A TENTAÇÕES
DE JESUS
Côn.José
Geraldo Vidigal de Carvalho*
Seis semanas sob o signo da austeridade preparam os cristãos
o dia da Páscoa. Neste primeiro domingo da quaresma, o Evangelho fala das
tentações de Jesus no deserto (Mt 4 1-11). Esta narrativa contem algo essencial
para cada cristão e, por isto, cumpre compreendê-la, apreendendo suas lições.
Jesus viera estabelecer o Reino de Deus, criar um mundo novo. Ele não viera
para demonstrar poderes mágicos, transformando pedras em pães. Sua missão não
se cifraria em lances espetaculares como se lançar do pináculo do templo, sendo
salvo pelos anjos. Ele dirá claramente que seu Reino não era deste mundo e,
portanto, as insinuações de satanás batiam de frente com o projeto traçado desde
toda a eternidade no seio da Trindade Santa. Na verdade muitos em Israel
aguardavam um Messias do qual tinham uma falsa imagem, supondo que ele viria
instituir um império irresistível nesta terra, fulgente pelos bens materiais. O
orgulho, a vaidade, a ambição, o poder, a riqueza acenadas pelo demônio,
receberam de Cristo a mais veemente repulsa e com sua autoridade disse ao
mentiroso, ao pai da falsidade: “Vai-te, satanás”. Jesus vence as tentações lá
no deserto, como resistirá em outras ocasiões registradas pelo Evangelho. Assim,
quando ele foi tentado pela multidão que o queria fazer rei, pelos judeus que
reclamavam grandes sinais no céu, pelo seu amigo Pedro que insinuava que era
uma loucura ser arrastado e entregue à morte, e também por aqueles que lá no Gólgota gritavam: “Se és o Filho de Deus, desce da
cruz”. Deixou para seus seguidores um exemplo de fidelidade até o fim aos
desígnios do Pai, à missão que Lhe fora confiada. No início da quaresma é esta
vitória constante contra as tentações diabólicas que Ele propõe a todos que se
dizem cristãos. Isto porque as tentações no deserto são as tentações de todos
no seu cotidiano. Com efeito, a tentação do pão é o apetite de tudo querer
possuir. É certo que o pão de cada dia é o alimento necessário a todos, mas
simboliza também o dinheiro, a profissão, as ocupações diárias, tudo que se
possui. Tudo isto não é um mal em si,
mas Cristo advertiu que “O homem não vive só de pão”. O perigo é não dar tempo
para se entreter com Deus, para refletir, para rezar, para ouvir as inspirações
do Espírito Santo. Quaresma é tempo propício para uma revisão de vida e oferece
oportunidade para escutar toda palavra que sai da boca de Deus. Jesus advertiu
também contra a auto suficiência e ensinou que todos devem reconhecer os seus
limites. Confiar em Deus, sim, mas sempre na mais total submissão à Sua vontade
santíssima. Nunca se deve procurar o sucesso pelo sucesso para ser louvado
pelos homens. O Criador de tudo não quer feitos espetaculosos como queria o
demônio que Jesus fizesse se lançando do alto do pináculo do Templo. Todo
cuidado é pouco para afastar o afã de domínio que leva à adoração da riqueza e
dos bens temporais, curvando-se ante falsos ídolos. É necessário que se lembre
sempre que todo aquele que está revestido de alguma autoridade, necessariamente
deve se colocar ao serviço dos outros, evitando a idolatria do poder em si. As
tentações de Jesus são bem assim o símbolo das tentações de todos os mortais.
Cristo saiu vitorioso e nos propõe participar de seu triunfo, usufruindo de todas
as graças do período sagrado da quaresma. As grandes armas espirituais foram
indicadas pelo Mestre divino lá no deserto: a oração que signifique, de fato,
uma tertúlia com Deus, contemplando as verdades reveladas, recebendo com amor
suas inspirações; a penitência vivida na austeridade que leve a uma moderação
no comer e no beber; a penitência que é o arrependimento sincero de todos os
pecados e o firme propósito de emenda. Tudo isto fruto da vigilância espiritual
para se poder imergir nos mistérios destes quarenta dias abençoados. Apenas
assim eles trarão abundantes frutos para os que tiverem uma consciência
purificada. Este é um tempo de se exercitar na modéstia de costumes, de
progredir na humildade, de se conscientizar da responsabilidade de ser cristão,
valorizando os sofrimentos do divino Redentor. A Cruz deve ser o grande
referencial para se poder participar do júbilo da Páscoa do Senhor com todas as
maravilhas que ela oferece às almas de boa vontade. Através do Profeta Joel
fica o convite de Deus: “Voltai-vos a mim de todo vosso coração”. Trata-se de
algo de concreto. São Paulo adverte: “Este é o tempo que nos é dado, o tempo
favorável, é agora o dia da salvação”. É a vivência plena da presença de Deus,
no hoje do Ser Supremo, numa revisão
total de vida. A privação que cada um se impuser de tudo que é supérfluo se
transforme em ajuda eficaz para os mais necessitados, numa esmola inteligente e
oportuna, fruto do combate ao egoísmo. Deste modo o tempo quaresmal que leva a
vencer todas as tentações é um tempo de libertação, de cura espiritual. Saber
aproveitar-se deste presente de Deus e se matricular numa escola de vida que
leva a uma autenticidade cristã que fulgirá no 20 de abril, na comemoração
solene da Páscoa, o maior dia do ano.. * Professor no Seminário de Mariana durante
40 anos.
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