quarta-feira, 29 de março de 2023

 

FELIZES OS QUE NÃO VIRAM E CRERAM

Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*

No domingo da oitava de Páscoa, cada ano, a liturgia nos apresenta o episódio da incredulidade do Apostolo Tomé. A Igreja nos propõe este fato para nos ajudar no nosso próprio caminhamento espiritual, para firmar nossa fé na ressurreição de Jesus dentre os mortos.  Nossa fé em Cristo ressuscitado se apoia na experiência dos apóstolos que viram e tocaram no divino vitorioso, realidade que atravessa as gerações de cristãos que se sucedem século após século e que fundamenta nossa crença na divindade do Filho de Deus. Celebramos além disto o domingo da misericórdia como estabeleceu o papa João Paulo II, nos submergindo no admirável diálogo entre Jesus e Tomé. Melhor que Tomé nós temos três pilares para apoiar nossa fé: o testemunho e a experiência dos apóstolos, nossa própria experiência espiritual vivida na Igreja e a luz do Evangelho que aclaram nossa vida. Nossa fé se apoia sobre o testemunho e vivência dos apóstolos que viveram com Jesus, viram-no morrer sobre uma cruz, depois o reviram ressuscitado. Os discípulos contemplaram, Jesus falecido e estavam completamente desorientados e até pensavam que tudo estava acabado. Depois no terceiro dia após seu falecimento, eis que o túmulo estava vazio e eles também reviram com seus próprios olhos o Mestre vivo. Aquele que eles criam morto ei-lo no meio deles, eles o podiam tocar, partilhar com ele sua refeição. Fato surpreendente para eles e até podiam supor que fosse uma miragem. Mais de 2023 anos depois da constatação dos primeiro apóstolos porque crer ainda em seu testemunhos? É ele ainda verdadeiramente crível para nós em nossos dias? Não seria ele um mito, uma reconstrução inventada para esconder um fracasso? Duas características dos testemunhos e da experiência dos apóstolos nos permitem afastar tal interpretação segundo a qual a ressurreição de Cristo seria uma invenção dos discípulos. Inicialmente os Evangelhos nos mostram que os apóstolos foram os primeiros surpreendidos pela ressurreição de Jesus, mesmo que estivessem de uma certa maneira prevenidos disto. As narrativas do Novo Testamento nos falam que eles tinham mal crido nisto. Se eles tivessem por eles mesmos tido a vontade de fundar uma nova religião e desenvolver sua própria Igreja, eles teriam exercido um belo papel, eles teriam colocado antes de tudo não a sua incredulidade, mas sua fé e sua própria capacidade e competência. Ora, os textos evangélicos e o Novo Testamento em geral, nos mostram suas fraquezas e debilidades, particularmente ao ensejo da paixão de Cristo e depois o medo que os tomou e que os fez fugir até o dia de Pentecostes. Além do mais para fazer este pequeno grupo se transformar do medo em ardentes apóstolos a proclamar o incrível, seria preciso que um acontecimento extraordinário que os pudesse modificar completamente. Além disto, em suas experiências e nas narrativas que nos transmitiram estes apóstolos não cessaram todas de mostrar que Jesus havia ressuscitado dos mortos. Para convencer os homens, para lhes partilhar sua fé, os apóstolos não construíram entre eles uma narrativa unificada e harmonizada como se construíssem um cenário entre eles para manipular os incrédulos, eles simplesmente narraram o que cada um havia visto e vivido. Não houve tentativas visando estabelecer a vitória de Jesus sobre a morte.  Depois as gerações dos cristãos transmitiram fielmente as narrativas dos apóstolos para poder afirmar por sua vez que Jesus está bem vivo hoje em dia. Cada geração cristã tem podido experimentar a presença viva e atuante de Jesus ressuscitado no coração de nossa vida pessoal. A ressurreição significa então assim a primazia do amor gratuito de Deus para cada um de nós em relação a nossa capacidade pessoal visando a construção de nossa salvação eterna, nossa felicidade graças aos nossos esforços pessoais, baseando nosso fé no testemunho dos apóstolos, aclarando nossa vida, tudo baseado em nossa fé na ressurreição de Jesus que garante a nossa própria ressurreição. Isto dá sentido à nossa vida e nos leva a partilhar sua vida divina a esperar a plena realização de suas promessas Eis aí a Boa Nova da comemoração pascal. Todas estas considerações devem nos imergir na mais absoluta misericórdia de quem nos deu tantas provas de amor, revelando-se, de fato, nosso Redentor que é Deus e homem verdadeiro, aquele que morreu sobre a cruz e ressuscito ao terceiro dia imortal e impassível. Ele a nos dizer como a Tomé: “Bem-aventurados os que não viram e creram” * Professor no Seminário de Mariana durante 40

