terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Ensinamentos do Monte Tabor

ENSINAMENTOS DO MONTE TABOR
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Muitas os ensinamentos que a transfiguração de Cristo no monte Tabor oferece aos seus seguidores (Mc 5,2-10). O Evangelista destaca que o Mestre divino “tomou consigo Pedro, Tiago e João e levou-os sozinhos a um lugar à parte sobre alta montanha”. Santo Tomás de Aquino comentou: “Jesus com isto ensina que é necessário a todos os que desejam contemplar a Deus a não se ligar às baixas voluptuosidades, mas se elevar sem cessar pelo amor para os bens celestes”. Para se transfigurar é preciso se transportar para cima, ascender. O embelezamento da alma supõe que não se esteja inclinado para a terra, curvado pesadamente sob o peso das paixões, escravo dos prazeres carnais, livre dos novos demônios deste milênio. Para se chegar à visão de Deus é preciso contemplá-lo, é preciso alçar vôos para as alturas, para as altaneiras montanhas. Entretanto, ir ao cimo de um monte supõe esforço, disposição. Toda transformação para melhor está condicionada também a um doloroso esforço. O processo de transfiguração em Cristo exige uma ascese contínua. Urge com determinação eliminar os elementos que conspiram contra um aprimoramento espiritual ininterrupto. O desapego absoluto de tudo que impede a adesão completa ao divino Redentor. Aliás, o desprendimento é uma recomendação essencial do Evangelho, renúncia de tudo, de todos, sobretudo de si mesmo, mesmo porque a adesão às coisas e aos outros ocorre sempre por causa do interesse próprio. Para se degustar, porém, as delícias do Monte Tabor é preciso não hesitar e fazer da vida uma ascensão jamais interrompida por mais laboriosa que seja. Então se poderá mirar a face divina de Cristo, podendo repetir com São Pedro que é reconfortante contemplar os raios da divindade do Salvador. Contudo, é mister observar que Jesus conduziu os três Apóstolos a um lugar solitário, envolto em silêncio, numa atmosfera favorável à contemplação, à prece ardente. Eis aí outra condição para o processo de transfiguração espiritual. É isto o que exige a fixação do cristão no modelo divino, no ideal que deve prender todos os pensamentos, inflamar todos os sentimentos. Isto possibilita reproduzir em si os traços maravilhosos do Filho de Deus, mas supõe que o cristão esteja imerso numa prece profunda, resultado da disposição de colocar entre parêntesis o passado e o futuro numa entrega absoluta ao coração amoroso de Jesus no instante em que se põe a orar. Esta a oração ultrapassa o mero recitar de fórmulas e leva o fiel a perceber as maravilhas em torno daquele que é Deus e homem verdadeiro. Nunca uma alma frívola, presa ao barulho exterior, uma alma vazia de amor, poderá degustar as delícias do contato com as realidades sobrenaturais. Eis porque São Paulo aconselhava aos Filipenses a rezarem em espírito todo o tempo (Fl 6,18). É a esta prece meditativa que se refere São Cipriano ao dizer que é bom rezar sem cessar para não se afastar do reino celeste. Deste modo o discípulo de Cristo se envolve numa luminosidade maravilhosa, a qual personaliza o ser racional, o humaniza e o vai espiritualizando. É deste modo que se prepara a ressurreição futura na luz de Deus por toda a eternidade. Então, sim, se terá compreendido e vivido a admoestação do Pai: “Este é o meu Filho amado. Escutai o que ele diz”, ou seja, praticai o que Ele ensinou, passando cada um do homem biológico para o pneumático, ou seja, do homem terreno para o homem espiritual. Foi o que disse Jesus a Nicodemos: “ O que nasceu da carne é carne, o que nasceu do Espírito é espírito” (Jo 3,5). Esta é a realidade batismal, nem sempre vivida em plenitude, porque falta uma disponibilidade interior que permita a ação da Terceira Pessoa da Santíssima Trindade. A transfiguração pessoal começa no dinamismo da atuação do Espírito Santo que humaniza o eu biológico, carnal, e faz passar para a vida transfigurada em Jesus. Felizes os que vivem estas mensagens sublimes provindas lá do Monte Tabor. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

JESUS TENTADO POR SATANÁS

JESUS TENTADO POR SATANÁS
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Quem estuda a Bíblia com atenção percebe que o Livro Santo mostra a tentação não tanto como um estímulo para a prática do mal, incitação que vem de fora do ser racional, mas como uma disposição interior para o desprezo de algum dos dez mandamentos. A atitudes eticamente condenáveis é levada a criatura humana que cede a tais impulsos, sendo que eles propiciam a atuação do Maligno. Tiago falou claramente: “Cada um é tentado pela sua própria concupiscência” (Tg 1,14). A Sagrada Escritura, portanto, focaliza a tentação mais através de suas causas e ocasiões externas, deixando de lado o aspecto da sedução que é uma conseqüência da falta de controle interno. São testes pelos quais Deus faz passar o homem. Assim a queda de Adão e Eva no paraíso (Gn 3,1-19); a provação de Abraão (Gn 22,1-19); o sofrimento por que passou Jó. É certo que, segundo a narrativa bíblica, o Criador permitiu a Satanás atribular o célebre Patriarca da Induméia, mas o Adversário atuou como um instrumento do Todo-Poderoso para provar a paciência daquele Justo, como aconteceu no Paraíso para testar a fidelidade de nossos primeiros pais. É interessante ressaltar que no Antigo Testamento o Povo Eleito tentava o Ser Supremo, sempre paciente diante das infidelidades humanas ( Dt 6, 16; 9,22; 1 Cor 10,9). No Novo Testamento aparece mais acentuada a atuação externa do demônio para levar ao pecado. Ele é um aproveitador das circunstâncias menos favoráveis ao crente para o fazer se afastar do Ser Supremo. Os que desejam ser fiéis ao Senhor do Universo são vítimas do Inimigo. Paulo advertiu os Tessalonisenses: “Pois, quando ainda estávamos convosco, vos predizíamos que havíamos de padecer tribulações, como com efeito aconteceu: e vós o sabeis. Por isso, não podendo eu sofrer mais demora, enviei a reconhecer a vossa fé, temendo que o tentador vos tenha tentado; e que se torne inútil o nosso trabalho” (1 Ts, 3,4-5). O que insiste, porém, a Bíblia é que o verdadeiro manancial das tentações é a concupiscência que está enraizada no interior do homem. Por isto Paulo mostra que “os que são de Cristo crucificaram a sua própria carne com os vícios e concupiscências” (1 Gl 5,24). Pedro fala naqueles que “vão atrás da carne na imunda concupiscência” (2 Pd 2,10). Portanto, cumpre, ao cristão, antes de tudo, ter o autocontrole de suas más tendências, pois do contrário cairá fatalmente nas garras satânicas. Aí entra a liberdade humana ao aderir, ou não, à graça de Deus que nunca falta a quem quer triunfar do mal. O Novo Testamento mostra que nunca Deus permite que tentação acima das possibilidades do fiel, mas este tem que corresponder ao influxo divino. Este trecho paulino é luminoso: “Deus é fiel, o qual não permitirá que sejais tentados além do que podem as vossas forças, antes, fará que tireis ainda vantagens da mesma tentação, para a poderdes suportar” (1 Cor 10,13). Por tudo isto se compreende como Jesus pôde com facilidade, enquanto homem, vencer as tentações do demônio no deserto (Mc 1,12-15). Como desceu a detalhes Mateus (Mt 4,1-11), Satanás queria provar os poderes messiânicos do Salvador da humanidade com fins muito materiais como matar a fome, mudando pedras em pães, vanglória ou enorme imprudência, lançando-se do pináculo do templo e o anseio de dominação, possuindo os reinos terrenos. Cristo venceu o tentador e demonstrou peremptoriamente que o seu Reino não era deste mundo. Nunca ele colocaria os seus poderes divinos no plano material, mas unicamente a favor da Boa Nova que veio trazer a este mundo. Ele jamais trairia sua missão salvífica. O que importava era o Reino de Deus. Assim age também o seu verdadeiro epígono que sabe se mortificar, pois diz João na sua primeira carta que “tudo quanto há no mundo é concupiscência da carne, concupiscência dos olhos e soberba da vida” (1 Jo 2,16). Quem não é continente abre as portas ao Demônio. Cumpre, pois, garrotar, sufocar interiormente os maus pensamentos que excitam desejos perigosos, os quais Satanás sabe trabalhar com rara perspicácia. A quaresma é tempo propício para isto. O desapego dos bens terrenos, objetivando um novo milênio sem exclusões; o interesse pela dignidade humana; o esforço para que a saúde se difunda por toda a terra como proclama o lema da Campanha da Fraternidade; e a difusão da paz por toda parte são meios para que haja uma real preparação para a Páscoa. Cumpre, como Jesus, vencer o demônio e suas aliciações. *Professor do Seminário de Mariana, durante 40 anos.

