sábado, 31 de março de 2012

O GALO NÃO CANTARÁ ANTES QUE ME TENHAS NEGADO TRÊS VEZES

“O GALO NÃO CANTARÁ ANTES QUE ME TENHAS NEGADO TRÊS VEZES” (Jo 12, 38)
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
A negação de Pedro é um dos episódios chocantes da Paixão de Jesus. Fora advertido e falho. Um galo cantou e o discípulo negou, olhou depois para Jesus e chorou. Pedro no meio de toda sua debilidade tinha, porém, uma certeza: ele amava Jesus. Por isto, apesar de duvidar como aconteceu com Moisés, de ter sido intempestivo como Esaú, ele era bondoso como Booz e vai se retratar como Jonas, pranteando como Jeremias. É mau e é bom, fraco e forte, sinuoso e retilíneo, contraditório e coerente. É um ser humano sujeito a grandes erros. Naquele instante, porém, sua afirmativa de que não conhecia Jesus era o símbolo de todas negações dos cristãos através do tempo, daqueles que se dizem discípulos do Filho de Deus, mas que não praticam o que Ele ensinou. Ser cristão na fé e epicureu na prática eis aí a grande aberração que multiplica o gesto infeliz de Pedro. Autenticidade é e será sempre o clamor da Igreja através dos tempos, pois na vida do epígono de Cristo o Credo e o Decálogo, o ato de fé e a observância dos preceitos evangélicos devem se unir harmoniosamente, coerentemente. O Apóstolo Tiago proclamará: “Meus irmãos, se alguém disser que tem fé, mas não tem obras, que lhe aproveitará isso? .Mostra-me a tua fé sem as obras e eu te mostrarei a fé pelas minhas obras” ( Tg 3,14. 18). Tal a triste sina de Pedro naquele momento: suas palavras contradisseram a fé que depositava na divindade do Mestre. Entretanto, a culpa de Pedro seja advertência para todos, mesmo porque suas lágrimas de arrependimento repararam a grande falha. Condenado já pelo tribunal religioso, os judeus querem que Pilatos não apenas ratifique a sentença de morte, mas fazem uma armação para transformar o crime de Jesus numa subversão política: Ele se diz rei dos judeus. Diante, porém, das explicações de Cristo que com tanta sinceridade mostra ao Procurador Romano que seu reino não era deste mundo e que Ele apenas dava testemunho da verdade Pilatos declara que não via nele culpa alguma que justificasse uma sentença de morte. Arguto, porém, como era, ao ouvir o povo gritar que amotinara todo o povo da Galiléia, Pilatos logo se lembra que o governador da Galiléia e da Peréia se encontrava em Jerusalém para as festas da Páscoa e remete Jesus a Herodes Antipas, filho do velho tetrarca Herodes. Pilatos queria ganhar tempo, pois não desejava se envolver numa situação de condenação de um inocente. Ele sabia que Herodes não podia julgar fora da fronteira de seu Estado, que limitava a sua competência jurisdicional. Pilatos sabia perfeitamente que Jesus deveria ser julgado na Judéia e não na Galiléia. A competência era dele e não de Herodes. Ao ver Jesus, Herodes ficou muito contente. Tinha curiosidade em conhecê-lo por causa de sua fama. Eis por que não levantou a hipótese de conflito de jurisdição. Fez a Cristo “muitas perguntas”; ele, porém, nada lhe respondeu” (Lc 23 8-9). A história da família de Herodes é uma história de violência e de terror. O silêncio de Jesus é uma das repreensões mais severas e significativas da Bíblia. Era uma repulsa veemente a todos aqueles que torturam, matam, violentam, massacram. Condenação de todo morticínio em guerras fratricidas, de todos os absurdos de extermínio do tipo nazista, da impiedade desumana que sempre manchou as páginas da História. Herodes trata então a Jesus como um louco e o reveste de uma túnica branca a indicar que, segundo ele, se tratava de um insensato, de um irresponsável. Naquele momento Jesus também dava uma lição a todos os seus seguidores através dos tempos. Ele preferiu ser considerado um louco do que mostrar com uma condescendência condenável qualquer aprovação dos desacertos herodianos. Quantos infelizmente por respeito humano ou por interesses escusos preferem trair a verdade do que expressar a repulsa a atos ignominiosos, injustos, desleais. A firmeza de Jesus é um exemplo e um encorajamento na luta contra o mal e seus patrocinadores. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

sexta-feira, 30 de março de 2012

O PROBLEMA DA TV BRASILEIRA

O PROBLEMA DA TV BRASILEIRA
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho, da Academia Mineira de Letras
Há um clamor geral sobre o baixo nível dos programas televisivos no Brasil. Enquanto não houver uma decidida busca de qualidade a tendência é piorar. Primeiro porque existe interesse político em deixar a massa alienada para que não enxerguem o óbvio: o governo não cuida da saúde, da educação, do lazer, do emprego, mas patrocina a Copa do Mundo e Olimpíada, cujo desvio de dinheiro é alarmante. Como os canais são concessões públicas, seria bem possível haver a exigência de um mínimo de qualidade nas programações. Vivemos num contexto histórico agitado no qual as pessoas lutam por dura sobrevivência e, por isso, não têm tempo para se preocuparem em pugnar por uma melhor formação da opinião pública. O argumento de que basta desligar a televisão para não ser inundado com tanta idiotice não é válido, pois quem não tem alternativa de lazer precisa de algo e daí a contaminação. Uma pesquisa recente identificou queda de número de leitores no Brasil. Já era baixo e caiu mais ainda. Pior a análise mostrando que o problema não é o acesso ao livro. Os pesquisados têm biblioteca perto de casa. A questão é falta de interesse e, sem uma leitura criteriosa, não se aprimora o senso crítico nem se aprofundam os conhecimentos. Se há aqueles que não têm bom senso ao lançar os programas, deve haver aqueles que tenham senso crítico para não se aterem ao que é imoral e falso. Aditem-se as incoerências das propagandas que incentivam à bebida, à imoralidade, muitas diretamente opostas ao que a nutrição aconselha para a boa saúde dos brasileiros. Portanto, deveria haver agentes credenciados, que dotados de qualidades intelectuais e morais, pudessem suprimir tudo que é maléfico sob o ponto de vista do progresso de qualidade de vida. A censura bem orientada objetiva a defesa do corpo social e merece apoio. Medidas acauteladoras deveriam ser tomadas e atuadas para o bem dos que ficam ao alvedrio de pessoas irresponsáveis que se enriquecem com as desgraças alheias. Trata-se de, criteriosamente, banir tudo que tem caráter pernicioso para a saúde física e moral dos cidadãos. Neste caso não há opressão da liberdade, mas um sustentáculo do que dignifica o ser humano. Assim espetáculos de cinema, rádio, televisão, programações da Internet que insinuam o crime, a violência, ou qualquer ato aberrante deveriam ser tirados do ar. As multinacionais dos crimes patrocinam tudo que vai contra o que a Bíblia ensina como norma da conduta humana, longe dos caminhos do bem. A ambição dos que se locupletam com os mais hediondos delitos, ocasiona sempre desordens. A baixaria que há em certos programas de rádio, televisão e alguns sites da Internet clamam aos céus, pois deturpam os costumes, a conduta, o comportamento, o modo de agir dos usuários incautos destes meios de comunicação social.

quinta-feira, 29 de março de 2012

DE CAIFÁS CONDUZIRAM JESUS A PILATOS

De Caifás conduziram Jesus ao Pretório”
( João 18,28)
Na Semana Santa cumpre meditar sobre o julgamento de Jesus. Terrível o julgamento, grande o amor que conduz Jesus aos tribunais. Profunda iniqüidade do homem, excelsa a misericórdia de um Deus que quer salvar os pecadores através das maiores humilhações. Quadros sinistros da miséria humana, cenas deslumbrantes dos exemplos de divina grandeza. Gestos inequívocos da humanal malícia, rasgos marcantes da celestial paciência. O ódio profundo escreve uma obra prima de maldade e intolerância, mas a dileção imensa faz surgir um monumento esplendente de bondade e condescendência. Rebrilha o mistério inefável de uma fineza que ostenta o Filho bem-amado preterido e condenado a favor de filhos prevaricadores. Acontecimentos terríveis assinalam a mais desastrada ação judicial do universo. Esta penaliza um Deus, em infames tribunais, num processo insólito, incrível. Envolvem os procedimentos então empregados as trevas da mais impressionante injustiça, as sombras da ignorância, o desprezo pelas mais elementares leis então vigentes, a caligem da perversidade, o nevoeiro da fraude, a nódoa do dolo, a mácula da pusilanimidade, da insensatez, da covardia. Numa palavra, Jesus se viu num torvelinho de perseguição e torturas descabidas. Surge um traidor famoso, discípulo infiel, ambicioso, desleal, Judas Iscariotes. O sanhedrim, colégio dos mais altos magistrados do povo judeu, os quais se mostrarão inaptos para cargo tão importante. Anás, antigo sumo pontífice, com quem os membros do sinédrio se aconselhavam e, no dizer de Flávio Josefo, “ninguém mais esperto do que ele para enriquecer”. Segundo Ernest Renan foi Anás o “principal ator desse drama terrível, o verdadeiro autor do assassínio jurídico que ia cometer-se”. Caifás, sumo sacerdote, personalidade vaidosa, cortesão ambicioso, responsável pela instalação do processo. Lúcio Pôncio Pilatos, procurador da Judéia, que entraria na história como o protótipo do covarde. Jesus de Nazaré, o benfeitor do povo, a “luz verdadeira que ilumina todo homem que vem a este mundo” ( Jo 1,9), a vítima de um julgamento fatal. Nos anais da história os fatos que mais repulsa causam ao espírito humano, parturejando revolta interior, asco e aversão são aqueles nos quais o liame sagrado do amor, o vínculo profundo da amizade, o laço sacrossanto do afeto são violentados por egoístas manifestações que conduzem à aberrante atitude de uma traição. Preso abruptamente por volta das vinte e três horas, à meia noite Jesus foi levado à presença de Anás, que dominava o Sinédrio no qual cinco sacerdotes eram filhos seus e o presidente, seu genro Caifás. Anás envia Jesus amarrado a Caifás. Apenas duas testemunhas de acusação depuseram, dizendo ter ouvido Jesus Cristo afirmar: “Posso destruir o Templo de Deus e reconstruí-lo em três dias” (Mt 26, 61). Como Jesus nada respondesse, Caifás obtém dos lábios do próprio Cristo a declaração de que Ele era o Messias, o Filho de Deus. Proclama-o blasfemo, réu de morte. Os milagres que Cristo operara, sinais claros de seu poder divino não suscitara naquele homem a fé na divindade daquele que possuía tais poderes. Caifás rasga suas vestes em sinal de horror, mas segundo alguns autores os sumos sacerdotes já tinham um rasgão de antemão preparado e ligeiramente costurado que podia servir para outras encenações de pasmo para comover a turba, sem danificar as vestimentas. Ali ele conseguiu plenamente o seu intento, pois cuspiram em Jesus, o esbofetearam e zombaram dele. Era o início de uma série de ousados mal tratos a quem a tantos agraciara! Como o Tribunal Supremo dos Judeus não tinha força para condenar alguém à morte, pois Jerusalém estava sob o domínio dos romanos, Jesus será encaminhado a Pilatos. Com a consciência o acusando de covardia perante os judeus, advertido oportunamente por sua mulher: “Não te envolvas com este justo, porque muito sofri hoje em sonho por causa dele” (Mt 27,19). Os judeus então atinge o que mais vulnerável era naquela autoridade: sua subserviência ao Imperador e clamam: “Se perdoas a este homem não és amigo de César” (Jo 19,12). Pilatos estremece. Uma desconfiança de César, mesmo de longe, perturbaria qualquer Juiz. A amizade ou temor do Imperador de Roma estava acima da Justiça e da vida de um inocente! Grande a iniqüidade dos homens! Pilatos vai e então escreve nas páginas da História o maior gesto de uma imensa covardia. Lavou as mãos e se proclamou inocente daquele sangue de um Justo. A água lava, purifica. Ela no Dilúvio regenerou o mundo, na fuga dos hebreus lhes foi salvação no Mar Vermelho, no Jordão curou a lepra de Naaman e no mesmo Jordão o Batista dela se servia para o batismo de penitência. Cristo instituiria o sacramento da regeneração através da água sinal da remissão do pecado original. A água, porém, para Pilatos era perdição e ao lhe correr entre os dedos selava a penúria de um caráter débil, fazendo dele o protótipo perene da pusilanimidade, do acobardamento, da poltroneria; sinal inditoso de todos os caracteres servis. A covardia foi e será sempre a desculpa dos estultos encastelados na torre de suas fraquezas morais.Torturas terríveis seguir-se-iam para Jesus depois de mais este gesto infausto. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

quarta-feira, 28 de março de 2012

Consequencias da traição de Judas

CONSEQUENCIAS DA TRAIÇÃO DE JUDAS
Côn. Jose Geraldo Vidigal de Carvalho
Uma das conseqüências da traição de Judas, anunciada por Cristo “um de vós vai me trairá” ( Mt 26, 21”, foi a flagelação de Jesus. Os soldados da guarda levam Jesus para o átrio do Pretório e chamam toda a corte. Todos são tomados de um delírio coletivo, sem dúvida fora das previsões de Pilatos. Despem a Jesus e o amarram numa coluna. Os braços esticados para cima e os punhos amarrados no alto da coluna. Uma barbaridade o que se seguiu. A extremidade das correias com que açoitam o Cristo, além de ter bolas de chumbo, contornavam o corpo sagrado do Filho de Deus e o marcavam com sulcos profundos. Dois desalmados carrascos batem com afinco. Aos golpes formam-se riscos azuis da equimose subcutânea. Em seguida, a pele mais sensível, mais dilacerada por novos golpes, não só se cobre de sangue, como pedaços da mesma ficam pendentes. Em toda parte chagas mais profundas ocasionadas pelas bolas de chumbo. Cada pancada provoca novas dores horrípilas. Eis Jesus num mar da dor mais terrível. Assim sofre um Deus para deificar os homens, para dar aos mortais sua imortalidade, aos humilhados a glorificação. Fineza de um Ser admirável! Cristo preso a uma coluna, por entre tantos sofrimentos, estava a quebrar os grilhões que prendiam os homens à servidão do pecado. Outrora os hebreus não temiam o poder de seus inimigos protegidos por aquela coluna de fogo que derramava o terror entre os egípcios perseguidores. Guiados por ela atravessaram as águas do Mar Vermelho e escaparam da escravidão e da morte. Aos pés desta coluna do Pretório homens valorosos têm inspirado, buscado forças e, a exemplo do Mestre divino, se sacrificam pela causa do Evangelho salvador. Séquito imenso de heróis do cristianismo que na mortificação, na renúncia, no martírio cotidiano contribuem pela conversão de milhares de pecadores. Santificam-se, purificam-se no sofrimento e oferecem todo padecimento, voluntário ou não, pela regeneração das ovelhas desgarradas. A tortura no Pretório chega ao auge quando um verdadeiro capacete de penetrantes espinhos é colocado sobre a cabeça de Jesus. Ao penetrarem no couro cabeludo jorrou o sangue que corre na face do mártir divino. O crânio ficou logo pegajoso com inúmeros coágulos. Naquele momento Cristo reparava todo orgulho humano, desde a primeira manifestação edênica. Lá no jardim do Éden o homem queria ser como Deus. Através dos tempos a sabedoria infinita do Criador continuaria afrontada por aqueles que se julgam os donos da verdade, mais sábios que o Ser Supremo. A ciência a criar a arrogância daqueles que chegam a proclamar o fim da religião, a morte de Deus. O ateísmo petulante a negar o Criador do universo. As artimanhas arquitetadas por inteligências criadas que deveriam louvar e agradecer ao seu Senhor, mas que parturejam os maiores crimes no desprezo audacioso dos Mandamentos eternos. Ali no Pretório a tantas dores físicas se ajuntou o escárnio mais deprimente: colocam sobre Jesus um manto escarlate e na mão um caniço e “ajoelhando-se diante dele, diziam-lhe, caçoando: ‘Salve, Rei dos Judeus!’ (Mt 27,29).
Com aquelas vestes da irrisão Jesus é levado a Pilatos e este disse aos judeus: “Eis o homem” (Jô 19,5). Sem atinar com o significado de suas palavras Pilatos apresentava não àquela turba sanguinária, mas a toda a humanidade a maior personagem da História. Ali estava alguém perante quem todos haveriam de se pronunciar. Ele arrebataria o coração de milhares de seguidores que encontrariam a ventura se submetendo a Ele, Caminho, Verdade e Vida. Na negação daquele homem todas as desgraças pessoais e da própria sociedade, pois longe dele só campearia a desordem e a morte. Sim! Eis o homem que verdadeiramente amou, o Bom Pastor que dá a vida pelas suas ovelhas. Eis o homem anunciado pelos Profetas, esperado por todos os justos do Antigo Testamento. Eis o homem que oferece a salvação, a paz, um reino de delícias sem fim. Doravante todo ser racional só encontraria respostas às suas indagações mais profundas, solução para seus problemas existenciais, se viesse até este homem coroado de espinhos que tomará uma cruz, mas que havia dito a seus discípulos que se alguém quisesse vir após ele que renunciasse a si mesmo, tomasse sua própria cruz e o seguisse. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

domingo, 25 de março de 2012

A PAIXÃO DO REDENTOR

A PAIXÃO DO REDENTOR
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Aproxima-se a Grande Semana na qual ainda mais intensamente se meditará no mistério da Paixão e Morte do divino Redentor. Não foi um ato comum provocado pela crueldade humana o que se passou no Calvário. Este fato teve os seus precedentes e os seus preâmbulos dispostos pela mão de Deus, a fim de que a humanidade soubesse de antemão quem era aquele que morreria sobre uma cruz e o significado daquela morte. Durante longos séculos, antes de Cristo vir a este mundo, os Profetas de Israel descreveram todas as peculiaridades dessa dolorosa paixão. Eles viram o povo conjurar contra Cristo, os poderosos exigirem a sua condenação, os apóstolos O renegarem e O abandonarem. Anteviram o amigo, que sentava à sua mesa e comia o seu pão, traí-lo com um ósculo; anunciaram as suas mãos e os seus pés traspassados, o seu rosto esbofeteado, o seu corpo inteiramente ferido. Contaram os seus ossos, e predisseram os soldados tirando a sorte para se apoderarem de suas vestes. Nenhuma das causas, nenhuma das circunstâncias, nenhum dos resultados desse drama sangrento foi ignorado dos séculos que o precederam e o prepararam, Para quem tem fé é impossível não aceitar e não admirar o acordo perfeito e completo entre os oráculos e os acontecimentos, entre a profecia e o Evangelho. Constatado isto, perceberá a paixão de Cristo desenhar-se exatamente, sem falha alguma, nos séculos que a precederam, podendo saudar com um brado de admiração e de gratidão, a intervenção de Deus, prefaciando pelas profecias a missão redentora de seu divino Filho. Jesus morrendo realizou os vaticínios, mas convém notar que Ele não sofreu passivamente a inexorável e fatal realização das profecias. Ele não foi um simples instrumento sem vontade e sem consciência. Em todo o drama doloroso que se desenrolou desde o jardim das Oliveiras até o monte Calvário Ele fez resplandecer constantemente a sua divindade, quer em seu silêncio, quer em suas palavras, quer em seus atos. Ele semeou prodígios pelo caminho de sua dolorosa paixão. Com um simples olhar ele arrancou lágrimas amargas do apóstolo Pedro que o tinha renegado; excitou o arrependimento na alma do bandido que tinha blasfemado a seu lado e o converteu. O suor de sangue, a flagelação, a coroa de espinhos, o peso da cruz, o corpo chagado, três horas de agonia com os pulsos e os pés varados pelos pregos, foram dores mais que suficientes para esgotar qualquer vida humana, mas Ele resistiu e o excesso de seus padecimentos fez brilhar a sua força sobrenatural e o seu poder divino. Depois de ver todas as profecias realizadas, depois de verificar que o seu sacrifício estava completo, que a justiça divina estava satisfeita, que a humanidade estava salva, Ele pôde proclamar que tudo estava consumado. Só então permitiu que a morte lhe adviesse e entregou seu espírito nas mãos do Pai. O sol ocultou a sua luz, a terra estremeceu, os rochedos se partiram, as sepulturas se abriram, os mortos ressuscitaram. Os Evangelistas registraram estes fenômenos com que a natureza proclamou a morte do Bem-amado do Pai. O centurião e os que com ele guardavam a Jesus, ao verem o terremoto e tudo mais que estava acontecendo, ficaram muito amedrontados e disseram: “Verdadeiramente este era Filho de Deus” (Mt 27,54). Dia 6 de abril deste ano os fiéis estarão lá no Calvário diante da Cruz redentora. Nada é tão grande, nem tão sublime como esta majestade serena na morte na Cruz de um Deus! O Pai, em Cristo, reconciliou o mundo. O Concílio de Trento proclamou que na sua misericórdia quis Deus não somente a justificação do homem pela remissão do pecado, mas também sua total redenção. Ao contemplarmos, então, esta Cruz majestosa na qual o Filho Unigênito de Deus se sacrificou pela humanidade, percebemos no mais íntimo recesso de nossos corações o grande convite a esta plenitude de santificação. O Concílio Ecumênico Vaticano II inculcou esta orientação dada por Cristo, mostrando que o cristão tem uma vocação inata para a santidade. Tudo isto é um alerta, porque a paixão do Salvador não opera de uma maneira mágica, mecanicamente, fazendo o homem partícipe de uma ação na qual não tomaria parte. A cruz de Cristo deve ser a partilha dos batizados. Ressoa então a orientação de Jesus: “Se alguém quiser ser meu discípulo, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me” (Mt 16,24). É que a dele ele já carregou, cumpre a seu seguidor tomar a sua cruz de cada dia, sublimando os sofrimentos desta existência terrena para, um dia, ressuscitar com Ele para a felicidade eterna. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

quarta-feira, 21 de março de 2012

NOS PASSOS DE JESUS

NOS PASSOS DE JESUS
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
O divino Redentor foi taxativo: “Se alguém quiser me servir, siga-me” (Jo 12,26). O resultado é faustoso, pois que Ele asseverara categoricamente: “Aquele que me segue não andará nas trevas, mas terá a luz da vida” (Jo 8,12). Cumpre, entretanto, segui-lo na justiça e na santidade durante todos os dias desta peregrinação terrena. Trata-se de se aderir não uma idéia, mas a uma pessoa à qual profundamente se liga. Ele nos inicia na vida mesma de Deus e no sublime mistério da salvação que veio oferecer a seus autênticos seguidores. Estes devem, em consequência, ostentar uma coerência completa. Desembaraçar-se de uma teoria qualquer é relativamente fácil, mas é inteiramente diferente quando se decidiu por Jesus. Quem penetra fundo nas Suas mensagens compendiadas nos Evangelhos percebe claramente que Ele exige total desprendimento de si mesmo para viver a incorporação nele como bem entendeu S. Paulo: “Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim. E, enquanto eu vivo a vida mortal, vivo na fé do Filho de Deus que me amou e entregou a si mesmo por mim” (Gl 2,20-21). Trata-se de caminhar no ritmo de Cristo. Isto supõe inteira confiança nele que sabe melhor do que seu discípulo o que deve ser feito para deparar no final da jornada a recompensa que Ele mesmo assegurou aos que Lhe são fiéis. É preciso então ir onde nós muitas vezes não desejaríamos ir. O ser humano no seu orgulho muitas vezes deseja se sobrepor à sabedoria de Jesus. Sua escola é uma escola de fé, de certeza de êxito para quem persevera. Somente Ele tem palavras de vida eterna e tal atitude implica uma humildade radical para se poder partilhar a vida do Mestre divino. Toda tergiversação necessita, deste modo, ser abolida, sobretudo quando a caminhada se mostra mais árdua e valem então as palavras de São Paulo: “Se nós sofremos com ele, com ele reinaremos” (2 Tm 2,12). Cristo, realmente, foi claro: “Se alguém quer me servir, siga-me”. Este apelo é transformante, mas sua pedagogia divina inclui os esforços de cada um para que haja um salto de qualidade para se atingir “a estatura da maturidade de Cristo” como falou São Paulo aos Efésios. (Ef 4,13). Aos Romanos este Apóstolo explicou que o Pai nos destinou a ser a imagem de seu Filho (Rm,8,29). Pelo batismo se dá uma incorporação em Cristo e o fiel, com toda a realidade, é um, com Ele. Não por simples atribuição, nem por pura abstração, mas numa realidade verdadeira porque objeto de propriedades e de direitos. União mística com Jesus que é mais do que união moral, por ser viva, real, verdadeira. O próprio Cristo afirmou: “Eu sou a videira, vós os ramos” (Jo 15,1). O batizado está enxertado em Cristo. São Paulo insiste em que somos os membros do divino Redentor: “Embora sejamos muitos, formamos um só corpo em Cristo (Rm 12,5 ). Donde os dizeres de Santo Agostinho: “A cabeça, o corpo, um só todo, um só Jesus. Dois em uma só carne, em uma só voz, em uma só paixão, e, terminada a prova deste exílio, num só repouso!” Que responsabilidade a do cristão que deve viver assim em função de seu Salvador. Aos Efésios doutrinou São Paulo: “Todos os fiéis unidos a Cristo formam um edifício que deve ser alicerçado na caridade, superedificado sobre o fundamento dos apóstolos e dos profetas, tendo a Cristo Jesus por pedra angular, codificada para ser, pelo Espírito Santo, a morada de Deus”! (Ef 3,2.17,19-22). Cada uma destas comparações apresenta características acentuadas: o edifício marca a solidez do todo; o enxerto a total dependência do cristão para com o seu Salvador, o corpo exprime a união viva, vital com Ele. O Concílio de Trento explicou: “Como a cabeça comanda os membros, como a videira espalha pelos ramos a seiva, assim Cristo Jesus exerce sua influência sobre todos os justos a cada instante. Esta influência precede, acompanha e coroa suas boas obras e as torna repousagradáveis a Deus e meritórias diante dele”. Tudo isto mostra o que significa seguir a Jesus, colocando cada um seus passos atrás dos passos dele, mesmo porque, como bem exprime belo poema, se deixarmos de enxergar as marcas de nossos passos pela caminhada afora é porque Ele nos estará nos momentos de tribulação nos carregando em seus braços amorosos. Cumpre repetir sempre com o salmista: “Ensina-nos Senhor o teu caminho (Sl 23,11). * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

segunda-feira, 19 de março de 2012

O VERDADEIRO AMOR CRISTÃO

O VERDADEIRO AMOR CRISTÃO
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
O Mestre divino após ter solenemente promulgado o mandamento novo ( Jo 13,34), renovou esta doutrina do amor que chamou o seu preceito: “Este é o meu mandamento: amai-vos uns aos outros, assim como eu vos amei” (Jo 15,12). Isto porque a caridade é a essência mesma de sua religião. Ao determinar isto a seus seguidores Jesus oferecia a perene solução para todos os problemas sociais, políticos e econômicos. Apareceriam as maravilhas de toda esta imensa seara de bens que honra a civilização cristã. Multiplicar-se-iam as entidades caritativas, os gestos de afeto, a ajuda oportuna, o consolo ao sofredor, o lenitivo aos clamores dos deserdados, o amparo aos excluídos da sociedade. Creches, asilos, lares dos anciãos, obras sociais, tudo resultado deste amor inspirado no Cenáculo. É este amor que vaporiza lágrimas amargas com palavras oportunas. Arranca espinhos dos corações feridos. Dulcifica a dor que despedaça o irmão aflito. Alivia a fome, a sede de quem padece tais males. Esta dileção torna quem a possuir âncora, farol, tábua de salvação para o próximo. Esta caridade transparece não apenas num gesto caritativo, numa esmola eventualmente dada, em atitudes episódicas. É um modo de ser e de agir que impregna as minudências do relacionamento com os outros, impregnando de brandura os encontros cotidianos. Multiplica atenções, instaurando uma cadeia de ações em prol dos mais necessitados. Preluz a cada instante na pronta ajuda a qualquer pessoa, na delicadeza do trato mútuo, no respeito diuturno, na boa palavra, no interesse constante, nas solícitas atenções. Penetra e encanta, perfuma e enternece as mentes mais agressivas, dado que ela desarma os espíritos e irradia inebriante serenidade. Leva à compreensão dos conflitos existenciais do outro, o qual, cativo por ela, repensa suas atitudes e acerta os passos de sua turbulência, deparando então a ordem interna. Fecundante e infatigável até à heroicidade esta dileção cristã opera assim maravilhas. Na História da Igreja monumentos mais grandiosos foram sempre os edificados e cinzelados pelo amor fraterno. Extraordinários os heróis por ele plasmados. Cosme e Damião a se dedicaram aos enfermos, curando as enfermidades mais rebeldes. Pedro Claver entre pobres africanos, transportados para a América, passa sua vida amando e instruindo estas vítimas da ignóbil escravidão. Luís Gonzaga que na flor dos anos morre de uma enfermidade haurida no amparo às vítimas de terrível epidemia. Roque, senhor de grande riqueza, que se faz mendigo entre os mendigos. Francisco de Assis a abandonar seus bens e a se fazer semelhante aos deserdados da fortuna a eles se dedicando com grande amor. Vicente de Paulo a maior figura do século XVIII que se torna o mais ilustre entre os ilustres de seu tempo pela sua dedicação aos pobres. João de Deus, o fundador dos Irmãos hospitaleiros, ordem admirável a socorrer os doentes. Luiza de Marillac, cuja única preocupação era servir os mais humildes. Catarina, rainha da Suécia, a visitar todos os dias os hospitais, cuidando pessoalmente dos que sofriam graves moléstias. Gotrão, rei de Borgonha, especialista em dar esmolas, dizendo sempre que esta é uma das maneiras para expiar pecados. Camilo de Lelis, que se fez o modelo dos enfermeiros pela dedicação aos sofredores nos hospitais. Estes, alguns entre milhares, descendentes de uma geração gloriosa formado à luz do mandamento do amor e que tinha insculpido no frontispício das primeiras Igrejas o grande lema dileção fraterna: cor unum et anima una - um só coração e uma só alma. Geração que se prolongaria através dos séculos na maravilhosa História desta Igreja a qual conciliaria sempre a máxima grandeza individual da personalidade humana com o máximo de sua eficiência social. Neste preceito de Jesus se firma para sempre a superioridade social do cristianismo. Entreabre-se um campo ilimitado ao amor e à dedicação sobretudo aos excluídos. Alicerça-se, sólida e admiravelmente, a genuína solidariedade. A caridade é obra prima do gênero humano regenerado pelo sangue de um Deus. É o que há de mais nobre nas elucubrações da inteligência e o que existe de mais glorioso nos eflúvios do coração. O modelo é o próprio Cristo: “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei”. Ele nos amou até o fim lá no Calvário consagrou admiravelmente seu mandamento supremo. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

domingo, 18 de março de 2012

/Zelo pelo Seminário foi uma de suas glórias

ZELAR PELO SEMINÁRIO FOI UMA DE SUAS GLÓRIAS
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho *
Neste ano no qual se comemora o centenário do nascimento do notável Arcebispo de Mariana (MG), Dom Oscar de Oliveira, cumpre se recorde também seu grande empenho pelo Seminário, outra característica marcante de sua atividade apostólica. Velou, sempre para que aos seminaristas se lhes ministrasse uma aprendizagem condigna, moderna, segura, adaptada às exigências do Concílio Vaticano II. Mesmo com todos os grandes encargos do Arcebispado, D. Oscar lecionou Direito Canônico no Seminário Maior S. José desde o segundo semestre de 1968, dividindo normalmente o mês entre as Visitas Pastorais e as aplaudidas aulas para o Curso de Teologia. Atento a tudo que se passava quer no Seminário Maior, quer no Menor, ele cortava logo no início qualquer tipo de aberração, seguindo a sábia diretriz venienti occurrite morbo. É louvável, realmente, o dirigente que prevê os perigos, prepara os remédios e provê aos males. Almejou sempre que uma virtude sólida, operosa e ardente se ajuntasse a uma erudição apurada, vária e brilhante. Quis continuamente que os seminaristas se entregassem a profundas locubrações e elaborações cientificamente expostas, abeirando-se da corrente das idéias e dos fatos, auscultando e sondando com pertinência a evolução social. Ensinava que nem tudo que é humano é falso; nem tudo o que é novo é mau. Soube incutir no espírito dos futuros sacerdotes seus três amores, registrados em uma de suas poesias: “Jesus, Maria e Pedro”! Por ocasião do IV centenário da instituição dos Seminários publicou substanciosa mensagem datada de 30 de agosto de 1963. Nela não apenas remonta ao dia 15 de julho de 1563, historiando o problema da formação dos futuros sacerdotes, como ainda falou sobre os Seminários de Mariana, a OVS e a importância das famílias cristãs, celeiros de vocações. Deste seu devotamento ao Seminário resultaram inúmeras ordenações sacerdotais que fizeram a alegria do Pastor que ia vendo o resultado de seus intensos labores em prol da formação de ótimos padres.É de se notar que, atento à manutenção dos Seminários e de outras obras de evangelização, D. Oscar comprou prédio e salas em Belo Horizonte num dos lances mais importantes de sua profícua administração.Uma das primeiras preocupações deste Arcebispo, logo que chegou a Mariana, foi com o estado ruinoso do antigo prédio do Seminário Menor. A primeira idéia foi a da construção no mesmo local de mais um pavilhão. Dia 15 de agosto de 1959 foi benta a pedra fundamental do mesmo, dia em que se comemoravam as Bodas de Prata do Seminário Maior S. José. Era plano inclusive do Arcebispo restaurar o prédio construído por D. Frei Manoel da Cruz. Estudos, cientificamente feitos, mostraram, posteriormente, por inúmeras razões de ordem econômica e pedagógica sobretudo, ser muito mais viável a construção de um prédio novo em outro local, o que foi feito com grande eficiência. Neste novo prédio hoje funciona a Faculdade Arquidiocesana de Mariana e nela o Instituto de Filosofia do Seminário Maior.Escreveu D. Oscar vinte e um artigos intitulados o Seminário e o Concílio, comentando o Decreto Conciliar Optatam Totius, publicados tais estudos em O ARQUIDIOCESANO a partir de 20 de fevereiro de 1966. Em 1967 o Seminário passou a ser dirigido pelos sacerdotes diocesanos e prosseguiu sua trajetória gloriosa sob a égide do sábio Pastor, que soube sempre escolher com sabedoria os Professores e Reitores deste Seminário. Nada melhor do que encerrar este texto com chave de ouro, ou seja, as palavras do próprio Papa João Paulo II que, na sua carta por ocasião do Jubileu de Ouro da Ordenação Sacerdotal de D. Oscar, em 1985, assim se expressou ao se referir às muitas obras que este Arcebispo já realizara: “Destas basta lembrar apenas uma, como exemplo das outras: a restituição, dizemos, do Seminário à sua antiga prosperidade. Desta restauração, que toda ela se deve à tua laudável prudência e constância, a Igreja, sobretudo a Igreja do Brasil, espera uma casa formadora de sacerdotes íntegros, de cujo zelo, caridade, moderação e sã doutrina ela, a Igreja tem sede”. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anoso

sábado, 10 de março de 2012

Cristo vive, Cristo reina, Cristo impera

CRISTO VIVE, CRISTO REINA, CRISTO IMPERA
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
A Quaresma é uma preparação para o maior dia do ano, ou seja, a data da comemoração da ressurreição de Cristo. Esta vitória do Redentor sobre a morte é a prova peremptória de sua divindade e a razão de ser do cristianismo, pois, como com razão proclamou São Paulo: “Se Cristo não ressuscitou é vã a vossa fé” (1 Cor 15,14). Se, porém, Ele ressurgiu ao terceiro dia, cumpre crer em sua palavra, é preciso acatar tudo que Ele ensinou e obedecer aos seus preceitos. Se Cristo ressuscitou é necessário vencer o orgulho e declarar guerra ao prazer, é preciso volver os olhos aos céus, tomar a cruz e corajosamente caminhar. Eis porque através dos tempos todas as potências infernais se levantaram para impedir que se divulgasse o triunfo formidável daquele que morrera tão ignominiosamente no alto de uma Cruz. Quando os apóstolos pela primeira vez sustentaram que Jesus tinha ressuscitado, lhes foi imposto o silêncio. Foram açoitados e, como continuassem a falar, acabaram condenados à morte. A Igreja sentiu em seu berço as terríveis perseguições do judaísmo e do paganismo, mas sempre anunciou com destemor: “Cristo vive, Cristo reina, Cristo impera”. Os séculos se sucederam e Jesus sempre se mostrou vivo entre os homens continuando a espalhar os seus extraordinários dons . Ele pessoalmente curou os enfermos e anunciou o reino de Deus. Depois, de sua ascensão aos céus, através da sua Igreja, a caridade com todos os seus encantos e maravilhosos resultados não é outra coisa senão o prolongamento de sua presença e do imenso amor que, pelos séculos afora, vem ao encontro dos desamparados, dos doentes, dos sofredores e para todos os seus seguidores apontando o céu como final feliz da peregrinação terrena. Seus ensinamentos não mudaram, e somente Ele tem a glória de ter fundado uma escola cuja doutrina é imutável e resiste a todos os ataques daqueles que a rejeitam. A mesma profissão de fé que ressoou nos primórdios do cristianismo vem atravessando a História. Como outrora, batiza-se em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo; Ele é adorado na Eucaristia; os pecados são perdoados no Sacramento da Penitência, se preparam os doentes, os idosos e os agonizantes para a vida futura pela Unção dos Enfermos, os cristãos são revigorados pelo Crisma e os esposos se unem pelo Sacramento do Matrimônio. Estes ensinamentos foram submetidos às agressões do tempo, da critica e da perseguição. Admirável a perpetuidade do que Ele doutrinou, quando na terra tudo muda. É que Ele prossegue vivo na Igreja por ele fundada que continua sempre fiel a seu Fundador. Os sucessores dos apóstolos estão espalhados por toda parte e reconhecem como chefe o sucessor de São Pedro. Ele é quem sustenta este seu Corpo Místico, quem o preserva da ruína, quem o defende contra a tirania dos poderosos, contra a cólera das multidões insufladas pelos seus inimigos, contra o desprezo e o insulto dos voluptuosos, contra o perigo das riquezas, contra os sofrimentos da pobreza. É Ele quem comunica à sua Igreja esta vitalidade excepcional, esta eterna juventude, esta sabedoria indefectível, esta paciência inalterável, esta energia sobrenatural. Esta é a realidade fulgente: ontem os seus gratuitos opositores selando a pedra de um túmulo; em seguida, o gênero humano vendo nesses selos quebrados e nesse túmulo vazio o penhor de suas esperanças imortais. Uma reviravolta inexplicável, se Ele não fora, de fato, o Deus que se fez carne e habitou entre nós. Aquele homem morto como um criminoso, ressuscitando pelo seu próprio poder se tornou realmente a maior personagem da história, adorado, amado e por Ele milhares sacrificam a sua existência. A história não perdoa aos vencidos e sua presença no mundo é uma prova a mais de sua divindade. Dois milênios já passaram sobre seu túmulo! A princípio era um canto tímido e suave como a aurora, e logo depois um hino triunfal e grandioso. Por tudo isto Cristo Ressuscitado se torna presente por sua perene atualidade. Não há nome mais universalmente conhecido. Antes de sua morte, Jesus não tinha passado as fronteiras da Judéia; logo depois ele ecoou no mundo todo. Sua palavra se difundiu por toda parte e multidões se comovem ouvindo sua doutrina. Jesus triunfante sobre a morte é a certeza das vitórias de quem O segue, do fogo do verdadeiro amor, da vida de todos os cristãos. Ele ressuscitou e, na outra margem da vida, está à espera dos que Lhe forem fiéis neste vale de lágrimas para lhes oferecer uma eterna felicidade. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

quinta-feira, 8 de março de 2012

A PAIXÃO DO REDENTOR

A PAIXÃO DO REDENTOR
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Aproxima-se a Grande Semana na qual ainda mais intensamente se meditará no mistério da Paixão e Morte do divino Redentor. Não foi um ato comum provocado pela crueldade humana o que se passou no Calvário. Este fato teve os seus precedentes e os seus preâmbulos dispostos pela mão de Deus, a fim de que a humanidade soubesse de antemão quem era aquele que morreria sobre uma cruz e o significado daquela morte. Durante longos séculos, antes de Cristo vir a este mundo, os Profetas de Israel descreveram todas as peculiaridades dessa dolorosa paixão. Eles viram o povo conjurar contra Cristo, os poderosos exigirem a sua condenação, os apóstolos O renegarem e O abandonarem. Anteviram o amigo, que sentava à sua mesa e comia o seu pão, traí-lo com um ósculo; anunciaram as suas mãos e os seus pés traspassados, o seu rosto esbofeteado, o seu corpo inteiramente ferido. Contaram os seus ossos, e predisseram os soldados tirando a sorte para se apoderarem de suas vestes. Nenhuma das causas, nenhuma das circunstâncias, nenhum dos resultados desse drama sangrento foi ignorado dos séculos que o precederam e o prepararam, Para quem tem fé é impossível não aceitar e não admirar o acordo perfeito e completo entre os oráculos e os acontecimentos, entre a profecia e o Evangelho. Constatado isto, perceberá a paixão de Cristo desenhar-se exatamente, sem falha alguma, nos séculos que a precederam, podendo saudar com um brado de admiração e de gratidão, a intervenção de Deus, prefaciando pelas profecias a missão redentora de seu divino Filho. Jesus morrendo realizou os vaticínios, mas convém notar que Ele não sofreu passivamente a inexorável e fatal realização das profecias. Ele não foi um simples instrumento sem vontade e sem consciência. Em todo o drama doloroso que se desenrolou desde o jardim das Oliveiras até o monte Calvário Ele fez resplandecer constantemente a sua divindade, quer em seu silêncio, quer em suas palavras, quer em seus atos. Ele semeou prodígios pelo caminho de sua dolorosa paixão. Com um simples olhar ele arrancou lágrimas amargas do apóstolo Pedro que o tinha renegado; excitou o arrependimento na alma do bandido que tinha blasfemado a seu lado e o converteu. O suor de sangue, a flagelação, a coroa de espinhos, o peso da cruz, o corpo chagado, três horas de agonia com os pulsos e os pés varados pelos pregos, foram dores mais que suficientes para esgotar qualquer vida humana, mas Ele resistiu e o excesso de seus padecimentos fez brilhar a sua força sobrenatural e o seu poder divino. Depois de ver todas as profecias realizadas, depois de verificar que o seu sacrifício estava completo, que a justiça divina estava satisfeita, que a humanidade estava salva, Ele pôde proclamar que tudo estava consumado. Só então permitiu que a morte lhe adviesse e entregou seu espírito nas mãos do Pai. O sol ocultou a sua luz, a terra estremeceu, os rochedos se partiram, as sepulturas se abriram, os mortos ressuscitaram. Os Evangelistas registraram estes fenômenos com que a natureza proclamou a morte do Bem-amado do Pai. O centurião e os que com ele guardavam a Jesus, ao verem o terremoto e tudo mais que estava acontecendo, ficaram muito amedrontados e disseram: “Verdadeiramente este era Filho de Deus” (Mt 27,54). Dia 6 de abril deste ano os fiéis estarão lá no Calvário diante da Cruz redentora. Nada é tão grande, nem tão sublime como esta majestade serena na morte na Cruz de um Deus! O Pai, em Cristo, reconciliou o mundo. O Concílio de Trento proclamou que na sua misericórdia quis Deus não somente a justificação do homem pela remissão do pecado, mas também sua total redenção. Ao contemplarmos, então, esta Cruz majestosa na qual o Filho Unigênito de Deus se sacrificou pela humanidade, percebemos no mais íntimo recesso de nossos corações o grande convite a esta plenitude de santificação. O Concílio Ecumênico Vaticano II inculcou esta orientação dada por Cristo, mostrando que o cristão tem uma vocação inata para a santidade. Tudo isto é um alerta, porque a paixão do Salvador não opera de uma maneira mágica, mecanicamente, fazendo o homem partícipe de uma ação na qual não tomaria parte. A cruz de Cristo deve ser a partilha dos batizados. Ressoa então a orientação de Jesus: “Se alguém quiser ser meu discípulo, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me” (Mt 16,24). É que a dele ele já carregou, cumpre a seu seguidor tomar a sua cruz de cada dia, sublimando os sofrimentos desta existência terrena para, um dia, ressuscitar com Ele para a felicidade eterna. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

