A PAIXÃO DO REDENTOR
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Aproxima-se a Grande Semana na qual ainda mais intensamente se meditará no mistério da Paixão e Morte do divino Redentor. Não foi um ato comum provocado pela crueldade humana o que se passou no Calvário. Este fato teve os seus precedentes e os seus preâmbulos dispostos pela mão de Deus, a fim de que a humanidade soubesse de antemão quem era aquele que morreria sobre uma cruz e o significado daquela morte. Durante longos séculos, antes de Cristo vir a este mundo, os Profetas de Israel descreveram todas as peculiaridades dessa dolorosa paixão. Eles viram o povo conjurar contra Cristo, os poderosos exigirem a sua condenação, os apóstolos O renegarem e O abandonarem. Anteviram o amigo, que sentava à sua mesa e comia o seu pão, traí-lo com um ósculo; anunciaram as suas mãos e os seus pés traspassados, o seu rosto esbofeteado, o seu corpo inteiramente ferido. Contaram os seus ossos, e predisseram os soldados tirando a sorte para se apoderarem de suas vestes. Nenhuma das causas, nenhuma das circunstâncias, nenhum dos resultados desse drama sangrento foi ignorado dos séculos que o precederam e o prepararam, Para quem tem fé é impossível não aceitar e não admirar o acordo perfeito e completo entre os oráculos e os acontecimentos, entre a profecia e o Evangelho. Constatado isto, perceberá a paixão de Cristo desenhar-se exatamente, sem falha alguma, nos séculos que a precederam, podendo saudar com um brado de admiração e de gratidão, a intervenção de Deus, prefaciando pelas profecias a missão redentora de seu divino Filho. Jesus morrendo realizou os vaticínios, mas convém notar que Ele não sofreu passivamente a inexorável e fatal realização das profecias. Ele não foi um simples instrumento sem vontade e sem consciência. Em todo o drama doloroso que se desenrolou desde o jardim das Oliveiras até o monte Calvário Ele fez resplandecer constantemente a sua divindade, quer em seu silêncio, quer em suas palavras, quer em seus atos. Ele semeou prodígios pelo caminho de sua dolorosa paixão. Com um simples olhar ele arrancou lágrimas amargas do apóstolo Pedro que o tinha renegado; excitou o arrependimento na alma do bandido que tinha blasfemado a seu lado e o converteu. O suor de sangue, a flagelação, a coroa de espinhos, o peso da cruz, o corpo chagado, três horas de agonia com os pulsos e os pés varados pelos pregos, foram dores mais que suficientes para esgotar qualquer vida humana, mas Ele resistiu e o excesso de seus padecimentos fez brilhar a sua força sobrenatural e o seu poder divino. Depois de ver todas as profecias realizadas, depois de verificar que o seu sacrifício estava completo, que a justiça divina estava satisfeita, que a humanidade estava salva, Ele pôde proclamar que tudo estava consumado. Só então permitiu que a morte lhe adviesse e entregou seu espírito nas mãos do Pai. O sol ocultou a sua luz, a terra estremeceu, os rochedos se partiram, as sepulturas se abriram, os mortos ressuscitaram. Os Evangelistas registraram estes fenômenos com que a natureza proclamou a morte do Bem-amado do Pai. O centurião e os que com ele guardavam a Jesus, ao verem o terremoto e tudo mais que estava acontecendo, ficaram muito amedrontados e disseram: “Verdadeiramente este era Filho de Deus” (Mt 27,54). Dia 6 de abril deste ano os fiéis estarão lá no Calvário diante da Cruz redentora. Nada é tão grande, nem tão sublime como esta majestade serena na morte na Cruz de um Deus! O Pai, em Cristo, reconciliou o mundo. O Concílio de Trento proclamou que na sua misericórdia quis Deus não somente a justificação do homem pela remissão do pecado, mas também sua total redenção. Ao contemplarmos, então, esta Cruz majestosa na qual o Filho Unigênito de Deus se sacrificou pela humanidade, percebemos no mais íntimo recesso de nossos corações o grande convite a esta plenitude de santificação. O Concílio Ecumênico Vaticano II inculcou esta orientação dada por Cristo, mostrando que o cristão tem uma vocação inata para a santidade. Tudo isto é um alerta, porque a paixão do Salvador não opera de uma maneira mágica, mecanicamente, fazendo o homem partícipe de uma ação na qual não tomaria parte. A cruz de Cristo deve ser a partilha dos batizados. Ressoa então a orientação de Jesus: “Se alguém quiser ser meu discípulo, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me” (Mt 16,24). É que a dele ele já carregou, cumpre a seu seguidor tomar a sua cruz de cada dia, sublimando os sofrimentos desta existência terrena para, um dia, ressuscitar com Ele para a felicidade eterna. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.
domingo, 25 de março de 2012
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