´PODER DE PERDOAR PECADOS

PODER DE PERDOAR PECADOS
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Todos os pormenores que envolveram a cura do paralítico (Mc 2,1-12) são profundamente significativos. Aquela doença era bem o símbolo da paralisia espiritual e Jesus com seu poder divino cura a moléstia do corpo e da alma. Com efeito, aquele homem saiu andando, carregando a cama em que o trouxeram até Jesus que realizou algo ainda mais admirável restituindo-lhe a saúde da alma: “Teus pecados estão perdoados”. Após sua ressurreição Cristo, que demonstrou peremptoriamente sua divindade, outorgaria esta faculdade aos apóstolos: “A quém perdoardes os pecados, estes lhes serão perdoados” (Jo 20,23). Era a instituição do Sacramento da Penitência, o Sacramento da libertação. Quando alguém diz que vai se confessar não se trata de um ato qualquer como ir ao dentista ou a qualquer consultório médico, o que já indica um mal corporal, mas atitude que se torna necessária para recuperar o bem estar físico. Entretanto o Sacramento da reconciliação opera uma cura muito mais premente, que não admite nenhuma dilação, pois se trata do reencontro pessoal com aquele que ama o que errou muito além de sua expectativa. Este sacramento oferece o perdão das faltas veniais ou graves, sendo remédio espiritual que fortalece o cristão para os embates contra as invectivas do maligno. Sana as falhas das eivas provenientes dos pecados capitais, sobretudo do defeito dominante. O sacerdote é apenas um instrumento do Redentor, pois pronuncia em seu nome a fórmula da absolvição. É Jesus quem cura a paralisia espiritual e ajuda para a caminhada rumo à Jerusalém celeste, impedindo a más decisões e as indecisões perante os ataques demoníacos. O arrependimento sincero é uma volta medicinal aos erros passados, mas, sobretudo, uma largada para frente, para vitórias fulgurantes, obstando o cristão a desistir na prática das virtudes, na fidelidade à observância dos mandamentos, no anelo ardente de estar com Deus por toda a eternidade. Tira-se um fardo pesado e se imerge no oceano do amor infinito do Ser Supremo. Percebe-se então que há uma diferença enorme entre o perdão dos homens e o do Criador, pois este é total. O Todo-Poderoso falou através do profeta Isaías: “Eu não me lembrarei mais dos teus pecados” (Is 43,25). Perdão completo que apaga as manchas devidas à fragilidade humana, benesse ofertada pelo grande amor do Senhor que é a bondade infinita. Cumpre lembrar que o ato dileção dos amigos do paralítico permitiu seu encontro com Jesus, encontro que resultou em conseqüências tão maravilhosas. Este é um apostolado muito abençoado por Jesus, levar os que estão nas trevas do erro para a luz da anistia divina. Aqueles que se comprimiam em redor do Redentor tinham uma confiança formidável nele. Cristo que lia os corações percebia fidúcia que neles reinava. Primeiro, foram perdoados os pecados daquele doente, depois se seguiu sua cura. Eis porque, sobretudo, por ocasião de alguma moléstia, é preciso, antes de tudo, colocar a consciência em paz, mesmo porque os medicamentos só produzirão seu efeito total quando a tranqüilidade, a imperturbabilidade imperam dentro do coração. Este não deve estar bloqueado, dado que é todo processo psicossomático que necessita ser restaurado. Os empecilhos que levam à paralisia espiritual podem vir de um passado infeliz e tudo que esteja lá no inconsciente precisa ser aflorado ou de um espírito rancoroso, revoltado, amargo que necessita de se envolver num perdão cordial ou ainda dos muitos cuidados, ambições terrenas, paixões desregradas, situações familiares, profissionais. Numerosas são as causas que podem impedir o encontro com Jesus. Um sincero exame de consciência é a melhor de todas as terapias. Com habilidade, diplomacia e muita caridade os bons cristãos podem, de fato, ajudar os amigos a encontrarem o Médico divino, apostolado admirável, meritório para o dia do juízo final. Adite-se ser de um valor imenso as preces pela conversão dos pecadores. Jesus deseja perdoar a todos, mas respeita a liberdade de se aproximar dele ou não, mas conta com o interesse dos verdadeiros cristãos que levem outros até Ele. Representante de Cristo, o padre no confessionário exerce um tríplice papel. Ele é Juiz e, na verdade quantos, às vezes, pensam estar numa triste situação espiritual e, no entanto, necessitam apenas de pequenos ajustamentos vivenciais. Médico ele cura enfermidades da alma. Nem sempre o mesmo remédio pode ser aplicado a idêntico tipo de doença, sendo morte para um o que é saúde para o outro. É o que se dá também na esfera espiritual o confessor, habilmente, diagnostica o que se passa com quem o procura em busca de paz interior, oferecendo o medicamento adequado. Mestre, ele guia e aponta as veredas salvíficas, tudo isto em nome de Jesus que tem poder de perdoar pecados. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

domingo, 22 de janeiro de 2012

A verdadeira conversão

A VERDADEIRA CONVERSÃO
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
A uma verdadeira conversão pessoal convida São João Batista de uma maneira concisa e direta: “Convertei-vos e crede no evangelho!” (Mc 1,15). O cristão deve viver num processo de contínua metamorfose, ou seja, transformação ininterrupta após o passo inicial indispensável que é a passagem do pecado à vivência no estado de graça. Trata-se da renúncia firme e sincera de uma vida longe dos preceitos divinos para uma existência nova em Cristo. Esta etapa entusiasma inteiramente o ser racional que se transporta das trevas para a luz. Foi o que ocorreu com o Apóstolo Paulo e centenas de outros santos que, num momento de correspondência luminosa ao chamado divino, decididamente, abandonaram o erro e abraçaram a verdade. Surge desta forma um coração renovado pela claridade celeste e uma vontade férrea leva o discípulo de Cristo a caminhar para frente sem jamais olhar para trás. Isto não obstante as tentações do inimigo que conjuram contra a perseverança nas trilhas do bem. Daí por diante a cada instante, numa luta persistente, cumpre avançar corajosamente nas veredas da perfeição, mesmo que, por vezes, devido à fraqueza humana se venha a perder a graça santificante que logo se pode recuperar pelo sacramento da confissão. Então o cristão se deixa guiar por Deus, buscando, numa oração pertinaz, o auxílio para se aprimorar a cada instante, vivendo na presença do Ser Supremo e Lhe sendo inteiramente fiel. Uma atitude resoluta leva ao abandono dos desejos desregrados, dos planos malévolos incitados pelo espírito do mal, dos objetivos que podem comprometer a salvação eterna. Decorre, desta forma, a substituição dos hábitos maus, por atitudes repletas de luminosidade na prática das virtudes nas quais cumpre crescer sem desfalecimentos, sendo isto fruto opimo da disposição de mudar sempre para melhor. É que a entrega total a Cristo exige a disposição de se deixar formar completamente por ele, sem levantar entraves de nenhuma espécie para tal venturosa transformação. Tal é a transcendência da vocação de quem foi batizado. Desta maneira, a autêntica conversão confere uma santa audácia de se precipitar confiadamente na pessoa do Redentor num progresso sem tréguas. Disto resulta a busca da perfeição sem perfeccionismos, pois apenas Deus é perfeito. O cristão, porém, vai crescendo no amor a Deus e ao próximo, na paciência, na obediência aos mandamentos sagrados e às inspirações do Espírito Santo, na humildade. Cada momento se torna novo, porque há uma ascensão contínua. O auto-aperfeiçoamento passa a envolver o seguidor de Cristo na paz mais profunda e das próprias fraquezas se tiram lições preciosas. É que num presente eterno a alma se entrega totalmente a Deus e percebe a capacidade de sempre recomeçar, nunca desanimando. O desalento, o esmorecimento podem aflorar, mas se repete com São Paulo: “Eu tudo posso naquele que é a minha fortaleza” (Fl 4,13). A vida do cristão, apesar das lutas diárias contra a inclinação para o mal, se passa na imperturbabilidade, sem tensões de um esforço desproporcionado, dado que a renovação do firme propósito de se realizar na virtude cria um hábito que faz o transcurso dos dias se tornarem um dom no amor a Deus e ao próximo e isto leva ao aprimoramento próprio, resultado da sinceridade do coração que encontrou de fato o seu Senhor e lhe deu uma adesão sem restrições. O cristão se faz maleável à atuação divina que opera nele maravilhas. Surge uma consciência modificada pela revolução interior. Não se opera uma conversão sobre-humana,mas se passa a viver uma vida plenamente humana, usufruindo de todos os bens que Deus coloca à disposição de cada um, mas tudo dentro de um equilíbrio admirável que impede o naufrágio nos vícios que degradam e obstam o bem viver. É aceitar o amor do Ser Supremo, se sentir por Ele amado e se deixar amar por Ele. Compreende-se então o que disse São João: “Nisto consiste o amor, não somos nós que amamos primeiro a Deus, mas foi Ele quem nos amou” (1 Jo 4,10). A verdadeira conversão atinge assim as profundezas do ser humano e o imerge na ventura mais inebriante. Este programa de vida não é fácil porque num contexto hedonista, materialista, trabalhado pelas forças do mal é preciso uma batalha cotidiana para não se deixar envolver no mundo que valoriza o que é material e não as coisas espirituais. É possível, porém, estar firme nos caminhos da perfeição cristã, porque quem realmente se converteu crê firmemente tudo que Jesus ensinou, segundo o conselho do Precursor: “ Convertei-vos e crede no Evangelho” Esta fé é sempre o escudo e a força para uma caminhada sem desfalecimentos. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos
.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

O PODER DE JESUS SOBRE AS DOENÇAS

O PODER DE JESUS SOBRE AS DOENÇAS
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Inúmeras passagens dos Evangelhos mostram que Cristo, como divino taumaturgo, curou as mais variadas doenças, estando continuamente junto dos que padeciam alguma moléstia. Durante seu profícuo ministério Ele encontrou por toda parte enfermos em seu caminho. Assim aconteceu em Cafarnaum com a sogra de São Pedro, acamada com febre sendo que depois Ele curou naquela cidade “muitas pessoas de diversas doenças”(Mc 1,30.34). Movido de compaixão Ele restituiu a saúde aos que dele se aproximavam com e profunda fé. Esta virtude era inclusive uma exigência que fazia. A dois cegos que lhe pediam a cura ele disse: “Faça-se-vos segundo a vossa fé (Mt 9,28). Sua força divina era colocada a serviço dos que jaziam presos em terríveis enfermidades. A doença é sempre o sinal do estado em que se encontra o homem após o pecado original. Enquanto durar o mundo atual a humanidade tem que carregar as conseqüências de sua rebelião contra o seu Criador. O estado de perfeição só se dará lá no céu. Tendo assumido a natureza humana, Jesus se identificou com os sofredores: “Estive doente e me visitaste”. Este cuidado com os padecentes é, aliás, uma das condições para se entrar no Reino dos eleitos (Mt 25,36). Servir os doentes é servir ao próprio Cristo em seus membros que padecem. O enfermo é então a imagem e o símbolo do próprio Filho de Deus que quis conhecer nesta terra as misérias humanas, não apenas as corporais como, outrossim, as do espírito, como aconteceu na sua agonia no Horto das Oliveiras e no alto da Cruz. Como profetizou Isaías eram nossos males que Ele suportou (Is 53,4). Como Redentor da humanidade Ele passou “fazendo o bem e curando todos os que estavam no poder do diabo” (Atos 10,38). Ele era o médico do corpo e da alma e mostrou que com sua Paixão e Morte daria um novo sentido às dores humanas, conferindo-lhes um valor de redenção, de purificação. São Paulo compreendeu isto magnificamente e disse aos Coríntios: “Trazemos em nosso corpo os sofrimentos mortais de Jesus, para que também a vida de Jesus se manifeste em nosso corpo” (2 Cor 4,10). . Neste sentido o Apóstolo mostrava aos colossenses que cumpre ao cristão “completar na sua carne o que falta aos sofrimentos de Cristo por seu corpo, que é a Igreja”. Embora se deva lutar contra a doença, valorizando o dom da vida, evitando tudo que possa prejudicar a saúde, quem passa por alguma moléstia deve se integrar no processo da auto-salvação, suportando-a em reparação das próprias faltas e das iniqüidades que se cometem mundo afora. É necessário sempre esperar o momento em que Deus irá atender as súplicas e restituir a saúde. Na cura da sogra de São Pedro é de se observar que quem obtém a cura de sua doença deve se entregar ainda mais fielmente a suas tarefas diárias. Com efeito, São Marcos destaca que imediatamente aquela senhora se reintegrou a suas tarefas familiares, manifestando sua gratidão exatamente no serviço de quantos estavam naquela casa. A um miraculado, que desejava segui-lo, Ele disse: “Vai para tua casa, para os teus e narra-lhes tudo que o Senhor fez por ti e como se compadeceu de ti”. Ele partiu e começou a apregoar na Decápole as grandes coisas que Jesus lhe tinha feito, e todos ficavam maravilhados” ( Mc 5,19-23) O melhor hino de ação de graças é, de fato, o cumprimento do dever nas tarefas que Deus destinou a cada um. Nem se pode esquecer que o tema “Fraternidade e Saúde Pública” com o lema “Que a saúde se difunda sobre a terra.” (Eclo 38,8) será refletido na Campanha da Fraternidade deste ano e recordará assim, ainda uma vez, o poder de Jesus sobre as doenças e a responsabilidade de cada um perante os que sofrem, sobretudo os familiares. O Médico divino conta com cada um de nós não apenas para que com confiança nele vençamos a doença, mas também ajudemos a todos que sofrem, levando-lhes auxílio espiritual e material. Uma das melhores contribuições para com os necessitados é ajudar, a quem precisa, a comprar os remédios prescritos pelos médicos. Jesus espera também que proclamemos por toda parte as maravilhas que ele opera em nossas vidas e isto como um ato de agradecimento. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

SEGUIR JESUS

SEGUIR JESUS
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Diz São João, o Evangelista, que João Batista estava com dois de seus discípulos e vendo Jesus passar disse: “Eis o Cordeiro de Deus”! Ouvindo essas palavras os dois discípulos seguiram Jesus (Jo 1, 35-37). Hoje os grandes teólogos patenteiam que o seguimento é um conceito profundamente carismático. Aliás, Jesus pôde asseverar: “Quem me segue não andará nas trevas (Jo 8,12). Seguir Jesus é estar iluminado como ficaram os discípulos do Precursor. Aí se acha a síntese de toda a existência cristã. Entretanto é de se observar que há uma identidade completa entre seguir e imitar. Foi o que o Apóstolo Paulo compreendeu perfeitamente quando ele disse aos Coríntios: “Sede meus imitadores como eu mesmo o sou de Cristo” (1 Cor 11,1). O discípulo deve fazer exatamente o que o Mestre executa, pois, do contrário, haveria um acompanhamento meramente marcado pela curiosidade e não pela transformação que as palavras e gestos devem ocasionar. Ora, Cristo é o Mestre por excelência. “Rabi” em hebraico; “Rabbuni” em aramaico, “Didáskalos” em grego são palavras que incluem, de fato, uma identificação entre aquele que ensina e seu epígono. É interessante observar que já os primeiros que seguiram o Messias foram chamados de discípulos e na aurora do cristianismo discípulo era sinônimo de cristão. Trata-se, portanto, de alguém que vive a doutrina do Mestre divino. É que a imagem fenomênica que Jesus passou é inteiramente diversa daquela vista nos mestres de Israel, nos rabinos judeus. Isto porque Ele veio ensinar uma “justiça maior que a dos escribas e fariseus (Mt 5,20). Ele exige de seus seguidores mais seriedade no cumprimento da vontade de Deus, sinceridade irradiante e notável pureza de intenção. Requer um amor com dimensões nunca dantes percebida, pois promove uma dileção que abarcaria todos os inimigos, levando a retribuir o mal com o bem. É por isto que São Marcos insiste tanto que Jesus pregava o Evangelho do Reino de Deus. Quem neste Reino entra, conhece uma nova realidade tanto mais que em Jesus o ensinamento se identifica com Ele mesmo. O cristão não aderiria nunca a uma mensagem como tal, mas sim ao próprio Mestre. É uma vinculação profunda com sua pessoa divina. Os apóstolos abandonaram tudo. Deixaram uma certeza de vida por uma incerteza, mas confiaram no Mestre. Uma característica do batizado é, de fato, esta: não se apega a nada e está disposto sempre a tudo abandonar por causa de Jesus. Daí uma estabilidade por entre a instabilidade de tudo que há neste mundo. Invejável a situação daquele que crê, pois está sempre seguro quando segue o Mestre divino. Cumpre ainda acrescentar a tudo isto o radicalismo que Jesus exige: “Quem põe a mão no arado e olha para trás não é apto para o Reino de Deus” (Lc 9,62). Ele quer uma decisão sem reservas, definitiva, que exclui todas as meias medidas e reticências. É certo que cada atitude pessoal fica sempre ao alvedrio de Deus que dimensiona a generosidade de cada um de acordo com as necessidades do Evangelho a ser difundido. Daí haver na Igreja uma diversidade tão grande de maneiras de seguir a Jesus. Uns chegam às raias do heroísmo como Paulo, Sebastião, Rita de Cássia e tantos outros. Muitos é no cotidiano de uma existência talvez obscura diante dos homens que estarão seguindo o grande Pastor. Todos, porém, deverão demonstrar no cotidiano do árduo trabalho específico sua adesão total ao Mestre. Disto Ele não abre mão. Foi claro: “Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me” (Mc 8,34). Está aí toda a forma cristã de vida que tem como paradigma alguém que deu o exemplo e caminhou corajosamente até o Calvário. Seguimento é, pois, uma idéia-síntese para a comunhão com Jesus acompanhada de todas as suas implicações. Dimensão estrutural essencial de toda a existência cristã determinada pela fé no Filho de Deus, Ele modelo, fonte da salvação. Estão, deste modo, afastadas todas as normas e receitas exteriormente pré-estabelecidas, pois seguir Jesus é assumir, na realidade da própria vida, a orientação e a figura básica do Mestre. O fim é então previsível: quem O seguir estará, um dia, com Ele na Casa do Pai para uma eternidade de felicidade incomensurável. Vale, portanto, a pena seguir o Redentor! É preciso, porém, imitar André que “conduziu Simão a Jesus” e este o transformou na pedra sobre a qual edificaria sua Igreja. Um apostolado perseverante faz com que muitos passem a seguir fielmente o Mestre divino, o Cordeiro de Deus, e encontrem nele a salvação, a felicidade e a paz, tornando-se pedras vivas na construção da comunidade cristã. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos

JESUS ENSINAVA COM AUTORIDADE

JESUS ENSINAVA COM AUTORIDADE
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
O Mestre divino ensinava na sinagoga de Cafarnaum e diz São Marcos que “todos ficavam admirados com o seu ensinamento, pois doutrinava como quem tem autoridade” (Mc 1,22). É que o Rabi da Galiléia era verdadeiramente o Filho de Deus, possuindo uma competência absoluta. Suas palavras e seus atos sempre estiveram numa concordância plena e admirável. Eis porque podia intimar a satanás a sair de um pobre endemoninhado, dizendo ao espírito mau: “Cala-te e sai dele!”. Seus ensinamentos vêm atravessando os séculos porque ele abeira-se do íntimo dos corações e, por isto, converteu a Zaqueu, iluminou a Nicodemos, encheu do verdadeiro amor a Samaritana. Abriu para seus seguidores horizontes fulgurantes, afiançando uma vida eterna feliz para os que acreditassem na Boa Nova que trouxera do céu. Em todos os temas sobre os quais discorreu ia sempre ao essencial, deixando uma mensagem fulgurante que transformou inúmeros pecadores e através dos tempos continua a iluminar as mentes, conduzindo milhares a uma reformulação total de vida, rumo às rotas da perfeição. Que singeleza, que encantos em suas instruções! Quanta elevação em suas máximas! Que presença de espírito, que subtileza e que certeza em suas respostas! Eis porque sua influência milenar é uma das realidades mais visíveis e gloriosas da História da humanidade, mesmo porque Ele demonstrou sempre uma pedagogia inigualável. Nenhuma literatura da terra, nem mesmo a mais bela, a mais maravilhosa na forma, a mais rica no conteúdo, nunca superou nem sobrepujará jamais o que está compendiado nos Evangelhos que apresentam páginas insuperáveis como a narrativa do Filho Pródigo, o Sermão da Montanha, a imagem do Bom Pastor. Jesus mostrou toda uma revelação do Ser Supremo, irradiou a paz, resolveu os problemas mais difíceis. Cristo instruiu como ninguém jamais falou. Sua palavra poderosa possui uma eficácia maravilhosa sobre aqueles que se abrem à sua luminosidade, revolucionando o mundo espiritual dos que acolhem sua mensagem divina. Cumpre, porém, ao cristão se beneficiar sempre, na prática, da sabedoria de Jesus e de tudo que dela emana. Trata-se de agir em Cristo, permanecendo, vivendo de acordo com a comunicação sublime que trouxe de junto do Pai, que é a fonte desta sua autoridade. Isto significa a necessidade da coerência radical, donde a advertência de São João: “Não amemos por palavras nem com a língua, mas por obras e em verdade. [...] Quem observa seus mandamentos permanece em Deus, e Deus nele; e que ele permanece em nós sabemos por este sinal: pelo espírito que nos concedeu” (1 João 3, 18.24). Não basta, realmente, admirar a doutrina de Jesus, mas é preciso ser agradável a ele, praticando o que ele ensinou com procedimentos conseqüentes de uma dileção sincera, esclarecida. O grande drama dentro do cristianismo vem exatamente do fato de que muitos ostentam o nome de cristãos, mas não o são na vivência cotidiana e razão tem o adágio: “ Os atos falam mais do que as palavras”. Somente assim a presença de quem foi batizado no mundo transmite a vida de Cristo que faz seu Corpo Místico crescer na justificação, na santificação. Este é, aliás, o que magnificamente lembrou o Papa Bento XVI numa de suas alocuções na jornada da juventude em Sydney: “Enriquecidos dos dons do Espírito vós tereis a força de ir além de qualquer utopia, da precariedade do momento, para oferecer a consistência e a certeza do testemunho cristão”. Isto quer dizer que o discípulo verdadeiro à luz da autoridade do Mestre divino depara a verdade e a unidade interior. O autêntico epígono de Cristo não pretende parecer bom, mas, sim, ser bom em tudo de acordo com o que pregou o Redentor. É deste modo que se vence o relativismo contemporâneo que fragmenta a existência e dispersa as energias, porque muitos querem agradar a Deus e ao mundo, numa tentativa de compatibilizar o sim e o não, numa simbiose impossível, negando-se desta maneira o valor de tudo que o Filho de Deus pregou, seu saber, seu prestígio e o crédito que merece sua autoridade. Esta exige comprometimento absoluto, total, evitando as indecisões perante a aliciação do mal que os meios de comunicação apresentam, como se os formadores de opinião tivessem a mesma sabedoria que Jesus. Grande, portanto, a responsabilidade do cristão, ou seja, mostrar ao mundo com palavras e obras que o Mestre divino é único que pode falar realmente com toda autoridade, por ser Ele a Luz do mundo, o Verbo eterno de Deus e o que não se compatibiliza com seus ensinamentos deve ser taxado de erro pernicioso que lança nas mais profundas trevas e nas mais terríveis desgraças... * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

CENTENÁRIO DE DOM OSCAR DE OLIVEIRA

CENTENÁRIO DE DOM OSCAR DE OLIVEIRA

Convidado pelo Arcebispo D. Geraldo Lyrio Rocha, o Cônego José Geraldo Vidigal de Carvalho proferiu na Concelebração Eucarística na Catedral-Basílica a Oração Gratulatória, ao ensejo do Centenário de nascimento de Dom Oscar de Oliveira, tendo preparado o seguinte texto, o qual foi condensado em 35 minutos como convinha a esta alocução.

JUSTA HOMENAGEM

Justas as homenagens que se prestam ao insigne Arcebispo Dom Oscar de Oliveira ao ensejo do seu centenário de nascimento. Ele foi, sem sombra de dúvida, um dos vultos marcantes que balizaram o século XX, muito honrando a Igreja e a Pátria. Muito glorificou a Academia Mineira de Letras, sendo o terceiro sucessor na Cadeira número 27. Nasceu em Entre Rios de Minas dia 9 de janeiro de 1912.
Doutor em Direito Canônico, teólogo consumado, filósofo profundo, historiador exímio, literato eminente, escritor primoroso, tribuno aplaudido, poeta de fina sensibilidade, Dom Oscar era um humanista no pleno sentido do termo.
Inúmeras regiões de Minas Gerais foram clarificadas com o brilho de sua palavra inflamada que irradiava fé e civismo numa luta contínua por uma sociedade mais humana e equitativa.
O bem comum, à luz de uma profícua evangelização, foi a seiva luminosa de sua alma, a divisa esbelta de sua existência.
Por isto lançou um rastilho inextinguível e o passar dos anos tem feito fulgir sempre mais suas admiráveis realizações. Não se sepultam, realmente, os feitos dos grandes homens.
Ele ostentava profundas qualidades humanas e as raras intuições da vida. Tornou-se um exemplar famoso da virtude.
Sobretudo missionou, como bispo, as circunscrições eclesiásticas de Pouso Alegre e Mariana, tendo ilustrado o Áureo Trono Episcopal Marianense de 1959 a 1988, deixando um imenso legado espiritual e cultural que beneficia todo o país.
Protegeu, enriqueceu e expandiu o patrimônio religioso e artístico de Minas Gerais, inserindo-se deste modo no rol dos grandes benfeitores que merecem uma consagração por seus extraordinários cometimentos.
Tendo convivido sob o mesmo teto com este Prelado durante seu episcopado em Mariana quem delineia estas linhas pode testemunhar que ele foi sempre um puritano do dever e um cuidadoso administrador do tempo continuamente lendo, escrevendo, planejando, rezando. Viveu plenamente o lema horaciano carpe diem quam minimum credula postero – aproveita o presente sem contar com o dia de amanhã.
Enfrentou os mais complexos problemas e duras provações com uma paciência heróica, uma afabilidade imperturbável, confiando ininterruptamente no triunfo da verdade.
Seu bondoso feitio moral, o fascínio de sua simplicidade, a serena firmeza de suas atitudes que fizeram dele uma empolgante figura humana, fulgem, verdadeiramente, por entre as múltiplas ações individuais e sociais que marcaram uma existência toda devotada à glória de Deus e o bem das almas.

NOTÁVEIS REALIZAÇÕES

Entre as notáveis realizações de D. Oscar de Oliveira cumpre se ressalte a construção da cripta da Catedral de Mariana, um verdadeiro panteão das Mitras. Os bispos marianenses mereciam, de fato, um digno jazigo perpétuo, pois segundo o costume apenas três carneiros da Capela da Catedral lhes eram reservados.
Importantíssima a instalação do Museu Arquidiocesano de Arte Sacra, não apenas pela preservação de um valioso acervo, mas também pelo que ele representa para os Historiadores e para quantos visitam a Cidade de Mariana.
De enorme valor histórico foi, além disto, a criação do Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana. Ele destinou às instalações deste Arquivo todo o vasto pavimento térreo da nova Cúria Metropolitana por ele construída. Para lá foram encaminhados todos os preciosos documentos que seu antecessor D. Helvécio Gomes de Oliveira havia recolhido. Outros que se achavam disseminados pelas várias Paróquias foram depois colocados por ele neste Arquivo.
Um de seus enormes merecimentos foi o Museu da Música que salvou o acervo musical dos séculos XVIII e XIX de Mariana, numa notável contribuição para a musicologia brasileira. Durante o mês de julho de 1972 a musicóloga Maria da Conceição de Rezende Fonseca e a arquivista Maria Ercely Coutinho, auxiliadas pelo Professor Venício Mancini classificaram os manuscritos musicais que o Arcebispo fora recolhendo nas Visitas Pastorais Dia 4 de agosto de 1972, em sala especial da Cúria Metropolitana de Mariana, foi feita a instalação deste Museu. Deste modo ele foi o pioneiro promovendo a instalação do primeiro arquivo de música setecentista no Brasil. Este Museu da Música foi solenemente inaugurado com a presença do Ministro da Educação, Dr. Jarbas Gonçalves Passarinho, dia 6 de julho de 1973. No início de dezembro de 2011 este Museu da Música recebeu da UNESCO O título de Patrimônio da Humanidade pelo rico acervo composto por mais de duas mil partituras. O Diploma recebido pelo Museu da música atesta a enorme importância de seu acervo de manuscritos musicais, contendo mais de duas mil partituras.
D. Oscar, coadjuvado e apoiado pela Fundação Cultural da Arquidiocese de Mariana, instalou, outrossim, em Mariana o Museu do Livro. Este contém milhares de volumes compondo a Biblioteca dos Bispos de Mariana desde a instalação da Diocese em 1748 por D. Frei Manoel da Cruz. É um manancial de incalculável valor para os pesquisadores, fornecendo elementos para as mais variadas teses de doutorado.
A restauração do Órgão da Catedral de Mariana foi, sem dúvida, também um dos maiores benefícios prestados por D. Oscar à Sede arquidiocesana e ao progresso artístico de todo o país. Este estava em péssimas condições e os trabalhos de restauração do mesmo foram feitos pela firma Von Beckerath, de Hamburgo, na Alemanha. Dia 8 de dezembro de 1984 ocorreu a reinauguração do precioso instrumento. Pronunciou D. Oscar um memorável discurso do qual destacamos este trecho: “Nesta hora de Aleluias, a triunfal reinauguração do valiosíssimo ÓRGÃO, obra do Organeiro, genial artista da Alemanha: Arp Shnirtger! Nesta hora, Irmãos caríssimos, cantemos com aquele entusiástico canto do salmista: “Louvai a Deus com a cítara e a harpa. Louvai-o com o toque da trombeta; Louvai-o com cordas e órgão”.
Adite-se que uma das preocupações de D. Oscar era deixar para o seu sucessor uma nova Residência Episcopal. Esta foi edificada, à Praça Dr. Gomes Freire, no centro da Cidade e inaugurada dia 19 de fevereiro de 1987, presentes os membros do Conselho Presbiteral que ali fizeram sua primeira reunião anual.
Ressalte-se que o Tribunal Eclesiástico de Beatificação de D. Antônio Ferreira Viçoso, fora instituído por D. Silvério Gomes Pimenta, primeiro Arcebispo de Mariana, mas este processo, iniciado em 1916, se achava parado e coube a D. Oscar retomá-lo com grande entusiasmo e empenho, tomando todas as medidas necessárias no âmbito diocesano. Seus sucessores o prosseguiram com rara eficiência. Dia 22 de maio de 2010 o atual Arcebispo D. Geraldo Lyrio Rocha realizou a última sessão deste Processo após uma Concelebração eucarística na Catedral Basílica.
Adite-se que Dom Oscar instalou a Editora Dom Viçoso, fundou o jornal Arquidiocesano que circulou 36 anos, edificou um novo prédio para o Seminário e também um edifício para a Arquidiocese em Belo Horizonte.
Estas apenas algumas das realizações que mostram que a figura de D. Oscar nenhum discurso pode conter, nenhum livro pode inteiramente retratar, nenhum quadro pode sintetizar, pois ela rompe toda e qualquer moldura, exigindo sempre novos espaços. As ensanchas de uma alocução como esta não comportam a grandiosidade de seus feitos. Dele também se pode afirmar: “Para um grande nome, nenhum encômio adequado” - Tanto nomini nullum par elogium.



