SER FIEL A DEUS
Côn.José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Fidelidade a
Deus significa lealdade, correção, confiança na relação inter-pessoal, porque
Ele é fiel, como bem, lembrou São Paulo aos Coríntios: “Fiel é Deus que vos
chamou à comunhão de seu Filho, Jesus Cristo, nosso Senhor” (1 Cor 1,9). Aos
Tessalonicenses ele ensinou a mesma verdade:
“É fiel aquele que vos chama e realiza as suas promessas” (1 Tess 5,24). O caminho da fidelidade ao Ser Supremo de quem
tudo se recebe é o caminho do amor, da confiança, da misericórdia e da
humildade. Muitas vezes se esquece que cada alma é um mundo único repleto de
maravilhas, dado que o Senhor Onipotente não repete suas obras primas. O mesmo
Apóstolo mostrou que “uma estrela difere da outra em brilho” (1 Cor 15,41). No
que tange à alma de cada um, esta realidade é ainda mais impressionante. É o
que se contempla na existência dos santos, modelos de fidelidade às graças
divinas. Eles escancararam as portas de seu coração à influência do Espírito
Santo e maravilhas ocorreram em suas existências. Isto continua acontecendo através dos tempos
na vida de todo verdadeiro cristão. A
fidelidade, porém, não se manifesta em ações espetaculares, mas nas atividades
diárias, muitas vezes despercebidas dos outros. São, entretanto, valiosíssimas
diante do Senhor Onipotente. Nos mil pormenores do dia a dia é que se demonstra
a lealdade para com Ele. Claras as palavras de Cristo: “Aquele que é fiel nas
pequenas coisas o será também nas grandes” (Lc 19,16). Razão tem o Mestre divino, porque no que diz
respeito à perfeição que o seu discípulo deve sempre almejar, tudo tem uma
importância capital. O desejo de fazer e sofrer grandes coisas é quase sempre
uma ilusão do amor próprio, efeito de uma presunção condenável. As grandes
coisas, as grandes ocasiões da virtude raramente se apresentam. As pequenas
coisas se oferecem a cada instante. As
grandes coisas supõem da parte de Deus
graças proporcionadas, Entretanto, para merecer e obter as grandes graças, as
graças especiais, é preciso ter sido antes fiel nas pequeninas tarefas
cotidianas. Trata-se de viver em plenitude o momento presente. Embora todo perfeccionismo, ou seja,
tendência obsessivamente exagerada para atingir a perfeição na realização de
alguma tarefa, deva ser evitado, contudo, todo esforço precisa ser empregado
para bem viver cada minuto que passa, sem malbaratar o tempo precioso que Deus
concede. É aí que se situa a fuga das obrigações imediatas o que ocorre
sobretudo no contexto atual. Numerosos são aqueles que passam horas e horas em
frente à televisão, ou nas ligações telefônicas inúteis, ou nas redes sociais
da internet. Adite-se que a própria oração pode se tornar uma fuga do dever.
Aqui vale bem o ditado: “Primeiro a obrigação, depois a devoção”, embora
qualquer atividade feita na presença de Deus e com a reta intenção de O agradar
já seja, em si, um grande louvor ao
Criador. A vida do cristão supõe coragem, determinação para a exata fidelidade exigida
na ordem dada por Cristo: “Sede perfeitos como o Pai celeste é perfeito”. Não é
fácil morrer a todo momento a si mesmo para seguir continuamente a inspiração da graça e fazer cada coisa com
toda a perfeição possível sem nunca relaxar. Como grande é a fragilidade
humana, é preciso saber conviver com as falhas que um bom exame de consciência
à noite lembra ao fiel. Uma prece humilde sobe então até Deus: “Cobri, Senhor,
os abismos de minha debilidade”! Quem assim procede ganha infalivelmente o
coração de Deus, atrai ainda mais sua ternura, seus favores. Tal cristão se
dispõe deste modo para, quando a Providência assim o determinar, suportar
grandes coisas, pois estará preparado para os atos mais heróicos num desapego
total do que é efêmero, passageiro, ilusório. Desta maneira, nunca se perde a
Deus de vista e a inquietude não se apossa daquele que corresponde a tudo que a
inspiração divina lhe pede. O amor de
Deus quer de fato uma santa liberdade, fruto da disponibilidade de Lhe ser fiel
em tudo. Aos poucos a alma forma insensivelmente um hábito de agir em tudo pelo
instinto de Deus. Disto resulta então o repouso tranquilo na plenitude do
momento presente, afastada agitação quer exterior, quer interior. A fidelidade
se torna a respiração natural da alma e o cristão atinge aquela postura
iluminada que caracteriza os que assim se entregam totalmente à ação divina. * Professor
no Seminário de Mariana durante 40 anos.
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