaram-se, cada vez mais, de sangue e sobretudo daquele líquido verdadeiramente nutritivo que é a água. É de se notar que, após a agonia no monte das Oliveiras, onde “o suor se lhe tornou semelhante a espessas gotas de sangue que caíam por terra”(Lc 22,44), Ele fora flagelado, carregara a Cruz, por três vezes caíra por terra e terrível febre já havia dele se apossado. Pregado no Madeiro, tendo derramado mais sangue ainda, o suplício por excelência dos feridos dele tomou conta com a terribilidade que lhe é peculiar. Jesus então não pôde deixar de escapar uma queixa plangente que revela a profundidade de seus sofrimentos: “Tenho sede”. Teve sede e sede martirizante o Filho do Eterno ali na colina da amargura, no leito estranho de morte. Quando um grande místico inquiriu a Cristo: “Senhor, de que tens sede? Esqueces da Cruz e clamas da sede?”, sem dúvida este místico desconhecia a tortura alucinante que faz o delírio do peregrino incauto na solidão do Saara. Padecimento que origina a loucura do náufrago infeliz na vastidão de deserta ilha e que faz o delíquio do caminhante errante no alto de desprotegido monte. Ele não ouvira falar da sofreguidão com que em límpida fonte se inebria o sedento, saciando-se com alvoroço. Ele não conhecia a intensidade desta ansiedade cruel. Ele ignorava aqueles passos famosos da História nos quais soldados iníquos se salvaram por terem socorrido a imperadores poderosos num instante de sede. Foi precisamente isto que aconteceu com aquele soldado romano Caio que, levado ante Júlio César, coberto de gravíssimos crimes, no momento da sentença se viu salvo. Perante Júlio César ele declarou: “Ó poderoso Imperador nas planícies da Espanha, sufocado de sede, exânime vos detivestes sob uma árvore e um soldado vos aliviou” e naquele instante foi reconhecido e, imediatamente, indultado. Passagens históricas de reis que se renderam e entregaram seus palácios, suas terras, seus haveres por uma porção de frígida água, como se deu com Lisímaco que se fez prisioneiro com todo o seu exército. No Calvário, porém, em circunstâncias muito mais agravantes, a sede se apoderou de Jesus. É que a desidratação progressiva lhe ateou esta tortura ao paroxismo, calcinante, devoradora. Vísceras embraseadas, garganta e lábios secos aquele brado “Tenho sede” é impressionante. Às gargalhadas os soldados embeberam uma esponja em vinagre e colocando-a na ponta de uma lança ergueram-na aos lábios do que agonizava. Cumpria-se à risca a profecia do salmista: “Na minha sede fizeram-me beber vinagre” (Sl 69 (68),22). Um dia, aos pés do poço ele pedira à Samaritana: “Dá-me de beber” (Jo 4,7). Diz o Evangelista que Cristo estava fatigado da caminhada. No decorrer, porém, do diálogo com a Samaritana Jesus mostrou que Ele possuía a verdadeira água que se tornaria em quem a recebesse “fonte de água jorrando para a vida eterna” (Idem v.14). Era isto bem a explicação da verdadeira sede de Jesus: sede de almas para lhes dar a água viva da salvação. Sede imensa nas angústias extremas da consumação redentora do mundo. Seu desejo imenso de salvar a todos os homens, conduzindo-os à casa do Pai. Ele dissera: “Eu vim para que todos tivessem a vida e a tivessem em abundância” (Jo 10,10). Cooperemos, então, num apostolado sério para que este plano salvífico se realize por toda parte! * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

JUVENTUDE FORÇA VIVA DA IGREJA

JUVENTUDE FORÇA VIVA DA IGREJA
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
A Pastoral da Juventude é uma ação organizada dos jovens que são Igreja junto com seus pastores e com a comunidade na qual está inserida para aprofundar a vivência da fé, com opção evangélica preferencial e consciente pela juventude. Ficou célebre o dito do bem-aventurado João Paulo II: “A igreja será jovem, quando os jovens forem verdadeiramente Igreja”. A juventude, evangelizada e organizada, sustenta a seqüência na transmissão da fé. É de absoluta importância para o progresso da própria Igreja. Os jovens de hoje estão abertos a crer e a praticar a fé, apesar de todos os obstáculos criados por um mundo materializado e divorciado dos valores eternos. Eles buscam um sentido para as próprias vidas e é em Cristo que deparam um refúgio seguro para as suas vidas e a Igreja os ajuda a alcançar esse objetivo. Nos anos 70 a Igreja do Brasil passava por um grave momento e de grandes transformações, principalmente tendo em vista a situação política do contexto histórico de então e a necessidade de se aplicar sabiamente as resoluções do Concílio Vaticano II. A Organização de um projeto Pastoral Juvenil para a Igreja do Brasil foi mais que necessário, em face do imperativo do acolhimento e da superação do modelo político emergente que produzira grandes feridas na sociedade e de modo muito característico na Juventude. Era necessário um equilíbrio perfeito diante das circunstâncias de um momento conturbado. A Pastoral da Juventude passou a existir nessa situação e herdou muita coisa deste período, como, por exemplo, o método Ver-Julgar-Agir; uma prática transformadora a partir da realidade; a descoberta da dimensão política da fé; o protagonismo dos jovens e a presença do Deus Libertador nas lutas do povo. O surgimento de uma pastoral da juventude orgânica e transformadora, como conhecemos hoje, foi gerada, portanto, na década de 70 por iniciativa, aliás, da própria CNBB. Essa iniciativa foi iluminada por um novo modelo de Igreja Latino-americana que vinha sendo cuidadosamente elaborado através das conclusões e orientações das Conferências dos Bispos da América Latina ocorridas em Medelin (1968) e Puebla (1979). Nesta história é fundamental ressaltar os Encontros Nacionais da PJ ocorridos em 1973, 1976 e 1978, que inicialmente serviram para reunir os conhecimentos práticos das PJ esparsas por todo o território brasileiro. Os encontros, seminários e assembléias nacionais foram momentos de articulação, organização e elaboração dos projetos da PJ. Chegando os anos 90, diante de uma nova realidade social e eclesial, a PJ ingressou numa nova fase, a fase de grande amadurecimento e a percepção de uma atividade missionária ainda mais intensa. Nem se pode esquecer a influência das Jornadas Mundiais da Juventude idealizadas pelo papa João Paulo II. Muitos jovens, ao participarem desses atos, além de descobrir a necessidade de atuar com mais fervor, acordam para o verdadeiro sentido do apostolado esclarecido. Entretanto, o que na prática cotidiana é ser jovem e o que os adultos devem passar à juventude? Ser jovem é possuir, no coração, uma fonte de esperança, de nobres ideais, de otimismo alvissareiro. Ser jovem é ter, dentro de si, caudais de energias prontas a se concretizar em iniciativas pelo bem comum, pelo próximo, pela pátria, pela humanidade. Ser jovem é saber amar, cercando, sem cessar, de ternura e compreensão os entes queridos. Ser jovem é fazer do dever de cada hora a felicidade mais inebriante, transformando a existência em sublime realização de si mesmo. Ser jovem é não tergiversar, nem vacilar ante os árduos embates da vida; é enfrentar com ânimo varonil obstáculos e dificuldades, transpondo-os com olhos fitos em Cristo. Ser jovem é não assimilar o erro, veiculado tão sutilmente, aqui e ali, nos jornais, nas revistas, no rádio, na televisão, nas palavras do falso amigo. Ser jovem é lutar sem tréguas contra o mal, as tentações, os vícios; é evitar os caminhos fáceis; é ter consciência de que os mortos não são aqueles que jazem numa tumba fria, mas, sim, os que têm morta a alma e vivem, todavia. Ser jovem é saber que espíritos elevados não admitem pactos efêmeros, e, portanto, que o divórcio é uma aberração. Ser jovem é ser livre e usar racionalmente a liberdade. Ser jovem é não desanimar nunca, é ver o lado bom dos acontecimentos, é sempre acender uma vela e não lamentar a escuridão. Ser jovem é vibrar com as iniciativas do Grupo, participando, cooperando com o crescimento de todos. Ser jovem é poder repetir com São Paulo: “já não sou eu quem vive, é Cristo que vive em mim”, pois Ele é a origem da eterna juventude. *Diretor Espiritual do Movimento de Juventude da Paróquia de Santa Rita de Cássia desde 1970 (Viçosa- MG).

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

NOSSA SENHORA DAS DORES

NOSSA SENHORA DAS DORES
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
A devoção a Nossa Senhora das Dores deve-se, sobretudo, à pregação dos Padres Servitas e entrou na liturgia dia 15 de setembro por obra do Papa Bento XIII em 1724. Os servitas foram fundados dia 15 de agosto de 1233 em Florença na Itália pelos 7 fundadores da Ordem e têm como padroeira principal Nossa Senhora das Dores. A comemoração litúrgica põe em destaque a participação ativa de Maria nos sofrimentos redentores de Cristo. Ela nos faz, também, compreender a necessidade de unir nossos sofrimentos aos de Jesus. Maria soube, mais do que ninguém, participar da paixão de Cristo. No dia 15 de setembro nos lembramos da Profecia de Simeão, quando dor imensa se abateu então sobre Maria, terníssima mãe, porque foi uma antecipação de todas os demais sofrimentos que deveria suportar. Com efeito, foi uma projeção terrível de instantes lancinantes e cuja imprevisibilidade lhe aguçou profundamente o sofrer. Profecia que obscureceu para sempre a dita daquela que tanto amava seu divino Filho. Depois, a fuga para o Egito e bem se pode aquilatar os sobressaltos da Virgem Santa ante a antevisão de um rei Todo-Poderoso a querer assassinar aquele que era as delicias de seu coração. As incertezas de um exílio, a penosa viagem para regiões desconhecidas foram, entre outras, preocupações a pungir-lhe o espírito. Após retornar do exílio, Jesus “crescia em sabedoria, em idade e em graça diante de Deus e dos homens”. É então que a Providência reservou a Maria outra dramática ocorrência, registrada no Evangelho. Todos os anos José e Maria iam a Jerusalém por ocasião da Páscoa. Ao regressarem da cidade santa, o Menino Jesus lá ficou. Era costume caminharem os homens e as mulheres em grupos separados. Foi natural que os pais não dessem falta do filho amado. Ao perceberem sua ausência, imediatamente, voltam a Jerusalém e, durante três dias, se põem a procurá-lo. Encontram-no templo entre os doutores. As palavras de Maria revelam o que fora a intensidade do pesar daquelas dolorosas horas: “Filho, porque procedeste assim conosco? Eis que teu pai e eu te procurávamos cheios de aflição”. Foram, de fato, de esquisita acridão aqueles dias horroríficos. No Egito, apesar dos pesares, ela tinha Cristo junto a si e isto lhe mitigava um pouco as angústias. Doridos foram, porém, os instantes sem Ele e, na verdade, sem saber onde Ele estava. Mais tarde, o encontro na Rua da Amargura. A dor de Maria no encontro com Jesus foi, realmente, terrível. Embora ela a previsse, pois tivera notícia daquele fato há trinta e três anos no vaticínio de Simeão, entretanto, a visão daquela cena lhe foi muito mais trágica. Aquele foi o contemplar pela primeira vez o seu dileto Filho inteiramente transfigurado. A realidade alterosa ultrapassava então a grandeza de seus temores. Estes lhe causaram mágoa, a mágoa se lhe fez angústia, a angústia se lhe transmutou em agonia, a agonia se metamorfoseou em ânsia extrema a lhe despedaçar a alma em violentíssima amargura. A espada de Simeão, porém, deu no Calvário o seu golpe mais cruel: “Entretanto estavam de pé junto à cruz de Jesus sua Mãe, a irmã de sua Mãe, Maria, mulher de Cléofas, e Maria Madalena”. Sem ponderação o que padeceu a Senhora durante as três horas de agonia de Cristo. Não foi apenas assistir um carrasco a executar uma iníqua sentença, senão presenciar os requintes da malvadez nos últimos limites da insensibilidade humana. Depois, Cristo desfalecido foi tirado da cruz. Instante lancinante! Maria que nada pudera fazer até então por seu amado filho, percebe, de fato, ao vivo que só restava a ela curtir o oceano de dor, cujas vagas lhe inundavam o ser. De perto contemplou o corpo de seu Jesus coberto de equimoses. Era uma chaga dorida, todo ele maltratado e