quinta-feira, 28 de julho de 2016

A GRANDE CONQUISTA DO SER HUMANO

A GRANDE CONQUISTA DO SER HUMANO
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*

Por entre as vicissitudes cotidianas do ser humano, este nem sempre reflete profundamente sobre a grandeza de seu destino, o qual é sinal insofismável de sua maravilhosa dignidade.  Neste mundo  conhecer a Deus através da inteligência e poder ama-lo é uma prova da excelência da criatura racional dentro do plano do Criador. Esta verdade é ratificada pela Bíblia desde as primeiras páginas do Gênesis. Assim sendo, os  desejos humanos não devem estar  presos aos horizontes terrenos, impedindo que se penetre  na eternidade para a qual cada um caminha. Eis por que, quando alguém se deixa aprisionar pelas coisas materiais, não apenas trai sua grandeza, mas também se imerge,  quer queira, quer não, na angústia existencial. Busca nas ilusões passageiras algo que somente as realidades espirituais podem lhe oferecer. Tudo que o cerca precisa ser considerado em função do Ser Supremo. A grande questão é o reto uso da liberdade, a qual necessita ser iluminada pela graça divina para que haja o discernimento nesta travessia temporal. Uma supervalorização da posse de bens transitórios se torna  para muitos uma obsessão que fatalmente leva à corrupção com todas as suas fatais consequências. Estes então se esquecem de que para a outra vida nada se leva daquilo que com  tanta fadiga vai sendo inutilmente acumulado. No momento em que há uma sujeição aos bens materiais, a própria saúde corporal fica tantas vezes comprometida com os excessos no comer e no beber. Adite-se que um dos erros do ser humano é também procurar nas honras, na fama, na popularidade sua realização, buscada não em função do cumprimento do dever, mas de uma glória efêmera. Aqueles, porém, que agem mirando uma recompensa na Jerusalém celeste longe de abominar os sacrifícios, as cruzes de cada dia, os esforços na prática das virtudes superam todas as lutas e se engrandecem interiormente nas pelejas que a adesão a Deus exige. Para que este ideal seja colimado é preciso se apartar de tudo que, ainda de longe, possa afastar a presença deste Deus “no qual vivemos, existimos e somos”.  O critério que deve nortear quem age com bom senso  é tudo que o Todo-poderoso Senhor  revelou, sobretudo na plenitude de sua revelação através do Evangelho pregado por Cristo. Este legou exemplos esplendorosos que guiam, iluminam e fizeram e fazem os que procuram a perfeição cristã. Apenas vivendo as normas contidas no Evangelho é que o ser humano atinge a plenitude de sua altíssima dignidade. Toda questão se cifra em fazer  de Deus o único objeto de todos os pensamentos, palavras e afeições. É claro que isto se realiza  no plano da fidelidade pessoal, bem de acordo com a generosidade de cada um na correspondência às inspirações divinas. A superação constante a que o amor a Deus conduz  exige fé e coragem, uma vez que as aliciações vindas do espírito do mal supõem uma disposição enérgica rumo ao progresso espiritual. Este estilo de vida deve caracterizar o autêntico discípulo de Jesus e constitui o valor essencialmente cristológico da vocação do cristão. Este. no dizer do próprio Cristo. é “luz do mundo e sal da terra” (Mt 5, 13-14). Trata-se do cristão  que age com uma convicção segura, aprofundando suas relações com Deus  com plena consciência do plano salvífico que nele se realiza. É possível para todos a transformação da mente e do coração, a renovação contínua de toda sua personalidade captando  sempre “qual é  a vontade de Deus, o bom, o agradável a Ele, o perfeito” (Rm 12,2). Em síntese, como bem se expressou o notável franciscano  Roberto Zavalloni, “a perfeição do cristão caracteriza-se pela docilidade e pela submissão a uma vontade divina que precisa ser buscada e discernida e cujas exigências não se pode  medir de antemão”. É todo um processo que se dá de acordo com os carismas outorgados gratuitamente por Deus e que leva o cristão  a estar sempre firme pela fé, apartado do mal e orientado para Deus. Foi o que aconteceu com São Paulo que asseverou; “Minha vida presente na carne, eu a vivo pela fé no Filho de Deus que me amou e se entregou a si mesmo por mim” (Gl 2,20). Com a graça de Deus   o discípulo de Jesus vai ordenando de forma unitária toda sua vida, voltada para o centro de unidade que é Deus em  si mesmo, Ele a suma verdade e o sumo bem. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

segunda-feira, 25 de julho de 2016

FUGACIDADE DOS BENS EMPORAIS

 FUGACIDADE DOS BENS TEMPORAIS
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*

Jesus mostrou claramente qual deve ser a atitude de seu seguidor com relação aos bens materiais (Lc 12,13-21). Com precisão o Mestre divino demonstrou que se deve evitar que o angelismo no que diz respeitos às precisões humanas, quer o apego exagerado às propriedades terrenas. Sua sentença foi lapidar: “Cuidai e guardai-vos de toda cobiça, por que a vida de alguém não esta na abundância de seus haveres”. Estes devem estar subordinados aos interesses espirituais. Trata-se da boa administração de tudo que Deus concede a cada um, mas sem uma supervalorização das riquezas. Com a morte ninguém levará nada deste mundo, mas o modo como empregou o que possuiu, inclusive na ajuda generosa ao culto divino e aos mais necessitados de acordo com as possibilidades de cada um. O ser humano espiritualizado ostenta sempre o desapego do que fugaz, mas sabe bem empregar os dons que o Criador lhe outorgou sabendo que a previdência humana não vai contra a Providência divina.  Isto impede um materialismo condenável, como também evita a negligência em amealhar o que é necessário para o sustento próprio e da família num labor eficiente e perseverante. O cristão vê sua vida nesta terra apenas como uma etapa para a existência eterna na Casa do Pai. Cumpre então uma coerência absoluta entre o que se crê e o que se vive. São Paulo aconselhou sabiamente a procurar então as riquezas do alto (Col 3,1-4). Para isto é preciso um criterioso amor a si mesmo, ao próximo e a Deus, pois deste modo se utilizará com sapiência os bens materiais em ordem à eternidade. Ficam então afastadas as ilusões desta terra e, ao mesmo tempo, será possível usufruir ao máximo de tudo que Deus concede e que dá segurança por entre as turbulências inevitáveis a um exílio terreno. Isto afasta peremptoriamente um desejo imoderado de poder e glória. Trata-se de um agir responsável para consigo mesmo, para com a família e a comunidade em que se vive numa perspectiva repleta de esperança e de confiança no Senhor Onipotente. É deste modo que no ocaso da existência a pessoa não se lamentará da vacuidade de sua passagem neste mundo. Terá deixado um rastilho luminoso e beneficiado a inúmeras pessoas. Este fugiu da vaidade de tudo que é transitório por que fez do amor partilhado sua garantia e sua felicidade sem nunca se preocupar com as incertezas do porvir. O importante é ser rico diante de Deus estando contente com o que se tem para prover uma vida decente sem endeusar o dinheiro que deve ser um mero instrumento a ser manejado com prudência e sem servidão ao mesmo. Estas reflexões são tanto mais importantes perante uma sociedade de consumo e num contexto impregnado de corrupção fruto da ganância, sobretudo, de certos políticos. É o que vale também para os governantes que gastam a torno e a direito com o que arrancam do povo com impostos escorchantes, inadmissíveis e os empregam olhando somente seus interesses pessoais. Estes políticos jamais entenderão o que disse Jesus: “Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o reino dos céus (Mt 5,3). Criou-se uma sociedade chancelada pelo pragmatismo na qual se diviniza o sucesso e o progresso econômico, sacrificando valores como a educação, a saúde, um mínimo de bem estar. Como bem afirmou o papa emérito Bento XVI, “em matéria espiritual e moral contemplamos uma sociedade que não capitaliza o que enobrece o ser humano”.  De fato, pelo contrário, é o capitalismo desumano que só favorece um grupo de interesseiros que malbaratam o bem comum. É o império da cobiça a levar aos maiores desvios éticos. Não se tem noção do que supérfluo, útil, importante, necessário e essencial para a população em geral. Muitos são os que se esquecem de que fortunas, sobretudo, as injustamente adquiridas, glórias de um poder espúrio, principalmente as riquezas extorquidas do povo são apenas um nuvem passageira e que um dia de tudo se dará contas a Deus. Donde o alerta do Pe. Antônio Vieira: “Tudo passa, e nada passa. Tudo passa para a vida e nada passa para a conta. A verdade e desengano de que tudo passa, posto que seja por uma parte tão evidente, que parece não há mister prova, é por outro tão dificultoso, que nenhuma evidência basta para o persuadir. Lede os Filósofos, lede os Profetas, lede os Apóstolos, lede os Santos Padres, e vereis como todos empregaram a escrita e não uma, senão muitas vezes, e com todas as forças da eloquência, na declaração deste desengano, posto por si mesmo tão claro”. Que então, isto sim, o autêntico discípulo de Jesus eleve seu coração para os bens espirituais, para as realidades perenes que não se compram, vivendo num verdadeiro amor inteiramente dentro dos princípios do Evangelho. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

domingo, 24 de julho de 2016

O SÁBIO RIGOR DO EVANGELHO

O SÁBIO RIGOR DO EVANGELHO
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*

O rigor do Evangelho, sempre foi contrário ao endeusamento das realidades materiais o qual se contrapõe ao aprimoramento espiritual do cristão. São Paulo sintetizou esta verdade ao afirmar: “O mundo está crucificado para mim e eu estou crucificado para o mundo" (1 Gal 6,14). Maravilhosos são os dons com os quais Deus mimoseia o ser humano na sua trajetória terena rumo à eternidade. As dádivas divinas devem ser valorizadas e cumpre aproveitar tudo de bom que há em derredor de cada um. Entretanto, o espírito do mal leva a muitos a deturpar a finalidade dos bens oferecidos pelo Criador. É preciso usar de tal modo os bens que passam, para que se possa abraçar os que não passam. Do contrário, se dá uma inversão de valores. Isto constitui o mundo pecado com todas as suas ilusões que confrontam com as diretrizes legadas pelo Mestre Divino. Então o desejo desenfreado de riquezas materiais ou o seu acúmulo, a procura de prazeres contrários aos preceitos divinos se tornam o essencial da vida daquele que tem um destino  eterno, uma felicidade perene a ser conquistada pelo uso correto de sua liberdade.  Daí resulta a corrução e a dissolução dos costumes, o espírito mundano. Este é diametralmente, oposto ao espírito de Cristo e de seu Evangelho. É neste sentido que o verdadeiro cristão deve estar numa luta contínua contra o mundo no qual reina satanás e seus comparsas. Nem todo o batizado possui um reto discernimento e acaba aprovando, aberta ou sutilmente, o erro. Este se espalha insidiosamente nos meios de comunicação social muitos dos quais fazem abertamente a apologia de =uma moralidade inteiramente antagônica aos preceitos divinos. A sedução exercida pelos profetas  da imoralidade leva de roldão os que imprudentemente se expõem a seus virulentos ataques. A exaltação do luxo, a malícia inerente aos sites pornográficos e às novelas, o mau exemplo difundido por aqueles que não têm o temor de Deus. Tudo isto conduz a uma verdadeira desestruturação do autêntico humanismo, obstando o progresso espiritual do epígono do Filho de Deus. Típica a triste condição dos que se entregam às drogas e à escravidão dos piores vícios. Um dia Jesus foi crucificado lá no Calvário, mas o mundo dominado pela diabo O crucifica todos os dias Felizmente, contudo são milhares os cristãos que, lembrados das promessas batismais, as cumprem com firmeza, renunciando a tudo que conspurca a dignidade do batizado. Estes não hesitam e se tornam os para-raios da humanidade, Examinam suas disposições interiores e não cedem às invectivas mundanas e a suas dissimulações ardilosas. Entre Jesus e o mundo não há para eles dubiedades, pois Cristo neles vive. Nunca se desencorajam e, confiantes no poder da graça, são vitoriosos. Sabem que não se pode vacilar um momento, pois as armadilhas mundanas são temíveis. Nas suas tertúlias com Deus se preparam para o grande combate de todas as horas. Têm sempre em vista a garantia dada apelo Mestre divino: “Tende fé e coragem, eu venci o mundo” (Jo 16,33). Esta emancipação humana das misérias suscitadas pelo maligno se realiza com os recursos que a Igreja proporciona a seus fiéis e nela se realiza o verdadeiro humanismo. Eis por que através dos tempos florescem os santos nos mais variados contextos sociais. Cada cristão no seu setor próprio é chamado à mesma santidade numa ruptura ininterrupta com o espírito mundano. Os bispos e sacerdotes como instrumentos das graças sacramentais e orientadores das comunidades; os esposos cultivando amor humano aberto às dimensões da caridade de Cristo; os profissionais nas mais diversas atividades; o cidadão responsável,  colaborando na construção de uma sociedade digna; os religiosos das mais variadas congregações prefigurando na alegria e na liberdade de espírito a transformação total em Cristo. Dentro desta perspectiva realista, se compreende como as crianças são bem formadas para entrar neste exército sagrado que combate as mazelas do mundo divorciado da prática das virtudes, passando por uma juventude sadia, todos preparados para servir a Igreja e a Pátria.  Deste modo, o sábio rigor do Evangelho faz desabrochar todas as qualidades humanas, levando o cristão a desfrutar tudo de bom que Deus lhe oferece nesta terra, vencendo o mal, deixando por toda parte um rastilho de luz, irradiando paz e vencendo o mundo tenebroso do mal. * Professor no Seminário de Mariana, durante 40 anos.  

quinta-feira, 21 de julho de 2016

COMO VENCER O EGOISMO

COMO VENCER O EGOÍSMO
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*

Os mestres da espiritualidade são unânimes em ensinar que o egoísmo é fonte de muitos pecados e o inimigo do amor a Deus e ao próximo. Trata-se do amor próprio excessivo. O próprio Cristo preceituou que se deve amar os outros como se ama a si mesmo  Mt 22,39, ou seja, fazer ao outro o que cada um faria a si  e desejar-lhe o que cada um almeja para si. O egoísta, porém, só leva em consideração suas opiniões pessoais, seus interesses e necessidades, desprezando os outros. É um exclusivismo que faz o indivíduo referir tudo a si mesmo. Isto gera o detestável orgulho, uma deletéria presunção e causa desuniões. Daí enraíza o estado de egocentrismo com todas as suas outras terríveis consequências como o ciúme e a intolerância. É “o eu como centro” de tudo, foco de todas as atenções. A egolatria torna impossível qualquer empatia, isto é, impede a sintonia com o outro. Leva muitas vezes também ao narcisismo que se transforma em patologia, ou seja, a pessoa pode passar do estado normal para o doentio, entrando em conflito com ideias culturais e éticas, dificultando suas relações normais no meio social. Tudo isto é um empecilho para a prática da virtude da caridade. Donde a injustiça nos julgamentos, a crítica perversa, a parcialidade nas palavras e no modo de ser, a hostilidade, o rancor. O egoísmo infecciona as afeições e torna o convívio insuportável, pois o egocêntrico é incapaz de compreender o ponto de vista alheio e disto pode resultar o isolamento e o medo, uma vez que não é capaz de irradiar simpatia. Cumpre, portanto, superar o egoísmo Em primeiro lugar, se dispor a receber uma luz sobrenatural para saber discernir com sabedoria o relacionamento com os outros, não se julgado melhor do que eles. Deste modo, se evitam as ilusões criadas pelo egoísmo. É preciso, também, saber sacrificar os interesses próprios aos alheios sob a luminosidade do amor mútuo. É necessário eliminar as inclinações e aversões naturais, o que é possível com a graça divina, que ajuda a afastar os ressentimentos e todo tipo de malignidade. Com a proteção de Deus impera então a generosidade, a brandura. Aos poucos, com a superação do egocentrismo, se abre o caminho para a participação dos frutos do próprio trabalho e das próprias experiências espirituais. O cristão se torna agente da concórdia no lar, no trabalho, nos lugares de diversão, enfim, por toda parte. Passa a imperar a compreensão e se verifica uma maneira de ser mais consequente com o amor mútuo. Vencido o egoísmo, o fiel não enquadra os outros nos seus moldes mentais, impondo seu julgamento, tantas vezes precipitado. Desaparecem as objurgações e o cristão  procura nunca cair na defensiva. Analisa o que os outros dizem a seu respeito e, se eles têm razão, procura se corrigir se não tem fundamento suas assertivas não discutam, mas, humildemente, esquecem inclusive qualquer modalidade de possível ofensa  Andrea Meeatali, ensina que  ao vencer o egoísmo o discípulo de Cristo se torna disponível. Isto porque, não vê o outro como objeto opositor, sim como verdadeiro sujeito digno de respeito. Lembra este professor de ciências da educação, que “o outro é um Tu, isto é, uma presença unido aos outros pela esperança comum, pela fidelidade à pessoa absoluta, Deus”. De fato, quanto menor o egoísmo, maior o altruísmo  e o bom entendimento dentro de uma comunidade. Raia a benevolência, a solidariedade, acentuando o vínculo fraterno por força do respeito à personalidade dos outros. Trata-se da capacidade de captar os aspectos positivos que há nas pessoas com as quais se convive, abolindo-se a malevolência que induz  a ressaltar os defeitos alheios e impede uma maneira cristã de ajudar os outros a se corrigirem.  Com todas estas considerações se entende melhor o que escreveu São Paulo aos Coríntios: “A caridade é paciente, é benigna; a caridade não é ciumenta, não é orgulhosa, não é indecorosa; não é interesseira, não se irrita, não guarda rancor; não folga com a injustiça, mas alegra-se com a verdade; tudo suporta, tudo crê, tudo espera, sofre, a caridade não acaba jamais. (I Cor. 13,4-8). O egoísta jamais atinge este fastígio da perfeição cristã, porque somente os grandes corações têm a dita de conhecer a ventura de possuir a bondade. Com efeito, para quem não é egoísta a felicidade alheira, a alegria dos outros causam deliciosa satisfação. Em síntese, se pode afirmar que o egoísta se torna vítima de suas fragilidades e vulnerabilidades, dado que vive enclausurado em si mesmo. Não aceita as críticas construtivas do próximo. Julga-se merecedor de tudo e, por isto, despreza o outro. Ao se julgar dono da verdade não enxerga nunca seus defeitos. A crítica é uma de suas peculiaridades mais detestáveis. Por lhe faltar humildade o egoísta supervaloriza seus sucessos e cai numa lamentável ilusão. Eis por que vencer o amor próprio excessivo é sempre um belo ideal a ser colimado. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos

terça-feira, 19 de julho de 2016

SEPULTAR OS MORTOS E REZAR A DEUS PELOS VIVOS E PELOS MORTOS

SEPULTAR OS MORTOS E REZAR A DEUS PELOS VIVOS E PELOS MORTOS
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*

Neste Ano da Misericórdia é de bom alvitre recordar que uma  das obras de misericórdia é enterrar os mortos e rezar a Deus pelos vivos e pelos mortos. O ser humano é criado à imagem e semelhança de Deus e, no caso de quem foi batizado, ele se tornou o templo vivo da Santíssima Trindade, uma vez que a alma unida ao corpo participa da própria vida divina. Jesus foi claro: “Se alguém me ama, obedecerá à minha Palavra; e meu Pai o amará, e nós viremos até ele e faremos nele nossa morada” (Jo 14,23).  No Antigo Testamento vemos que grande era o respeito para com o ser humano falecido Assim, por exemplo, no Livro do Gênesis está registrado que “Abraão expirou: morreu numa velhice feliz, idoso e de bons anos, e foi reunido aos seus antepassados. Seus filhos, Isaque e Ismael, o sepultaram na gruta de Macpela (Gên 25,8-9). Este livro mostra também que “Isaque viveu cento e oitenta anos e expirou. Ele morreu e reuniu-se à sua parentela no mundo dos mortos, idoso e farto de dias; seus filhos Esaú e Jacó cuidaram de seu sepultamento” (Gên 35 28-29). Célebre se tornou Tobias que “com uma solicitude toda particular, sepultava os defuntos e os que tinham sido mortos” (Tb 1,20). Até hoje em Jerusalém se destaca o túmulo de Davi a que faz referência o Primeiro Livro dos Reis no versículo décimo. No Novo Testamento um dos túmulos mais venerados e visitados é o do próprio Cristo o qual, como rezamos no Símbolo dos Apóstolos ”foi crucificado, morto e sepultado”. Os cemitérios cristãos continuaram também este significativo costume bíblico. Todos nós inúmeras vezes visitamos as sepulturas de nossos parentes e amigos e, sobretudo, no dia 2 de novembro rendemos aos mortos especiais homenagens. Além disto, rezamos sempre pelos falecidos Daí a importância da oração pelas almas do purgatório. A alma ao sair deste mundo, não estando completamente purificada, deve expiar durante algum tempo os erros cometidos antes de entrar na glória eterna. Se ela traz algum vestígio de pecado ou porque cometeram faltas leves e não as tenha expiado suficientemente neste mundo, bem como no caso dos pecados mortais já perdoados e não reparados nesta trajetória terrena, não pode entrar no céu. Essas almas têm a graça de Deus e, portanto, a salvação é certa para elas, mas a justiça divina reclama a purificação no purgatório. O dogma da comunhão dos santos mostra que se pode, de fato, abreviar as penas dos que sofrem nesta antecâmara do céu. Aliás, todo o mês de novembro é dedicado às almas que lá se encontram. Saibamos, porém, sufragá-las com nossas preces e sacrifícios durante todo o ano,  pois, se um dia tivermos que por lá passar, Deus fará que outros se lembrem de nós. Nunca se lembra demais a passagem do Segundo Livro dos Macabeus: “Santo e salutar esse pensamento de orar pelos mortos, para que sejam livres dos seus pecados" (12, 45). É preciso , porém, rezar também pelos vivos.  A oração do cristão é uma voz poderosa que penetra até o céu e abre os tesouros divinos. Tal a promessa explícita de Jesus: “Pedi e recebereis; buscai e achareis; batei e se vos abrirá, porque aquele que pede recebe e o que procura acha e ao que bate se lhe abrirá” (Mt 7,7). Aliás, o divino Redentor não deixou dúvida alguma sobre esta sua assertiva, dado que também disse: “Tudo que pedirdes em meu nome, fá-lo-ei, para que o Pai seja glorificado no Filho” (Jo 14,13). Desta forma, Cristo empenhou sua palavra e se obrigou na pessoa do Pai a tudo conceder a quem piedosamente orasse. Nunca se reflete demais sobre a importância das preces do pai e da mãe. Num mundo conturbado como o de hoje, mais do que nunca, os pais precisam ter confiança plena, total, absoluta no valor de suas orações pelos filhos na certeza de que são, de fato, os representantes de Deus, responsáveis pela felicidade daqueles que trouxeram a este mundo. Os filhos também devem rezar pelos pais, atraindo a proteção de Deus, sobretudo quando surgem os problema. Quantos filhos e filhas pelas preces têm tirado o pai da bebida ou de outros erros e conseguido de Deus graças sem número para suas mães. Todos devemos rezar, outrossim, pela conversão dos pecadores, tendo consciência do  valor imenso do apostolado da oração. Orar pelos missionários, pela Igreja, pelo Papa, pelo êxito das obras pastorais sobretudo da comunidade na qual se vive. Santa Teresinha do Menino Jesus afirmou no seu Livro História de uma Alma: “Ah! A oração eis aí o segredo de toda a minha força, eis aí as minhas armas invencíveis; mais eficazmente que as palavras, sei-o por experiência, tem elas o poder de conquistar os corações”. Com suas preces ela conquistou centenas de  conversões e muito ajudou os missionários na obra da evangelização. Pela sua entrega total ao amor Misericordioso de Deus, pela sua constante ânsia em que ardia por "salvar almas", pelos laços de fraternidade espiritual que cultivou com alguns missionários no campo de missão, ela foi escolhida como Padroeira das Missões. No Carmelo de Lisieux, Prisioneira por amor e do Amor, desejou ardentemente percorrer o mundo inteiro para levar a Cruz de Cristo por toda parte. Isto ela, porém, muito fez pelo poder de sua oração. Creiamos no valor da veneração dos mortos, rezemos com fé e piedade pelas almas do purgatório e por todas as nossas necessidades espirituais e corporais e pelas de nosso próximo e coisas maravilhosas acontecerão em nossas vidas! * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

segunda-feira, 18 de julho de 2016

PERSEVERANÇA E CONFIANÇA NA ORAÇÃO

PERSERVERANÇA E CONFIANÇA NA ORAÇÃO
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Jesus ensinou como se deve orar (Lc 11,1-13). Os pedidos ao Pai do Céu devem ser feitos com perseverança e confiança. Claríssimo seu ensinamento: “Pedi e dar-se-vos-á; procurai e achareis; batei e se vos abrirá”. Ilustrou este princípio com a parábola do vizinho impertinente e do pai que atende o filho, jamais lhe dando algo prejudicial. É que a oração feita a Deus exige uma intensa esperança que habita o coração de quem crê na bondade divina. A criatura estende as mãos para seu Deus e confia que dele receberá resposta a sua súplica. Como bem se expressou Santa Teresa de Ávila, “a oração não é outra coisa senão um comércio íntimo de amizade, no qual nos o entretemos frequentemente a sós com Aquele que sabemos muito nos amar [...] Ele quer que nós nos dirijamos a Ele”. Deste modo a prece do cristão é um caminho luminoso de total certeza da bondade misericordiosa do Senhor Onipotente, vereda de sinceridade e de verdade da parte do ser humano. A mesma Santa Teresa dizia, porém, que “suplicava ao Senhor para vir em sua ajuda, mas tinha medo de não colocar toda sua confiança na sua Majestade infinita e receava não desconfiar de si mesma”. É que Deus exige, de fato, uma fé radical no seu poderio e na sua bondade e muita humildade da parte daquele que a Ele se dirige. Não se pode nunca duvidar de sua comiseração. A referida doutora da Igreja garante que “se nos voltamos para Ele com um humilde conhecimento de nós mesmos, Ele esquece nossas ingratidões e não se fatiga nunca de nos mimosear com seus dons”. Acrescentou que “este Rei com o qual falamos nunca nega alguma graça aos que não duvidam de sua complacência”. Esta Santa decodificou com proficiência a doutrina de Jesus sobre a oração, a qual é uma porta aberta a todos. O que não se pode, contudo, esquecer é que a prece, como o amor, passa pela prova da insistência como ocorreu com o amigo inoportuno da parábola. Aliás, Jesus disse: “pedi, procurai, batei”. A pior atitude do seu seguidor seria não perseverar. O tempo de Deus não é o tempo dos homens e, além do mais, ele sonda o íntimo do coração de cada um. Ele sabe o que é melhor para quem O suplica e se, na sua onisciência, Ele sabe que aquilo que se pede não será útil para a salvação própria ou dos outros, Ele, fatalmente, porém, dará uma graça muito maior do que aquela que foi solicitada pela mente humana. É que a prece deve estar de acordo com os planos de salvação por Ele traçados e o hoje do homem, pode não coincidir com o amanhã da sabedoria eterna. Entretanto, é certo que qualquer oração dirigida a Deus afasta as dúvidas e traz paz e serenidade ao coração.  De fato, o fruto da oração confiante é o reconforto, a calma, a alegria de viver, a intuição da sabedoria divina. São Gregório de Nisssa, numa de suas homilias ,mostrou quando o ser humano corre para Deus se torna maior e mais alto do que é em sua  própria pequenez, pois graças superabundantes jorram para aquele que  sabe orar com confiança e perseverança.  Está no livro de Habacuc: “O justo viverá pela sua fidelidade” (Hab 2,3). Esta tudo obtém do Todo-Poderoso Senhor. Ele, porém, como lembra o Pe. Yannik Bonnet ”não é um mero distribuidor de graças e a prece não tem um caráter mágico”. O critério divino é aquilo que convém à vida eterna de cada um. Com efeito, Jesus afirmou que “o Pai celeste dará o Espírito Santo àqueles que Lho pedirem”. É este Espírito Divino que leva á adesão à vontade de Deus que quer a salvação daquele que a Ele se dirige. Jesus na língua aramaica significa “Deus salva” e tudo que se solicita ao céu deve estar de acordo com este plano salvífico. Dentro deste projeto ressoem sempre as palavras do divino Salvador: “Pedi e recebereis”. Donde a conclusão de São PauloAproximemo-nos, pois, confiadamente, do trono da graça para alcançarmos misericórdia e graça, no tempo oportuno” (Hb 4,126). Aos colossenses este Apóstolo aconselhou: “Sede perseverantes na oração, unindo-lhe  a vigilância e a ação de graças”. Isto porque como asseverou Santo Agostinho: “A prece representa a onipotência do homem e a fraqueza de Deus”. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.


sábado, 16 de julho de 2016

A FONTE DA VERDADEIRA PAZ

A FONTE DA VERDADEIRA PAZ
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Quem deseja haurir a total imperturbabilidade interior, além de observar fielmente os mandamentos  da  lei  de Deus e as inspirações advindas o Espírito Santo, deve, em tudo, agir tocado por um profundo amor a Deus. A dileção ao Senhor de tudo é que impede o temor da punição pela infração de qualquer determinação do Decálogo ou o medo de não mais receber luzes do Paráclito devido  as imperfeições humanas.  É óbvio que o pensamento da condenação eterna e o anseio de estar um dia lá no céu  ajudam e muito o fiel a trilhar o caminho da perfeição cristã. Entretanto, a  plena paz é consequência de um ingrediente  a mais, ou seja, a disposição enérgica de tudo fazer  por ser Deus quem Ele é, merecedor de todo o afeto do ser racional . Trata-se de uma submissão amorosa em tudo aos desígnios do Ser Supremo.  O lema do cristão é então a completa realização do que ele reza na oração que Jesus ensinou quando alguém se dirige ao Pai: “Seja feita a  vossa vontade”. Nem todos assim procedem e muitos são aqueles que  até ousam chamar a Deus a seu tribunal, recriminando o Senhor diante dos percalços inerentes às vicissitudes terrenas. São os que não procuram diagnosticar  as causas de seus transtornos, muitos dos quais tendo origem no mau uso da liberdade. Outros se revoltam contra Deus porque querem neste mundo aquela felicidade que só será conhecida dos eleitos lá na Casa do Pai numa eternidade beatífica sem limites. É de se notar, porém, que a quietude interior não significa a ausência  das preocupações e dores naturais a esta passagem nesta terra, mas é fruto do desapego a tudo que é transitório. A consciência de que Deus é Pai misericordioso oferece todos os elementos para uma caminhada segura por entre as dificuldades desta trajetória neste mundo.  Deste modo, o cristão a cada instante obra com simplicidade, fazendo tudo que está a seu alcance e corrige imediatamente  todo desvio causado pela debilidade humana.  O que vale á reta intenção de em todas as circunstâncias agradar a Deus. O autêntico temor é o respeito que cumpre se tenha para com o seu Senhor e as coisas sagradas. Não é jamais o medo doentio de não se atingir  a perfeiçoo  naquilo que se faz. O essencial é não se acomodar e não passar recibo às faltas veniais.  Passos firmes tentando melhorar sempre. A fobia não vem de Deus, mas do espírito maligno. Inúmeros procuram a paz interior e não desejam cair nas garras de satanás, mas não fogem das ocasiões de pecado. Nunca se fixa demais a orientação bíblica: “Quem ama o perigo nele perecerá” (Ecl 3,27). É até ridícula a postura daquele que almeja não ofender a Deus, porém se expõe às tentações  satânicas na televisão, nos sites imorais e não evita ininterruptamente  as influências infernais. A força sobrenatural na luta contra as invectivas do maligno é dada somente aos corações sinceros, leais, daqueles que trilham as veredas do bem. Sem muita oração, sem a leitura meditada da Bíblia, sem mortificação, é impossível alcançar a serenidade  da alma. Esta supõe sempre a firmeza em colocar em prática as moções  do Espírito Santo com a certeza de que Ele indica o caminho do  autêntico equilíbrio do qual flui a paz, este  preciosíssimo dom de Deus. A centelha de amor a este Deus vai se tornando vivíssima. Sabe então o cristão viver na unidade simples do único bem autêntico. Pode mostrar de forma concreta “quão suave é o Senhor” (Sl 33,1).  É claro que dentro de cada estado de vida há modalidades diferentes da união permanente com Deus. Como lembra o teólogo Tulo Goffi, “a tarefa de cada um se desenrola dentro da própria família, da própria profissão, exercendo uma atividade social especifica. O cristão  tem que testemunhar com o seus atos que, o que  antes de tudo e sobretudo interessa, é completar a criação humanizando o universo, fazendo da convivência humana expressão de liberdade, irmanando-se  com os marginalizados, potencializando tudo o que contribua para uma vida serena de todos”.  É exteriormente o testemunho de vida que faz com que o fiel aborreça tudo que contradiga sua dignidade de batizado, participante do múnus régio e sacerdotal de Cristo. Assim  procedendo, o verdadeiro discípulo de Cristo conhece a verdadeira paz. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.


terça-feira, 12 de julho de 2016

A VIDA SOBRENATRAL

A VIDA SOBRENATURAL
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*

Há uma passagem nos salmos sumamente ilustrativa sobre a participação na vida divina: ”Procurai Deus e vossa alma viverá” (Sl 68,33) É que a alma sendo espiritual encontra a plenitude de seu conhecimento e de sua faculdade de amar somente naquele que é a sabedoria infinita e o amor eterno. Portanto, conhecer sempre mais a Deus e procurar amá-lo com todo o coração, com todas as forças e com todo o entendimento é alcançar a totalidade da verdade e a autêntica felicidade. Este ideal supõe um esforço contínuo, dado que a inteligência humana é finita, limitada, e a vontade nem sempre leva à adesão ao valor supremo com uma dileção integral ao Ser Supremo. Daí ser necessário pedir sempre as luzes do Espírito Santo, solicitando-O a encher o coração com o fogo de seu amor. É Ele que aclara a razão humana com relação aos mistérios divinos e leva a uma entrega amorosa ao Criador. Deste modo, o cristão pode sempre dizer a seu Senhor: “Tu me ensinas a sabedoria [...] Que eu tenha por consolação teu amor” (Sl 50,8; 118,76). Assim, fica saciada a alma que se acha inquieta até que repouse em Deus. Grande sabedoria é implorar a ação da graça divina, pois sem o auxílio celeste é impossível captar a maravilhas da Verdade Suprema e dedicar a Ela um culto ininterrupto traduzido na transformação de todas as atividades em atos de um sincero afeto.  Aí está o segredo da paz interior, pois o repouso só é encontrado naquele que é a fonte da beatitude completa. Afastadas inteiramente as paixões desordenadas, a alma se vê imersa na luminosidade divina e se envolve nos deleites do oceano da ternura de seu Deus. O fiel pode então dizer a este Deus com o salmista: “Há abundância de alegria junto de vós, e delícias eternas à vossa direita” (Sl 15, 11). Compreende-se, assim, como são infelizes os que se deixam envolver pelos desejos terrenos, andando longe da fonte da insofismável beatitude. Frustrações conhecem aqueles que se distanciam daquele que unicamente pode oferecer o que sua alma aspira. Quem, porém, se acha unido a seu Senhor, ao surgirem as cruzes e os sofrimentos inerentes ao exílio desse mundo, os transforma em pérolas para a eternidade. Tudo suporta sem nunca se deixar abater na caminhada rumo à Casa do Pai. Nada impede a este discípulo de Cristo crescer no conhecimento dos desígnios divinos e  acatá-los com resignação amorosa. Este ideal é possível a todos os fiéis e não é patrimônio apenas de grandes santos. Deus que sonda o fundo dos corações é capaz de aquilatar e valorizar o esforço de cada um na vivência de uma vida sobrenatural regida pelo asseio de conhecê-lo e de amá-lo. São Bento, num instante de pulcra inspiração, ensinou: “Eis que em sua bondade o Senhor nos mostra o caminho da vida. Cingidos, portanto, nossos rins com a fé e a prática das boas obras, à luz do Evangelho, sigamos por seus caminhos, a fim de merecermos ver no seu reino aquele que nos chamou. Se quisermos habitar no tabernáculo do reino, de modo algum, lá chegaremos, a não ser correndo pelas boas ações”. Para isto é preciso deixar o Espírito Santo agir. Ele confere à alma hábitos espirituais, impregnando todas as dimensões conscientes e inconscientes, racionais e afetivas. Então o cristão vai se tornando dócil às inspirações divinas. Dá-se uma transformação e harmonização cada vez mais intensa graças aos carismas recebidos. O Espírito Santo, realmente, dilata a vida sobrenatural do fiel à medida que este permite que Ele opere em sua intimidade. Se a santidade a que é chamado todo batizado  consiste na união com Deus, o dever primordial  consiste em interpretar e viver com autenticidade o que o Espírito Santo sugere. Cumpre deixar que o Paráclito se expresse com riqueza de iniciativas através de todo o ser humano Portanto, o crescimento da vida sobrenatural depende do discernimento e da docilidade ao Espírito Santo . São duas virtudes fundamentais na existência cristã. Então toda a atividade humana se torna espiritual, mesmo que o batizado viva envolto em inúmeras atividades. Estas se tornam preces contínuas de louvor a Deus, para o qual, entretanto, se volta mais intensamente o cristão nos momentos das preces, instantes sublimes de suas tertúlias com o seu Senhor. Com sua vida sobrenatural intensa~o batizado  se torna por toda parte a verdadeira imagem de Deus * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

segunda-feira, 11 de julho de 2016

CONTEMPLAÇÃO E AÇÃO

CONTEMPLAÇÃO E AÇÃO
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
A visita de Jesus à casa de Marta e Maria oferece oportunidade para se refletir sobre a contemplação e a ação (Lc 10, 38-42). Marta representa as pessoas que sabem ser eficientes, que fazem tarefas úteis. Maria é bem a figura dos contemplativos que sabem ter tempo para escutar Jesus, recebendo as luzes da palavra divina. Muitos são mais inclinados para os bens materiais imediatos, outros para as riquezas espirituais mais valiosas com relação à vida eterna. Por toda parte há ativos e contemplativos, mas o certo é conciliar a ação com a contemplação. O mesmo Jesus que elogiou a atitude de Maria que O escutava atentamente, várias vezes louvou a caridade ativa, quando, por exemplo, Ele afirmou: “Nem todo que me diz – Senhor, Senhor entrará no reino dos céus, mas o que faz a vontade de meu Pai que está nos céus” (Mt, 7,21). Assim, não bastam palavras fervorosas ou obras carismáticas se falta o cumprimento do dever específico de cada um. Logo, ao enaltecer Maria, Ele não estava menoscabando a refeição preparada por Marta. É, aliás, de se notar que Jesus repreende Marta não porque ela age, mas porque está agitada. Como observam os comentaristas, há uma diferença profunda em agir e agitar. Além disso, não fazer nada não significa ser um contemplativo digno da aprovação de Deus. Compatibilizar a oração e a ação se faz indispensável para atingir o único necessário. Aliás, cumpre até transformar tudo que se faz em hinos a Deus e se servir da prece para melhor fazer a vontade divina. O que faltava a Marta era esta reta intenção e, por isto, ela estava toda absorvida na sua atividade e, pelo visto, até se esquecia do ilustre visitante. A prova que Marta estava numa agitação febril é que ela até repreendeu sua irmã Maria, fazendo aflorar uma discórdia entre elas. Marta no seu agitamento perdera a tranquilidade, a serenidade, a paz interior. Eis porque sábio é aquele que pela manhã diz a Deus: “Senhor, tudo que hoje farei será para a vossa maior glória e bem das almas. Basta-me a vossa graça e nada mais vos peço”. Então por mais difíceis que sejam as tarefas a calma transpira na vida deste cristão, o qual, porém, saberá reservar um tempo para a tertúlia com a Trindade que habita em sua alma. Cada uma das ações humanas só têm valor se envolvidas no Amor trinitário, o que é possível para quem vive na presença de seu Senhor.  Este cristão sabe que rezar e servir é amar a Deus e ao próximo. Escutar a palavra de Deus, como ensinam os teólogos, significa iluminar as prioridades de cada instante e isto muda o modo de ser de cada um perante Deus e o próximo. Isto  dá um sentido aos acontecimentos de cada instante, inclusive às alegrias como aos padecimentos. . Como ensina o salmista,  a Palavra de Deus é luz para os olhos de quem crê” (Ps 118,105). Muitos no mundo de hoje perdem como Marta o espírito de interiorização e com isto se tornam superficiais. Como bem se expressou o Pe. Yvon- Michel Allard, “se o espiritual é sufocado, cria-se um vazio e um desequilíbrio perigoso”. Deste modo, Marta e Maria nos lembram dois aspectos importantes da vida do cristão. O que bem entendeu Santo Inácio de Loyola ao ensinar que os cristãos devem ser “contemplativos na ação” e isto significa segundo o lema de São Bento “reza e trabalha” – ora et labora. Daí a importância da participação atenciosa na Missa dominical, quando, de modo especial, longe do bulício externo, se busca na Palavra de Deus o alimento que sustenta nas atividades semanais.  Como bem lembrou o Pe. Anselmo Grum, “Muitos cristãos costumam participar do ofício religioso com espírito inquieto e não encontram o que procuram. Muitas vezes esta inquietação tem algo a ver com  o seu desequilíbrio interior, porém mesmo pessoas equilibradas que têm sensibilidade para o silêncio, costumam tê-lo em falta, em meio `à liturgia”. , Portanto, dai resultam as distrações a serem combatidas. Além disto, como seria bom que mais assiduamente se desligassem  a televisão, os celulares para momentos de preces a Deus, expondo-Lhe todas as preocupações e ouvindo seus recados que visam o progresso espiritual de seu discípulo. Muitas inquietações tomam conta daquele que não para  a fim de  escutar a Deus. É salutar colocar um parênteses entre o passado e o futuro e curtir a presença daquele no qual “existimos, nos movemos e somos”. Uma atividade febril rouba a beatitude interior e é fonte de distúrbios psicossomáticos. Nem sempre se está atento ao essencial como acontecia com Marta, embora o essencial não seja uma mera passividade, mas um engajamento sério de toda vida, que deve ser planejada dentro do binômio ação contemplação. Na sua alocução ao Angelus de 21 de julho de 2013 o Papa Francisco assim se expressou: “É da contemplação, ou seja,  de uma relação de amizade com o Senhor que nasce em nós a capacidade de viver e levar aos outros o amor de Deus, sua misericórdia e sua ternura. E também nosso trabalho junto de cada irmão em necessidade, na  ajuda nas obras de caridade nos leva ao Senhor, porque justamente vemos o Senhor no irmão e na irmão que sofre”.  É que  no silêncio de uma prece fervorosa o verdadeiro seguidor de Cristo encontra iluminações e forças para uma atividade benéfica para si e para os outros. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.


