A VIDA SOBRENATURAL
Côn. José Geraldo Vidigal de
Carvalho*
Há uma passagem nos salmos sumamente ilustrativa
sobre a participação na vida divina: ”Procurai Deus e vossa alma viverá” (Sl
68,33) É que a alma sendo espiritual encontra a plenitude de seu conhecimento e
de sua faculdade de amar somente naquele que é a sabedoria infinita e o amor
eterno. Portanto, conhecer sempre mais a Deus e procurar amá-lo com todo o coração,
com todas as forças e com todo o entendimento é alcançar a totalidade da
verdade e a autêntica felicidade. Este ideal supõe um esforço contínuo, dado
que a inteligência humana é finita, limitada, e a vontade nem sempre leva à
adesão ao valor supremo com uma dileção integral ao Ser Supremo. Daí ser
necessário pedir sempre as luzes do Espírito Santo, solicitando-O a encher o coração
com o fogo de seu amor. É Ele que aclara a razão humana com relação aos
mistérios divinos e leva a uma entrega amorosa ao Criador. Deste modo, o
cristão pode sempre dizer a seu Senhor: “Tu me ensinas a sabedoria [...] Que eu
tenha por consolação teu amor” (Sl 50,8; 118,76). Assim, fica saciada a alma que
se acha inquieta até que repouse em Deus. Grande sabedoria é implorar a ação da
graça divina, pois sem o auxílio celeste é impossível captar a maravilhas da
Verdade Suprema e dedicar a Ela um culto ininterrupto traduzido na
transformação de todas as atividades em atos de um sincero afeto. Aí está o segredo da paz interior, pois o
repouso só é encontrado naquele que é a fonte da beatitude completa. Afastadas
inteiramente as paixões desordenadas, a alma se vê imersa na luminosidade
divina e se envolve nos deleites do oceano da ternura de seu Deus. O fiel pode
então dizer a este Deus com o salmista: “Há abundância de alegria junto de vós,
e delícias eternas à vossa direita” (Sl 15, 11). Compreende-se, assim, como são
infelizes os que se deixam envolver pelos desejos terrenos, andando longe da
fonte da insofismável beatitude. Frustrações conhecem aqueles que se distanciam
daquele que unicamente pode oferecer o que sua alma aspira. Quem, porém, se
acha unido a seu Senhor, ao surgirem as cruzes e os sofrimentos inerentes ao
exílio desse mundo, os transforma em pérolas para a eternidade. Tudo suporta
sem nunca se deixar abater na caminhada rumo à Casa do Pai. Nada impede a este
discípulo de Cristo crescer no conhecimento dos desígnios divinos e acatá-los com resignação amorosa. Este ideal é
possível a todos os fiéis e não é patrimônio apenas de grandes santos. Deus que
sonda o fundo dos corações é capaz de aquilatar e valorizar o esforço de cada
um na vivência de uma vida sobrenatural regida pelo asseio de conhecê-lo e de amá-lo.
São Bento, num instante de pulcra inspiração, ensinou: “Eis que em sua bondade
o Senhor nos mostra o caminho da vida. Cingidos, portanto, nossos rins com a fé
e a prática das boas obras, à luz do Evangelho, sigamos por seus caminhos, a
fim de merecermos ver no seu reino aquele que nos chamou. Se quisermos habitar no
tabernáculo do reino, de modo algum, lá chegaremos, a não ser correndo pelas
boas ações”. Para isto é preciso deixar o Espírito Santo agir. Ele confere à
alma hábitos espirituais, impregnando todas as dimensões conscientes e
inconscientes, racionais e afetivas. Então o cristão vai se tornando dócil às
inspirações divinas. Dá-se uma transformação e harmonização cada vez mais intensa
graças aos carismas recebidos. O Espírito Santo, realmente, dilata a vida
sobrenatural do fiel à medida que este permite que Ele opere em sua intimidade.
Se a santidade a que é chamado todo batizado
consiste na união com Deus, o dever primordial consiste em interpretar e viver com
autenticidade o que o Espírito Santo sugere. Cumpre deixar que o Paráclito se
expresse com riqueza de iniciativas através de todo o ser humano Portanto, o
crescimento da vida sobrenatural depende do discernimento e da docilidade ao
Espírito Santo . São duas virtudes fundamentais na existência cristã. Então
toda a atividade humana se torna espiritual, mesmo que o batizado viva envolto
em inúmeras atividades. Estas se tornam preces contínuas de louvor a Deus, para
o qual, entretanto, se volta mais intensamente o cristão nos momentos das
preces, instantes sublimes de suas tertúlias com o seu Senhor. Com sua vida sobrenatural
intensa~o batizado se torna por toda
parte a verdadeira imagem de Deus * Professor no Seminário de Mariana durante
40 anos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário