sexta-feira, 31 de agosto de 2018

O AMOR FRATERNO


O AMOR FRATERNO
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho
O verdadeiro cristão combate continuamente o individualismo, consagrando ao semelhante o melhor de si mesmo à luz do preceito de Cristo: “O que fizestes a um dos menores destes meus irmãos a mim o fizestes” (Mt 25,40), Portanto, se tudo aquilo que se faz ao próximo é feito a Jesus tem em si um valor eterno. É preciso consequentemente toda a atenção uns com os outros no amor, na doação contínua, sendo solícitos em tudo. Donde a necessidade de um diálogo fraterno que leva à superação dos conflitos no trato diário em casa, nos lugares de trabalho e de diversão, enfim na comunidade na qual se vive. Acolhida, respeito, ajudas devem assinalar a conduta do seguidor do Filho de Deus. Tudo isto inclui estreitar sempre mais os laços espirituais com nossos semelhantes, consagrando-lhe o melhor de nossos pensamentos, de nossas vontades e de nossos amores. O próximo que é preciso amar é um próximo humano em sua personalidade única, impossível de confundir-se com outra ou com Deus, embora a amemos em Deus e na comunhão de todas as outras pessoas com Deus. Trata-se de uma solidariedade universal da qual resulta um intercâmbio de dons. Isto porque a personalidade dos outros é uma riqueza incomparável também a nosso serviço. Trás para nós crescimento, estímulo e retificação de procedimento, desde que se tenham olhos para ver as virtudes alheias e não os seus defeitos. Todo julgamento temerário deve ser afastado, mesmo porque somente Deus é o juiz de tudo, como lembra o salmista (Sl 49,6). Os bens espirituais são partilhados através do conselho oportuno, do bom exemplo, da oração. Deste modo, somos assim devedores uns dos outros. O autêntico discípulo de Cristo sabe, igualmente, que toda discussão é vã e feliz é aquele que sabe adivinhar a riqueza do coração do próximo, irradiando a verdade com tato e diplomacia, contagiando o outro com uma atitude coerente. Compreender o próximo é entrar na noite de seu coração para levar-lhe o dia das luzes divinas. Nunca se deve esquecer que a verdade religiosa aparecerá sempre mais ou menos na medida daquele que a anuncia. Levar ao próximo palavras vividas e revividas, do contrário seriam palavras ocas, improdutivas, inoportunas. O papel do imitador de Cristo não é expor a verdade, mas de colocar o outro em face da verdade, na qual ele mesmo vive. Desta maneira, a verdade será contemplada e acatada. É o poder indiscutível da autenticidade de quem fala e deseja o bem do outro. É o glorioso apostolado da santidade de vida, fundamentado este apostolado num mensageiro que encarna o que fala. De tudo isto resulta a necessidade de uma profunda humildade que leva ao combate da vaidade pessoal e à vã gloria que são estéreis e impotentes.  É que “o amor é circunspeto, humilde e reto; não é frouxo, nem leviano, nem vaidoso; é temperado, casto, firme, quieto e precatado na guarda de todos os sentidos”, como ensina o Livro “Imitação de Cristo” (Liv V, c..5). Então a comunicação com o próximo é de um valor inestimável, porque se trata de comunicar Jesus com um estilo eletrizante. Assim sendo, a relação com os outros não se realiza através de laços verbais inconsistentes, mas de ações produtivas, beneficentes e ativas. Disto resulta a paz fortalecida pela caridade. Não adianta amar a paz se não há um combate persistente às paixões contrárias ao amor ao próximo. Eis por que São Paulo mostrou que a caridade é paciente, é benigna; a caridade não é ciumenta, não é orgulhosa, não é indecorosa; não é interesseira, não se irrita, não guarda rancor; não folga com a injustiça, mas alegra-se com a verdade; tudo suporta, tudo crê, tudo espera, tudo sofre“ (I Cor 13,4-8). Esta é a paz que vem de Deus e da qual o caridoso é o mensageiro na sua vida cotidiana. É uma paz que se alimenta no amor do Pai e do Filho no Espírito Santo. O cristão é chamado a ser o portador desta paz, que segundo Santo Agostinho, é “a tranquilidade da ordem”, sendo dela o artífice através de uma irradiante fraternidade. Entre todas as afeições, entre todos os movimentos de coração, entre todas as virtudes o amor fraterno deve então presidir e reinar porque todos somos filhos de Deus e “Deus é amor”, como bem se expressou São João (1 Jo 4,8). A caridade fraterna deve reger e temperar todas as ações do cristão. Com efeito, Deus, tendo criado o homem a sua imagem e semelhança, quer que nele tudo seja ordenado pelo amor e para o amor. Eis por que aos gálatas São Paulo ensinou que “toda a lei compendia-se nesta simples palavra: ”Amarás ao teu próximo como a ti mesmo” (Gál 13-14).* Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.



CRER EM DEUS


CRER EM DEUS
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho
Deus é o próprio Ser subsistente por si mesmo, o qual, como falou São Paulo no Areópago de Atenas, “criou o Universo e tudo que nele se encontra” (Atos 17,24). Todas as criaturas são seres contingentes, ou seja, existem, mas poderiam não existir. Dotado de inteligência o ser humano acredita que Deus existe através da fé. Segundo o Catecismo da Igreja, “a fé é uma adesão pessoal do homem inteiro a Deus, que se revela. Ela inclui uma adesão da inteligência e da vontade à revelação que Deus fez de si mesmo por suas ações e palavras” (173). Pela Filosofia o homem também pode chegar a professar a existência de Deus, como, por exemplo, através das cinco vias expostas por Tomás de Aquino. É necessário estar sempre de acordo com Deus, podendo repetir com Davi: “Todos os dias haverei de bendizer-vos, hei de louvar o vosso nome para sempre” (Sl 144,1). Davi oferece a razão desta atitude: “Grande é o Senhor e muito digno de louvores e ninguém pode medir sua grandeza” (Idem, ibidem). O Profeta Amós assim cantou este poder divino: “Ei-lo o que forma o trovão e cria o vento, que derrama torrentes de água sobre os campos, que caminha sobre as alturas da terra; Senhor, Deus dos exércitos, é o seu nome” (Amós, 4,13). Deus oferece aos homens um tesouro que é o universo. Uma pobre ciência humana faz tudo para afastar Deus e filósofos ateus em vão tentaram e tentam negar sua existência, mas, como dizia Pascal, Ele “se oculta e se deixa ver”. Isto porque como diz a Bíblia: “Narram os céus a glória de Deus e o firmamento apregoa as obras de suas mãos” (Sl 19 2). Eis porque os que creem procuram união com Ele, como o sábio Pe. Sertillanges que assim se expressou: “Uno-me espiritualmente a Ele e procuro a coincidência de meu espírito com Seu espírito, de meu querer com Seu querer, de meu repouso beatífico com Seu eterno e beatífico repouso”. Dá o motivo pelo qual se deve assim proceder: “Representá-lo como é, acima de toda a medida e de toda comparação, tão íntimo quanto imenso, eis a verdadeira humildade. eis a sabedoria”. Disso resulta poder captar sempre os sinais divinos quer na alegria, quer na tristeza, pois Ele está sempre a cobrir o ser humano com sua mão paternal e tem poder para transformar o mal em bem. Acontecimentos exteriores são meios eventuais de advertências divinas das quais se devem tirar lições preciosas. Muito bem se expressou Jó: “Se recebemos de Deus as coisas boas, porque não vamos aceitar também as provações?” (Jo 2,10).  Isto numa imperturbável aceitação, com a mesma serenidade, quer nos momentos de regozijo, quer nos instantes das dores, demonstrando o cristão um apego confiante nele e pleno despego de si mesmo. Como explicou São Paulo, “sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus que são chamados segundo o seu propósito (Rm 8, 22). Deus sabe o que faz e nem sempre o ser humano tem capacidade de interpretar os acontecimentos. Assim, por exemplo, José que foi vendido por seus irmãos como escravo, depois se tornou governante do Egito para salvar não somente seus irmãos que agiram tão perversamente, mas ainda toda a casa de Israel da destruição. a ousadia humana muitas vezes pretende trazer Deus a seu tribunal e tal atitude em face do Infinito é de uma infantilidade lamentável, para não se dizer de uma estupidez sem limites. Cumpre sempre confiar na Providência divina e jamais deixar aflorar queixas pueris. Para evitar tais dispares a solução é saber escutar o Espírito Santo, evitando a loucura de julgar Deus. O Apóstolo Paulo escreveu: “Quem poderá separar-nos do amor de Cristo? A tribulação, a angústia, a perseguição, a fome, a nudez, o perigo ou a espada? [...] Mas em todas essas coisas somos nós mais que vencedores graças àquele que nos amou” (Rm 815-38). Deus é fiel, justo e sábio e é preciso viver do sopro de seu Espírito, meditando sobre a obra de suas mãos para poder avançar livre e confiante rumo à eternidade. Lá, como está no Livro do Apocalipse, “Deus limpará de seus olhos toda a lágrima; e não haverá mais morte, nem pranto, nem clamor, nem dor, porque já as primeiras coisas são passadas” (Ap 12,4). * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos






segunda-feira, 27 de agosto de 2018

ACATAR INSTESIRAMENTE OS MANDAMENTOS


ACATAR INTEIRAMENTE OS MANDAMENTOS
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Como Mestre admirável Jesus exige total coerência de seus seguidores que devem evitar tudo que contamina exterior e interiormente o ser humano (Mc 7,1-23). Um cristão não pode viver na falsidade, na duplicidade. Precisa superar sempre com vigor a hipocrisia. Trata-se de permanecer na claridade divina, ciente de que Deus penetra o íntimo de cada um. O exterior deve refletir exatamente o que se passa no fundo do coração. Do contrário, o que aparece é meramente o convencional, o superficial. É uma máscara ou uma imagem ideal de si mesmo que é projetada no falar e no agir diante dos outros, mas que encobre tantas vezes a maldade interior. Jesus não deixou dúvidas e afirmou: “É do interior, isto é, do coração dos homens que saem os maus pensamentos”.  É lá de dentro de cada um também que brotam os bons desejos, pois é a região do verdadeiro, do autêntico, ou seja, do que cada um é perante Deus. É o lugar daquela fidelidade cotidiana que ilumina initerruptamente todas as ações. Entretanto, igualmente deste interior é que brotam a agressividade e o rancor, o desprezo dos outros e o egoísmo, as fornicações, as fraudes, a impudicícia, a maledicência, a impiedade. Isto, lembra Jesus, é que torna o homem impuro, longe do projeto de santidade traçado por Deus nos seus mandamentos. Eis aí muitas vezes a separação íntima entre o interior e o exterior, entre o ser e o parecer, entre o Deus que deve viver no ser humano e o demônio que envolve muitas vezes a pessoa nos seus laços. Surge então uma ambiguidade dolorosa, pois a consciência é a voz do Criador que aplaude sempre a coerência existencial e condena a insinceridade, seja ela qual for. Muitos cristãos são anjos do céu dentro da Igreja, mas em casa, nos locais de trabalho e diversão se tornam anjos do mal, esquecidas as urgências do Reino de Deus. É justamente no comportamento na sociedade que deve refulgir a grandeza dos corações que, verdadeiramente, cultuam o seu Senhor, levando por toda parte compreensão, amor, atitudes sempre luminosas. Na vida do cristão verdadeiro deve brilhar a verdade total, refletindo a bondade do Deus vivo e verdadeiro. Nada agrada tanto a Cristo como a autenticidade de seu seguidor. Muitos querem viver o que Jesus ensinou, mas se deixam levar pelos sites pornográficos, pelas conversas levianas, por atos obscenos. É o que bem exprime célebre ditado: “Querem acender uma vela a Deus e outra ao diabo”. Muitos se esquecem de que mortos não são aqueles que vivem numa tumba fria, mortos são os que têm morta a alma e vivem todavia. A imagem usada por Cristo foi a de “sepulcros caiados”. Esta hipocrisia que se chama farisaísmo é a causa da queda dolorosa de muitos. Errar é humano, mas justificar o erro ou não fugir das ocasiões de pecado é diabólico. Todas as vezes, porém, que um cristão se arrepende sinceramente de suas faltas, Deus misericordioso perdoa inteiramente. Ele, contudo, quer um acatamento total de seus preceitos. Isto implica utilizar as coisas criadas por Deus como meios para atingir a pureza interior. No número 226 do Catecismo da Igreja Católica está clara qual deve ser a conduta do cristão: “A fé no Deus único leva-nos a usar de tudo quanto não for Ele, na medida em que nos aproximar d'Ele, e a desprender-nos de tudo, na medida em que d'Ele nos afastar”. A prece de São Nicolau de Flue deve então ser a oração predileta do verdadeiro seguidor de Cristo: “Meu Senhor e meu Deus, tira-me de tudo o que me afasta de Ti. Meu senhor e meu Deus, dá-me tudo o que me aproxima de Ti. Meu Senhor e meu Deus, desapega-me de mim mesmo, para que me dê todo a Ti”. É deste modo que se realiza a completa conversão do coração. Refletir em todas estas verdades é tanto mais necessário quando se vive numa cultura consumista e hedonista. São aspectos culturais que instauram uma mentalidade, um estilo de vida que contradiz os preceitos de Deus e são obstáculo à evangelização. Cumpre passar do consumo ao sacrifício, da avidez à generosidade, do esbanjamento à partilha, promovendo uma reforma interior profunda. Então, sim, se estará colocando em prática o Evangelho e difundindo a prática do mesmo, porque o modo de ser e de viver de cada um fala mais alto do que as palavras, porque são ações que provêm de um coração incontaminado, puro, limpo. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

