A
FACE DE JESUS TRANSFIGURADO
Côn.
José Geraldo Vidigal de Carvalho*
A
Transfiguração é um dos fatos mais marcantes da vida de Cristo (Lc 9,28-36).
Hermeneutas, os fiéis de todas as classes, sobretudo os místicos sempre
procuraram penetrar o âmago deste acontecimento. Este episódio está envolto em
luminosidade, mas também nas sombras dos sofrimentos redentores sobre os quais
Jesus conversou com Moisés e Elias. O episódio ocorrido no Tabor, ainda que
narrado por São Mateus e São Marcos, tem em São Lucas peculiaridades que
merecem especial atenção. Segundo este evangelista se trata de mais um instante
da vida de prece de Jesus. Enquanto Ele
rezava é que se deu a Transfiguração. A prece sempre foi para Cristo o encontro
íntimo com o Pai e ali então se deu a hora da notável diafania, ou seja, uma transparência e luminosidade fundamentais e globais e
os discípulos contemplaram Jesus envolto na sua glória. Foi para Pedro, Tiago e
João uma contemplação antecipada do Mestre Ressuscitado. São Lucas sublinha que
Cristo conversava com o célebre Legislador e um notável Profeta sobre seu
“trânsito”, isto é, sobre sua partida, seu êxodo que ia ocorrer em Jerusalém.
Trata-se da passagem pela morte do Redentor para seu triunfo, resultando a
redenção do gênero humano. Deste modo, a Transfiguração é o ícone e a promessa
da Ressurreição após os sofrimentos do Calvário. Ressalta São Lucas que
“Veio então da nuvem uma voz dizia: “Este é o
meu Filho, o eleito, escutai-o”. Estas palavras confirmavam que Jesus era “o
servidor de Deus” anunciado por Isaías (Is 42,1; 49), o qual devia cumprir sua
missão salvadora até os padecimentos expiadores do Gólgota. Ele o eleito do Pai
e o excluído dos homens. “Escutai-o”, foi a ordem dada vinda do céu e calhava bem
naquela circunstância, dado que, antes de contemplarem Jesus transfigurado,
relatou o evangelista que os três discípulos estavam “oprimidos pelo sono”.
Depois, maravilhado Pedro não mais desejava descer da montanha. Estava agora não
entregue à sonolência, mas ofuscado pela manifestação gloriosa e, assim, bem
longe de captar a mensagem daquele acontecimento. Isto chama a atenção de todos
os seguidores de Cristo através dos tempos, os quais muitas vezes como Pedro,
Tiago e João não percebem o sentido mais profundo do encontro com Cristo e,
desta maneira, em consequência não O escutam. Dá-se uma fé sonolenta, uma
esperança opaca, um débil amor a Deus e ao próximo. Eis porque cumpre viver
intensamente a quaresma para comemorar a Ressurreição não com um deslumbramento
fútil, mas recebendo na glória de Jesus o antídoto para se estar sempre
desperto para as realidades celestes. Isto levará o cristão a entrar na luz
transfigurante da Páscoa do Senhor. A Transfiguração no monte Tabor foi
passageira, mas anunciava a glória definitiva do divino Salvador. glória da
Aliança nova e eterna que deve levar a todos a procurar “as coisas do alto, lá
onde se encontra Cristo, assentado à direita de Deus”. É preciso ir fundo no
mistério da Transfiguração que é iluminação e metamorfose, como lembra Fr.
Jean-Christian Lévêque. Iluminação porque Deus é luz e se fez luz por nós
e, iluminando-nos, nos transfigura na imagem de seu próprio Filho. É que falou
São Paulo aos Coríntios: “Quanto a nós todos que com o rosto descoberto
refletimos como num espelho a glória do Senhor, somos transformados nesta mesma
imagem, cada vez mais fulgida como obra do Senhor, o qual é espírito” (2 Cor 3,
18). Imagem do Eleito transfigurado no Tabor, imagem do Senhor glorificado que
já se acha lá no céu. Imagem de Jesus transfigurado que maravilhou São Pedro e
que deve nos fascinar a vida toda para que possamos dizer com o salmista: “É a
tua Face Senhor que eu procuro; não me ocultes esta tua Face” (Sl 27,8). Pela
contemplação da divindade de Jesus se afasta o medo das cruzes de cada dia e
brilha o esplendor da esperança da vida futura junto dele por toda a
eternidade. Isto, porém, só será possível obedecendo a voz do Pai, escutando
sempre a Cristo, perscrutando suas mensagens nos acontecimentos cotidianos.
Muitos só escutam a voz do consumismo e do prazer imediato. Escutar a Jesus é
tomar permanentemente decisões livres e firmes, para não se deixar escravizar
pelas paixões desordenadas que tornam o ser humano surdo à voz do Eleito do
Pai. *
Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.
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