quarta-feira, 21 de agosto de 2013

A PORTA ESTREITA

A PORTA ESTREITA
Côn.José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Cristo não se apresentou ao mundo como um demagogo e, por isso, soube sempre advertir com clareza seus seguidores. Uma de suas sentenças contundentes foi esta: “Fazei todo esforço possível para entrar pela porta estreita. Porque eu vos digo que muitos tentarão entrar e não conseguirão” (Lc 13, 2,24). Esta foi a resposta que Ele deu a alguém que lhe perguntou: “Senhor, é verdade que são poucos os que se salvam?” O caminho da salvação é aquele da abnegação, do sacrifício, do cumprimento exato do dever, da observância integral dos mandamentos. Sem renúncia a tudo que contraria os planos divinos não há salvação possível. Esta se acha somente através da fé e de um grande amor à pessoa redentora de Jesus e a tudo que ele ensinou. Ele mesmo entrou pela porta estreita e seus sofrimentos culminaram no alto de uma Cruz. Através de sofismas muitos procuram uma vida fácil já querendo no tempo uma felicidade completa que só se terá na eternidade. Jesus jamais disse um não a seu Pai e mesmo no instante de sua agonia suprema no Gethsémani ele assim orou: “Que não se faça a minha vontade, ó Pai, mas a tua” (Lc 22,42). Ele exige de seu seguidor uma opção radical: “Ou crer ou não crer”. Ser coerente com a fé ou na prática a contradizer. Não há meio termo. Ele não admite mediocridade. O céu é uma realidade oferecida a todos. Deve ser o fim último e a realização das aspirações mais profundas do ser racional, o estado da felicidade suprema e definitiva. A caminhada para lá é difícil, exigente e demanda sacrifícios. Há duas direções: uma centrada no egoísmo e nas coisas passageiras desta terra, a outra é a construção da vida minuto a minuto, olhos fixos na eternidade. Esta última significa um investimento com resultado maravilhoso, a outra leva àquele lugar onde, segundo Cristo, “haverá choro e ranger de dentes”. É que não há progresso espiritual sem provações, sem energia nas decisões cotidianas e sem a prática do bem. A luta contra as paixões desordenadas deve ser contínua, o desapego dos valores mundanos não pode conhecer tréguas. Ou o Evangelho e a salvação eterna, ou o mundo e suas ilusões que conduzem à condenação sem fim. Não se trata de ter medo do inferno, atitude profundamente negativa, mas se trata de ter a alegria de estar caminhando para a Casa do Pai, posicionamento inteiramente positivo, construtivo. O que vai acontecer a cada um após a morte nunca pode ser esquecido para que na porta do paraíso não se escute da parte de Deus: “Não sei de onde sois. Afastai-vos de mim todos que praticais a injustiça”. A fé cristã apresenta, porém, uma salvação baseada na liberdade. Não há uma salvação automática. Cada um traça o seu destino, trilhando as sendas da luz ou das trevas. Cumpre ter uma consciência esclarecida, ou seja, a entrada que Jesus abre é da Cruz e da Ressurreição. É sabedoria então suportar as naturais tribulações terrenas em reparação das próprias faltas para se colocar em condições de entrar pela porta estreita. Trata-se de viver em plenitude a vida batismal na qual se recebe o penhor da vida eterna. Isto leva a suplantar as fadigas físicas, morais, psicológicas, sejam elas pessoais ou coletivas e sociais. A fidelidade a Cristo garante um prêmio perene junto dele por todo sempre. O cristão é então um guerreiro corajoso contra o mal numa luta perseverante rumo à passagem estreita. Encontra ele, contudo, na Eucaristia a força para nunca desanimar, para triunfar sobre todas as dificuldades, constante na perseverança, alimentado pelo Pão da vida. Apenas assim se poderá receber um dia a coroa da vitória. São Paulo mostrou qual deve ser o ideal do verdadeiro cristão: “Nossa vida está no céu de onde aguardamos o Senhor Jesus” (Fl 3,20). Seduzidos pelas coisas visíveis muitos se esquecem de que é a porta estreita que dá entrada na mansão celeste. Felizes, contudo, diz o salmista “os que caminham com inocência no caminho da lei do Senhor" (Sl 118,1). O filósofo Boécio no seu tratado da «Consolação da Filosofia» representa o mundo dos prazeres sob a imagem de um velho tirano ao redor do qual não se vê senão tronos desmantelados, cetros despedaçados, coroas quebradas e reis mortos, e não se percebem senão gemidos e lamentos da parte daqueles que este déspota tem enganado. Honras, glórias, riquezas são apenas, de fato, um fumo passageiro. Venturosos os que não se deixam enganar pelas aparências e sabem usufruir de todo o bem que existe e que Deus oferece, sem se entregar, porém, ao que impede de passar um dia pela porta estreita. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.


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