A CURA DO CEGO
Côn. José Geraldo Vidigal de
Carvalho*
O episódio do cego de nascença está centrado na
personalidade de Jesus de Nazaré e sua sublime missão (Jo 9,1-41). Esta é mal
aceita pelos judeus que vieram escutá-lo no templo de Jerusalém os quais
apanharam pedras para as atirarem contra Ele, mas Cristo, protegido pelos seus
discípulos, ocultou-se e saiu do templo. Jesus encontra então um cego de
nascença, afirmando-se como aquele que deveria vir. Como cada gesto de Jesus
tem um profundo sentido, a interpretação do gesto do lodo e da saliva nos
remete à cena da Criação. No Gênesis está escrito que no começo do mundo Deus
havia modelado o homem à sua imagem. Entretanto, com o pecado o homem tornou-se
cego e aviltou-se. Jesus agora colocando o lodo no olho do cego o turvou ainda
mais, significando que sem o sopro do Espírito do Ressuscitado não se pode
compreender a palavra de Deus que recria o homem cego pelo pecado original. Em
seguida então uma bela catequese, ou seja a cura do cego passa por um rito de
purificação. Não é o rito que cura, mas a Palavra que cura. Tal a ordem de
Jesus: “Vai lavar-te na piscina de Siloé”. Ele foi e seus olhos se abriram,
porque a palavra de Cristo foi posta em prática. Esta atitude causou polêmica e
aqueles que conheciam o cego não o reconhecem mais e não compreendem bem o que
havia ocorrido e decidem ir ver os fiadores do sentido do que estava ocorrendo,
aqueles que, para eles, viam claras as coisas, a saber, as autoridades
religiosas, os fariseus, que a seu turno interrogados, eles também não sabem
mais o que pensar, porque seu único critério é a lei e o Templo. Jesus
ultrapassara a lei do sábado e havia criticado fortemente o Templo. Eles interrogam
então o cego, que fora curado e via claramente, o que ele pensava de tudo isto.
O homem que fora curado simplesmente diz quem era Jesus para Ele: “É um
Profeta”. Interrogaram inclusive os pais do cego curado e seus pais que constataram
seu filho transformado respondem então: “Interrogai-o. Tem idade, ele próprio
falará a seu respeito”. O certo é que tendo posteriormente encontrado Jesus o cego
curado se prostrou diante de Cristo e o adorou, tendo dito que cria que Ele era
o Filho de Deus. Bela demonstração de fé dada por ele. A fé em Cristo não é
crer em promessas, mas ver claro através da fé. Nossa fé cristã é crer na ressurreição,
em nossa transformação através de Cristo. Nossa piscina de Siloé que purifica nosso olhar
é nossa maneira de escutar, de ser remido pelo amor, pelo perdão, pelo respeito
ao outro. Ter fé nos valores da partilha, agir por justiça e pelo interesse
pelos sofredores e excluídos de todos os tipos. Então, sim, nós podemos ver e
constatar que nos transformamos em autênticos cristãos e que é possível que
transformemos aqueles que estão em nosso derredor. É que a fé pode iluminar as
trevas mais profundas e a as demudar em
luz É o que se passou com este cego. Ele acreditou e ele viu. Daí a razão pela
qual ele se inundou numa profunda alegria. Os fariseus viam com seus olhos, mas
não acreditavam e só cultivavam a cólera e sua ira contra Jesus. Não criam que
Jesus era o Filho de Deus e não podiam assim receber sua luz. A cura de Jesus
não toca apenas o corpo, mas também o coração, o mais profundo da alma. Ela é
libertadora. Os fariseus se julgavam justos, aplicavam suas leis, mas não percebiam
até que ponto eles podiam faltar com o verdadeiro amor. Eis porque devemos colocar
os olhos de nossa vida à luz de Jesus afim de reconhecer o que é treva em nós e
lhe pedir que Ele as afaste, para que possamos viver de sua alegria. Como para
o cego de nascença Jesus vem a nosso encontro e está sempre pronto para nos
curar de todos os males Busquemos sempre junto dele uma total purificação. Cumpre,
porém, saber captar nossos males e buscar confiadamente o remédio deste Médico
divino. Donde a humildade para se reconhecer as necessidades espirituais, um
coração contrito que possa usufruir os dons divinos. Como vimos as reações e os
julgamentos dos que estavam em volta do cego curado foram sombrios e cheios de
contradições. Questões controversas que
visavam descaracterizar o grande milagre de uma cura formidável. Este trecho do
Evangelho está assim repleto de ironia sob o ilogismo dos que se se opunham ao
bom senso e à fé em Cristo. Depois de
mais de dois mil anos Jesus, porém, continua suscitando questões controversas e
tomadas diversas de posições. É o homem orgulhoso que se opõe ao mistério
cristológico, transportando as reações de nossa época que impedem uma fé
límpida na divindade do Filho de Deus. Por tudo isto este trecho do Evangelho
deve ser para nós um alerta para que sejamos coerentes e saibamos sempre
proclamar que Jesus, o Filho de Deus, é o Médico que cura e salva. *Professor no Seminário de Mariana durante
40 anos.
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