UM CULTOR DA LÍNGUA PÁTRIA

Dentre os inúmeros méritos do duodécimo Bispo de Mariana cumpre ressaltar o ter sido ele um primoroso cultor da Língua Pátria.
Em inesquecível sessão a Academia Mineira de Letras empossou D. Oscar dia 11 de maio de 1984 na cadeira 27 na vaga deixada pelo Cardeal D. Carlos Carmelo de Vasconcelos Motta.
Foi saudado pelo Governador de Estado, Dr. Tancredo Neves. O Diploma de acadêmico foi entregue por Dª Risoleta Neves, esposa do Governador por entre efusivos aplausos dos presentes.
Os discursos do Arcebispo e do Governador foram duas peças literárias do mais alto valor, refertas de patriotismo e religiosidade, nas quais à beleza da forma se uniram densos ensinamentos, sendo, além disto, dois depoimentos preciosíssimos para a História.
O Governador afirmou no seu discurso que “as eventuais funções de mandatário do povo mineiro, à frente do seu governo, ou de ocupante transitório do Palácio da Liberdade, por mais exigentes e absorventes, não o privariam jamais de dar as boas vindas a D. Oscar que chegava àquela Casa aureolado por merecimentos incontestáveis que reluzem em todo o seu esplendor”.

Análise de sua obra literária

Uma análise da obra literária de D. Oscar o revela como escritor de correção austera, ostentando frases com ritmo fluente, e poeta inspirado que legou à posteridade obras que, luminosamente, honram as letras pátrias.
Incansável na orientação espiritual de suas ovelhas, procurou lhes dar uma educação integral e, por isto, não descurava a formação humanística de quantos estavam sob sua direção.
Em artigo, dia 11 de outubro de 1981, sob a epígrafe “Honra ao Professor” lamentava: “Não só no Brasil como noutras terras verifica-se com tristeza, para quem ama a língua vernácula, o desprezo por ela. Tacham certos libertários a gramática “camisa de força”, isto em nome de uma liberdade espúria resvalada na pura licença. Falar bem a língua é um modo de servir a pátria. Os professores deveriam lecionar com esmerado falar, educando assim o ouvido dos discípulos. A TV quanto ajudaria a nossa juventude, se atendesse à gramática! Com efeito, é um descalabro a loquela cassange das novelas”.
Antes, a 21 de novembro de 1976, descia ele a um pormenor gramatical, importante para preservar a pureza da linguagem. Referia-se a certas traduções de textos bíblicos e observava: “Desejamos notar que o gênio de nossa língua portuguesa não admite o artigo o antes de nomes de vultos. Em francês, em italiano, sim: Le Christ, Il Dante. Em escorreito vernáculo não se pode dizer que a América foi descoberta pelo Cristóvão Colombo, ou o Brasil pelo Pedro Álvares Cabral, usamos simplesmente por. Também não se dirá que o Tiradentes é o protomártir de nossa Independência Nacional. É de desejar que se suprimam estes intrusos artigos: o Cristo, do Cristo, no Cristo, os quais expressam muita intimidade. É correto, porém, o artigo para Nosso Senhor, quando se quer bem individualizá-lo, como naquele esclarecimento de São João: “Eu não sou o Cristo”.
Em janeiro de 1975 condenava Dom Oscar certos despautérios no Suplemento Literário do MINAS GERAIS: “Infelizmente, o nosso MINAS GERAIS em seu “Suplemento literário”, ao lado de boas produções poéticas, se lêem outras nada dignas do verdadeiro conceito de poesia e de arte. Alguns por respeito humano, ou com medo de desagradar ou de serem tachados de retrógrados, “acham muito belos” versos sem sentidos, de palavras superpostas, toantes ou consoantes, que mesmo um humilde tipógrafo seria capaz de compor. A palavra foi feita para manifestar e não para esconder a idéia. É realmente artístico, como no simbolismo literário, desvendar a finura do pensamento, encerrado numa palavra, numa linha do verso”.
Dom Oscar ligava sempre “o correto manejo da língua e o patriotismo”. Tal foi a epígrafe do artigo que escreveu a 1o de agosto de 1971. Eis alguns tópicos expressivos: “Manejar corretamente a língua vernácula é também demonstração de patriotismo. É honroso escrever e falar com acerto. Aplaudimos o projeto do Governo de reduzir os acentos das palavras. Ouvida, desde a infância uma língua estropiada pelo vulgo, tais eivas penetram inconscientemente o linguajar comum. Embora conhecendo suficientemente a língua e escrevendo-a com acerto, falando-a, certas pessoas não se preocupam com a correção. Mesmo em suas preleções, alguns professores têm tido pouco cuidado nisso. A linguagem de certos locutores de rádio e televisão, nem sempre, prima pela vernaculidade, idem, cantores famosos. O Governo tem direito de exigir que esses meios de comunicação se esmerem na linguagem, para boa formação do povo”.
Lembrava também que, “o respeito à palavra de Deus exige que seja ela apresentada com dignidade. De modo algum o povo admite trivialidades de expressões na pregação sagrada (menos ainda trivialidades de conteúdo)”.
Nada melhor para confirmar que este notável literato foi um exímio cultor da Língua Pátria do que os dizeres do grande sociólogo Dr. Edgard de Vasconcelos, também membro da Academia Mineira de Letras, o qual em artigo intitulado Dom Oscar, homem de letras, declarou que “como homem, como sacerdote, como intelectual de fino quilate D. Oscar é digno de todas as homenagens”.

Insigne latinista

D. Oscar, de fato, escrevia sempre com grande primor porque era também um grande latinista.
Expressivo o artigo que escreveu sobre o latim e assim o concluía: “Quem quiser aprimorar-se em nossa língua portuguesa - ‘Última flor do Lácio inculta e bela’, segundo o verso de Bilac, há de dar-se apaixonadamente ao estudo da língua mãe - o Latim”.
Latinista emérito, cultuava ele a língua de Cícero e quando lhe era possível lia as obras não só deste autor, mas ainda de Virgílio, Ovídio, Tito Lívio e Tácito.
Mesmo depois que o vernáculo foi permitido na Liturgia ele continuou a recitar o Ofício Divino em Latim, bem como celebrava as Missas em latim na sua Capela particular.

Escritor primoroso

Foi sua linguagem fácil, pinturesca, vivamente colorida que fizeram aplaudidos os livros de D. Oscar, como As mais belas Histórias da Bíblia, obra publicada no Rio de Janeiro. Em agosto de 1962 uma das mais elegantes livrarias cariocas, a Eldorado, sediada em Copacabana, dedicava a esta mimosa obra todo o espaço de sua melhor vitrine, segundo o depoimento do editor Sérgio D. T. Macedo. Grande o entusiasmo da Distribuidora Record, pois “mal saído do prelo, o livro começou a ser intensamente procurado nas livrarias, o que já se previa, aliás, tão belas são as páginas escritas pelo prelado, que é, sem dúvida, uma vocação de escritor, senhor de um estilo leve, agradável, acessível e elegante”, declarou o citado editor.
Como extraordinário articulista Dom Oscar escreveu milhares de artigos, sendo 1496 publicados no jornal O ARQUIDIOCESANO. Muitos foram transcritos em inúmeros jornais como no ESTADO DE MINAS e em coletâneas. Destas a mais importante foi a editada na Itália. Especial júbilo causou a todos os leitores de O ARQUIDIOCESANO, quando “Magistero Episcopale” de Verona na Itália solicitou os jornais com os vinte artigos de D. Oscar sobre a Fé publicados em 1967. Foram inseridos na coletânea daquele ano entre os mais importantes documentos episcopais do mundo inteiro. Ao agradecer a remessa dos trabalhos sobre a Fé, solicitaram que lhes fosse sempre remetido O ARQUIDIOCESANO para que os trabalhos de D. Oscar fossem lá transcritos. Já antes, em 1965, havia sido publicado pelo “Magistero Episcopale” a Carta Pastoral de D. Oscar: Comunismo, Religião e Pátria. Desde então foram sempre reproduzidos os artigos do Arcebispo de Mariana no alentado volume cada ano lá editado. Na Ásia o Diário, de Macau, publicou dia 24 de julho de 1977 com grande destaque o artigo sob a epígrafe Em louvor de Portugal, anotando ser uma transcrição de O ARQUIDIOCESANO.



Grande Poeta

Nem se poderia deixar de destacar que D. Oscar foi um notável poeta, tendo publicado dois livros Moinho d`Água e Estância de Saudades, Coletâneas de seus Versos, publicado este último pela Imprensa Oficial do Estado de Minas Gerais em 1987. São páginas na qual a poética atinge por vezes as raias do sublime, como nesta filosófica estrofe repleta de humanismo:


Mais que as estrelas do céu
Bem mais que os ouros da terra,
O mais pobre ser humano
Celsas riquezas encerra

Sobre os poetas deixou estes versos que patenteiam o que lhe ia no espírito ao escrever suas poesias:

Todo mundo é poeta, muito embora
Sentido o Belo, expô-lo um não consiga.
Pipilando, a Beleza nalma mora,
E a poetiza e a enflora a excelsa amiga.

Poesia é Beleza, e a alma a enamora.
O rocio da Beleza ao peito irriga
De bondade, ternura e paz de aurora.
É vinculo de amor que os homens liga.

Poetar é amar, e amar, doar-se,
E quem se doa, sempre se enriquece.
É de felicidade um alagar-se.

Poesia é de amor um fontanal.
Vates, levai Amor a quem padece,
Levai à humanidade o alto Ideal.

Dom Oscar foi, de fato, um pooeta dotado de grande sensibilidade.
Moinho d`Água e Estância de Saudades encerram, de fato, páginas nas quais ele exalta, entre outros aspectos, os mistérios encantadores da presença do Deus humanado neste mundo, as grandezas de Maria, a beleza de lances da existência de alguns heróis do cristianismo, a nobreza do civismo.
Pierre-Jean Jouve afirmou que “a poesia é uma alma inaugurando uma forma”.
As imagens empregadas por D. Oscar patenteiam um espírito cuja força cria valores que produzem ressonâncias a prenderem e a cativarem o leitor com uma marca fenomenológica profunda, característica das almas superiores que conseguem ir além do que é comumente captado pelo comum dos mortais.
Suas poesias conduzem àquela região estética que se situa num mundo que ultrapassa a linguagem, fruto de uma criatividade inovadora.
Imagens que a vida não prepara, mas que o artista cria e que a poesia embeleza e comunica, enlevando porque elevando até às paragens do belo.
A vida das imagens usadas pelo Arcebispo-poeta aparecem em toda sua fulgurância as quais superam os dados sensíveis e levam àquelas realidades mais puras e tocantes que Deus colocou no universo, nos céus e terra repletos de uma mensagem divina.
Bachelard tem razão em afirmar que a “a arte é uma reduplicação da vida, uma espécie de emulação nas surpresas que excitam nossa consciência e a livram do torpor”.
É o que, realmente, percebe quem lê as poesias de D. Oscar. Nos signos terrestres ressoa um ser do céu. Seus versos fazem ver o cosmos como a grande mansão existencial na qual, por exemplo, as flores estão a irradiar alegria, a comunicar a paz, a transmitir serenidade para todos. É ter olhos para ver o que está inscrito na natureza e ir às raízes cósmicas da realidade. Enriquecimento espiritual e cultural é o que resulta da leitura da obra poética de D. Oscar que locupletou as Letras pátrias com sua pena inspirada.
O escritor Walter Siqueira da Academia Campista de Letras em artigo no jornal A CIDADE daquela progressista urbe fluminense assim se expressou sobre a poesia de D. Oscar: “Nenhum defeito enfeia-lhe a obra poética. Do ponto de vista gramatical, é um purista da língua portuguesa. É versátil e feliz ao construir a frase poética, que enriquece com os mais brilhantes vocábulos”.
O citado sociólogo e literato Dr. Edgard de Vasconcelos publicou um belíssimo comentário sobre o livro Estância de Saudades e assim se manifestou: “São versos clássicos, bem medidos e bem rimados, que não deixam transparecer ao leitor qualquer espécie de tortura do artista ao dar “expressão poética” aos grandes motivos, que, em momentos diversos, ferem a sua sensibilidade”.
Sem dúvida, movido pelo Dom da Ciência que leva a valorizar as maravilhas que Deus espalhou no universo, num instante de pulcra inspiração, dia 29 de novembro de 1983, ele cantou a beleza das flores:


Grandes, pequenas, de variadas cores,
Encorpadas e tenras ou singelas,
Quais sorrisos, de Deus, as nobres flores
Nos campos e jardins se entreabrem belas.

Além do colorido, há mais primores:
Minúsculas que sejam, quantas delas,
Gentis, nos deliciam com os olores,
Ou rescendem em templos e capelas!

Uma outra maravilha que fascina
É ter a flor a meta, sobretudo,
De bem cumprir esta missão divina:

As pétalas, com nímia providência,
Quais cortinas de seda ou de veludo,
Lhes resguardam as fontes da existência!

Aliás, seja dito que um dos santos que mais primou no cultivo do Dom da Ciência foi São Francisco de Assis. Pois bem, dia 4 de outubro de 1977 a Academia Cristã de Letras, de São Paulo, realizou no Auditório da Associação Paulista de Medicina na capital do grande estado uma sessão solene em honra de São Francisco e um dos pontos altos do programa foi a recitação de poesia de D. Oscar alusiva ao Seráfico Santo . Assim o escritor Manoel Vitor se expressou: “O Arcebispo de Mariana projetou a sua alma de asceta e o seu coração de ouro sobre o frade heróico, doirando-lhe a figura com o estro admirável do seu poder poético”.


Discursos de paraninfo

D. Oscar paraninfou várias turmas de inúmeros colégios da Arquidiocese e de outras regiões.
Cada discurso dele foi sempre uma tese e é um manancial de uma doutrina sólida para a juventude e para os mestres num vernáculo encantador que rivaliza com os melhores clássicos de nossa Língua.
Pureza de linguagem, aliada à elevação dos conceitos caracterizam estas magníficas peças oratórias.
O ARQUIDIOCESANO publicou na íntegra estas jóias da literatura e da pedagogia.
Lapidar, por exemplo, uma de suas mensagens às Professoras da Escola Normal Nossa Senhora das Dores, de São João del Rei, ao ensejo da formatura em 1960, ressaltando a importância fundamental da educação dos primeiros anos: “Ser mestra da infância é múnus mais delicado e transcendente que assentar numa cátedra universitária. O amor, à verdade e à virtude brota, no ânimo infantil, do empenho da mestra generosa, que, ama o seu ideal. O edifício mais alto, mais imponente, não pode prescindir desse sólido alicerce”.
Não menos expressivo o que disse às normalistas da Fundação “Dom Silvério” em Congonhas dia 30 de dezembro de 1972: “Sim, cultura é fator preponderante de progresso. Mas não só. Há de ela harmonizar-se com a virtude, com o amor de Deus e do próximo e com o civismo, para integral promoção humana e omnímoda grandeza do Brasil”.
Ao paraninfar a primeira turma da Faculdade de Filosofia de Mariana pronunciou monumental discurso intitulado Humanismo Integral, nele fulgiu a veia filosófica, artística e pedagógica do culto Pastor. Proclamava ele: “Não há verdadeiro humanismo se não for aberto ao Absoluto, no reconhecimento de uma vocação que oferece a verdadeira idéia da vida humana. Longe de ser a norma última dos valores, o homem não realiza a si mesmo, senão transcendendo-se, segundo a expressão tão feliz de Pascal: “O homem supera o homem”. Mais adiante proclamava ao abordar o culto da beleza: “Sim o homem tem sede de Beleza! A Beleza reporta-lhe alegria e paz. Ainda que muitos não saibam exprimir, sentem-na, contudo, nos refolhos d’alma. Nós cremos na missão sublime da Arte! Do coração de Dostoieviski brotou, um dia, esta canção de esperança: “A beleza salvará o mundo!”


