O ICONE PERFEITO DA FÉ
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
O contraste que há
entre as leituras do Apocalipse (11,9.12,1-3) e do Evangelho (Lc 1,39-56)
apresentadas na Missa da solenidade da Assunção de Maria aos céus merece
reflexão e tem uma instrutiva explicação. Passa-se, com efeito, de Maria de
Nazaré, a humilde serva do Deus Altíssimo, à mulher revestida de sol e coroada
de doze estrelas, descrita por São João. Esta transformação, porém, tem seu
esclarecimento nas palavras de Isabel: “Bem-aventurada aquela que acreditou no
cumprimento das palavras que lhe foram ditas da parte do Senhor”. O Papa
Francisco assim se expressou na sua Encíclica Lumen Fidei: “A Mãe do
Senhor é o ícone perfeito da fé. [...] Na Mãe de Jesus, de fato, a fé trouxe todo
o seu fruto”. A razão pela qual a fé de Maria teve efeito tão extraordinário
foi dada pelo mesmo Papa: “Na plenitude dos tempos, a Palavra de Deus foi
endereçada a Maria e ela a acolheu com todo o seu ser, no seu coração” Ela,
realmente, se imergiu inteiramente na mensagem que o Arcanjo Gabriel lhe
trouxera da parte de Deus. O “sim” de Maria foi sem condições e sem tergiversações,
sem cláusulas restritivas, segundo alguns comentaristas foi um cheque em branco
passado a Deus. A plenitude da fecundidade de sua fé se liga à culminância de
sua adesão à vontade divina. Por isto grande é o júbilo que se apossa de todos
os fiéis ao contemplar a Virgem Fiel indo de corpo e alma para o céu,
antecipando o que se dará a todos que acreditaram na palavra salvadora vinda de
Deus. Trata-se de um gaudio fundamentado nesta realidade sublime: a Assunção de
Maria prefigura a ressurreição futura daqueles que viveram e vivem em função de
tudo que Deus revelou. Estes estão destinados ao mesmo itinerário da Rainha
triunfante, cujo coração foi trespassado pela espada de dor profetizada por
Simeão. Maria está então a lembrar a seus filhos que a glória passa sempre pela
cruz deste exílio terreno, contanto que seja carregada com paciência, olhos
voltados para a eternidade. Como bem se expressou o Frei João-Alexandre do
Cordeiro, isto significa uma livre resposta de fé à proposta vantajosa do Deus
de amor! Este Deus, contudo, exige uma doação integral de todo o ser a Ele como
ocorreu com Maria. Apenas assim a graça divina pode realizar maravilhas na vida
dos cristãos, sendo tudo em todos.Todos modelados inteiramente pelo amor de
Deus como aconteceu com a Virgem Santa. Esta é a mensagem fulcral da solenidade
deste dia, convidando a todos a deixar se transformar pela graça celeste sem óbices
e dubiedades, sem qualquer indocilidade. Com coragem lutando pela justiça
contra toda injustiça, levando ternura lá onde há incompreensão e violência,
tudo dulcificando pelo afastamento do desprezo e da indiferença. Enfim, uma
pugna constante contra o dragão do pecado sob todas as suas manifestações. É a batalha
constante entre as forças da luz e as forças das trevas. De um lado os que
temem a Deus, os humildes de coração, os famintos das realidades espirituais e
de outro lado os soberbos, os adoradores das riquezas, os opressores. O destino
dos bons, porém, está traçado na solenidade de hoje, ou seja, um dia, a exemplo
de Maria, ir para a Casa do Pai, para a glória do céu. Ela nos precedeu e a
todos aguarda na outra margem da vida. Ela é o sinal de toda nossa esperança. A
felicidade que Deus um dia deu a ela, por ela e com ela, Ele quer para todos os
que Lhe são fiéis como esta Mulher Bendita. Nesta solenidade de hoje a fé fica
reavivada, intensificado o liame com o divino Redentor e pulsa maior forte o
anelo de caminhar com destemor para a Jerusalém celeste. Como bem se expressou
São Bernardo, Maria a irmã de Lázaro ofereceu a Jesus a hospitalidade sob seu
teto, Maria a Mãe do Salvador, o albergou no apartamento nupcial de seu seio,
podendo afirmar que “Aquele que me criou repousou no meu tabernáculo” (Ecl
24,12). Foi por isto que como Filho agradecido Jesus, logo depois que a morte
visitou sua mãe a ressuscitou e a levou de corpo e alma para o céu e lá ambos
estão a nossa espera. * Professor no Seminário de Mariana durante
40 anos.
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