estraçalhado. Aquele que era o mais belo dos filhos dos homens aí estava desfigurado e marcado com o ferrete da ignomínia, totalmente deformado. Que desdita para a pobre e agoniada mãe! Jesus foi sepultado e a soledade imergiria a mãe dorida num pélago ainda mais profundo. Diz São João: “Ora no lugar em que Jesus foi crucificado, havia um horto e no horto um sepulcro novo em que ninguém ainda tinha sido sepultado. Por ser o dia de Parasceve dos Judeus, visto que o sepulcro estava perto, depositaram aí Jesus”. Naquela hora, ao ouvir o golpe da pedra sepulcral fechando o túmulo, o coração desfibrado de Maria foi inundado numa mágoa sem par. A saudade, com todas as suas garras pontiagudas, estraçalharam ainda mais o ânimo daquela Madona sofredora até a manhã radiosa da ressurreição de Jesus. A soledade é o tormento mais cruel para as almas aflitas e envolve em terrível padecer. Foram os pecados dos homens que fizeram tanto sofrer a Virgem, Senhora das Dores. Reparemos nossas faltas pela penitência, por uma vida santa e pela oração e rezemos sempre pela conversão dos pecadores. Eis como verdadeiramente honrar a Senhora das Dores. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

CONVITE DE JESUS: VINDE APÓS MIM

CONVITE DE JESUS: VINDE APÓS MIM
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
O exemplo dos primeiros apóstolos é notável, pois recebem o convite de Jesus “vinde após mim” e eles deixaram tudo para seguirem o Mestre divino que os fez pescadores de homens (Mt 4,18-20). Pelo batismo todo cristão é partícipe do múnus profético e régio de Cristo, devendo denunciar os erros e trabalhar pela difusão do Evangelho, pescando almas para o céu. Para isto é preciso perceber os grandes espaços interiores abertos pela presença divina que necessita ser irradiada nos corações que devem ser cadinhos de amor. Com efeito, o cristão deve ser uma fonte inspiradora de humanidade, de sabedoria, um ponto de ancoragem para a vida do próximo, fluindo tudo isto do permanente contato com a divindade. Coragem, simplicidade, adesão a Deus, bondade são o sustentáculo da rota espiritual que permite o seguidor de Cristo ser uma ajuda inestimável para conduzir outros no rumo da Jerusalém celeste. Trata-se da tomada de consciência da responsabilidade do batizado que, iluminado pelo contato contínuo com a Trindade Santa de cuja vida participa pela graça santificante, com preces, palavras, exemplo, arrasta os que se desviam para que encontrem o caminho da salvação eterna. Deus concede aos de boa vontade a arte espiritual de estar em comunicação permanente com Ele no silêncio do coração. A graça divina impregna e simplifica a generosidade vital recebida no batismo e o crescimento na participação no mistério trinitário tende a se transbordar para beneficiar todo o universo, sobretudo os próximos mais próximos. É que o batizado é membro vivo do Corpo de Cristo ressuscitado, vivo e agindo na história, cada um segundo sua vocação na tarefa que Deus lhe destinou e com seus carismas específicos de que fala São Paulo aos Romanos (Rm 12, 4-9). Daí a obrigação de se santificar por parte de quem entendeu o convite de Jesus para segui-lo, seja onde a Providência o colocou. Santificar-se é estar em contato com Deus, com seu ser de luz, de verdade, de amor sem limites. Esta comunhão com a divindade é transformante. Por isto se entende que Santa Teresinha do Menino Jesus se tornou uma notável impulsionadora da obra missionária, embora vivendo no seu convento na humildade, simplicidade e confiança plena em Deus, fazendo-se intercessora poderosa pela conversão dos pecadores. Esta é uma missão de todo cristão e sua santificação a bem de toda a humanidade se realiza então na imersão total no mistério pascal da morte e ressurreição de Cristo. Este fato que teve seu princípio no Batismo, foi reforçado na Crisma, se alimenta pela Eucaristia e se aprimora através do Sacramento da Penitência que purifica das inevitáveis faltas veniais. Por tudo isto é Cristo mesmo que torna cada um santo, para que seja “luz do mundo e sal da terra” (Mt 8,14). É deste modo que se evangeliza o mundo, mesmo porque o anúncio do Reino de Deus começa pelo testemunho de vida, pela coerência entre o que se diz e o que se pratica. O adágio Chritianus alter Christus – “o cristão é outro Cristo” significa uma identificação total com o Mestre divino na alheta de São Paulo: “Já não sou eu quem vive é Cristo que vive em mim” (Gl 2,20). Portanto, trata-se de se fazer unicamente o que Jesus quer, atento cada um às inspirações do divino Espírito Santo que mostra a cada passo o que se deve praticar. É assim que se atualiza o Evangelho no contexto histórico no qual se vive. Cumpre uma disponibilidade generosa e ativa para transmitir aos irmãos os tesouros das graças que continuamente Deus comunica a quem está a Ele unido. Sobretudo em nossos dias quando de um lado a fé se enfraquece e de outro emerge uma profunda necessidade de uma espiritualidade profunda, é preciso que o verdadeiro cristão coopere para que se difunda por toda parte o bem, a verdade, a justiça. Na medida em que o cristão se torna consciente de sua missão, unido a Cristo, pode ser ele um pescador de almas. Restaurar todas as coisas em Cristo é o empenho a que todos os cristãos são chamados. O apostolado de quem foi batizado é obrigatório não só por motivo de devotamento ao próximo, mas também como ação de graças a Cristo pela sua obra redentora. Com efeito, quando fazemos os outros partícipes nos dons espirituais que recebemos da sua divina generosidade, satisfazemos os desejos do seu dulcíssimo coração, que não quer outra coisa senão que todos tenham a vida e a tenham em abundância (Jo 10,10). Este apostolado vivo, porém, como foi dito, só se alimenta da abundância de vida interior, de vida cristã na certeza de que a oração persistente converte os pecadores, de que a palavra oportuna é semente de conversão e de que os exemplos arrastam!
* Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

terça-feira, 6 de setembro de 2011

a necessária perserverança

A NECESSÁRIA PERSEVERANÇA
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Tal a advertência de Jesus: “É pela vossa constância que alcançareis a vossa salvação” (Lc 21,19). Para que se coloque em prática este conselho do Mestre divino é preciso a fortaleza, um dos sete dons do Espírito Santo que aperfeiçoa esta virtude, a qual modera e conforta o ânimo para sobrepujar e acometer os grandes perigos que impedem a própria santificação e salvação eterna. Segundo Santo Tomás de Aquino o papel desta virtude é duplo: sustinere et aggredi – sustentar e acometer. Trata-se de sofrer as grandes penalidades que no serviço de Deus podem oferecer-se e investir com prudência contra os perigos da vida pela mesma causa. Para isto, outras virtudes se ajuntam à fortaleza: a confiança na graça, a grandeza interior, a paciência e a perseverança, farolizadas pela esperança, alicerçadas numa fé profunda. A fortaleza sustenta nas dificuldades ordinárias, levando a tudo realizar para a glória de Deus e bem das almas. Desprende a alma dos temores das enfermidades, dos medos, das fobias, das preocupações inerentes à fragilidade da condição humana. Faz enfrentar com ânimo tudo que é preciso para o progresso na perfeição e para a realização constante da vontade de Deus nos mínimos detalhes de cada hora para o agrado permanente do Ser Supremo. Robustece na luta sem tréguas contra as forças do mal, dado que São Pedro deixou para todos os cristãos este aviso: “Meus irmãos estai atentos porque o demônio como um leão a rugir anda em derredor de vós, prestes a vos devorar” (1 Pd 5,8). Impede qualquer desânimo diante das próprias faltas e defeitos, levando a caminhar sempre para frente sem nunca esmorecer na caminhada da santidade. Conserva a calma, a tranqüilidade, a serenidade por entre as lutas e dificuldades cotidianas. Por tudo isto, brilha a excelência da virtude da fortaleza. Em todos os santos ela esplendeu de maneira visível, eles a repetirem com São Paulo: “Se Deus é por nós quem será contra nós”? [...] Quem poderá separar-nos do amor de Cristo? A tribulação, a angústia...? Mas em todas estas coisas somos mais que vencedores graças àquele que nos amou” (Rm 8, 31-38). É a virtude da fortaleza que dá a verdadeira liberdade e o domínio sobre si mesmo e o controle das situações mais adversas. Sua necessidade se torna assim patente para resistir às invectivas do Maligno e eis por que São Paulo dizia aos Coríntios: ”Trabalhai varonilmente e sede fortes (1 Cor 16,13). Os meios para se obter um ânimo alentado e valente são os mesmos empregados por aqueles que se fizeram modelos de todos os batizados e que por sua constância chegaram ao céu, centenas de bem-aventurados aos quais prestamos o culto de dulia, numa veneração repleta de admiração. Antes de tudo e sobretudo confiaram na graça de Deus e puderam repetir com São Paulo: “Eu tudo posso naquele que é a minha fortaleza” (Fil 4,13). Jamais desviaram os olhares de Jesus sofredor e puderam proclamar com o mesmo Apóstolo: “Eu só quero conhecer a Cristo e Cristo crucificado” (Cor 2,2). Ao contemplar a vida dos que atingiram uma notável perfeição como Santa Rita de Cássia, Santo Antônio, São Bento e tantos outros, é bom refletir o que disse Santo Agostinho: “O que estes e estas fizeram, porque não o farei eu?” e também o que prometeu Deus no Apocalipse: “Sê fiel até a morte e eu te darei a coroa da vida (Ap 2, 10). Quando se lembra as grandes lutas de notáveis personagens da História, consagrados como heróis nacionais, a análise paulina é valiosa: “Eles, certamente, para alcançar uma coroa perecível, mas nós porém uma coroa imortal” (1 Cor 9,25). Para se praticar a virtude da fortaleza a cautela é, outrossim, de suma valia, porque precaver-se de tudo que poderia conspirar contra a perseverança é atitude louvável por Deus. É necessário ainda suportar sem medo os pequenos males de cada dia, pois Jesus lembrou: “Quem é fiel no pouco, também o será no muito” (Lc 16,10). O salmo 46 mostra a todo batizado que o Senhor está com ele e nada há que se temer: “Deus é nosso refúgio e nossa força nas tribulações nosso socorro sempre pronto, por isto nada tememos ainda que estremeça a terra e os montes se precipitem no sei do mar. Bramem embora e agitem-se as suas vagas,conosco está o Senhor dos exércitos, nosso baluarte é o Deus de Jacó” (Sl 46, 2-5). O cristão, entretanto, se lembra sempre que na sua trajetória terrena ele não procura colher flores, mas frutos para a eternidade. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

DIA DA PÁTRIA

DIA DA PÁTRIA
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
O papa Bento XV deixou uma frase esplendorosa: “Se a lei da caridade nos impõe como um dever amar os nossos inimigos, com maior razão, ela nos ordena demonstrar a nossa afeição àqueles que nos são ligados com os vínculos de uma Pátria comum”. Porque se deseja a felicidade de todos é que cumpre saber escolher sempre com discernimento sábios dirigentes. Além do mais, a religião de Jesus Cristo faz do patriotismo uma lei. Não há, segundo o sábio Cardeal Mercier, cristão perfeito que por isso mesmo não deva ser um perfeito patriota. A razão é simples: o amor da Religião e o amor da Pátria, porque ambos têm a Deus por autor, são duas realidades inseparáveis. Contudo, é inútil procurar o bem da Pátria, a prosperidade das nações e a harmonia na sociedade se não se tem em vista a estrutura evangélica das famílias e os princípios bíblicos da reta conduta. Candidato que prega a dissolução dos laços matrimoniais, que é a favor do amor livre, do casamento de homossexuais e outras