sábado, 25 de agosto de 2018

A MISERICÓRDIA DIVINA


A MISERICÓRDIA DIVINA
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Na Carta aos Coríntios São Paulo exalta a imensa benevolência da parte de Deus através do perdão àqueles que sinceramente se arrependem de seus erros (2 Cor 5, 20-21). Trata-se inicialmente de uma graça preveniente, ou seja, aquela que precede a decisão livre do ser humano. É oferecida por Deus em Cristo. Ao convite de Deus deve seguir o consentimento de cada um, pois a pessoa humana é dotada de liberdade. Brada então o Apóstolo: “Reconciliai-vos com Deus”. Acrescenta: “A Ele que não conhecera o pecado, Deus tratou-o por nós como pecado para que nos tornássemos justiça de Deus”. Imensa, portanto a misericórdia divina. Todos são convidados a uma completa renovação espiritual, oferecida no “tempo favorável”, “dia da salvação” (Idem, Ibidem 6, 2). Perfeito é só Deus e na sua fragilidade o homem comete faltas leves ou graves das quais precisa sempre se arrepender. Os erros passados devem ser reparados e se tornam indicações que marcam e mostram a cada um o caminho reto para o futuro. O pecado consentido é o inverso da virtude que deveria ser praticada.  É que a virtude e o pecado ultrapassam o tempo e refletem na ordem eterna estabelecida pelo Criador. A recusa à vontade divina é uma falha que produz consequências que devem ser revertidas. Eis porque o verdadeiro cristão está continuamente num processo de conversão que significa ver a verdade e se conformar a ela, abominando os desacertos cometidos numa retificação persistente. A conversão é um revirar-se, isto é, é ser o mesmo longe das claudicações, numa renovação espiritual sem tréguas. É cada dia, a todo o momento, que é preciso se converter, voltando-se inteiramente para Deus que é clemente e misericordioso. É a renúncia ao mal e o retorno para o bem. Não se trata de viver menos, mas viver melhor num crescimento espiritual constante rumo ao amor a Deus que é um invisível juiz eterno de todas as ações humanas. Quanto mais um convertido progride no bem, tanto mais lamenta seus pecados, sobretudo se tiverem sido graves, e percebe como deve ser grato à força da graça que o libertou deles. Pode então perceber ao vivo as delicadezas da amizade divina, o sentimento profundo da justiça, o entusiasmo vibrante pelo bem, um afastamento total do mal. Admiráveis as indústrias misericordiosas de um Deus que quer a salvação de todos, conforme Cristo declarou: “Eu vim para que tenham a vida e a tenham em abundância”. Após o arrependimento ressurge a esperança e a retidão traça seu círculo perfeito, levando à subordinação ao Absoluto, à adesão incondicional ao Criador e ao Pai Todo-Poderoso. Nas ofensas a Deus há algo de negação e recusa, opondo-se o homem Àquele cujo pensamento e vontade representam um valor sem limite e essencialmente indiscutível. Muitas vezes o ser humano quer viver, mas não quer viver bem, evitando tudo que possa deturpar sua vocação à santidade de vida, fugindo da malícia do pecado. A essência do pecado, porém, é o amor próprio que consiste em desprezar o Senhor beneficiário de todos os dons. Deus, contudo perdoa sempre a quem contritamente aborrece seus erros com um coração sincero.  Diz São João que
“quem comete o pecado é escravo do pecado” (Jo 8,34). Então cada alma rebelde tece para si uma rede e depois fica nela presa. Cumpre reagir para conhecer de novo a liberdade dos filhos de Deus.   Nesta hora o pecador arrependido exclama: “Ó Deus misericordioso sem medida, vós sois, realmente, o Deus amor!”. Depara-se desta forma o coração do Pai amoroso. É preciso usufruir da misericórdia divina, gozar essa indulgência infinita que não se cansa de indultar. É necessária a lembrança permanente de que converter-se é unir-se ao Bem Supremo e que todos precisam da graça para evitar o mal, para cultivar as virtudes e progredir espiritualmente, para ter a cura dos pecados, dos hábitos malignos e dos seus efeitos. Recebido o favor divino, a gratidão é indispensável e esta gratidão se manifesta em atos de amor e em esperanças de um futuro sempre melhor. Isto significa valorizar o perdão divino. Jesus quer agir sempre em seus fiéis sarando-os, iluminando-os, arrastando-os para os caminhos da felicidade. Cristo asseverou que quem faz a vontade de seu Pai que está nos céus, este é seu irmão, sua irmã e sua mãe (Mt 12,50).  Ele auxilia sempre estes seus parentes espirituais, os socorre, os escuta e guia seus passos, infunde-lhes claridade para que andem na plena luz da fé. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