quarta-feira, 7 de março de 2012

Testemunhas de Cristo

TESTEMUNHAS DE CRISTO
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Após abrir a inteligência dos discípulos para entenderem as Escrituras, Jesus ressuscitado que lhes recapitulou os lances finais de sua vida, lhes mostrou que no seu nome seriam anunciados a conversão e o perdão dos pecados a todas as nações, acrescentando: “Vós sereis testemunhas de tudo isto” (Lc 24,48). Eis aí a sublime missão de todo batizado através dos tempos. Cumpre a ele, porém, revelar o Mestre divino, antes de tudo pela fé. O atual contexto histórico nega a existência de Deus e o valor da salvação oferecida através de Jesus Cristo sobretudo nos meios de comunicação social. Há um verdadeiro eclipse do Ser Supremo com todas as conseqüências malévolas para a sociedade. Percebe-se o acintoso desprezo dos preceitos divinos, afrontados a cada hora nas novelas, nos filmes, nas propagandas. Para uma sociedade hedonista o decálogo na prática não existe. É um ateísmo embutido em programações que agridem continuamente aqui e ali todos os dez mandamentos. Apesar de tudo isto, ou mesmo, por causa de tudo isto, o autêntico cristão deve procurar não apenas evitar a contaminação do mal, mas também, através de seu testemunho de vida, demonstrar a grandeza de ser um seguidor daquele que é “o Caminho, a Verdade e a Vida”. Multiplicam-se dentro da História os episódios daqueles que, testemunhando Jesus na sociedade, influenciam para uma vivência cristã. Notável o fato que se deu com Edith Stein, filósofa alemã, judia, discípula do célebre Hursserl, judeu ateu. Um de seus outros professores que ela muito apreciava foi morto durante a guerra mundial. Ela foi visitar a esposa deste seu mestre, que era uma cristã autêntica. A encontrou serena, tranquila na sua dor, resignada, forte e imperturbável. Pensou então consigo mesmo, refletindo sobre atitude tão maravilhosa: “O Deus dos cristãos é o Deus verdadeiro”. Converteu-se, pediu o batismo, se tornou uma religiosa carmelita com o nome de Teresa Benedita da Cruz e morreu mártir no campo de concentração nazista em Auschvitz. Foi canonizada por João Paulo II em celebração na Praça de São Pedro, no dia 11 de outubro de 1998. Isto lembra que em todas as circunstâncias o cristão deve manifestar sua fé profunda e fará maravilhas para o reino de Deus. É preciso, realmente, manifestar sempre uma crença arraigada na presença de Jesus na Eucaristia, na existência de uma felicidade eterna no céu, procurando exercitar-se em todas as virtudes. Adite-se que reina no contexto atual a inquietude perante tantos crimes, tanta desigualdade social, os governantes malbaratando as verbas públicas e deixando o povo sem saúde, sem segurança. O atual Papa Bento XVI tem frequentemente convidado, então, os seguidores de Cristo a serem profetas da esperança neste mundo da desesperança. Mister se faz patentear ao mundo que o batizado resiste aos apelos materialista da sociedade de consumo e não se torna escravo das novas tecnologias e sabe viver sobriamente. Tudo isto efetivado pelos adeptos do Redentor, testemunhando também o amor. Jesus continua morrendo nos pobres, nos desamparados. A miséria se agrava num mundo de tantas incoerências, no qual apenas dez por cento dos habitantes do planeta terra podem usufruir plenamente dos benefícios dos progressos científicos e tecnológicos. Pobreza econômica paira para a maioria, muitos vivendo além da linha da miséria. Campeiam por toda parte angústias morais. Testemunham, contudo, o amor de Jesus as Conferências de São Vicente de Paulo, as demais obras sociais das diversas paróquias, mas a esta corrente de amor são chamados todos os cristãos, manifestando a grandeza da dileção para com todas as pessoas que sofrem. O cristianismo é a religião do amor. A Igreja tem por missão neste mundo testemunhar que o amor é a vocação de todo batizado. Na escola de Jesus se aprende a amar e a fazer de cada comunidade a academia da comunhão fraterna. Isto se dá quando em todos os campos da vida humana há fé, esperança, justa repartição dos bens, respeito para com o próximo, tudo isto testemunhando por toda parte a misericórdia do divino Ressuscitado. Deste modo se percebe ao vivo o nexo entre evangelização e testemunho, já que a primeira não é mera transmissão de idéias, mas difusão da mensagem de salvação, ou seja, o conjunto de valores destinados a dar sentido à vida do cristão. Ora, os valores se transmitem pelo testemunho. O testemunho de vida é, de fato, o sinal mais importante de credibilidade, já que atesta a sinceridade do seguidor de Cristo e a presença da força divina transformadora. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

quinta-feira, 1 de março de 2012

Não perder o rumo do céu

NÃO PERDER O RUMO DO CÉU
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Pedro, Tiago e João ao contemplarem o rosto de Cristo transfigurado no Tabor, resplandecente como o sol, e suas vestes alvas como a neve não mais queriam abandonar aquela visão (Mc 9, 2-10). Bastou uma gota do mar imenso do esplendor celeste para os arrebatar. Quando, então, após a morte imergir no oceano sem fim da beleza divina, o ser racional ver-se-á num interminável êxtase. O candor e a brancura da luz eterna farão esta delícia perenal. Segundo São João no céu nós veremos a Deus “como ele é”(1 João 3,2) O mesmo ensina São Paulo: “Nós agora, vemos (a Deus) como por espelho em enigma; mas então face a face” (1 Cor 13,12). Santo Agostinho acrescenta que O contemplaremos como O vêem os anjos. Esta visão, ainda que imediata não é absoluta. Porque o bem-aventurado não se converte em Deus; permanece sempre finito e limitado, incapaz de compreender totalmente o objeto infinito. O bem infinito, porém, é sempre novo. Onde a novidade não acaba e sempre atrai, o amor e o gosto nunca diminuem. Assim, embora participada, a glória eterna é fonte de ininterrupto e perfeito gozo. A teologia ensina que além da felicidade essencial, provinda da visão beatífica, existe ainda no céu a glória secundária ou acidental, advinda dos mistérios da fé, professados na terra pelos eleitos, e de todas as maravilhas da obra criada por Deus. A vida eterna será ao mesmo tempo o êxtase e a existência comunitária com Cristo, com Maria, com os Apóstolos e todos os concidadãos dos Santos. Êxtase de Deus e perfeita vida fraternal. Santo Tomás assim se expressou sobre esta realidade: “Consiste ainda na suave companhia de todos os santos; sociedade agradável a mais não poder, porque cada um terá, em companhia todos os bem-aventurados, todos os bens. Um amará o outro como a si mesmo, então se alegrará com o bem do outro como se fosse próprio. O que terá por resultado que crescerá a alegria e o gáudio de um na medida do gáudio de todos”. A glória do céu será proporcionada aos méritos de cada um e as palavras de Cristo são claras: “Na casa de meu Pai há muitas moradas” (Jo 14,12). São Paulo asseverou: “... Uma é a claridade do sol, e outra a claridade da lua e outra a claridade das estrelas. E ainda há diferença de estrela para estrela na claridade. Assim também a ressurreição dos mortos” (1 Cor 15,4). O Pe. Antônio Vieira pondera que “a alegria do céu é sem tristeza, o gosto é sem pesar, o descanso é sem trabalho, a segurança é sem receio, o sossego sem sobressalto, a paz sem perturbação, a honra sem agravo, a riqueza sem cuidado, a fartura sem fastio, a grandeza sem inveja, a abundância sem míngua, a companhia sem emulação, a amizade sem cautela, a saúde sem enfermidade, a vida sem temor da morte, enfim todos os bens puros e sem mistura de mal, e por isso verdadeiros bens”.O importante, portanto, é nunca perder o rumo do céu. Adverte,. Porém, o mesmo Pe. Vieira: “Este é o negócio de todos os negócios, este o interesse de todos os interesses, esta a importância de todas as importâncias, porque este é o meio de todos os fins e o fim de todos os meios; morrer em graça e ver assegurada a bem-aventurança”. Cristo não deixou ilusões a seus discípulos, pois afirmou que o reino dos céus sofre violências. Apenas os corajosos, os que vencem suas paixões, praticam a virtude e abominam os vícios entrarão no reino dos céus. Até lá grande, sem dúvida, a misericórdia de Deus que perdoa sempre. É necessário, contudo, que não se passe para aquela margem da vida donde todo retorno se torna impossível. Para isto o senso do eterno é meio eficaz bem como a invocação constante da Maria, porque, como a invocamos na Ladainha Lauretana, ela é a porta do céu. Por meio dela recebemos o autor da vida, sendo ela, assim, a porta pela qual o Filho de Deus entrou na nossa existência terrena para possibilitar ao homem gozar um dia, na glória eterna da Jerusalém celeste, as delícias que Deus preparou para os que Lhe forem fiéis nesta vida passageira.
* Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

Quaresma, tempo de conversão

QUARESMA, TEMPO DE CONVERSÃO
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
A conversão, ou mudança de vida, se liga o tema da misericórdia de Deus pelo ser humano sujeito a imperfeições e até capaz de cometer faltas. Sejam elas, porém, quais forem como é bom e é consolador contar a certeza da ternura de Deus, Pai sempre pronto a vir ao encontro da fragilidade humana! A prova evidente e palpável dessas atenções divinas para salvar o homem foi a redenção operada por Cristo que veio para oferecer a vida divina a todos que buscam o reino dos céus. Ele instituiu sacramentos que purificam e santificam as almas, concedendo-lhes o perdão dos pecados e que sustentam o cristão na luta árdua e contínua contra o mal. A vida humana é um caminhar para a eternidade, e neste peregrinar está Cristo, o qual, sem forçar a liberdade de cada um, sem contrariar o seu proceder, mostra aos de boa vontade os riscos que convém evitar, os perigos dos quais se deve fugir, como indica ainda onde está a segurança, a paz e a felicidade. O grande mal dos homens é de viverem como se tudo acabasse com a morte, como se todo destino humano se passasse entre o berço e a sepultura, entre o nascimento e o falecimento, como se tudo acabasse nesta terra em que se vive. Sendo este mundo o reino do pecado, as paixões prendem o homem, assenhoream-se dele, e não lhe permitem pensar em seus destinos imortais. Então tudo o que exige o esforço, a privação e o sacrifício, causa horror ao ser humano e muitos, de fato, se entregam às comodidades da existência e se esquecem dos bens eternos. A quaresma então leva o cristão a considerar a sua vida, o que tem feito realmente para se salvar a exemplo de tantos santos que tudo sacrificaram para não colocarem em cheque uma ventura sem fim na Casa do Pai. Entretanto, a voz da consciência é sempre um aviso de Deus chamando à santidade, à fuga do mal. Quaresma é o tempo de preparação para a Páscoa, precedida da comemoração da Paixão e Morte de Cristo. Diante do Crucificado se percebe melhor o significado da salvação da alma. Um Deus pregado na cruz, a cabeça coroada de espinhos, o rosto desfigurado, os lábios lívidos, o peito lanceado, o corpo coberto de chagas, as mãos e os pés traspassados mostram claramente o valor imenso de um sangue divino que foi derramado para reabrir as portas do céu . É ele o valor da nossa salvação eterna. Por tudo isto, a Quaresma é o período propício para a metanoia, ou seja, a unificação da inteligência e do coração pela qual se volta sinceramente para Deus, para as coisas do alto, para a luz divina, rejeitando as obras das trevas, do diabo e do pecado. É este desejo de aprimoramento espiritual contínuo que conduz à prática da perfeição humanamente possível e que deve acompanhar a vida cristão desde o batismo até o último suspiro. Sem tal propósito há o perigo de se cair nas trevas do pecado. Trata-se da real conversão do espírito no mais profundo sentido espiritual. Neste processo cumpre não confundir arrependimento e culpabilidade. Se o arrependimento verdadeiro é o retorno da alma para Deus, estando o fiel confiante que o Deus misericordioso perdoa as faltas, a culpabilidade é um enclausuramento do espírito sobre si mesmo, sobre suas falhas e pode levar à baixa-estima, à dúvida com relação à comiseração divina e, até, ao desespero. A auto-incriminação é uma falsa humildade, uma vez que a verdadeira humildade reconhece o erro, mas confia no perdão do Ser Supremo. Deste modo, se verifica a distinção também entre responsabilidade pela qual cada um assume sua falha e a culpabilidade é um estado morboso. Uma é salutar, a outra diabólica. O “homem novo” de que fala São Paulo se purifica no sangue de Cristo pelo Espírito Santo e marcha resoluto para frente, tirando lições das próprias fraquezas. O verdadeiro discípulo de Jesus sabe que até o término da caminha neste mundo há obstáculos, dificuldades a serem vencidas, mas repete sempre a Deus “Tua graça me basta, é ela que eu imploro” e com este auxílio sobrenatural se torna um vencedor e se aprimora dia a dia. Durante a quaresma a Igreja através da Liturgia oferece aos fiéis inúmeras oportunidades para que se possa viver a Paixão de Cristo e ressuscitar com Ele na manhã de Páscoa inteiramente renovados. Pesar, sim, pelos pecados leves ou graves, mas também uma iluminadora alegria pela consciência do perdão de Deus. Isto anima o cristão em vista de sua conversão quaresmal. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.