TEMPO E ETERNIDADE
Côn.José Geraldo Vidigal de
Carvalho*
No tempo
presente neste mundo cada um delineia o seu destino eterno. A vida humana se
desenrola como imensa tela. Todos os acontecimentos, circunstâncias e instantes
devem ser passados em função do que ocorrerá no final da trajetória terrena. Muitos,
infelizmente, passam seus dias sem se preocupar com o que ocorrerá após a
inevitável morte. Santo Agostinho exclamava: “Ó eternidade, ó eternidade! Quem
pensa em ti e não se converte a Deus, perdeu a razão ou a fé”. Os bons
cristãos, porém, procuram corresponder sempre à ação de Deus que a cada
instante santifica a alma que nele confia. Tudo procuram fazer a seu alcance
para crescer na santidade. Isto porque quem é prudente jamais se esquece de que
Deus é o principio de seu ser e o fim de sua existência. Faz não a própria
vontade, mas se adapta ao querer divino na alheta do que está na oração
ensinada por Jesus na qual assim se dirige cada um ao Pai: “Seja feita a vossa
vontade, assim na terra como no céu”. Regozija-se nos instantes de lazer, mas
sabe carregar a cruz de cada dia sem murmurar contra o seu Senhor. O que conta
são os desígnios divinos, pois tudo está previsto e regulado pela Providência
de um Pai amoroso. Alguns desavisados querem impor condições a Deus. Procuram
transformá-lo num poderoso banqueiro e querem estabelecer com Ele um negócio,
um contrato bilateral. Ao invés de procurar se aprimorar espiritualmente, por
ver na prática da virtude em si o segredo da felicidade, cobram do Ser Supremo
ajuda especial em paga da observância de seus sagrados mandamentos. Eis por
que, quando na sua sabedoria Deus envia
qualquer provação, surge a revolta e a paz interior se esvai. Conquistam,
porém, o coração de Deus as almas desinteressadas que nele confiam inteiramente
ainda que Ele exija sacrifícios necessários para o crescimento no seu amor. Quem,
contudo, acredita em Deus afasta toda pusilanimidade, caminha sem temor
trilhando as rotas da perfeição cristã. Reconhece então que cada ser humano é
uma obra prima que saiu das mãos poderosas do Criador. Sabe por isto valorizar
tudo que dele se recebe a cada instante. Desta forma, alegrias e tristezas,
êxitos e revezes, consolações e instantes de desilusões, esperanças e temores,
tudo fica sobrenaturalizado. O agir divino, para santificar os cristãos de boa
vontade, não conhece limites. Donde o conselho do salmista: “Confia ao Senhor
os teus cuidados e ele te sustentará. Não permitirá que o justo vacile” (Sl
55,23). Este pensamento desembaraça,
liberta das ansiedades, estabelece uma santa liberdade e leva a uma
tranquilidade total e se torna fonte daquela imperturbabilidade que só o justo
degusta. É que a graça escoa na alma como um arroio sereno, irriga-lhe as
faculdades, penetra nos sentidos, impregna todos os atos de quem está unido a
Deus. Para provar a fidelidade de cada um, Ele permite que, por vezes, a alma
fique sem vigor, as paixões se rebelem, a turbulência interior apavore. É o
momento em que o cristão não se deixa abalar e sabe que, após a tempestade virá
a bonança, e que, com o auxilio de Deus, as dificuldades serão superadas. Todos
os santos conheceram estes instantes nos quais a face sorridente de Deus parece
ter se ocultado, mas não desanimaram e continuaram firmes longe de tudo que
pudesse conspurcar sua vida batismal. Nos instantes difíceis, contudo, há
cristãos que vão se refugiar erroneamente nos programas televisivos a serviço
do mal, não fugindo das ocasiões que poderiam levar ao pecado. Esquecem-se que
as consolações do céu virão, mais hora, menos hora, recompensar quem teve
confiança inabalável no Todo-Poderoso e não procurou ilusões terrenas. É que, sabiamente, o autêntico cristão não tenta sondar as profundezas do mistério
divino, mas se conforma aos planos de um Pai que visa sempre o progresso de
quem lhe é fiel. Com efeito, nas mãos de Deus o batizado deve ser maleável,
para que os defeitos se transformem em virtudes. Deus burila cada alma dócil
como se fosse a única no mundo. Reserva-lhe então os seus mais belos adornos,
enriquece-a, torna-a bela e formosa no tempo presente para que possa depois
fulgir na eternidade. Todas estas reflexões só têm valor para aqueles que estão
realmente convencidos do que disse o Apóstolo: “Não temos aqui morada
permanente, mas buscamos a futura” (Hb 13,14). Felizes, portanto, os que já
procuram morar na casa da eternidade, usufruindo no tempo presente todos os
dons de Deus, todas as maravilhas que Ele espalhou por toda parte, mas fazendo
sempre de tudo degraus para se chegar à Casa do Pai. * Professor no Seminário de
Mariana durante 40 anos.
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