VIVER EM DEUS
Côn.
José Geraldo Vidigal de Carvalho*
São
inúmeros os textos de notáveis mestres da espiritualidade sobre o valor da
consciência que o cristão deve ter da presença de Deus. Doutrina esta bem
fundamentada no discurso de São Paulo no Areópago de Atenas: “Nele vivemos, nos
movemos e existimos” (Atos 17,28). Além disto, para quem vive na graça
santificante, há uma união especial com a divindade, conforme as palavras de Cristo: “Se alguém me ama, meu Pai
o amará, viremos a Ele e faremos nele nossa morada” (Jo
14,23). De tudo isto resulta, sobretudo para quem tem fé, uma concepção da vida
inteiramente ordenada para o Senhor de tudo. Deus está por toda parte e não é
limitado por nada, habitando dentro do coração que participa de sua vida
divina. Por sua transcendência Ele não se confunde com suas criaturas, as quais
são finitas, contingentes, ou seja, existem, mas poderiam não existir. Ele é o
Criador de tudo e tudo Ele conhece, pois dele deriva o que existe. É infinito e
eterno, dado que nele a essência se confunde com a existência. Ele mesmo afiançou a Moisés: “Eu sou aquele
que sou” (Êx 3, 14). Ele é Aquele que
existe por essência. Por tudo isto Deus
deve ser a íntima ocupação do espírito humano. Um só fim, um só objeto, um só
desejo a envolver todas as ações, isto é, o cumprimento exato da vontade
divina. Todas as afeições necessitam então estarem concentradas nele. Todos os
amores do ser racional referentes aos parentes, aos amigos, aos benfeitores
passam a existir somente em Deus a quem se dedica um amor muito maior que está acima
de todas as coisas. Deste modo, o
cristão se torna livre de uma multidão de cuidados, de inquietações, de
preocupações. Daí a sábia orientação de Santo Agostino: “Ama e faze o que
quiseres. Se te calas, cala-te movido pelo amor; se falas alto, fala por amor;
se corriges, corrige por amor; se perdoas, perdoa por amor. Tem no fundo do
coração a raiz do amor, dessa raiz não pode sair senão o bem”. Esta é a
felicidade de quem se acha imerso na dileção de Deus no qual pensa
continuamente, explícita ou implicitamente, uma vez que o cristão tem assim
sempre a reta intenção de tudo fazer em função do Ser Supremo. Deste modo, os
próprios interesses pessoais ficam sujeitos unicamente ao serviço de Deus e ao
bem do próximo. A alma se deixa desta maneira se conduzir apenas pelos valores
superiores em consequência de sua união
com o seu Senhor. Esta atitude não é privilégio dos grandes místicos e são
inúmeros os fiéis que procuram cultivar este sublime ideal de viver
ininterruptamente em Deus. A existência do fiel vai se estruturando dentro de um fluir contínuo
segundo o ritmo variável de acordo com as inspirações divinas. Trata-se de um
amadurecimento espiritual de quem, apartado de todo pecado, luta por vencer as
próprias imperfeições porque muito ama a Deus. Uma sadia austeridade faz então
parte irrenunciável de tudo que pratica. A dileção espontânea ao Criador se desdobra
naturalmente no serviço amoroso prestado
aos outros. O eu fechado na ambição desaparece e o fiel, ao invés de procurar
sua vantagem pessoal, almeja apenas agradar a Deus, oferecendo o dom de si
mesmo ao próximo. O teólogo Tullo Goffi
mostrou que “o ser criado pode crescer no amor quando se acha capacitado para
aproximar-se de maior conformidade com a vida divina. Quem amadurece para o
amor oblativo demonstra ter sido objeto do amor criado do Senhor”. Isto é fruto
da ação divina, pois “o amor foi derramado
em nossos corações por obra do Espírito Santo que nos foi dado” (Rm
5,5). Cumpre, contudo, a verdadeira intimidade com Deus, explorando esta
realidade que é Ele dentro do coração de
quem de fato o ama. As grandes almas vão aos poucos conhecendo um abandono
total à graça a ponto de se deixarem transformar inteiramente por ela, permanecendo
cingida a Deus .Ele então vai ocupando
todos os espaços dentro de cada um.
Todos os pensamentos e todas as afeições se tornam simples e terminam neste
Deus, oceano de amor. Tudo se transforma em oração. Como bem observou o Pe. Grou, quer o fiel esteja lendo ou falando, quer ocupado no seu
trabalho ou nos seus afazeres domésticos, ele sente que é menos ele que age, mas Deus
que age nele e por ele. * Professor no
Seminário de Mariana durante 40 anos.
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