aberrações e não respeita o Decálogo, não pode ser votado por quem se diz epígono do Redentor. É que a religião e a moralidade são os esteios indispensáveis do desenvolvimento nacional. Quem trabalha por solapar estas poderosas colunas da felicidade humana é um traidor da Pátria. Assim sendo, o amor da Pátria é, com o amor da Igreja, o sentimento mais sagrado de um nobre coração. A Pátria e a Igreja, o sentimento nacional e o sentimento religioso, longe de se repelirem, se robustecem mutuamente e, alternadamente, se elevam. A pátria é a sucessão contínua de uma raça humana possuindo o mesmo sol, falando a mesma língua, vivendo sob as mesmas leis e que, não morrendo nunca, se perpetua e se renova sempre como um ser imortal que não tem senão Deus antes de si e Deus após si. Miklas, último presidente da Áustria, assim se expressou: “ A Pátria é um ideal que queremos servir, porém, sempre à luz da eternidade, porque nós nos sentimos dominados pelo ideal supremo, o único que possa receber nossa oblação total. Somente a união desses valores humano com os valores eternos, pode levar os povos ao verdadeiro progresso”. Nem se deve esquecer que a palavra Pátria se deriva de “pater”, pai. A família a é a pátria em miniatura. O conjunto das famílias forma a Pátria. Assim como a família tem obrigações para com o Pai, o seu Chefe, da mesma maneira o Pai tem deres e direitos relativamente à Família. O mesmo se verifica com referência à Pátria e seus filhos. Em que incide então na prática o patriotismo? Consiste em que todos os cidadãos cumpram escrupulosamente todos os seus deveres cívicos, sociais e religiosos. A Pátria não são a terra, os rios, os vales, as montanhas, as árvores, as flores, mas é, sim, o conjunto de pessoas unidas em torno da mesma bandeira, do mesmo hino, mas conscientes de seus deveres e direitos persistentemente respeitados. Por isto se alguém vilipendia os ensinamentos religiosos, a santidade conjugal, a decência, a probidade e fala em patriotismo, não passa de um hipócrita refinado. Peste da Pátria são os políticos corruptos, os candidatos populistas, os eternos enganadores do povo, aqueles que incentivam as injustiças, se apossam das verbas públicas e ambicionam o poder para se enriquecer e seus sequazes. São personalidades mutiladas que devem ser extirpadas como cancro daninho. No Dia da Pátria, porém, exaltemos os verdadeiros heróis que eivados de civismo se imolaram pelos compatriotas e se mostraram homens valentes dotados de caráter sem jaça, cultura a serviço do bem de todos, estadistas que honraram a nação, gigantes da virtude, paladinos da verdade, exemplos que perduram e são uma reprovação perene dos crápulas e inimigos do povo. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

ATUALIDADE DA DEVOÇÃO AO CORAÇÃO DE JESUS



ATUALIDADE DA DEVOÇÃO CORAÇÃO DE JESUS
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Válida para todos os tempos as palavras proféticas de Isaías: “Vós haurireis com júbilo as águas das fontes do Salvador” ( Is 12,3). Destes mananciais jorram graças de purificação, de consolações sobre-humanas, de estímulo à virtude. É a água viva a jorrar do Coração do Cristo ferido pela lança conforme se lê no Evangelho de São João (Jo 7,37). Eis porque os Papas aprovaram esta devoção. Leão XIII a denominou “prática religiosa digna de todo encômio”; Pio XI, “compêndio de toda a religião católica e norma de vida mais perfeita”. Pio XII, por ocasião do primeiro centenário da festa do Sagrado Coração, mostrou que sólido é o fundamento desta prática alicerçada na Bíblia. Nesta, de fato, aparece claramente que Jesus é o coração do Israel novo, coração que coloca em íntima relação com o Pai e que estabelece entre todos a unidade: “Eu neles e tu em mim, para que eles sejam perfeitamente um” (Jo 17,23). Paulo VI escreveu: “É absolutamente necessário que os fiéis prestem homenagem, com práticas de piedade privadas e manifestações públicas, ao Coração de cuja plenitude todos nós recebemos, e dele aprendam a maneira perfeita de ordenar a sua vida, para que esta corresponda plenamente às exigências dos nossos tempos…”. O Bem-aventurado João Paulo II ao longo do seu pontificado muito falou e escreveu sobre o Coração de Jesus. Era uma das suas devoções prediletas. Na encíclica Dives in misericórdia, - Deus rico em misericórdia, escreveu que “a Igreja parece professar de modo particular a misericórdia de Deus e venerá-la, voltando-se para o Coração de Cristo. De fato, a aproximação de Cristo, no mistério do seu Coração, permite-nos deter-nos neste ponto da revelação do amor misericordioso do Pai, que constitui, em certo sentido, o núcleo central – e, ao mesmo tempo, o mais acessível no plano humano – da missão messiânica do Filho do Homem”. Mais tarde, a 19 de Outubro de 1985, este Papa afirmou que “do Coração trespassado de Cristo crucificado, brota a civilização do amor. No santuário daquele Coração, Deus inclinou-Se sobre o homem e fez-lhe o dom da sua misericórdia, capacitando-o a abrir-se, por sua vez, em misericórdia e em perdão para com os outros”. Posteriormente, dia 11 de Junho de 1999, no centenário da Consagração do gênero humano ao Coração de Jesus, este Pontífice voltou a manifestar-se a propósito deste tema: “Por ocasião da solenidade do Sagrado Coração e do mês de Junho, exortei muitas vezes os fiéis a perseverarem na prática deste culto, que contem uma mensagem especial que é, nos nossos dias, de extraordinária atualidade, porque do Coração do Filho de Deus morto na cruz surgiu a fonte perene de vida que dá esperança a cada homem. Do Coração de Cristo crucificado nasceu a humanidade, redimida do pecado. Diante da tarefa da nova evangelização, o cristão olhando para o Coração de Cristo, Senhor do tempo e da história, a Ele se consagra e, ao mesmo tempo, consagra os próprios irmãos, redescobre-se portador da sua luz”. O Papa Bento XVI, gloriosamente reinante, no cinquentenário da encíclica de Pio XII, Haurietis Aquas, escreveu ao Padre Geral da Companhia de Jesus desejoso de que não se afrouxe no desejo de dar a conhecer sempre mais o Coração de Cristo. Dizia ele, “que surjam, apóstolos destemidos deste Divino Coração, pois nele estão todos os tesouros da sabedoria e da ciência”. Na sua primeira encíclica Deus charitas est – Deus é amor, refere-se ao Coração de Jesus “como o caminho do viver e do amar de todo cristão”. No mistério da Encarnação e da Redenção, realmente se depara Jesus que nos livrou de toda servidão e oferece a plenitude da sua graça (Jo 1,6), a qual nos reconcilia com Deus. Admirável, de fato, o amor do Redentor para conosco. Amor divino, porque ele era verdadeiro Deus e sempre nos amou; amor humano que resplandece nos Evangelhos. Ele veio para nos purificar, santificar, assemelhar-nos a Ele, deixando exemplos magníficos de todas as virtudes. Seus grandes dons foram a Eucaristia e o Sacerdócio; a Cruz na qual morreu por puro amor; a Igreja, ministra do sangue divino; os Sacramentos que conferem as graças redentoras; os Dons do Espírito Santo que Ele enviou de junto do Pai. O culto ao seu Coração é, por tudo isto, um gesto de gratidão. Do coração físico subimos à pessoa do Verbo, e do Verbo somos levados para o seio da mesma Divindade, fogueira de amor eterno. A devoção ao Sagrado Coração é, portanto, a profissão prática do Cristianismo todo e pode-se defini-la como a proclamação da dileção que Deus tem para com a humanidade em Jesus, e, juntamente também, como a prática do nosso amor para com Deus e os homens. Devoção, portanto, atualíssima, levando os fiéis à observância da lei suprema da caridade. Assim, o Coração de Cristo torna-se aquele estandarte de unidade, de salvação e de paz, de que hoje temos tanta necessidade. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.