A CRISE DA GALLILÉIA
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Escribas e fariseus e outros elementos de diversas classes sempre mereceram de Jesus suas censuras, sobretudo porque o Filho de Deus pregava a misericórdia. Sua mão direita se ergueu vigorosa quando foram pronunciados os sete “ais”, recriminando as atitudes incoerentes daqueles, não disseminavam o amor, mas o rigorismo da lei, apresentando uma falsa idéia do Deus-amor (Mt 23,13-29). Ele pregava a observância dos mandamentos, não por temor de uma justiça implacável, mas por dileção e com total sinceridade do coração. Tudo realizado não por palavras, mas pelas ações. Desejava uma caridade abrangente sem discriminação seja qual fosse a posição social de cada um. Deu um exemplo magnífico, mostrando que Ele viera para servir e não para ser servido. Muitos o seguiam, mas também ele percebia que inúmeros O abandonavam. Ele sabia inclusive que seus apóstolos, com exceção de João, não estariam junto dele no Calvário. Alguns biblistas comentam que Cristo, sentindo-se abandonado, na antevisão inclusive de sua dolorosa Paixão e Morte, passou, enquanto homem pela chamada “crise da Galiléia”, quando chegaram ao auge as artimanhas contra Ele. Sua missão, possivelmente, caíra num conflito na Galiléia. Alguns episódios apontam que, na sua região, surgira uma mais acintosa recusa. Sua estada em Jerusalém seria, então, como o final da pregação de suas mensagens. Quando se pôs a caminho, Ele já antevia a dramaticidade do que ocorreria no Gólgota. Lá o abandono que sentiria era o ápice de uma crise que, como Redentor da humanidade, teria que sofrer. Suas palavras na Cruz são sumamente elucidativas: “Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste” (Mt 27,46). Misterioso silêncio envolveria a colina da morte. Após o alvoroço sanguinário da turba infrene reinaria certa estupefação na praça da amargura. Nuvens negras avolumar-se-iam-se no firmamento. A natureza recriminaria o homem por tanta crueldade. O vento sibilaria e, como que, gemendo, partilhando a dor de Jesus. A máquina do universo iria como que ficar fora de seu ritmo normal. O terror apoderar-se-ia de quantos estariam em derredor da Cruz.. Enquanto homem, Ele haveria de perceber a maior angústia moral jamais vista no mundo. Um abandono espantoso o afligiria. Misteriosas palavras. que exprimem um queixume nunca que tal registrado nos anais dos povos, num timbre de pavor imenso, no auge de uma tristeza infinda, de amargor profundo, do imo de ser, do mais recôndito de sua alma, soariam, quebrando o silêncio, palavras que mais do outro mundo pareceriam ser. O Evangelista registraria o fato: “Lá pela hora nona, Jesus deu um grande grito: “Eli, Eli, lamá sabachtáni”, isto é, “Deus meu, Deus meu por que me abandonaste?” (Mt 27,46) Misteriosa reclamação de Jesus que nem os maiores teólogos, nem os mais admiráveis místicos, nem os santos mais eminentes lograram jamais decifrar.. Trágica exclamação no meio da escuridão que envolveria o Verbo de Deus ao pronunciá-la. Que frase jamais jorrou dos lábios do Redentor de tamanha veemência? Por que tanto abandono? Clamores de um Deus só podiam ter eco nele mesmo. No alto de uma Cruz os apelos de Jesus nem em Deus encontrariam ressonância. Ao contemplar a terra Cristo, entre dores agudas, veria ingratidões, desprezo, punhos cerrados e até o Céu o desampararia. Isto aconteceria exatamente no mais cerrado da tempestade! Ó paradoxo! O Filho querido iria morrer sem que o seguisse, ao menos, um leve conforto do Pai! Sombras da morte, trevas espessas, desarrimo cruel, profundamente cruel mesmo! Os poetas procuram descrever o choque forte do agitado mar do amor ao se romper o dique do afeto. Esforço baldado. Apenas quem experimentou tal desilusão é capaz de compreender o que isto significa, mas nunca sentirá o que se passou com Jesus ao manifestar o desapoio em que se encontrou no alto do Madeiro. Espinho para o coração, fel amargo, depressão mortal. Podemos reunir todas as mágoas de todas as despedidas, de todas as separações, o pranto amaro perante todos os túmulos, no dia da morte do ente amado, tudo isto é frágil vislumbre da angústia imensa que invadiria Jesus crucificado. Nada deteria a avalanche da desolação. Pavor inconcebível. Caos espantoso. Abismo insondável de pena. Trevas congeladas o envolveriam. “Deus meu, Deus meu, porque me abandonaste?” Palavras capazes de fazer abalar toda a terra. Seria o clamor da humanidade do Salvador imerso em oceano de dor profunda. Como Jó, Jesus poderia dizer ao Pai: “Tu te tornaste meu verdugo”(Jó 30,21) e como Davi: “Puseste-me no fundo da cova, em meio a trevas nos abismos; tua cólera pesa sobre mim, tu derramas tuas vagas todas”( Sl 88 ( 87),7-8). Seria o tormento supremo. Algo de horrípilo se interporia entre sua humanidade e sua divindade. Sua amargura seria infinita, porque infinito seria o amor que lhe escaparia, infinito o bem que pareceria ter desmerecido, infinita a beatitude extinta. Jesus teria aí a sensação da pena eterna. Aliás, Cristo veria com um só olhar o desenrolar da História. Todas as faltas do gênero humano, todas as recusas das almas às solicitações de seu amor. A ausência de Deus nos corações seria então ali reparada, mas por entre angústias inenarráveis. Ali Cristo contemplaria os homens insensíveis, imersos em desgraças, porque não tomariam conhecimento de uma presença inefável de Deus, o que deveria orientá-los, mas, o que era mais doloroso, nem mesmo a consciência desta terrível ausência, o que os deveria atemorizar. Eis aí o cerne da crise da Galiléia que o aproximar de sua Paixão muito atormentou o Salvador. Antes, porém, de morrer ela se entregaria placidamente nas mãos do Pai: “Em tuas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23,46). Belíssima lição de confiança!* Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.
terça-feira, 24 de abril de 2012
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