TOTAL CONFIANÇA EM DEUS MISERICORDIOSO
Côn. José Geraldo Vidigal de
Carvalho*
A confiança em Deus é fundamental ao cristão, mas
este corre o risco de não atingir o meio termo ao cultivar esta virtude. Há
dois extremos a serem evitados: a presunção e a pusilanimidade. Muitos
confundem a misericórdia divina com a complacência de Deus, como se Ele não se
importasse com os erros cometidos pelo ser humano. São aqueles que cometem
pecados até graves, mas, acobertados por uma falsa fidúcia, ficam com sua
consciência tranquila, porque mal formada e incorretamente informada sobre a
retidão do Ser Supremo. Ousam até comungar não estando em estado de graça,
cometendo assim um horripilo sacrilégio. No seu último livro “O nome de Deus é
misericórdia” o papa Francisco se referiu ao que ele declarara em uma de suas
homilias: “Pecadores, sim. Corruptos, não”. Explicou: “A corrupção é o pecado que,
em vez de ser reconhecido como tal e nos tornar humildes, é transformado em
sistema, torna-se um hábito mental, um modo de viver. Não nos sentimos mais
necessitados de perdão e de misericórdia, mas justificamos a nós mesmos e aos
nossos comportamentos”. Trata-se, de fato, do efeito de um procedimento
presunçoso. Outros, porém, por não conceituarem corretamente a confiança no Senhor
rumam para o desespero. Andam pelos vales sombrios da timidez e vivem receando
pela sua salvação eterna. Estes se esquecem que Deus é Pai e não decodificam os
gestos de bondade de Jesus tão generoso em perdoar como fez com Madalena, a
Mulher adúltera, o Bom Ladrão. Estes deveriam mentalizar o que o Papa Francisco
no seu referido livro declarou: “Misericórdia é a atitude divina que abraça, é
o doar-se de Deus que acolhe, que se dedica a perdoar. Jesus disse que não veio
para os justos, mas para os pecadores. Não veio para os sadios, que não
precisam de médico, mas para os doentes. Por isso, pode-se dizer que a
misericórdia é a carteira de identidade do nosso Deus. Deus de misericórdia,
Deus misericordioso”. Adite-se que segundo os Mestres espirituais os homens são
mais inclinados para a presunção e as mulheres se deixam levar mais pela
pusilanimidade. O justo termo entre estes dois posicionamentos é obtido
evidentemente por um verdadeiro conceito da justiça e da ternura divinas. Deus
perdoa sempre, mas é preciso que alguém ao cometer um desvio ético reconheça
com humildade seu erro e peça o perdão divino. Eis porque o papa Francisco na
citada obra exaltou o papel importantíssimo da Confissão, onde a ferida do
pecado “deve ser curada e medicada”. Entretanto, sem uma convicta fé na
misericórdia de Deus é impossível se chegar a uma absoluta confiança no Pai
celeste. O Pe. Grou, místico do século
XVIII, no seu magnífico livro “Manual das almas interiores”, mostra como obter
a vitória contra o demônio e contra si mesmo como efeito desta adequada
confiança em Deus. É necessário, diz ele, estar atento contra o próprio
julgamento e a própria vontade; crer cada dia no amor de Deus, enfraquecendo
assim o amor próprio; sacrificar os interesses pessoais aos interesses do
Criador; entregar-se inteiramente a Deus, para que o amor próprio dê lugar ao amor
divino. Em síntese, trata-se de viver intensamente o que se reza ao Pai do Céu na
oração que Jesus ensinou: “Seja feita a vossa vontade”. A vontade de um Deus
que é Senhor misericordioso só pode trazer felicidade para os que reconhecem
que Ele é justo e clemente. Deste modo a fidúcia aumenta a certeza na bondade
divina e a misericórdia de Deus inflama na prática desta virtude da confiança.
Tudo isto deve ser meditado e vivido intensamente neste Ano Santo da
Misericórdia. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.
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