A ENCÍCLICA “LUZ DA FÉ”
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
A publicação pelo Papa Francisco da Encíclica “Luz da Fé” trouxe à baila a análise do estilo de Bento XVI e de seu sucessor. Com efeito, como o próprio Papa Francisco declarou, seu antecessor havia praticamente concluído uma primeira redação de um texto sobre a fé. Entretanto ”na fraternidade de Cristo” ele assumiu o precioso trabalho já escrito, “ajuntando ao texto algumas contribuições ulteriores". Uma dupla assinatura nesta Carta encíclica seria canonicamente impossível. De fato, dois papas não podem ter autoridade para assinar ao mesmo tempo um documento oficial. Quem lê com atenção as páginas da “Lumen Fidei” percebe logo a maneira clássica com que Bento XVI se expressou nas Encíclicas “Caridade na Verdade”, de 29 de junho de 2003; “Salvos pela Esperança”, de 30 de novembro de 2007 e ”Deus é amor”, de 25 de dezembro de 2005. Referências teológicas e literárias que, aliás, incomodam certos articulistas que vivem de comentários sensacionalistas, pontos relevantes didaticamente fixados, ilustrações hauridas na doutrina dos Santos Padres, tudo isto logo revela que a grande parte da redação é de Ratzinger.
O Papa argentino tem outro estilo facilmente reconhecido, ou seja, é objetivo, vivo, direto. Evita dissertações e vai logo ao âmago da questão em tela. Tanto isto é verdade que suas frases sonantes, retumbantes têm repercutido nas manchetes dos jornais do mundo inteiro. O Papa Francisco de preocupa antes de tudo com o “leitmotiv” do assunto e emprega muitas analogias e cita exemplos vivenciais a cada passo. Ele visa a conversão do coração pela ação.
Já Bento XVI reflete longamente no “porque” do tema abordado e baseia suas sentenças em termos bíblicos, explicados de acordo com a exegese dos vocábulos e a hermenêutica dos biblistas. Daí o fato dele recorrer aos pensamentos dos teólogos, dos filósofos, dos literatos, dos historiadores. Seu objetivo é a inteligência da fé.
O certo, porém, é que ambos atingem a meta que é evangelizar, iluminado as mentes dos fiéis e levando-os à adesão total a Cristo. Ainda uma vez vale a assertiva de que “o estilo é o homem”.
Após estes prolegomenos, cumpre salientar alguns pontos luminosos desta primeira Encíclica do Papa Francisco. A fé não é um obscurantismo, nem um salto no vazio. Ao contrario, é uma visão luminosa da existência humana, enriquecendo-a em todas as suas dimensões. Ela aclara os caminhos do futuro e faz crescer em nós as asas da esperança para que se possa percorrê-los com alegria. Envolve então na paz, na imperturbabilidade. A fé, contudo, está ligada à escuta de Deus e pede uma reposta a uma Palavra que interpela pessoalmente cada fiel. Conduz ao que há de mais seguro e firme. Santo Agostinho é lembrado: “O homem é fiel quando ele crê nas promessas que Deus lhe faz; Deus é fiel quando Ele dá ao homem o que Ele promete”. Cumpre, porém, abertura sincera à ação do Ser Supremo e fugir da tentação da incredulidade e do culto aos ídolos propostos pelos descrentes. A fé consiste então “na disponibilidade de se deixar transformar sempre no novo apelo de Deus”. A fé do cristão está centrada em Cristo que veio remir a humanidade, Ele que o Pai ressuscitou dos mortos. Não se pode, realmente, esquecer que “o olhar da fé culmina na hora da Cruz, hora na qual resplandecem a grandeza e a amplidão do amor divino”. Jesus é o apoio sólido da fé do cristão. Através de seu Filho o Pai faz resplandecer a plenitude da vida. Lamenta então o Papa: ”nossa cultura perdeu a percepção desta presença concreta de Deus, de sua ação no mundo”. Jesus, “especialista das coisas de Deus” conduz a uma confiança total no Absoluto. A salvação vem, deste modo, pela fé, quando o cristão a deixa operar em si, fecundando sua vida, plena de bons frutos. Donde ser de vital importância a presença de Cristo no batizado. São Paulo é citado: ”Não sou eu quem vive, mas Cristo é que vive em mim” (Gl 2,20). Doutrina, contudo, o Papa que “a fé tem uma forma necessariamente eclesial, ela se confessa vindo do interior do Corpo de Cristo, como comunhão concreta daqueles que crêem”. A Encíclica ressalta ainda a relação entre a fé e a verdade e o diálogo entre a fé e a razão. Coloca em relevo o papel dos sacramentos na transmissão desta virtude, a qual tem um papel social de incomensurável valor e “oferece uma força de consolação no sofrimento”.
Esta Encíclica oferece um alimento substancioso para dilatar a crença profunda naqueles que buscam chegar um dia à Casa do Pai na eternidade beatífica. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário