LIÇÕES À BEIRA DE UM POÇO
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Todos os pormenores do encontro da
Samaritana com Jesus à beira do poço de Jacó (Jo 4,5-42) deixam mensagens de
grande valor espiritual. Uma leitura superficial deste fato impede que se apreenda
o essencial dos detalhes deste episódio. É preciso, antes de tudo, uma
observação histórica. Havia uma dissensão profunda entre judeus e samaritanos.
Os judeus detestavam os samaritanos por uma série de razões, inclusive por
considerá-los um povo bastardo. Eles eram também uma gente herética porque não
freqüentavam o templo de Jerusalém. Eles iam rezar no monte Garizim e judeus
piedosos acreditavam que davam glória a Deus detestando os samaritanos. Era
então uma injúria chamar alguém de samaritano e, sobretudo, de samaritana. Com
efeito, a religião judaica, como outras religiões daquela época, considerava as
mulheres como impuras desde o berço. Seus maridos também estavam maculados, bem
como seus filhos e tudo que uma mulher de Samaria tinha tocado. Eis aí aonde
foi parar Jesus. Estava numa região inimiga e herética e nela passaria dois
dias. Ele aborda uma mulher três vezes impura, por ser samaritana, por ser
mulher e uma mulher que tivera vários maridos. Diante dela, portanto, Jesus se
faz três vezes contestador. Sem medo e com o poder que Ele possuía Cristo vai
pulverisar esta tríplice barreira. Seu recado haveria de repercutir através dos
tempos. Para Deus nada de excluídos, de inimigos, de malditos, de imperdoáveis,
de irrecuperáveis. Ele viera não para os justos, mas para os pecadores fossem
eles quem fossem. Nada de racismos, de preconceitos culturais ou religiosos.
Deus, realmente, oferece sempre oportunidade a todos e todos têm o direito de
beber a água viva de sua Palavra e de seu Amor. Naquele encontro histórico tudo
ia se revestir de um simbolismo fulgurante e é exatamente o símbolo que nos
conduz ao coração do mistério daquele evento. Para os nômades os poços eram bem
mais do que poços. Era um lugar de trocas de idéias. Desconhecidos se tornavam
ali amigos. Aliás, na Bíblia os poços frequentemente eram lugar onde surgiam
casamentos. O poço de Judá onde Jesus estava não escapa a esta tradição
alegórica. A água seria a representação figurada da Palavra encantadora do
Redentor que iria penetrar fundo na vida daquela samaritana. Ela proclamará
depois a seus conterrâneos: “Ele me disse tudo que eu fiz, vinde escutá-lo”.
Tratava-se de uma palavra preciosa, mais vivificante do que uma fonte no
deserto. Palavra transformante que mudou
inteiramente a existência de uma pecadora que viu saciada sua sede interior.
Palavra esclarecedora, pois Jesus fez entrever a adoração do Pai em espírito e
em verdade, bem além das querelas de povos e de religiões. Não será, doutrina
Ele, nem em Jerusalém, nem no monte Garizim que Deus será verdadeiramente
adorado, mas, sim, cada vez que um coração arrependido se voltasse para Ele,
buscando sinceramente a Verdade. Tudo
isto tem uma aplicação prática imediata no contexto atual. Hoje, como ontem,
Cristo faz jorrar a água viva de sua Palavra numa sociedade paganizada,
hedonista, pragmatista. Se o cristão não pode aprovar o erro, ele precisa,
porém, sempre compreender aquele que erra. É necessário agir como Jesus fez com
a Samaritana e, com perspicácia, saber dialogar para levar o outro para o bom caminho.
Quantos samaritanos há por vezes dentro da própria casa, no local de trabalho,
nos lugares de diversão, dentro de cada
um que vive em conflitos pessoais contínuos. Muitos até se desesperam e chegam
a proclamar que sua vida não vale nada, é uma desordem completa e que Deus não
o ama. Jesus propõe a todos a água viva, pois quem dela beber, segundo suas
próprias palavras, nunca mais terá sede.
A água que Ele oferece se torna uma
nascente de água jorrante até a vida eterna. Quando as evidências vacilam e as
certezas tremem no coração dos irmãos ou no próprio coração e a fadiga desta
peregrinação terrestre parece ficar insuportável, é bem que se lembrem as
lições deixadas por Jesus à beira do poço de Jacó. Junto dos homens não se encontrará
como dessedentar a sede do bem, da virtude, da verdade que borbulha lá no
íntimo de cada um. É preciso evitar qualquer mistificação e é necessário não
caminhar de decepção em decepção. Cumpre ir sempre ao encontro do Mestre
divino. Ele ensinará a amar a verdade, a encontrar no amor, que é Deus, toda
felicidade, toda ventura. A Samaritana deve ter ficado atônita diante do que
Jesus lhe dizia, mas ela se deixou iluminar pelas suas diretrizes e se fez uma
apóstola junto de seu povo. Há no fundo de cada coração o anseio do Infinito,
de uma felicidade definitiva que somente Cristo pode saciar. Levemos Jesus por
toda parte com palavras e exemplos e estaremos salvando a nós e aos samaritanos
que estiverem em nosso derredor. * Professor no Seminário de Mariana durante
40 anos.
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