 

segunda-feira, 27 de março de 2023

 

 

                 SIGNIFICADO DA PÁSCOA

       Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*

A maravilhosa ressurreição de Cristo é o fundamento da fé e da esperança cristãs. No dizer de Santo Agostinho, o Filho de Deus, vencedor da morte, na Páscoa dá uma prova incontestável de sua divindade e é penhor da ressurreição, um dia, dos que nele creem e esperam.

Durante sua pregação Jesus salientou diante dos que pediam uma demonstração de sua divindade: “Esta geração perversa e adúltera solicita um prodígio, mas não será dado outro prodígio senão o prodígio do profeta Jonas”. (Mateus 16,4). Anteriormente ele havia censurado do mesmo modo os fariseus, explicando que “assim como Jonas esteve no ventre da Baleia três dias e três noites, assim estará o Filho do homem três dias e três noites no seio da terra” (Mat. 12,38-40).

 Quando da expulsão dos vendilhões do Templo, arguido sobre de onde lhe vinha autoridade para tanto, Ele declarou: “Destruí este templo e eu o reedificarei em três dias” (João 2,19). São João explicou com notável precisão: “Ora, Ele falava do templo de seu corpo. Quando, pois, ressuscitou dos mortos lembraram-se seus discípulos do que Ele dissera, e creram na Escritura e nas palavras que Jesus tinha dito” (2,21-22).

 Aliás Cristo falou claramente: “O Filho do homem será entregue à morte, e ressuscitará ao terceiro dia” (Mat. 17,22). Como escreveu São João Crisóstomo, este fato glorioso, nos desígnios de Deus, fora estabelecido sinal definitivo da missão divina de Jesus. Isto foi compreendido perfeitamente por seus discípulos, tanto que São Paulo peremptoriamente declarou: “Se Cristo não ressuscitou é vã a nossa pregação, é também vã a vossa fé” (1 Cor. 15,14). A propagação do Evangelho se deu, antes de tudo, firmada neste evento faustoso, de capital importância para o estabelecimento da Igreja por toda a parte, num processo, realmente, extraordinário. Nada pôde deter a expansão da doutrina do Redentor, triunfador imortal e invencível. Como Santo Tomé, milhares se prostraram ante Ele a repetirem: “Meu Senhor e meu Deus!” (João 20,28). Além de ser, deste modo, o fundamento da fé, a ressurreição de Cristo é arras de idêntica vitória sobre a morte para aquele que crê ser Ele o Salvador da humanidade. São Paulo assim se expressou: “Cristo ressuscitou dos mortos, sendo Ele as primícias dos que dormem, porque. Assim como a morte veio por um homem, também por um homem veio a ressurreição dos mortos” (1 Cor. 15,20-21). Aliás, no Antigo Testemunho, o justo Jó proclamara: “Porque eu sei que meu Redentor vive, que no último dia ressurgirei da terra, serei novamente revestido da minha pele e na minha própria carne verei o meu Deus” (Jó 925-26). O Apóstolo das Gentes desceu a detalhes: “Assim a ressurreição dos mortos. Semeia-se (o corpo) corruptível, ressuscitará incorruptível. Semeia-se na ignomínia, ressuscitará glorioso; semeia-se inerte, ressuscitará robusto; é semeado um corpo animal, ressuscitará um corpo espiritual” (1 Cor. 15,42-44). Grandes verdades a serem recordadas na Páscoa. Infeliz o libertino que não crê em realidades tão sublimes. Desventurado o cristão que exteriormente diz acreditar, mas não vive de acordo com tal crença e não segue as diretrizes paulinas: “Se ressuscitastes com Cristo, buscai as coisas que são lá de cima, onde Cristo está sentado à destra de Deus; afeiçoai-vos às coisas que são lá de cima, não às que estão sobre a terra” (Col. 3,1-2). Felizes os fiéis que não apenas creem nestas verdades, mas fazem delas a regra de sua vida e delas tiram as mais vigorosas motivações para viverem unidos ao Redentor Ressuscitado, praticando tudo que Ele ensinou. A única via que nos é accessível é da fé. Esta fé não é uma fuga em uma representação fictícia.  Ela se apoia na Palavra de Deus. Este nos dá o seu Filho que pelo seu abatimento mereceu depois a exaltação da ressurreição que faz todas as coisas novas. Peçamos ao Senhor vivermos intensamente as mensagens pascais. Assim poderemos levar por toda parte uma nota de esperança e de alegria.  A ressureição de Cristo, como bem se expressou o Papa Francisco em seu texto “A alegria do Evangelho,” produz no nosso mundo germes de um mundo novo, porque a ressurreição do Senhor está já penetrada da trama oculta desta história, porque Jesus não ressuscitou para nada.  Nós não podemos ficar à margem deste caminho de esperança viva. Com nossos irmãos de tradição oriental   saudemo-nos neste dia, proclamando e dizendo com toda convicção: “Cristo ressuscitou, Cristo verdadeiramente ressuscitou”.   *Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos

quinta-feira, 23 de março de 2023

 

PASCOA DO SENHOR

Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*

Pedro e João viram o túmulo vazio (jo 20,1-9).  Pela manhã, com efeito, dois homens correram para o túmulo de Jesus, a saber, Pedro que bem se recompusera depois da traição, e João que tudo havia vivido bem de perto ao pé da cruz com Maria a mãe de Jesus João tinha ainda nos olhos as cenas trágicas da sexta feira e estas imagens de sofrimento e de morte se misturavam às lembranças de três anos nos quais os discípulos viveram cada dia com o Mestre divino, partilhando suas refeições, suas fadigas, sua sublime missão.  Reencontrar Jesus era cada vez qualquer coisa de muito simples, mas também cada dia um acontecimento que se gravava nos seus olhos e no seu coração. Ei-los chegados, após atravessarem um pequeno jardim, em nível inferior ao Gólgota, e João se inclina, olha rapidamente, depois se afasta para deixar entrar Pedro que era mais idoso e digno de respeito. Pedro olha pausadamente:  as roupas brancas que estão lá no lugar do corpo: o sudário está lá também, no lugar da cabeça bem enrolado à parte. Ele se diz: “As mulheres têm razão: “Levaram o Senhor. Onde está Ele agora:”. É então, diz o Evangelho, que João entrou por sua vez: ele vu e acreditou”. O que é que ele viu? As mesmas coisas que Pedro, as mesmas roupas, no mesmo lugar, e o tumulo estranhamente quieto, inexplicavelmente vazio. “Ele viu e acreditou”. Na Galileia e na Judeia João não tinha ainda senão pressentido o mistério de Jesus. Ele via, ele percebia muitas coisas, frequentemente seu olhar, seguindo Jesus, lhe propunha   questões silenciosas. Nesta manhã, porém, simplesmente João viu e acreditou. Ele viu os sinais da ausência e ele teve a certeza de que Jesus era o vencedor. O túmulo vazio, sim, mas ninguém havia roubado o corpo de seu Senhor; o túmulo vazio, mas Jesus estava vivo com seu corpo não em qualquer parte no nosso mundo, mas Ele vivo junto de Deus. João acreditou. Na penumbra do túmulo uma luz muito suave penetrou nele e como uma espécie de evidência feliz o submergiu: Jesus estava vivo para sempre, fonte de vida que Ele é.  Lá estão os dois, João e Pedro, maravilhados, sós, ambos na sepulcral pedra fria, mas jamais Jesus esteve tão presente para eles, cuja fé acabava de eclodir impetuosamente como um grito de triunfo, um clamor que ressoava do fundo do coração, lá onde nenhuma palavra era suficientemente bela, nem assaz verdadeira: um grito de triunfo que sai do silêncio e que para aí volta: “O Senhor ressuscitou”! Entretanto, esta alegria que   se irradia é de tal maneira que ela enriqueceu os corações e de Pedro e João no momento mesmo em que eles reconhecem em Jesus ausente seu Senhor e seu Deus, descobrindo então sua missão sublime, a saber, no coração da comunidade de Jesus, pois eles serão o testemunho de sua presença. Entremos então neste dia de Páscoa no túmulo vazio. Nós não nos sentimos tão estupefatos talvez porque não tenhamos mais a força, ou o gosto, ou a coragem de procurar verdadeiramente o Senhor e de nos regorjearmos pela sua vitória sobre a morte.  Entretanto, é na pedra fria do túmulo vazio que o júbilo da Páscoa nos aguarda como nós somos e onde nós estamos com o peso de nossas essências, de nossas fraquezas, com os enganos de nosso coração, com nossas lentidões e com nossas esperança tão pequenina. No entanto na mesma pedra do túmulo a alegria da Páscoa nos aguarda tais como nós somos.  A todos a alegria do divino Ressuscitado é prometida e é Ele que este gaudio nos dá. Não se pode conceder a si mesmo o júbilo pascal, a felicidade da vida de Deus. Não se pode depositar em si mesmo artificialmente a alegria de Jesus Triunfante, porque ela seria ou por demais ofuscante, ou forte demais para quem sofre. É preciso recebê-lo abrindo os olhos, o coração, todo o ser. Este júbilo do dia da grande vitória é Jesus quem a oferece a nós, mas para poder degustar este gozo é necessário nele se imergir. Não é uma alegria separada de tudo mais, nem ao lado da vida real como um parêntesis no cotidiano. É uma alegria que malgrado todo o resto, não obstante o cotidiano que reencontramos no constato com o mundo, precisa ser o motor de nossa existência. É uma alegria que deve preencher toda vida do cristão, o passado e o presente, para tudo reconduzir a Deus. Isto porque alegria da Páscoa é a única que atravessa a morte! Vivamos assim nosso júbilo pascal, Cristo ressuscitou! Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

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quinta-feira, 16 de março de 2023

 

43 DOMINGOS DE RAMOS E DA PAIXÃO DE JESUS

Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho

O domingo de Ramos e da Paixão do Senhor marca hoje o começo da Grande Semana, a Semana Santa, durante a qual serão revividos em detalhes derradeiros dias da vida do divino Redentor. Deve reter nossa atenção o abandono total de Jesus à vontade de seu Pai que o faz carregar os pecados do mundo. Cumpre fixar as palavras de Blaise Pascal: “Eu pensei em ti em minha agonia”. Toda a liturgia desta Semana, se bem vivida, leva, em consequência, a uma maravilhosa transformação da vida espiritual do cristão. É que os últimos momentos da vida do divino Salvador se desenrolam à luz da sua gloriosa Ressurreição a ser comemorada no próximo domingo de Páscoa. Isto porque   a vida de Cristo não conduzem a um nada. Sua entrega incondicional   aos planos divinos da redenção humana O levará à exaltação de Páscoa quando a manifestação de seu poder, deve envolver a quantos O reconhecem como seu Senhor e Salvador não a sentimentos pueris, mas a uma dileção profunda, traduzida em atitudes concretas. Eis por que é preciso entrar na Semana Santa com uma fé profunda e não menor humildade, inspirados pelo Espírito Santo e, deste modo, impregnados pelas luzes celestiais nos envolveremos nos dons especiais destes dias benditos. A liturgia oferece momentos pessoais de profícua meditação, poia Jesus se nos apresentará como o servidor por excelência. Como Ele mesmo advertiu, “não é aquele que diz Senhor, Senhor que entrará no reino que Ele nos oferece com seus sofrimentos, mas aquele que faz em tudo a vontade do Pai. Ele que é a Palavra de Deus ele se fez carne e habitou entre nós se cala ante os gritos de seus inimigos. Não revida aos ultrajes de seus opressores, ante aqueles que o tratam como um escravo. A humilhação da Paixão o tornou a inda mais próximo de todos os infelizes e sofredores. Pensemos então, nestes dias também naqueles que estão reduzidos à miséria, nos abandonados a sua triste sorte, naqueles que fielmente inclusive testemunham sua fé até o martírio. Sobre a cruz, braços estendidos, Jesus abraçou todos os humilhados da terra.  Os cristãos sempre reconheceram Jesus como um mártir, um testemunho do amor de Deus mais forte do que a morte. Desfigurado pelas violências dos homens, fora já transfigurado pelo Pai, Ele foi elevado na glória. Doravante toda língua pode e é preciso proclamar: “Jesus Cristo é o Senhor para glória de Deus Pai”. A Semana Santa nos faz assim entrar nas horas sombrias e trevosas da Paixão e nos conduzirá para a luminosidade da gloriosa vitória de Jesus sobre a morte e o pecado. Foi terrível a atitude de Judas, “um dos doze”, que desiludido sem dúvida pela figura paradoxal do Messias, por não o ter bem compreendido, entregou o Mestre nas mãos de seus inimigos. Notemos, porém, que Jesus não era um rabi ordinário: Ele foi vendida pelo preço de escravo, uma quantia irrisória, eles pesaram seu salário, a saber trinta ciclos de prata.  São Mateus, contudo, nos leva a considerar a ternura e a vulnerabilidade de Deus em Jesus. Este declara a seu povo: " Não temas eu te libertei, eu sou teu salvador. Tu contas muito aos meus olhos (Si 43, 1-3). Este Deus ei-lo desprezado, reduzido à impotência por esta ruptura da Aliança, sempre ferido pela ingratidão, sempre, porém, também envolvo na ternura e no amor louco de dileção por nós. Cumpre fixar estas realidades marcantes nesta semana singular e lembrar-nos sobretudo que Jesus é uma passagem para o Pai, fazendo-se, realmente o caminho, a verdade rumo às verdades eternas.   A Semana Santa nos deve levar, deste modo, ao crescimento de nossa gratidão a Jesus nos mantendo unidos Àquele que tanto nos amou, seguindo fielmente todos os seus ensinamentos. Judas pensou esconder seu crime diante da presença onisciente de um Deus que conhece o íntimo dos corações, mas em vão. Entretanto, Deus antes de se tornar nosso juiz inexorável    é nosso Pai e leva sempre sua misericórdia e seu perdão até o fim.  O Coração de Jesus se encheu de dor não porque Ele foi traído, mas sobretudo porque um de seus apóstolos se afastava definitivamente dele por um vil dinheiro. Assim a Semana Santa nos deve conduzir a uma revisão se nossa condição de remidos por um sangue preciosíssimo. Assim sendo, se evitará uma simples reconstituição histórica artificial dos momentos tocantes da vida de Cristo. É preciso nestes dias, mais do que nunca, colocar em prática o conselho de São Paulo aos Filipenses: “Tende em vós os sentimentos que foram aqueles de Cristo Jesus”, ou seja, trata-se de nos deixar habitar pelo Espírito de Cristo, colocando nossos passos nos passos do Redentor. Abordar estas etapas com as disposições do Mestre divino que operou uma obra formidável pela humanidade, uma redenção a ser vivida em plenitude. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

 

quinta-feira, 9 de março de 2023

 

14 A RESSURREIÇÃO DE LÁZARO

Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*

O episódio da ressurreição de Lázaro leva-nos a refletir sobre a morte e a vida (Jo 11,1-45). Duas grandes palavras, dois importantes enigmas. São realidades com as quais sempre nos confrontamos, sobretudo quando a doença nos ameaça ou quando ela golpeia aqueles que nós amamos. O referido trecho do Evangelho de São João nos leva a refletir sobre nossos temores e nossas enfermidades. Ele nos permite olhar um instante sobre a vida e a morte, mas nos envolvendo num horizonte de paz e esperança. Vejamos as reações das duas irmãs e, em seguida, as respostas de Jesus.  Marta e Maria possuíam temperamentos diferentes, mas possuíam uma afeição idêntica para com seu irmão Lázaro. Acontece, porém, que ele cai gravemente enfermo e, então, as suas irmãs enviam um comunicado a Jesus, um apelo de admirável amizade e sensatez: “Senhor, aquele que amas está doente”.  Uma prece sublime! Frequentemente diante do calvário das moléstias incuráveis, mormente daqueles que nos são mais queridos, de fato, só nos resta implorar o Senhor Onipotente. A prece das duas irmãs diz tudo, e relata muito bem, porque esta súplica toma Jesus pelo coração: “Aquele que tu amas está doente”. Uma vez que Jesus chega a Betânia, cada uma reage a sua maneira de ser. Marta, se dirige logo diante do Mestre; Maria fica assentada em casa. Marta, entretanto, sentindo o peso de ter somente ela a receber o amigo divino, vem dizer a sua irmã, num tom bem cordial, para não aumentar seu sofrimento: “O Mestre está lá e te chama”. Uma depois de outra dizem a Jesus esta frase, tão frequentemente usada entre elas depois de quatro dias: “Senhor, se estivesses aqui meu irmão não teria morrido”, “tu terias impedido que tal acontecesse” Elas parecem repetir cada uma vez de cada vez: “De longe tu não podias nada fazer e “agora ele está morto, tu não podes fazer mais nada”. Admirável como reage Jesus! Depois de algumas semanas além do Jordão para não provocar seus inimigos, Cristo volta a Jerusalém não obstante o perigo, mas sua atitude revela a autenticidade de sua vida afetiva. Por duas vezes ele estremece interiormente vendo a tristeza de Maria e dos que a acompanhavam, quando ouve então alguém dizer: “Aquele que abriu os olhos do cego poderia ele ter impedido Lázaro morrer”. Mormente diante do túmulo de Lázaro, Jesus chora, lágrimas humanas a tal ponto que circunstantes dizem: “Vede como Ele o amava”. Jesus que se entregaria livremente à sua paixão, conheceu como nós todos a tragédia da morte e da separação. Ele, porém, olha além da morte corporal e para provar que Ele tem o poder sobre a vida e a morte corporal, e para provar que Ele tem o poder sobre a vida, vai conceder a seu amigo alguns anos de vida entre os seus entes queridos. A Marta que lhe diz: “Eu sei que ele ressuscitará no último dia”, Cristo responde, centrando tudo na sua pessoa de Filho de Deus: “Eu sou a ressurreição e a vida e aquele que crê em mim, ainda que esteja morto, viverá e todo aquele que vive e crê em mim não morrerá jamais. Crês isto?” A nós que vivemos no século XXI depois de seu nascimento, Jesus interroga também: “Crês isto”? Ele então resume em algumas palavras o credo da vida e da ressurreição, este credo quer é para nós portador de paz e esperança: a morte não é senão um sonho   do qual ele nos despertará; a vida nova já está nele, já oferecida, dada àqueles que colocam nele sua fé e esta vida atravessará a morte corporal, porque Ele, o Filho de Deus, que nos faz viver antes, nos fará viver depois. Bem mais, nosso corpo ele mesmo, este corpo de alegria e de miséria, terá parte naquela vida eterna, naquela felicidade sem fim, quando Ele, o Ressuscitado, nos ressuscitará no último dia. Nós batizado, cremos nisto? Será que acreditamos hoje que as coisas definitivas começarão para nós quando tudo terá acabado nesta trajetória terrena? Será que cremos, apoiados em nosso Deus, que seu projeto de vida engloba todos os que já morreram?  Cremos que Jesus, o Ressuscitado, oferece logo um sentido à nossa morte e que isto, hoje, deve mudar o sentido de nossa vida? Irmãos e Irmãs, reforcemos nossa fé na fé da Igreja e digamos como Marta, com a mesma lealdade, com a mesma alegria: “Sim, Senhor, eu creio que tu és o Cristo, o Filho de Deus que veio a este mundo”. Repartamos então mais lucidamente, mais alegremente, em nossa tarefa fraternal, numa vida de devotamente e de partilha para glória de Deus e salvação do mundo, repartamos como Marta, junto àqueles que nós amamos nosso segredo: “Cremos que Jesus é o Filho de Deus, Ele é nossa vida e salvação”! O Evangelho vem assim nos interrogar sobre nossa própria fé.  Como cristãos cremos no      céu e nós esperamos todos ir para lá após nossa morte, mas o que é, de fato, a ressurreição de Jesus em nossa vida diária? * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

 

terça-feira, 7 de março de 2023

 

 A CURA DO CEGO

Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*

O episódio do cego de nascença está centrado na personalidade de Jesus de Nazaré e sua sublime missão (Jo 9,1-41). Esta é mal aceita pelos judeus que vieram escutá-lo no templo de Jerusalém os quais apanharam pedras para as atirarem contra Ele, mas Cristo, protegido pelos seus discípulos, ocultou-se e saiu do templo. Jesus encontra então um cego de nascença, afirmando-se como aquele que deveria vir. Como cada gesto de Jesus tem um profundo sentido, a interpretação do gesto do lodo e da saliva nos remete à cena da Criação. No Gênesis está escrito que no começo do mundo Deus havia modelado o homem à sua imagem. Entretanto, com o pecado o homem tornou-se cego e aviltou-se. Jesus agora colocando o lodo no olho do cego o turvou ainda mais, significando que sem o sopro do Espírito do Ressuscitado não se pode compreender a palavra de Deus que recria o homem cego pelo pecado original. Em seguida então uma bela catequese, ou seja a cura do cego passa por um rito de purificação. Não é o rito que cura, mas a Palavra que cura. Tal a ordem de Jesus: “Vai lavar-te na piscina de Siloé”. Ele foi e seus olhos se abriram, porque a palavra de Cristo foi posta em prática. Esta atitude causou polêmica e aqueles que conheciam o cego não o reconhecem mais e não compreendem bem o que havia ocorrido e decidem ir ver os fiadores do sentido do que estava ocorrendo, aqueles que, para eles, viam claras as coisas, a saber, as autoridades religiosas, os fariseus, que a seu turno interrogados, eles também não sabem mais o que pensar, porque seu único critério é a lei e o Templo. Jesus ultrapassara a lei do sábado e havia criticado fortemente o Templo. Eles interrogam então o cego, que fora curado e via claramente, o que ele pensava de tudo isto. O homem que fora curado simplesmente diz quem era Jesus para Ele: “É um Profeta”. Interrogaram inclusive os pais do cego curado e seus pais que constataram seu filho transformado respondem então: “Interrogai-o. Tem idade, ele próprio falará a seu respeito”. O certo é que tendo posteriormente encontrado Jesus o cego curado se prostrou diante de Cristo e o adorou, tendo dito que cria que Ele era o Filho de Deus. Bela demonstração de fé dada por ele. A fé em Cristo não é crer em promessas, mas ver claro através da fé. Nossa fé cristã é crer na ressurreição, em nossa transformação através de Cristo.  Nossa piscina de Siloé que purifica nosso olhar é nossa maneira de escutar, de ser remido pelo amor, pelo perdão, pelo respeito ao outro. Ter fé nos valores da partilha, agir por justiça e pelo interesse pelos sofredores e excluídos de todos os tipos. Então, sim, nós podemos ver e constatar que nos transformamos em autênticos cristãos e que é possível que transformemos aqueles que estão em nosso derredor. É que a fé pode iluminar as trevas   mais profundas e a as demudar em luz É o que se passou com este cego. Ele acreditou e ele viu. Daí a razão pela qual ele se inundou numa profunda alegria. Os fariseus viam com seus olhos, mas não acreditavam e só cultivavam a cólera e sua ira contra Jesus. Não criam que Jesus era o Filho de Deus e não podiam assim receber sua luz. A cura de Jesus não toca apenas o corpo, mas também o coração, o mais profundo da alma.  Ela   é libertadora. Os fariseus se julgavam justos, aplicavam suas leis, mas não percebiam até que ponto eles podiam faltar com o verdadeiro amor. Eis porque devemos colocar os olhos de nossa vida à luz de Jesus afim de reconhecer o que é treva em nós e lhe pedir que Ele as afaste, para que possamos viver de sua alegria. Como para o cego de nascença Jesus vem a nosso encontro e está sempre pronto para nos curar de todos os males Busquemos sempre junto dele uma total purificação. Cumpre, porém, saber captar nossos males e buscar confiadamente o remédio deste Médico divino. Donde a humildade para se reconhecer as necessidades espirituais, um coração contrito que possa usufruir os dons divinos. Como vimos as reações e os julgamentos dos que estavam em volta do cego curado foram sombrios e cheios de contradições.  Questões controversas que visavam descaracterizar o grande milagre de uma cura formidável. Este trecho do Evangelho está assim repleto de ironia sob o ilogismo dos que se se opunham ao bom senso e à fé em Cristo.  Depois de mais de dois mil anos Jesus, porém, continua suscitando questões controversas e tomadas diversas de posições. É o homem orgulhoso que se opõe ao mistério cristológico, transportando as reações de nossa época que impedem uma fé límpida na divindade do Filho de Deus. Por tudo isto este trecho do Evangelho deve ser para nós um alerta para que sejamos coerentes e saibamos sempre proclamar que Jesus, o Filho de Deus, é o Médico que cura e salva. *Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

 

quinta-feira, 2 de março de 2023

 

12 SENHOR, DAI-NOS DESTA ÁGUA

Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*

Há momentos em que nos sentimos cansados de tudo, ou seja, de oferecer algo aos outros, de recomeçar, de ir buscar água nas fontes, de apanhar a água balde a balde sem nunca ser suficiente tal tarefa. Por vezes, é no momento mesmo em que dizemos “Tenho sede” que Jesus, para uma resposta, nos diz calmamente: “Dai-me de beber”. É que para refazer nossas forças Ele nos solicita um serviço; para nos conferir confiança, Ele nos dá a possibilidade de lhe oferecer algo, como, por exemplo, uma água fresca. Trata-se, na prática, de um momento de suma gratuidade, ou seja, da escuta de suas mensagens, de uma prece que flui do íntimo do coração; da adesão perfeita à vontade do Pai, como nós somos com nossas fraquezas e nossas possibilidades que Ele conhece melhor que nós mesmos. Muitas vezes, Jesus atravessa nosso caminho como aquele que se convida e nos convida. No Evangelho de hoje (Jo 4,5-42) Jesus não era um convidado pela mulher de Samaria e esta não pensava senão na água para seu último falso marido. É de se notar que é Cristo que toma a iniciativa do diálogo à beira do poço, como tantas vezes Ele procede conosco. O que importa nas várias circunstâncias da vida é não fugir do encontro com Ele, não se esquivar do olhar de Cristo, ostentando uma autossuficiência que tornaria menos visível nosso contato com Ele, menos clara nossa opção pelo Reino de Deus, menos austeros nosso caminho até Ele a o colóquio com este Mestre divino. A Samaritana pensou inicialmente resolver humanamente a questão levantando o fato de um judeu estar a pedir água a uma samaritana e os judeus não se davam bem com aquele povo. Ela, contudo, logo percebeu o que lhe seria pedido, ou seja, a conversão de seu coração, uma mudança de vida.  Cristo também nos interpela Ele que tão bem nos conhece, como Ele conhecia a vida da Samaritana. Como acontecia com ela, Jesus quer sempre que nós lhe descrevamos nosso proceder, pois Ele quer de nós a palavra que liberta antes que Ele pronuncie a palavra que salva. Ele tudo sabe, tudo conhece. Conhece nossa história, a esperança que trazemos dentro de nós e nossos momentos de fragilidade. Não obstante nossas negligências e falsos compromissos, é a Ele que decidimos pertencer e por nada neste mundo queremos deixar sua presença nem trair sua amizade. Ele sabe que nós O amamos. Ele nos visita como aquele que salva, redime. Ele acolhe tudo para tudo recriar. Ele quer tudo para tudo santificar, purificar, salvar. Ele nos diz como à Samaritana: “Vai vasculhar teu passado, todos os teus atos e dai-os a mim”.  Com Jesus o passado não impede nunca o futuro. Se Jesus coloca às claras nossas feridas é para nos mostrar um caminho de liberdade. A iniciativa de Cristo não é nunca culpabilizante e a calma com que conduz o diálogo sublinha bem que Ele não trabalha com pressões morais, mas no nível da verdade e podemos sempre lhe dize: “Tu dizes bem e o que tu dizes é verdadeiro”. É já viver a salvação o ser autêntico, sincero com o divino Salvador, sem contestações, sem cálculos. Cumpre, porém, face a seu olhar de misericórdia deixar descer a verdade no fundo do nosso ser e é isto que liberta.  Cristo vem até nós como aquele que nos transforma em apóstolo. A Samaritana antes de ser totalmente convertida, antes mesmo de ter ultrapassado o estágio das primeiras interrogações, recebe uma missão de Jesus: “Vai, chama teu marido, e volta aqui”. Tarefa impossível de ser realizada sem um retorno na vida daquele mulher, porque ela deve se encontrar com o verdadeiro marido, mas esta clarificação que lhe é proposta é como envolver sua missão e é mesmo a tarefa que resulta o mais claramente do que lhe pedia Jesus. Junto a seus conterrâneos a Samaritana proclama: “Vinde ver”! Ela, entretanto, não força o assentamento, pois leva somente um testemunho e propõe uma questão. Uma declaração que um estrangeiro vem de fazer sobre ela: “Ele me disse tudo o que eu tenho feito”. Paradoxalmente sua má conduta passada torna seu testemunho ainda mais contundente. Ela resume inclusive o processo de sua própria fé: “Este homem que me abordou, que me falou como um profeta, não será ele o Messias?” Quanto a nós que cremos que Jesus restaura nos incutindo confiança, respondamos sem temor à sua amizade e sejamos sempre um testemunho de sua graça. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

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