quinta-feira, 23 de agosto de 2018

A CONVERSÃO DO CORAÇÃO


A CONVERSÃO DO CORAÇÃO
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
O verdadeiro cristão é aquele que tende para a integralidade e integridade através da pratica das virtudes numa contínua conversão do coração para Deus. Está na terra, mas não se prende a este mundo terreno, pois cultiva uma virtuosa sujeição a seu Senhor. A fé não nega a vida terrestre, mas a transforma, orientando-a para o céu. Quem cré na vida eterna não se escraviza às paixões deletérias e não se submete à ambição do poder. Procura consagrar a Cristo tudo que tem, tudo que é, sempre maleável à graça divina, sabedor que em Jesus está sua vida. Vive na alegria de pertencer a seu Redentor, carregando atrás dele a cruz de cada dia, ciente que deve ser um cruciferário. Isto porque sabe ouvir a Palavra revelada e, persistentemente, a praticar não à maneira humana, mas sob a luz da Verdade eterna. Seu lema é crer, esperar e amar a Deus e ao próximo. A fé submete a inteligência a tudo que Deus transmitiu através da revelação, a esperança repele toda inquietação o amor o faz entrar em comunhão com Deus e com próximo, derrubando toda barreira divisória. Para o justo Deus é o Deus de toda santidade e também o Deus misericordioso, mas que exige o cumprimento integral do dever cotidiano, agindo cada um sempre com retidão e responsabilidade. É preciso no mais fugitivo instante da vida, no mínimo de seus objetos contemplar o Infinito e o Eterno. A cada passo é necessária uma resposta ao Criador de tudo. Ele nos fala por meio da natureza, dos homens, de nós mesmos, de tudo quanto existe. É ter olhos para ver e ouvidos para escutar. Lá onde Deus colocou cada um cumpre a adaptação ao plano de vida tal como Ele determinou, correspondendo às graças que Ele não nega nunca a quem procura executar do melhor modo possível os compromissos inerentes a seu estado de vida. Aí se encontra o conjunto das ocasiões para bem viver, desenvolver e enriquecer a própria existência. É essencial estar no lugar que se deve ocupar neste mundo e desempenhar com todo empenho as tarefas diárias. Como mostrou o douto Pe. Sertillanges, essas ações que, muitas vezes, só são conhecidas por Deus rescendem diante dele como diante do caminhante o prado fresco de relvas sem perfume. Perante Deus o que vale não o quanto cada um faz, mas como o faz. O que valoriza o trabalho de cada hora é o testemunho da consciência, que é um tribunal supremo, que aplaude o dever bem realizado. As obrigações sérias realizam-se no silêncio sem o anseio de aclamações humanas. Quando, porém, alguém faz o que deve, é preciso dizer como ensinou Jesus: “Somos servos inúteis, fizemos o que devíamos fazer” (Lc 17,10). Planos ambiciosos são quase sempre nefastos. O essencial em tudo é o abandono filial à vontade divina, adaptando-se aos desígnios de sua Providência. Então o dever se torna uma árvore frutífera que beneficia a quem o pratica e a toda a sociedade. Todas as boas ações maravilhosamente amplificam-se e engrandecem o mundo inteiro. São admiravelmente fecundas. Eis o segredo dos autênticos cristãos que tudo convertem em atos espirituais, levando uma vida livre e profícua. Infeliz daquele que é escravo da inércia e vive adiando suas obrigações, enfraquecendo sua vitalidade interior, fazendo crescer uma puerilidade lamentável. Não é fácil, porém, vencer as tentações da indolência e do desleixo. Dizer um não a qualquer tentação é pronunciar um sim valiosíssimo para si mesmo e perante Deus e isto é fonte de novos progressos, evitando a depressão e a desesperança. Nunca se deve esquecer que em Deus o bem é todo poderoso e o esforço se torna vitorioso. Quando alguém não sabe o que deve fazer aqui e agora, tem um recurso admirável que é se perguntar “Que faria Jesus em meu lugar neste instante?”.  Consultando então o Espírito Santo se pode saber com certeza o que se deve fazer. Resulta desta forma uma resolução decisiva, uma conversão do coração, um dom de si irrevogável. A existência ganha dimensões incalculáveis, porque se adapta inteiramente aos intuitos divinos. É esta relação entre Deus e nós e nós em Deus que vivifica o ser humano e daí a prece do salmista: “Unifica Senhor, meu coração para que ele tema o teu nome”! (Sl 85,11). Como escreveu o citado Pe. Sertillanges, “a todo instante está sobre nós o seu olhar e a sua interrogação muda à qual nossa vida deve responder”. Nunca se reflete demais nestas verdades.* Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.