quinta-feira, 2 de março de 2023

 

12 SENHOR, DAI-NOS DESTA ÁGUA

Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*

Há momentos em que nos sentimos cansados de tudo, ou seja, de oferecer algo aos outros, de recomeçar, de ir buscar água nas fontes, de apanhar a água balde a balde sem nunca ser suficiente tal tarefa. Por vezes, é no momento mesmo em que dizemos “Tenho sede” que Jesus, para uma resposta, nos diz calmamente: “Dai-me de beber”. É que para refazer nossas forças Ele nos solicita um serviço; para nos conferir confiança, Ele nos dá a possibilidade de lhe oferecer algo, como, por exemplo, uma água fresca. Trata-se, na prática, de um momento de suma gratuidade, ou seja, da escuta de suas mensagens, de uma prece que flui do íntimo do coração; da adesão perfeita à vontade do Pai, como nós somos com nossas fraquezas e nossas possibilidades que Ele conhece melhor que nós mesmos. Muitas vezes, Jesus atravessa nosso caminho como aquele que se convida e nos convida. No Evangelho de hoje (Jo 4,5-42) Jesus não era um convidado pela mulher de Samaria e esta não pensava senão na água para seu último falso marido. É de se notar que é Cristo que toma a iniciativa do diálogo à beira do poço, como tantas vezes Ele procede conosco. O que importa nas várias circunstâncias da vida é não fugir do encontro com Ele, não se esquivar do olhar de Cristo, ostentando uma autossuficiência que tornaria menos visível nosso contato com Ele, menos clara nossa opção pelo Reino de Deus, menos austeros nosso caminho até Ele a o colóquio com este Mestre divino. A Samaritana pensou inicialmente resolver humanamente a questão levantando o fato de um judeu estar a pedir água a uma samaritana e os judeus não se davam bem com aquele povo. Ela, contudo, logo percebeu o que lhe seria pedido, ou seja, a conversão de seu coração, uma mudança de vida.  Cristo também nos interpela Ele que tão bem nos conhece, como Ele conhecia a vida da Samaritana. Como acontecia com ela, Jesus quer sempre que nós lhe descrevamos nosso proceder, pois Ele quer de nós a palavra que liberta antes que Ele pronuncie a palavra que salva. Ele tudo sabe, tudo conhece. Conhece nossa história, a esperança que trazemos dentro de nós e nossos momentos de fragilidade. Não obstante nossas negligências e falsos compromissos, é a Ele que decidimos pertencer e por nada neste mundo queremos deixar sua presença nem trair sua amizade. Ele sabe que nós O amamos. Ele nos visita como aquele que salva, redime. Ele acolhe tudo para tudo recriar. Ele quer tudo para tudo santificar, purificar, salvar. Ele nos diz como à Samaritana: “Vai vasculhar teu passado, todos os teus atos e dai-os a mim”.  Com Jesus o passado não impede nunca o futuro. Se Jesus coloca às claras nossas feridas é para nos mostrar um caminho de liberdade. A iniciativa de Cristo não é nunca culpabilizante e a calma com que conduz o diálogo sublinha bem que Ele não trabalha com pressões morais, mas no nível da verdade e podemos sempre lhe dize: “Tu dizes bem e o que tu dizes é verdadeiro”. É já viver a salvação o ser autêntico, sincero com o divino Salvador, sem contestações, sem cálculos. Cumpre, porém, face a seu olhar de misericórdia deixar descer a verdade no fundo do nosso ser e é isto que liberta.  Cristo vem até nós como aquele que nos transforma em apóstolo. A Samaritana antes de ser totalmente convertida, antes mesmo de ter ultrapassado o estágio das primeiras interrogações, recebe uma missão de Jesus: “Vai, chama teu marido, e volta aqui”. Tarefa impossível de ser realizada sem um retorno na vida daquele mulher, porque ela deve se encontrar com o verdadeiro marido, mas esta clarificação que lhe é proposta é como envolver sua missão e é mesmo a tarefa que resulta o mais claramente do que lhe pedia Jesus. Junto a seus conterrâneos a Samaritana proclama: “Vinde ver”! Ela, entretanto, não força o assentamento, pois leva somente um testemunho e propõe uma questão. Uma declaração que um estrangeiro vem de fazer sobre ela: “Ele me disse tudo o que eu tenho feito”. Paradoxalmente sua má conduta passada torna seu testemunho ainda mais contundente. Ela resume inclusive o processo de sua própria fé: “Este homem que me abordou, que me falou como um profeta, não será ele o Messias?” Quanto a nós que cremos que Jesus restaura nos incutindo confiança, respondamos sem temor à sua amizade e sejamos sempre um testemunho de sua graça. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

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