quinta-feira, 4 de agosto de 2016

VIVER EM DEUS

VIVER EM DEUS
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
São inúmeros os textos de notáveis mestres da espiritualidade sobre o valor da consciência que o cristão deve ter da presença de Deus. Doutrina esta bem fundamentada no discurso de São Paulo no Areópago de Atenas: “Nele vivemos, nos movemos e existimos” (Atos 17,28). Além disto, para quem vive na graça santificante, há uma união especial com a divindade, conforme as  palavras de Cristo: “Se alguém me ama, meu Pai o amará, viremos a Ele e faremos nele nossa morada” (Jo 14,23). De tudo isto resulta, sobretudo para quem tem fé, uma concepção da vida inteiramente ordenada para o Senhor de tudo. Deus está por toda parte e não é limitado por nada, habitando dentro do coração que participa de sua vida divina. Por sua transcendência Ele não se confunde com suas criaturas, as quais são finitas, contingentes, ou seja, existem, mas poderiam não existir. Ele é o Criador de tudo e tudo Ele conhece, pois dele deriva o que existe. É infinito e eterno, dado que nele a essência se confunde com a existência.  Ele mesmo afiançou a Moisés: “Eu sou aquele que sou” (Êx 3, 14). Ele é Aquele  que existe  por essência. Por tudo isto Deus deve ser a íntima ocupação do espírito humano. Um só fim, um só objeto, um só desejo a envolver todas as ações, isto é, o cumprimento exato da vontade divina. Todas as afeições necessitam então estarem concentradas nele. Todos os amores do ser racional referentes aos parentes, aos amigos, aos benfeitores passam a existir somente em Deus a quem se dedica um amor muito maior que está acima de todas as coisas.  Deste modo, o cristão se torna livre de uma multidão de cuidados, de inquietações, de preocupações. Daí a sábia orientação de Santo Agostino: “Ama e faze o que quiseres. Se te calas, cala-te movido pelo amor; se falas alto, fala por amor; se corriges, corrige por amor; se perdoas, perdoa por amor. Tem no fundo do coração a raiz do amor, dessa raiz não pode sair senão o bem”. Esta é a felicidade de quem se acha imerso na dileção de Deus no qual pensa continuamente, explícita ou implicitamente, uma vez que o cristão tem assim sempre a reta intenção de tudo fazer em função do Ser Supremo. Deste modo, os próprios interesses pessoais ficam sujeitos unicamente ao serviço de Deus e ao bem do próximo. A alma se deixa desta maneira se conduzir apenas pelos valores superiores em consequência de  sua união com o seu Senhor. Esta atitude não é privilégio dos grandes místicos e são inúmeros os fiéis que procuram cultivar este sublime ideal de viver ininterruptamente em Deus. A existência do fiel vai  se estruturando dentro de um fluir contínuo segundo o ritmo variável de acordo com as inspirações divinas. Trata-se de um amadurecimento espiritual de quem, apartado de todo pecado, luta por vencer as próprias imperfeições porque muito ama a Deus. Uma sadia austeridade faz então parte irrenunciável de tudo que pratica. A dileção espontânea ao Criador se desdobra naturalmente  no serviço amoroso prestado aos outros. O eu fechado na ambição desaparece e o fiel, ao invés de procurar sua vantagem pessoal, almeja apenas agradar a Deus, oferecendo o dom de si mesmo ao próximo. O  teólogo Tullo Goffi mostrou que “o ser criado pode crescer no amor quando se acha capacitado para aproximar-se de maior conformidade com a vida divina. Quem amadurece para o amor oblativo demonstra ter sido objeto do amor criado do Senhor”. Isto é fruto da ação divina, pois “o amor foi derramado  em nossos corações por obra do Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5,5). Cumpre, contudo, a verdadeira intimidade com Deus, explorando esta realidade  que é Ele dentro do coração de quem de fato o ama. As grandes almas vão aos poucos conhecendo um abandono total à graça a ponto de se deixarem transformar inteiramente por ela, permanecendo cingida a Deus .Ele então  vai ocupando todos  os espaços dentro de cada um. Todos os pensamentos e todas as afeições se tornam simples e terminam neste Deus, oceano de amor. Tudo se transforma em oração.  Como bem observou o Pe. Grou, quer o fiel  esteja lendo ou falando, quer ocupado no seu trabalho ou nos seus afazeres domésticos,  ele sente que é menos ele que age, mas Deus que age nele e por ele. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.  


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