O FOGO DO ESPÍRITO SANTO
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Impressionante a imagem escolhida por Jesus ao afirmar:
“Eu vim lançar fogo sobre a terra” (Lc 12,49).
Notável ainda o que ele afirmou, dizendo que não veio trazer a paz, mas
a divisão (Lc 12,21). Em nossos dias a televisão mostra incêndios perturbadores
em diversas partes do mundo devorando paisagens, plantações, casas e ceifando
inúmeras vidas. No Brasil, segundo
dados do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), durante o período de
junho a novembro, grande parte do país é acometido por queimadas, que se
estendem praticamente por todas as regiões, com maior ou menor intensidade. Nas
cidades é constrangedor assistir o que acontece em muitas favelas e também em
edifícios sobretudo nas grandes metrópoles. Jesus escolheu a imagem do fogo
para falar de sua missão e Ele também havia presenciado pequenos incêndios na
sua época na Galileia ou na Judeia. Um pequeno fogo pode se alastrar envolvendo
tudo no seu ardor. Ao falar em fogo Cristo deve ter impressionado profundamente
seus ouvintes que logo devem ter imaginado a rapidez com que as chamas se
desenvolvem. Ora, Jesus queria exatamente mostrar que seu desejo era ver
alastrada sobre a terra inteira a Boa Nova da salvação. A sugestiva imagem por
Ele empregada demonstra até uma santa impaciência para que isto viesse a
acontecer por força da presença do Espírito Santo que Ele enviaria de junto do
Pai. Foi o que ocorreu no dia de Pentecostes quando o Espírito divino desceu
sobre os Apóstolos em línguas de fogo (Atos 2,3). Antes, São João Batista já
havia proclamado que Jesus batizaria com o Espírito Santo e com o fogo (Mt 3,
11), porque encheria os batizados de dons celestes e os purificaria de toda
impureza. Portanto, o fogo que deveria se espalhar é o carisma da Terceira
Pessoa da Santíssima Trindade a aquecer e iluminar o mundo através de seus
seguidores. Mais complexa, porém,
de ser decodificada é a outra palavra do Mestre divino dizendo que não viera trazer a paz, mas a divisão.
Entretanto, quando se percorre a História após a vinda de Cristo se percebe a
veracidade desta assertiva do Filho de Deus. Durante as perseguições aos
cristãos pelo Império Romano foram perpetradas divisões pelo ódio ao Evangelho
e já naquele tempo dentro das famílias houve separações porque muitos aceitavam
Jesus e outros não. Em nossos dias inúmeros são os que ficam fiéis a sua
verdadeira Igreja, enquanto há os que vão seguir outras religiões. Disto
resultam, por vezes, conflitos dolorosos. Jesus sabia que a fé depositada nele
iria trazer separações no seio das famílias e das nações. Não obstante, Ele
contaria sempre com seus discípulos fiéis para disseminar a paz e o amor. Este
seria seu preceito novo: “Amai-vos uns aos outros” (Jo 15,12) e sua saudação aos Apóstolos após sua
ressurreição foi esta: “Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz” (Jo 14,27). A
verdadeira paz, a serenidade do coração se originam da união com Deus e da
união recíproca através do amor mútuo. Assim sendo, apesar das divisões, como obreiros
da paz, seus epígonos trabalhariam
sempre pela reconciliação nas famílias, nos países, entre os povos. É sabedoria
invocar o fogo do Espírito Santo que queima os pecados e imperfeições pessoais
e ilumina em cada coração a chama do amor a Deus e ao próximo. Purifica de toda
ira, de toda impaciência, de toda incompreensão, de toda a inveja, de todo
racismo Donde resultar a paz interior, a imperturbabilidade. Fogo que abrasa e
que deve ser irradiado por toda parte. O fogo do Espírito Santo abre para uma
vida nova, para uma fraternidade formada por aqueles que escutam a palavra de Deus e a põem em
prática. Como cristãos, somos
responsáveis para que este fogo se propague. São João da Cruz escreve neste
sentido que, como o fogo transforma as coisas nele mesmo, assim o amor de Deus
para quem se deixa por ele abrasar. Eis aí o desejo ardente de Jesus, pois
apesar das divisões que a adesão integral a Ele provoca, Ele havia também
proclamado: “Felizes os artesãos da paz”, Ele que “apareceu para guiar nossos
passos no caminho da paz” (Lc 1.79). Como bem se expressou o teólogo Frei
Jean-Christian Lévêque, uma das maiores vitórias do discípulo de Cristo é,
mesmo numa família dividida, mesmo num contexto adverso à Igreja, irradiar a
paz e a compreensão, sem nunca, contudo,
aprovar o erro.
*Professor no Seminário de Mariana durante 40
anos.
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