sábado, 2 de julho de 2016

FAZE ISTO E VIVERÁS

FAZE ISTO E VIVERÁS
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho

Certo doutor da lei para pôr Jesus à prova lhe apresenta duas questões: Que hei de fazer para obter a vida eterna e quem é o meu próximo?   (Lc 10,25-37). Com maestria as respostas foram dadas e firmaram a doutrina de Cristo sobre o amor ao Criador e ao semelhante. Quanto à primeira pergunta Jesus o remeteu à Escritura e o seu interpelante citou o que se acha no Deuteronômio sobre o amor a Deus e no Levítico o que se referia ao amor aos outros. Jesus foi incisivo: “Faze isto e viverás”. Na teoria aquele interpelador estava correto, deveria, porém, colocar em prática o que estava na Lei já que era bem conhecedor da mesma. Quanto à segunda pergunta, uma vez que aquele legista, profissional da Lei, não decodificara quem era o próximo, Jesus oferece uma explicação dinâmica numa das parábolas que seriam mais lidas e refletidas através dos tempos. Como bem observam os hermeneutas, a caridade ativa do Samaritano apresenta três momentos distintos. Primeiro a emoção diante do pobre homem à beira do caminho, ferido pelos salteadores, pois foi tocado por uma grande compaixão. Em seguida, presta os primeiros socorros, estancando o sangue e cuidando das feridas, gestos salvíficos admiráveis. Por fim, leva o barbaramente golpeado a um albergue sobre a sua própria cavalgadura e assume todos os gastos que lá teriam com aquele acidentado. Isto é amar, isto é salvar, isto é sublime. De fato, esta é a lógica da caridade que não admite paliativos, maneiras anódinas, inócuas, mas é abrangente. cobrindo todas as necessidades imediatas de quem padece. Entretanto, a fraternidade, a solidariedade jamais ficam sem a recompensa divina, pois o cristão vê no seu próximo a própria figura de Cristo. Este afirmou peremptoriamente: “O que fizerdes ao menor de vossos irmãos foi a mim que o fizeste” (Mt 25,40). Nas atividades de cada hora, no cumprimento exato das obrigações cotidianas cada um está sempre a serviço do próximo e ao contemplar Jesus nele tudo é feito com muito amor, dedicação, sacrifício e capricho. Nem se pode esquecer que, na medida do possível, se deve ajudar a estes anjos da caridade que são os vicentinos, bem como às obras sociais tão numerosas em todas as paróquias. Aí as contribuições são direcionadas com sabedoria a quem realmente necessita de um urgente apoio. Podemos, portanto, ser samaritanos de muitas maneiras e a toda hora nos trabalhos que se presta em casa, nas mais variadas profissões e em qualquer lugar. Para Jesus a caridade é um ato de amor que deve envolver tudo que se faz, mesmo porque em qualquer situação estamos sempre a servir o próximo. Entretanto, a norma do amor ao semelhante deve levar também à investigação da solução melhor para tirar o outro ou os outros de uma situação difícil. Isto demanda fugir ininterruptamente do comodismo e a ajudar até aqueles que nos ofendem. Isto aconteceu com Jesus que no alto da cruz pedia ao Pai para perdoar seus inimigos. Foi o exemplo deixado, igualmente, pelo Papa São João Paulo II que foi ao encontro daquele que o queria assassinar, indo visitar Mehmet Ali Agca na prisão. Teve com ele uma conversa cordial que muito comoveu aquele seu inimigo, como este depois declarou à imprensa.  Nestes dois exemplos, como também no da parábola, dado que os samaritanos odiavam os judeus, se percebe a mensagem de Jesus a mostrar que o próximo a ser bem tratado pode ser até aquele que mais nos odeia e persegue. Este deve estar continuamente presente em orações fervorosas que exprimam bem o perdão e a disponibilidade de combater qualquer laivo de desprezo ou omissão de ajuda. Finalmente, nesta parábola contada por Jesus, ele não era nem o sacerdote, nem o levita, mas o bom samaritano. O sacerdote judeu e o levita tinham medo de se tornar pecaminosos por se aproximarem de um homem que jazia por terra e que poderia estar morto. Pela lei judaica o contato com um cadáver tornava a pessoa impura. O samaritano, porém, teve piedade de alguém que poderia estar vivo, como, de fato, estava. Jesus quer que imitemos este samaritano e sejamos testemunhas do amor de Deus, tomando cuidado dos que estão feridos no corpo e na alma e precisam de um auxílio oportuno, usando de misericórdia para com todos. Ecoa então a ordem expressiva do Mestre divino: “Vai e faze tu também do mesmo modo. Faze isto e viverás”.* Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.