O AMOR
DE DEUS
Côn. José Geraldo
Vidigal de Carvalho*
Nunca se medita demais esta sentença de
Cristo: “Se alguém me ama, guardará a
minha palavra, e meu Pai o amará, e
viremos a ele, e faremos nele a nossa morada (Jo 23,14)”. Guardar o que Jesus
ensinou supõe, porém, renúncia. Ser um em Deus inclui estar consciente de sua
lei, disposto a obedecer persistentemente o decálogo. É o amor de Deus que
traçou o caminho no qual ser humano O pode possuir. Para isto não se deve colocar
obstáculos na observância dos dez mandamentos. É o reconhecimento humilde do
poder divino e de sua sabedoria sem limites. Quem despreza um dos preceitos
dados pelo Criador se julga mais sábio do que Ele. Na comunhão com o Absoluto,
no qual deve estar enraizada a criatura racional, encontra-se a força para
permanecer fiel a Ele, sem se deixar sugestionar pelas aliciações do espírito maligno.
Atingem-se então os cumes da verdadeira espiritualidade que leva a fugir de toda
possibilidade de romper a adesão da alma a seu Senhor. Reina desta forma um
amor espiritual entre a alma em estado de graça e o Ser Supremo que nela
habita. É o resultado faustoso da abertura para o sobrenatural. Trata-se de uma
atitude voluntária, sincera, que vai quebrando num esforço persistente os
entraves que possam impedir a união com a vontade divina. Para isto cumpre
transpor as barreiras criadas pelo egoísmo, pois o amor próprio entrava a plena
união com Deus. É na medida desta doação de si mesmo que o ser humano se
enriquece num sublime paradoxo. Dá-se, contudo, um alargamento interior, mesmo
porque Deus só ocupa os espaços que livremente Lhe são oferecidos. Isto ocorre
em virtude da atenção e estima que se passa a ter do Ser amado. Na vida
espiritual é preciso uma transferência contínua do humano para o divino numa
entrega sem reservas. na qual o amor longe de acorrentar liberta, pois projeta
a criatura no seu Criador. Realiza-se o que Deus falou a Santa Catarina de
Sena: “Ocupa-te de mim e ocupar-me-ei de ti”. Toda esta maravilha não está
reservada apenas para os grandes místicos, dado que todo aquele que, verdadeiramente
busca o Senhor da vida, depara sempre a
vida divina em abundância, recebendo-a com disponibilidade total. O fiel passa
a compreender que pode amar a Deus sem interesse, sem cálculo e este amor quanto
mais se acentua e consuma seu domínio mais fortifica o cristão na luta contra o
mal e as tentações diabólicas. Deste modo, se tudo concorre bem para o cristão.
Este reduplica seu agradecimento humilde a Deus, mas, se algo de mal acontece,
ele se submete silenciosamente, recusa duvidar do amor deste Deus, firmando-se
num confiança inabalável nele. Nunca duvida do amor deste Deus, crê neste amor
e corresponde ao mesmo em qualquer situação. Quer os bens, quer os males o
fazem crescer no amor de seu Senhor, porque não ama a si mesmo, mas deseja
apenas o que é conforme aos desígnios divinos. Os teólogos ensinam que
“amar-nos em Deus, amar a Deus em nós, é nos ligarmos ao ilimitado e abrir
inteiramente as asas da esperança”. Caminhar para frente em direção ao
ilimitado. É preciso contemplar sempre a luz da verdade sob a qual se deve
viver. Amar a verdade é amar a Deus, a Verdade Suprema. Aí está o princípio do
verdadeiro conhecimento. Com efeito, não conhecemos senão transformando-nos
interiormente naquilo que conhecemos e, então, nos transformamos intimamente naquilo
que amamos. Deste modo, o amor a Deus está nessa Verdade interior que resulta
da presença inefável dele na alma que, de fato, O ama. Ele ama aquele que sabe
não ser nada, para que aprenda a autêntica sabedoria. A força de Deus no
cristão que O ama é feita da fraqueza humana. Eis por que somente os humildes
podem captar a plenitude do amor divino e nunca o perde no vão orgulho pessoal.
A humildade é que dispõe o cristão para os fins sublimes de sua intimidade com
Deus num amor perseverante que precisa continuamente crescer. Em síntese, como
diz o Livro da Imitação de Cristo: “Não há no céu nem na terra coisa
mais doce, mais forte, mais sublime, mais ampla, mais deliciosa, mais completa,
nem melhor que o amor. O amor nasceu de Deus, e não pode descansar senão em
Deus, elevando-se acima de todas as criaturas”. * Professor no Seminário de Mariana durante 40anos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário