quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

A IMPORTÂNCIA DA CONVERSÃO

IMPORTÂNCIA DA CONVERSÃO
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*

O cerne da mensagem do Evangelho de hoje são as contundentes palavras de Cristo: “Se não vos converterdes, perecereis todos igualmente” (Lucas 13,5).  Estamos vivendo o Ano da Misericórdia, iniciado dia 8 de dezembro. A misericórdia é dada por Deus como um ato generoso da parte daquele que é o Senhor de tudo. É preciso, porém, da parte de cada um não colocar empecilho à ação da comiseração divina. Daí a necessidade da conversão, ou seja, da volta total, sincera do ser humano para o Criador, abominando os pecados cometidos. Eis as duas realidades que englobam doçura, ou seja, a clemência do Pai celeste e a radicalidade na vida cristão, isto é, a disposição interior de repulsa aos erros. De um lado, o Todo Poderoso que perdoa sempre, de outro o homem se penitencia para se purificar, recebendo a anistia de seus desacertos. Paciente, porque eterno, Deus aguarda a atitude que leva a dar frutos. Na parábola da figueira infrutuosa, Cristo deixou esta mensagem. O vinhateiro disse ao dono do terreno que esperasse um ano antes de cortar a árvore inútil. Ele empregaria todos os meios para fazê-la frutífera. O tempo da quaresma é exatamente para que, após um exame cuidadoso, se possa verificar se a existência pessoal está dando frutos para a eternidade. Tempo favorável de uma metanóia completa mudança de uma mentalidade mundana, para uma adequação total à vontade do Ser Supremo. Trata-se de um salto de vigor, de renovação, de fecundidade espiritual. Para isto cumpre muita humildade, simplicidade, coragem, sinceridade para o trabalho da verdadeira conversão. Este é o caminho da própria redenção a fim de se poder viver plenamente as graças da Páscoa do Senhor. Cristo ressuscitado deseja um espírito inteiramente voltado para Ele. Cumpre um autoexame para que se possa verificar como se acha a própria consciência diante daquele que perscruta o íntimo do coração. Nossa maneira de viver fazendo abstração da conduta do próximo, menos preocupados com a vida alheia, para se concentrar naquilo que Deus quer de cada um. O Evangelho de hoje precisa provocar uma sadia inquietação para reconhecer que há muito que corrigir até o dia da Páscoa. Afastamento de todo torpor espiritual que permita a possibilidade de um completo arrependimento que conduza a uma purificação radical. Precisão de um enriquecimento espiritual será a conclusão daquele que dispuser um pouco de tempo para refletir sobre a importância da penitência quaresmal. Jesus misericordioso está a estender a mão para ajudar o seu seguidor a chegar luminoso ao maior dia do ano que é a data de sua grande vitória sobre a morte. Esta invectiva de Cristo não é para condenar, mas para deixar um rastro de consolação e de luz. Ele quer a libertação de tudo que entrava o progresso nos caminhos da perfeição, incentivando o desejo da verdade do autêntico destino de cada um. Quando hoje Jesus esta a dizer: “Se não vos converterdes, todos vós perecereis”, é porque há um liame profundo entre a desgraça e o pecado. Quando este é afastado, a sentença se modifica: “Se fizerdes penitência todos vós estareis salvos”. Deus não um juiz inexorável que pune e condena e que quer um arrependimento eivado de medo ou de interesses pessoais. Ele deseja uma conversão responsável fruindo da liberdade de cada um que reconhece ser uma catástrofe estar longe j dele. Ele nos criou por amor e para o seu amor. Penitência, conversão, significa então abrir o coração a este seu amor, vivendo inteiramente sua vida. Porque grande é sua dileção Ele urge este processo de revisão espiritual, oferecendo o tempo quaresmal como propício a esta atitude salutar. Converter-se na língua dos judeus que Jesus empregava significa, de fato, “mudar de direção”, como observam os bons intérpretes da Bíblia. Isto significa que todos devemos chegar ao dia da Páscoa tendo traçado novos rumos para nossa vida. Jesus assim se expressou: “Sede perfeitos como o Pai celeste é perfeito” Não colocou assim limite nos esforços nesta caminhada e há sempre de se direcionar a existência dentro deste ideal. Do contrário, se assemelharia à videira estéril. Deus, porém, dá sempre oportunidade para com a correspondência a suas inspirações se tornar uma árvore frutífera. Apenas assim, teremos compreendido o alcance da penitência, da conversão salvadora.* Professor no Seminário de Mariana 40 anos.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

A GRANDEZA DE SÃO JOÃO PAULO II

A GRANDEZA DE SÃO JOÃO PAULO II
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
A figura gigantesca do Papa São João Paulo II marcou o final do século passado e o início do terceiro milênio. Uma atividade hercúlea na evangelização do mundo não apenas pelos seus monumentais pronunciamentos e suas substanciosas encíclicas, mas ainda pelas suas viagens apostólicas. Estas o fizeram um apóstolo Paulo dos tempos modernos, o itinerante pregador do Evangelho. Este Papa pela sua cultura, pela sua santidade existencial, desde os tempos de suas atividades evangelizadoras na Polônia, conquistou não apenas inúmeros admiradores, mas ainda fez grandes amizades, sendo não apenas um mentor intelectual de notáveis personagens, como ainda um Diretor Espiritual inigualável. Por tudo isto, ao vir à tona sua vasta correspondência com a filósofa Ana Maria Tymieniecka, o fato não pode ser analisado superficialmente numa deplorável exploração jornalística. Os escritos de São João Paulo II sobre o sexo revelam sua firmeza ante tudo que se refere ao sexto e nono mandamentos, oferecendo orientações profundas sobre a vivência destes sagrados preceitos da Santa Lei de Deus. Expressões que tenha empregado nas missivas referidas e que podem supor a extrapolação de uma amizade santa não podem ser analisadas com vulgaridade. O gênero epistolar exige muita bagagem cultural do hermeneuta, tanto mais que, como Pastor de Almas, Wojtyla orientava com sabedoria seus confidentes, homens e mulheres, nos seus conflitos existenciais. Adite-se que quer o Papa, quer a citada filósofa eram experts no ramo da Filosofia denominada Fenomenologia, Há necessidade de se penetrar fundo nesta concepção filosófica para, colocando em parêntesis o passado e o futuro, viver intensamente o agora. Isto projeta a voos a espaços que ultrapassam a esfera meramente material. Tanto isto é verdade que muitas vezes as tertúlias entre os citados personagens versavam sobre as realidades divinas numa imersão mística em Deus que, por certo, os elevava a páramos bem longe de injunções terrenas. Aliás, um dos livros da filósofa Tymieniecka tem por epígrafe ”Fenomenologia da Vida”. Este assunto escapa de longe à percepção de muitos jornalistas despreparados. Adite-se que as amizades de São João Paulo II com as mulheres era bem semelhante às que o próprio Cristo teve na sua passagem nesta terra como, por exemplo, ocorreu com Maria Madalena que deixava sua irmã Marta agitada nos afazeres domésticos para escutar o Mestre divino, o qual elas recebiam em sua casa. Que São João Paulo II não teve relação conflitiva com a mulher e o sexo se pode deduzir de todas as suas ações e mesmo do que vem sendo extravasado sobre as aludidas missivas. É de se notar que este Papa perdeu ainda jovem sua mãe a qual faleceu de infarto e ele teve uma irmã que morreu antes de nascer. Estas ausências femininas ele as sublimou numa intensa e fervorosa devoção a Maria. Como poucos ele escreveu sobre a Mãe de Jesus, tendo visitado seus santuários com imensa piedade. Isto impedia uma sublimação conflitiva com as mulheres, pois com templava nelas a “Cheia de Graças”. Segundo um dos biógrafos de São João Paulo II, este Papa “via o feminino como reflexo da Virgem Maria”.  Portanto, é numa ótica muito diferente daquela que os sensacionalistas projetam que se deve interpretar a amizade de São João Paulo II não apenas com a filósofa  Ana Maria Tymieniecka, mas também com outras mulheres. O Papa Francisco abordado, recentemente, pela imprensa precisou declarar abertamente que não é pecado ser amigo de ninguém, seja homem ou mulher. Isto, evidentemente desde que não se ultrapassem os limites da moral bíblica, respeitando a Lei divina. Por tudo isto, fulge ainda uma vez a grandeza de São João Paulo II, baluarte da ortodoxia, exemplo vivo de santidade e temor de Deus, sabedoria que serviu com destemor a expansão do Evangelho. Lá do céu ele proteja a Igreja e a todos os fiéis!* Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.







segunda-feira, 15 de fevereiro de 2016

A FACE DE JESUS TRANSFIGURADO

A FACE DE JESUS TRANSFIGURADO
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*

A Transfiguração é um dos fatos mais marcantes da vida de Cristo (Lc 9,28-36). Hermeneutas, os fiéis de todas as classes, sobretudo os místicos sempre procuraram penetrar o âmago deste acontecimento. Este episódio está envolto em luminosidade, mas também nas sombras dos sofrimentos redentores sobre os quais Jesus conversou com Moisés e Elias. O episódio ocorrido no Tabor, ainda que narrado por São Mateus e São Marcos, tem em São Lucas peculiaridades que merecem especial atenção. Segundo este evangelista se trata de mais um instante da vida de prece de Jesus.  Enquanto Ele rezava é que se deu a Transfiguração. A prece sempre foi para Cristo o encontro íntimo com o Pai e ali então se deu a hora da notável diafania, ou seja, uma transparência e luminosidade fundamentais e globais e os discípulos contemplaram Jesus envolto na sua glória. Foi para Pedro, Tiago e João uma contemplação antecipada do Mestre Ressuscitado. São Lucas sublinha que Cristo conversava com o célebre Legislador e um notável Profeta sobre seu “trânsito”, isto é, sobre sua partida, seu êxodo que ia ocorrer em Jerusalém. Trata-se da passagem pela morte do Redentor para seu triunfo, resultando a redenção do gênero humano. Deste modo, a Transfiguração é o ícone e a promessa da Ressurreição após os sofrimentos do Calvário. Ressalta São Lucas que “Veio então da nuvem uma voz dizia: “Este é o meu Filho, o eleito, escutai-o”. Estas palavras confirmavam que Jesus era “o servidor de Deus” anunciado por Isaías (Is 42,1; 49), o qual devia cumprir sua missão salvadora até os padecimentos expiadores do Gólgota. Ele o eleito do Pai e o excluído dos homens. “Escutai-o”, foi a ordem dada vinda do céu e calhava bem naquela circunstância, dado que, antes de contemplarem Jesus transfigurado, relatou o evangelista que os três discípulos estavam “oprimidos pelo sono”. Depois, maravilhado Pedro não mais desejava descer da montanha. Estava agora não entregue à sonolência, mas ofuscado pela manifestação gloriosa e, assim, bem longe de captar a mensagem daquele acontecimento. Isto chama a atenção de todos os seguidores de Cristo através dos tempos, os quais muitas vezes como Pedro, Tiago e João não percebem o sentido mais profundo do encontro com Cristo e, desta maneira, em consequência não O escutam. Dá-se uma fé sonolenta, uma esperança opaca, um débil amor a Deus e ao próximo. Eis porque cumpre viver intensamente a quaresma para comemorar a Ressurreição não com um deslumbramento fútil, mas recebendo na glória de Jesus o antídoto para se estar sempre desperto para as realidades celestes. Isto levará o cristão a entrar na luz transfigurante da Páscoa do Senhor. A Transfiguração no monte Tabor foi passageira, mas anunciava a glória definitiva do divino Salvador. glória da Aliança nova e eterna que deve levar a todos a procurar “as coisas do alto, lá onde se encontra Cristo, assentado à direita de Deus”. É preciso ir fundo no mistério da Transfiguração que é iluminação e metamorfose, como lembra Fr. Jean-Christian Lévêque. Iluminação porque Deus é luz e se fez luz por nós e, iluminando-nos, nos transfigura na imagem de seu próprio Filho. É que falou São Paulo aos Coríntios: “Quanto a nós todos que com o rosto descoberto refletimos como num espelho a glória do Senhor, somos transformados nesta mesma imagem, cada vez mais fulgida como obra do Senhor, o qual é espírito” (2 Cor 3, 18). Imagem do Eleito transfigurado no Tabor, imagem do Senhor glorificado que já se acha lá no céu. Imagem de Jesus transfigurado que maravilhou São Pedro e que deve nos fascinar a vida toda para que possamos dizer com o salmista: “É a tua Face Senhor que eu procuro; não me ocultes esta tua Face” (Sl 27,8). Pela contemplação da divindade de Jesus se afasta o medo das cruzes de cada dia e brilha o esplendor da esperança da vida futura junto dele por toda a eternidade. Isto, porém, só será possível obedecendo a voz do Pai, escutando sempre a Cristo, perscrutando suas mensagens nos acontecimentos cotidianos. Muitos só escutam a voz do consumismo e do prazer imediato. Escutar a Jesus é tomar permanentemente decisões livres e firmes, para não se deixar escravizar pelas paixões desordenadas que tornam o ser humano surdo à voz do Eleito do Pai. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

ONDAS GRAVITACIONAIS

ONDAS GRAVITACIONAIS, O TEMPO E A ETERNIDADE.
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*

O fato dos cientistas terem detectado as ondas gravitacionais previstas por Einstein em 1915 vem suscitando inúmeras especulações.  Trata-se de um campo inteiramente novo da astrofísica e “esse novo olhar sobre a vastidão celeste vai aprofundar nossa compreensão do cosmos e levar a descobertas inesperadas”, segundo France Cordova, Diretora da Fundação Nacional Americana de Ciências. No que tange à Teologia e a Filosofia, volta à baila a questão da criação do mundo por Deus. Para quem tem fé a Bíblia não deixa dúvidas sobre a imanência e a transcendência do Criador de tudo. Lemos nos Atos dos Apóstolos: “Nele vivemos, e nos movemos, e existimos” (Atos 17,27). Como mostra a Filosofia, a imanência do mundo em Deus e de Deus no mundo não suprime, porém, sua transcendência, antes, necessariamente, a inclui. A supramundanidade de Deus, cuja grandeza infinita sobrepuja, de maneira inexprimível, o mundo e tudo quanto é finito, limitado, contingente está unida à imanência igualmente incomparável.  Deus é presente a todos os tempos e coisas na medida em que as conserva. Não haverá nunca nenhuma descoberta científica que venha a provar a não existência do Ser Supremo. O salmista proclamou: “Os céus declaram a glória de Deus e o firmamento anuncia a obra das suas mãos” (Sl 19,1). O homem, como muito bem se expressou Bossuet, “foi colocado à frente da natureza visível para ser o adorador da Natureza Invisível”.  Através da oração, que é “a elevação da alma a Deus”, o ser racional entra em contato com Ele. Os grandes místicos através de uma experiência espiritual acendrada já neste mundo tiveram uma extraordinária relação com a divindade, como ocorreu com São João da Cruz, Santa Tereza de Ávila. No tempo degustaram um pouco da vida eterna. Eternidade, como a definiu Boécio, ou seja, “posse total, simultânea e perfeita de uma vida interminável” só convém ao Ser Supremo. Este na sua bondade infinita faz aqueles que O amaram e serviram neste mundo, participar para sempre da perene ventura na Casa do Pai celeste. Até lá ondas gravitacionais espirituais percorrem o mundo através daqueles que vivem em união com Deus. Bem se expressou Elizabeth Leseur: “Uma alma que se eleva, eleva o mundo inteiro”. Além disto, ondas gravitacionais espirituais unem todos os fiéis na admirável Comunhão dos Santos. São ondas que ultrapassam o tempo e penetram na eternidade. A Liturgia firma esta verdade no Prefácio da Missa, dizendo que por Jesus Cristo “os anjos celebram a grandeza divina os santos proclamam Sua glória” e pede: “Concedei-nos também a nós associar-nos a seus louvores dizendo a uma só voz: Santo, Santo, santo, Senhor Deus do universo. O céu e a terra proclamam a vossa glória”. Pela prece quem tem fé ultrapassa o espaço-tempo num louvor universal e na mais perfeita união entre a Igreja que caminha no tempo e a Igreja triunfante já na eternidade. Deste modo, pode irradiar plenamente por toda parte ondas de felicidade e compreensão. “Realiza tudo que se solicita na prece de São Francisco:” Senhor, fazei-me instrumento de vossa paz. Onde houver ódio, que eu leve o amor; onde houver ofensa, que eu leve o perdão; onde houver discórdia, que eu leve a união; onde houver dúvida, que eu leve a fé; onde houver erro, que eu leve a verdade; onde houver desespero, que eu leve a esperança; onde houver tristeza, que eu leve a alegria; onde houver trevas, que eu leve a luz. Ó Mestre, fazei que eu procure mais consolar, que ser consolado; compreender, que ser compreendido; amar, que ser amado. Pois é dando que se recebe, é perdoando que se é perdoado, e é morrendo que se vive para a vida eterna. Ondas gravitacionais espirituais percorrem então toda a terra. São milhares que fazem esta oração, tantas vezes cantada com unção nas Igrejas, nas reuniões comunitárias. É por tudo isto que se deve olhar um mundo cheio de misérias, mas também envolto em tanta luminosidade, tanto é verdade que o bem é muito mais forte e superior do que o mal. Que todo cristão se conscientize de sua sublime missão nesta terra, pois se Ele está unido a Deus tem fatalmente o mundo nas mãos. Da oração de São Patrício este precioso trecho: “Hoje eu me revestirei da força do amor dos serafins, da obediência dos anjos, do serviço dos arcanjos, da esperança da ressurreição em vista da recompensa graças às preces dos patriarcas, das profecias dos profetas, da pregação dos apóstolos, da fidelidade dos confessores, da inocência das virgens santas, das ações de todos os justos”. É a referida admirável Comunhão dos Santos lançando vagas gravitacionais espirituais na terra, no céu e por toda parte!* Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos. 

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

A SABEDORIA DO PAPA FRANCISCO

A SABEDORIA DO PAPA FRANCISCO
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*

A teologia do Papa Francisco se distingue pelo seu caráter eminentemente pastoral. Como bem ressaltou o Pe. João Batista Libânio, Francisco prefere “o discurso direto, próximo das pessoas e procura  tocá-las pela transparência da presença e por uma linguagem  simples, acessível com toque pessoal e afetivo”. O livro “O nome de Deus é misericórdia” recentemente publicado confirma inteiramente esta assertiva. É que, quando alguém percorre as veredas divinas e se deixa guiar pelo Espírito de Deus pode chegar a tal grau de discernimento e entendimento das verdades reveladas que, passa a saborear o que é espiritual. Passa então a transmitir aos outros esta sabedoria. Aliás, o Papa assim esclarece porque lhe veio o desejo de realizar um Jubileu da Misericórdia: “As coisas me ocorrem espontaneamente, são coisas do Senhor, cultivadas na oração”.  A leitura da referida obra é acessível a todos os fiéis, apresentando, porém, uma doutrina em nível dos mais eminentes teólogos. O papa decodificou maravilhosamente o tema da misericórdia divina e lançou uma frase lapidar: “A misericórdia é a carteira de identidade do nosso Deus. Deus de misericórdia, Deus misericordioso”. Explica então que “a misericórdia está profundamente ligada à fidelidade de Deus”. Como, porém, “o pecado é uma ferida, que deve ser curada, medicada”, Francisco relembra a importância do Confessionário onde se dá “o encontro com a misericórdia” O padre “naquele momento é o canal da graça” que toca e que cura. Acrescenta: “O simples fato de uma pessoa procurar o confessionário indica já um início de arrependimento, ainda que não consciente”. Alerta então: ”Temos de sentir a nossa necessidade, o nosso vazio, a nossa miséria”. Faz ver então que a Igreja é chamada a transmitir a misericórdia a “todos os que se reconhecem pecadores, responsáveis pelo mal praticado, que se sentem necessitados de perdão”. A Igreja, acentua o Papa, não está no mundo para condenar, mas para permitir o encontro com aquele amor visceral que é a misericórdia de Deus”. Num instante de pulcra inspiração, Francisco lembra que “a tarefa da Igreja é fazer com que as pessoas percebam que não existem situações das quais não podem se reerguer, pois enquanto estivermos vivos é sempre possível recomeçar, se permitirmos que Jesus nos abrace e nos perdoe”. Donde uma sentença luminosa que todos deveriam mentalizar: “Somos criaturas amadas por Deus, destinatárias do seu infinito amor”. Um capítulo deste livro é impressionante: “Pecadores, sim. Corruptos, não!” A elucidação desta verdade é clara, pois “corrupção é o pecado que, em vez de ser reconhecido como tal e de nos tornar humildes, é transformado em sistema, torna-se um hábito mental, um modo de viver [...] O pecador arrependido, que depois cai e recai no pecado por causa de sua fraqueza, encontra novamente perdão, desde que se reconheça necessitado de misericórdia. O corrupto, ao contrário, é aquele que peca e não se arrepende, aquele que peca e finge ser cristão, e com sua vida dupla provoca escândalo”. Diz ainda o Papa que o corrupto “passa a vida buscando os atalhos do oportunismo, ao preço de sua própria dignidade e da dignidade dos ouros”. Francisco clama assim por uma sincera conversão e lembra que “na vida podemos nos enganar, mas o importante é sempre reerguer”. Como um autêntico mestre, o Papa ensina que há uma diferença entre a misericórdia que é divina e a compaixão que “tem um rosto mais humano. Significa sofrer com, sofrer juntos, não permanecer indiferente à dor e ao sofrimento alheio”. Jesus misericordioso “viu uma grande multidão e encheu-se de compaixão por eles, porque eram como ovelhas que não têm pastor” (Mc 6,4). Conclui então Francisco: “É desta compaixão que precisamos hoje, para vencer a globalização da indiferença”. No último capítulo o Papa dá as diretrizes para que se viva o Jubileu da Misericórdia. Vale a pena ler e reler integralmente este livro do atual Pontífice para se mergulhar na clemência divina e haurir as graças do indulto do Pai misericordioso. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos. 

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

VENCER SATANÁS COMO JESUS

VENCER SATANÁS COMO JESUS 
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
As tentações de Jesus no deserto correspondem às vulnerabilidades e fragilidades humanas (Lc 4,1-13).A resistência  aos impulsos do demônio, porém,  desenvolve bons hábitos na vida do cristão. Jesus, enquanto homem, foi tentado pelo diabo, dando a seus seguidores exemplo de como triunfar das insinuações do maligno. Note-se de plano que o Espírito Santo conduziu Jesus ao deserto e não às investidas satânicas. Satanás, porém, se utilizou de um instante de fadiga de Cristo, após quarenta dias de jejum,  para O tentar. Na narrativa de São Lucas as três tentações foram a prova culminante, mas intensa, que o Redentor suportou na solidão desértica.  Na primeira tentação Jesus responde ao tentador sem negar a dependência humana ao alimento, mas colocando a vida humana numa perspectiva de equilíbrio: “Nem só de pão vive o homem”. A mensagem é evidente, ou seja, os seguidores de Cristo não devem se escravizar às coisas terrenas, numa dependência humilhante. Do contrário, se abre o caminho para inúmeros outros desvios morais e o cristão sucumbe ao mal.  Na segunda tentação a ousadia de satanás é imensa, pois se trata da adoração do próprio diabo num desprezo total a Deus e a sua santíssima vontade. Cabe ao discípulo  de Jesus escutar e simplesmente crer no que o Senhor Onipotente e Único revelou. Isto não obstante as dúvidas que possam surgir por causa das trevas dos erros. Quem tem fé arraigada sabe que é a providência divina quem governa o céu e a terra e seria uma petulância por parte do ser humano trazer Deus a seu tribunal para depois adorar as forças malignas.  Na terceira tentação satanás quis levar a Jesus, também enquanto homem, a não acreditar no amor do Pai. O divino Salvador, contudo, repeliu também esta insinuação de maneira peremptória: “Não tentarás o Senhor teu Deus”. Quantas vezes, o espírito maligno leva o cristão a vacilar, descrendo da imensa dileção do Ser Supremo para com suas criaturas, apesar da maior prova de amor que foi o sacrifício salvífico de seu Filho, bem amado.  Lá no deserto, satanás derrotado, retirou-se. É de se notar que, segundo São Lucas, o diabo se afastou “até certo tempo”, porque  ele voltaria antes da paixão e morte de Jesus (Lc 22,3.31-32.53). Cristo convida a todos que lhe são fiéis  a sempre resistir e triunfar sobre o espírito maligno, Ele que ensinou a pedir a Deus: “Não nos deixeis cair em tentação”. Faz parte da maturidade espiritual de cada um esta resistência ao inimigo.  Este vem com inúmeras sugestões perversas, como o desejo de possuir bens materiais em excesso, colocando o destempero da gula como prioridade na própria vida; cultuando satanás nas perversidades dos meios de comunicação social; na aprovação dos crimes mais hediondos, enfim no desprezo dos sagrados mandamentos da Lei divina. Muitos ao se expor às ocasiões de pecado atraem o poder do demônio e caem fatalmente nas suas garras. Jesus estava no deserto, ou seja, quarenta dias em preces e penitência.  Durante sua vida nesta terra o cristão precisa encontrar momentos para estar em comunicação com Deus longe do bulício do mundo.  É o momento de uma tertúlia na qual cada um se põe a refletir sobre o sentido de sua vida, o significado das provações, das cruzes de cada hora. Então as fraquezas, os sofrimentos unem mais intimamente o ser humano com seu Criador e o homem pode perceber a infinita ternura daquele que leva a superar todas as dificuldades. Brilha a confiança na graça e com ela todas as tentações são afastadas. O cristão percebe então que o próprio Cristo está a seu lado e não o deixará desfalecer.  Ele guiará nos caminhos da justiça, do amor e da paz. A quaresma se transforma deste modo num momento de revigoramento espiritual, de correção para se atingir a uma existência mais perfeita. Horizontes infinitos se abrem, porque cada um se lembra de sua vocação rumo a uma conversão contínua e, sobretudo, fica cônscio de sua dignifade de filho de Deus. Desta maneira há uma verdadeira participação na vitória de Cristo sobre  satanás e o fiel passa a gozar da verdadeira liberdade longe das ciladas do inimigo* Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.               



sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

TOTAL CONFIANÇA EM DEUS MISERICORDIOSO

TOTAL CONFIANÇA EM DEUS MISERICORDIOSO
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*

A confiança em Deus é fundamental ao cristão, mas este corre o risco de não atingir o meio termo ao cultivar esta virtude. Há dois extremos a serem evitados: a presunção e a pusilanimidade. Muitos confundem a misericórdia divina com a complacência de Deus, como se Ele não se importasse com os erros cometidos pelo ser humano. São aqueles que cometem pecados até graves, mas, acobertados por uma falsa fidúcia, ficam com sua consciência tranquila, porque mal formada e incorretamente informada sobre a retidão do Ser Supremo. Ousam até comungar não estando em estado de graça, cometendo assim um horripilo sacrilégio.  No seu último livro “O nome de Deus é misericórdia” o papa Francisco se referiu ao que ele declarara em uma de suas homilias: “Pecadores, sim. Corruptos, não”. Explicou: “A corrupção é o pecado que, em vez de ser reconhecido como tal e nos tornar humildes, é transformado em sistema, torna-se um hábito mental, um modo de viver. Não nos sentimos mais necessitados de perdão e de misericórdia, mas justificamos a nós mesmos e aos nossos comportamentos”. Trata-se, de fato, do efeito de um procedimento presunçoso. Outros, porém, por não conceituarem corretamente a confiança no Senhor rumam para o desespero. Andam pelos vales sombrios da timidez e vivem receando pela sua salvação eterna. Estes se esquecem que Deus é Pai e não decodificam os gestos de bondade de Jesus tão generoso em perdoar como fez com Madalena, a Mulher adúltera, o Bom Ladrão. Estes deveriam mentalizar o que o Papa Francisco no seu referido livro declarou: “Misericórdia é a atitude divina que abraça, é o doar-se de Deus que acolhe, que se dedica a perdoar. Jesus disse que não veio para os justos, mas para os pecadores. Não veio para os sadios, que não precisam de médico, mas para os doentes. Por isso, pode-se dizer que a misericórdia é a carteira de identidade do nosso Deus. Deus de misericórdia, Deus misericordioso”. Adite-se que segundo os Mestres espirituais os homens são mais inclinados para a presunção e as mulheres se deixam levar mais pela pusilanimidade. O justo termo entre estes dois posicionamentos é obtido evidentemente por um verdadeiro conceito da justiça e da ternura divinas. Deus perdoa sempre, mas é preciso que alguém ao cometer um desvio ético reconheça com humildade seu erro e peça o perdão divino. Eis porque o papa Francisco na citada obra exaltou o papel importantíssimo da Confissão, onde a ferida do pecado “deve ser curada e medicada”. Entretanto, sem uma convicta fé na misericórdia de Deus é impossível se chegar a uma absoluta confiança no Pai celeste.  O Pe. Grou, místico do século XVIII, no seu magnífico livro “Manual das almas interiores”, mostra como obter a vitória contra o demônio e contra si mesmo como efeito desta adequada confiança em Deus. É necessário, diz ele, estar atento contra o próprio julgamento e a própria vontade; crer cada dia no amor de Deus, enfraquecendo assim o amor próprio; sacrificar os interesses pessoais aos interesses do Criador; entregar-se inteiramente a Deus, para que o amor próprio dê lugar ao amor divino. Em síntese, trata-se de viver intensamente o que se reza ao Pai do Céu na oração que Jesus ensinou: “Seja feita a vossa vontade”. A vontade de um Deus que é Senhor misericordioso só pode trazer felicidade para os que reconhecem que Ele é justo e clemente. Deste modo a fidúcia aumenta a certeza na bondade divina e a misericórdia de Deus inflama na prática desta virtude da confiança. Tudo isto deve ser meditado e vivido intensamente neste Ano Santo da Misericórdia. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

VITA MUTATUR NON TOLLITUR

VITA MUTATA, NON TOLLITUR –
A VIDA NÃO É TIRADA, MAS APENAS TRANSFORMADA.  

ORAÇÃO FÚNEBRE PROFERIDA PELO CÕNEGO JOSÉ GERALDO VIDIGAL DE CARVALHO NA MISSA DE CORPO PRESENTE DE LÉA MARIA ARAÚJO DE OSÓRIO, NO SANTUÁRIO SANTA RITA DE CÁSSIA, DIA 26 DE JANEIRO DE 2016.

Pesa sobre nós a separação de alguém que muito amamos.
 Desapareceu de nosso meio a estimada Léa Maria Araújo de Osório, filha de Maria de Carvalho Araújo, Da. Naná, e do Dr. Octávio Silva Araújo, deixando com sua sentida ausência o vazio de uma presença que a todos trazia real alegria, esfuziante otimismo. Seu sorriso, que expressava a nobreza de sua alma, há de ser sempre lembrado por todos que a conheceram.
Em hora de tanta dor e pesar tão grande, nesta Santa Missa de Corpo Presente, na qual sufragamos sua piedosa alma, é bem que recordemos seu falecimento nesta celebração litúrgica, porque é verídica a célebre expressão de Bossuet, célebre pelas suas Orações Fúnebres: “Ó morte, nós te damos graças pelas luzes que esparges sobre nossa ignorância. Tu somente nos convences de nossa fraqueza e nos fazes conhecer nossa dignidade” (1).

                     UMA CRISTÃ EXEMPLAR

O último mês de sua existência a paciência de Léa Maria fez aflorar em plenitude a grandeza de um coração do qual já se admiravam qualidades raras, sobretudo uma bondade irradiante, uma tranquilidade inalterável, que cativavam quantos dela se aproximavam, cercada pelos carinhos de seus entes queridos.
Espírito profundamente religioso, era uma cristã exemplar;
Devotíssima de Nossa Senhora, cujo nome ostentava com santo orgulho, viu firmada sua devoção à Mãe de Deus na Escola Normal “Nossa Senhora do Carmo”, onde estudou. Rezava diariamente o Terço e não terminava o dia sem fazer suas Orações no seu Devocionário Particular.
São Paulo era o santo de sua predileção e eis que ela veio a falecer no dia 25 de janeiro, tendo morado 30 anos no Estado e na Cidade de São Paulo e será hoje sepultada nesta data dedicada a Timóteo e Tito, dois notáveis epígonos do Apóstolo das Gentes, sendo suas exéquias nesta Paróquia de Santa Rita de Cássia, cujo Pároco se chama Paulo.
Léa Maria foi professora no Patronato Agrícola “Arthur Bernardes”, que depois foi incorporado à Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor - FUNABEM. Exerceu também o cargo de funcionária do Ministério da Educação e Cultura – MEC em São Paulo, onde vivia há mais de 30 anos.
Era casada com o Engenheiro peruano Rolo Sabino Osório Bryson, formado aqui na Universidade Federal de Viçosa. Foram morar em Cuzco, no Peru, onde viveu até sua primeira gravidez.
De volta ao Brasil residiram em Itajubá, onde nasceu sua segunda filha.
Tiveram duas filhas inteligetíssimas, Mônica que é Executiva em São Paulo, casada com o Engenheiro Sidney Chaves e Célika, arquiteta, esposa do diplomata César Bonamigo, pais de Otávio, que recebeu este nome em homenagem ao avô.
Léa Maria ficou viúva em 2011, depois de 45 anos de uma união feliz, na qual viveu plenamente com seu marido a grandeza do Sacramento do Matrimônio.
Léa Maria sempre foi conhecida por sua serenidade, amabilidade e religiosidade.
Por onde passava, no Brasil e em outros países que visitou, como na Índia, nos Estados Unidos, a todos encantava com sua delicadeza e generosidade. Fluía de seu coração uma espiritualidade contagiante.      
Tudo isto fruto de sua fé profunda. A fé é a base adamantina de toda a grandeza humana, condição primordial e possantima da genuína nobreza do ser racional.

           PRECES ESPECIAIS

Por entre tantas manifestações de pesar, preces especiais são feitas pela alma de Léa Maria, sobretudo, nesta Missa, celebrada pelo seu irmão Pe. José Eudes de Carvalho Araújo e concelebrada por sete outros sacerdotes2.
 Desde a mais remota antiguidade cristã, foi oferecido o Santo Sacrifício da Missa em sufrágio das almas.
Registre-se, porém, que unido sempre a suas ovelhas, D. Geraldo Lyrio Rocha, o estimado Arcebispo de Mariana, comunicou ao Pároco Pe. Paulo Dionê Quintão que está em união com toda a família enlutada. Não podendo o estimado Pastor se achar presente aqui, por motivo de força maior, celebrará, também ele, pela alma desta cujo falecimento pranteamos.
  Adite-se que a Oração Eucarística das Missas oferece sempre a todos muito conforto, pois nunca, após a sua saída deste mundo, o fiel que deixou esta terra ficará sem as poderosas preces da Igreja.
 Enquanto uma Missa for celebrada, se pedirá sempre ao Pai que se lembre de todos os que adormeceram na paz de Cristo, de todos os falecidos, cuja fé só Ele conhece, acolhendo-os na luz de Sua face e concedendo-lhes, no dia da ressurreição, a plenitude da vida.




CRISTO, E SOMENTE ELE, PODIA NOS DAR O SIGNIFICADO DA
                                               MORTE

Ao vir a este mundo o ser racional inicia também sua viagem para deixar um dia esta terra num venturoso retorno para Deus.
         É esta volta feliz para junto do Criador que gera esta certeza de que somente depois da morte é que há luz, descanso, recompensa, gozo, a ventura sem fel. É lá no reino do Pai que impera a justiça para sempre. Lá, sim, a colheita abundante dos atos virtuosos. Na visão beatífica uma alegria sem fim. O homem anoitece no sepulcro para amanhecer numa eternidade feliz, se ele soube, como Léa Maria, esposa fiel, sábia mãe, cristã sem jaça, viver em função das realidades eternas.
         A morte não derrota o cristão verdadeiro, mas, pelo contrário, é sua vitória, pois ela abre uma porta para uma existência ditosa junto do Ser Supremo.
Para além da sepultura horizontes luzentes se estendem.
Em momento de tanta dor, essa doutrina bíblica tão sublime conforta e alivia. É lenitivo e bálsamo.
A morte é, de fato, a lúcida aurora da eterna vida. Para os justos, os bons, conduz ao trono da glória. É o suave sono que à dor sucede, do qual se desperta no Éden do Senhor.
Hoje aqui no Santuário Santa Rita damos a Léa Maria o último adeus em nome de todos que a admiravam e  que nos raptos da gratidão continuaremos a exaltar porque vimos na sua existência cinzelados os timbres primaciais dos seguidores de Cristo, filigranados os florões mais primorosos das virtudes contidas no Evangelho.
Nós nascemos para morrer, mas morremos para viver eternamente junto de Deus. Não encerram as tábuas de uma urna o fim da existência humana, nem as lousas de um túmulo o destino final da criatura.
Ao chegar aos extremos limites de sua carreira nesta terra, a criatura não se assemelha, de fato, a uma árvore tombada, sem vida. Sua alma imortal sobe ao encontro de seu Criador.
 Se o ser racional foi temente a Deus, como Léa Maria, ascende a receber o prêmio de seus méritos.
Ela já se encontrou lá no céu com seus pais, irmãos, parentes e amigos e junto do trono de Deus há de interceder por todos nós. É a maravilhosa a Comunhão dos Santos - Communio Sanctorum, união espiritual de todos os cristãos vivos e mortos.
Como ensinou o Papa Francisco, "trata-se de uma verdade entre as mais consoladoras da nossa fé, pois nos recorda que não estamos sozinhos, mas existe uma comunhão de vida entre todos aqueles que pertencem a Cristo". Disse ainda o Papa,  que "a comunhão dos santos vai além da vida terrena, vai além da morte e dura para sempre" [...] "Todos os batizados aqui na terra, as almas do Purgatório e todos os beatos que estão já no Paraíso formam uma só grande família. Esta comunhão entre terra e céu se realiza especialmente na oração de intercessão"3
Ressoam, ainda, consoladoras, nesta hora de dor, as palavras vibrantes do Mestre divino: “Eu sou a ressurreição e a vida; o que crê em mim ainda que esteja morto, viverá...” (Jo 11,25).  “Eu sou o pão vivo que desci do céu. Se alguém comer deste pão viverá eternamente (Jo 6,21)”.
Repercute, repleta de conforto, a afirmativa luminosa da Liturgia Sagrada: “... a vossos fiéis, Senhor, a vida não é tirada, apenas transformada - vita mutatur, non tollitur4.
.        Até a vinda de Cristo a este mundo, mestres religiosos, filósofos, todos aqueles que se entregaram, a uma reflexão mais profunda sobre si mesmos pararam quedos e confusos ante a morte, muitos desviando-se de seu semblante austero.
         Grande enigma para Sócrates, Platão e Aristóteles!
Ananda o famoso discípulo de Buda indagou deste o que pensar do além e nenhuma esperança fagueira lhe foi dada pelo mestre.
No Calvário, porém, novo destino, e para sempre, foi anunciado para a humanidade.
  Sina sublime a do ser racional, pois ele caminha nesta terra rumo à casa do Pai.
Que consoladora verdade diante da inexorabilidade da morte!
Após a destruição desta mansão terrena esperamos no paraíso uma morada eterna.
Nos termos desta misteriosa troca, que a fé ilumina com divina claridade, contemplamos a alma sempre a viver e, finalmente também o corpo que ressuscitará glorioso na volta triunfante de Cristo a este mundo.
Tudo isto porque cremos na vida eterna!




 Notas
1 Bossuet, Sermon sur la mort in Oraisons Funèbres et Sermons,
         Tomo I, Paris.  Librairie Larousse, 1949, p. 10
2 Pe. Paulo Dionê Quintão, Pároco da Paróquia de Santa Rita de Cássia; Mons.
Osmar Raimundo Mateus, Vigário Geral de Itabuna na Bahia;  Pe. Roberto  Francisco de Rezende, da diocese de Petrópolis; Pe. Walter Jorge Pinto, Pároco da Paróquia de São João Batista; Côn. Lauro Sérgio Versiani Barbosa, Pároco da Paróquia de Nossa Senhora de Fátima; Pe. Tiago da Silva Gomes e Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho, da Paróquia de Santa Rita de Cássia. Presente também nesta Missa o Diácono Luiz Carlos Lopes.

3  PAPA FRANCISCO AUDIÊNCIA GERAL Praça de São Pedro,  Quarta-feira,          30 de Outubro de 2013.  Copyright - Libreria Editrice Vaticana
4  Prefácio da Missa dos fiéis falecidos.

















PESCADORES DE HOMENS

SCADORES DE HOMENS 
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Dentre as lições que a pesca milagrosa que se deu no lago de Genezaré apresenta, cumpre, em primeiro lugar, salientar que Simão Pedro e seus companheiros simbolizam bem o apostolado no grêmio da Igreja (Lc r,1-11). Os apóstolos seriam pescadores de almas. No episódio em tela aqueles homens experientes num mister que lhes era familiar nada tinham conseguido, apesar de seus ingentes esforços. Jesus, após ensina do barco as multidões, orienta-aqueles pescadores  e uma prodigiosa pesca se deu então. As redes já não podiam ser tiradas devido à grande quantidade de peixes. Aquelas redes representavam bem a pregação do Evangelho e os peixes a universalidade dos fiéis. Entretanto, sem a graça de Cristo nada, de fato, se consegue. Houve uma obediência à ordem recebida, pois lançaram as redes para a pesca  e o sucesso foi absoluto. Por vezes, não se compreende bem o plano divino da salvação e as tarefas podem parecer impossíveis. Entretanto, todas as vezes que a voz de Cristo é escutada e seguida, sua graça age maravilhosamente na vida do cristão e na trajetória da Igreja neste mundo. Isto significa que na obra da evangelização não se deve contar nunca com a capacidade pessoal, mas é preciso sempre a ajuda divina.  Os limites da inteligência humana são inegáveis e muitos desanimam, pois não confiam inteiramente na proteção do Mestre poderoso. A colaboração de Jesus é, aliás, indispensável quer na vida espiritual, quer na vida profissional. O ideal de todo batizado é que a vida material seja sempre uma expressão de sua vida espiritual, porque em qualquer circunstância se está sempre a serviço dos outros e quem vê no próximo a figura de Cristo cresce sempre em todo sentido.  O essencial neste episódio da pesca milagrosa não é que os apóstolos estivessem a pescar para vender peixe e se alimentar. O fundamental neste caso foi que o Senhor os reencontra no cerne mesmo de sua ação, de seu trabalho, de seu ofício. É de se notar que Jesus quer que cada um se lance à sua tarefa cotidiana, mas Ele deseja vir igualmente se associar ao trabalho de cada um. Foi quando Ele se faz reconhecer pelos apóstolos. Felizes aqueles que captam as sugestões do sábio Rabi, se deixam guiar por elas e são capazes de reconhecer o influxo da graça nas suas ações. Esta atitude de perceber o Senhor no labor cotidiano faz subitamente alargar a atividade de cada um a dimensões quase infinitas. Uma vez que há o esforço humano, a ação da graça vai sempre operar maravilhas. Quando oferecemos qualquer coisa ao Senhor, na medida em que nós O agradamos, é Ele quem se torna o doador que retribui cem por um. Toda a vida do cristão pode ser concebida como a repetição e uma extrapolação da cena da pesca milagrosa. Participando pelo batismo do múnus sacerdotal, profético e régio do Redentor, quem é batizado vai à pesca. Trabalha com a certeza de agir por Deus e para pescar almas para o céu. Os planos humanos se tornam então realizações maravilhosas das graças de Deus que operam prodígios, afervorando os bons, iluminando os tíbios, convertendo os pecadores.  È Jesus agindo sempre através de seu epígono, multiplicando os seus carismas. A vida do cristão se torna deste modo um dom contínuo para glória de Deus e bem das almas. Tudo isto fruto da experiência da fidelidade de Jesus que nunca abandona os que nele confiam. Felizes os que apreendem Sua influência ainda que escondida aos olhos humanos atrás das situações dolorosas e incompreensíveis. São os que têm sempre os corações fixos em Jesus, Ele presente em todos os momentos da existência do cristão. Então, quando as redes da palavra, dos exemplos, até mesmo das preces, parecem vazias, quando as iniciativas evangélicas enfrentam dificuldades e suscitam decepções, Jesus surge, desde que não se desanime e se continue a lançar as redes. Os aparentes fracassos humanos fazem compreender melhor que é o Mestre, o Salvador, aquele que realmente pode fazer frutificar qualquer tipo de apostolado. É ele quem transforma os corações. O que Ele deseja é que jamais não se desestimule. A pesca milagrosa, o resultado de todos os esforços depende somente dele. Por tudo isto, a cena da pesca milagrosa traz mensagem fulgurante de esperança. É preciso perseverar, ser humildes no trabalho da evangelização e não duvidar nunca da ajuda divina. Jesus transformou pescadores que pescavam peixes em pescadores de homens. Colocou mesmo Pedro à frente do barco da Igreja e esta Igreja é o espaço no qual a terra encontra o céu, para que o Redentor possa conduzir multidões à Casa do Pai. Multiplica Ele sua ação redentora através de outros Apóstolos, ministros ordenados ou leigos engajados num apostolado contínuo, perseverante, que se torna imensamente frutuoso. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.