Marcante Carta Pastoral

Dom Oscar dizia que suas cartas pastorais eram os artigos que publicava semanalmente no seu jornal. Entretanto uma carta pastoral de grande valor literário e histórico publicado em opúsculo se intitulou Comunismo, Religião e Pátria.
Diante dos rumos que o Presidente da República João Goulart deu aos acontecimentos políticos em 1964, partiu de Mariana a palavra decisiva contra a implantação do comunismo no Brasil.
Dia 9 de fevereiro D. Oscar de Oliveira lançou então a Pastoral COMUNISMO, RELIGIÃO E PÁTRIA que repercutiu em todo o país.
O então Deputado Federal Pedro Maciel Vidigal, proferiu vibrante discurso, dia 16 de março, na Câmara dos Deputados, intitulado: A Carta Pastoral de D. Oscar de Oliveira e a Situação Nacional.
Este pronunciamento foi publicado pelo Departamento de Imprensa Nacional.
Comentou o ilustre parlamentar a carta Pastoral do Arcebispo de Mariana e grande foi o impacto na opinião pública brasileira através da imprensa falada e escrita.
Desencadeou-se uma corrente contra a instalação do Comunismo no Brasil.
Foi, realmente, decisivo o posicionamento de D. Oscar diante de uma “Revolução necessária” que depois se transformou em detestável ditadura militar.
O Arcebispo de Mariana nunca deixou, porém, de lutar pela abertura democrática e a favor da liberdade.
Aliás, seja dito que uma das mais belas palestras de D. Oscar, de cunho altamente filosófico, foi feita para os alunos da Faculdade de Filosofia, de Mariana sobre Liberdade e Democracia ao ensejo do 13º ano da Revolução, dia 31 de março de 1977, a qual foi encerrada com esta sentença luminosa: “Liberdade e democracia bem vividas são uma bênção para o mundo inteiro, para todos os povos!”


Mérito educativo

Dom Oscar fundou colégios, trouxe Cursos da Universidade Católica de Minas Gerais para Mariana, os quais depois foram incorporados à Universidade Federal de Ouro Preto, dando origem ao Instituto de Ciências Humanas e Sociais que funcionam na Sede Episcopal. Organizou a Fundação Marianense de Educação e deu uma formação primorosa a suas ovelhas nas suas cinco grandes Visitas Pastorais em toda a Arquidiocese. Por tudo isto foi condecorado pelo Ministério da Educação com a medalha da ORDEM DO MÉRITO EDUCATIVO
Dia 3 de janeiro de 1974 D. Oscar foi surpreendido por um telegrama vindo de Brasília: “Dom Oscar de Oliveira, Arcebispo Metropolitano - Secretaria Particular 25/73 de 3.1.74. - Ao ilustre brasileiro comunico rejubilado sua admissão Ordem Nacional Mérito Educativo, grau comendador por decreto de 30 de dezembro de 1973 publicado ontem. Será privilégio contar sua presença cerimônia presidida eminente Presidente Médici dia dez dezoito horas, salão nobre Itamaraty. Saudações Jarbas Passarinho, Ministro Educação e Cultura”.
Tivemos a honra de acompanhar D. Oscar à Capital Federal para está solenidade e S. Exª se viu objeto da atenção de grandes personalidades da República como do próprio Presidente Emílio Garrastazu Médici, dos Ministros Mario Andreazza e Jarbas Passarinho.
Com sua proverbial humildade D. Oscar afirmou às autoridades presentes que recebia aquela condecoração como uma homenagem à Igreja e exaltou o que o governo estava realizando no campo educacional e no sentido de consolidar a economia brasileira, manifestando claramente sua esperança de que breve a democracia estaria de novo restabelecida em nossa pátria.

EPÍLOGO

Por tudo aqui relatado se pode concluir que D. Oscar de Oliveira foi, realmente, um grande prelado, acendrado na fidelidade ao dever e talhado pela obediência às ordens e diretrizes do Papa, um inigualável literato.
Espírito dado a horizontes altos e largos, sempre preferindo ânimo sempre disposto a arcar com dificuldades e a desfazer resistências, apóstolo adestrado e resoluto, afeito a contar os triunfos mais insignes pelos cometimentos mais audazes, corajosos, D. Oscar se tornou realmente uma das glórias mais expressivas do Áureo Trono Marianense e da Academia Mineira de Letras.
Ele pertenceu à estirpe pura dos mais denodados missionários brasileiros de todos os tempos. Apostolado excelso, gigantesco, exercido por um grande jurista, teólogo consumado, humanista profundo, homem de visão e de ação.
Com tantos predicados não poderia nunca deixar de ser sol a iluminar milhares de almas rumo à Verdade que liberta.
Trabalhar e combater foi uma marca de sua vida. Pulso e disciplina de um lidador pela causa de Deus num contexto histórico pontilhado de dificuldades, por entre as naturais divergências de um dos períodos chaves da História, ele ostentou o timbre dos homens providenciais, influindo nos destinos da Pátria e da Igreja. Ele podia, perfeitamente, repetir os dizeres de São Paulo: “Bem sabeis que exortamos a cada um de vós como um pai a seus filhos; nós vos exortávamos, vos encorajávamos e vos conjurávamos a viver de maneira digna de Deus, que vos chama ao seu reino e à sua glória” (2 Tes 2, 12),
Viveu intensamente o dito paulino a Timóteo: “Trabalha como bom soldado de Cristo Jesus” (2 Tm 2,3). Identificou-se com os maiores operários do Evangelho de todos os tempos, regando com seus suores e fertilizando com sua sabedoria a grei do Senhor. Feitos grandiosos que ilustraram um dilatado episcopado.
Enfrentou, como foi dito, procelas, mas onde muitos esmorecem e vacilam e sucumbem, ele avançou com firmeza, porque agia sempre de acordo com suas convicções e seus fortuitos e oportunistas opositores ficaram à margem da História. Penosos e encrespados de sofrimentos foram, de fato, alguns momentos de contradição que arrostou, mas todos repletos de celestes consolações da parte de Deus e de seus numerosíssimos amigos. É que inúmeros são, de fato, os espinhos que se escondem sobre os aparentes fulgores da mitra, e aos encargos que representa o peso do báculo do governo se ajuntam, muitas vezes, as naturais incompreensões humanas.
Atraiu-lhe sempre duas metas prediletas, atraentes, fascinantissimas que foram outras tantas pérolas de sua ação aurifulgente: os atos de beneficência e o ensino. Daí a bem-aventurança que teve segundo o salmista: “Feliz aquele que pensa no fraco e no indigente” (Sl 41(40), 2) e o elogio do livro de Daniel: “Os que ensinam a muitos a justiça hão de ser como as estrelas, por toda a eternidade” (Dn 12,3). Ao amparo aos necessitados e à educação se entregou com toda a sua alma. É que pulsava nele vibrantes e sonoras as fibras de exímio arcebispo e cidadão prestante, que fizeram frondescer a piedade cristã em obras educacionais ou de caridade.
Se os homens valem pelo que realizam de benemerência para a humanidade, pelo que contribuem para a grandeza da civilização e pelo o que fazem pela Igreja e pela Pátria, sem medida o valor deste prelado marianense.
Ele soube aliançar a austera ortodoxia católica com as prerrogativas de um profeta de novos tempos, sendo ao mesmo tempo um Pastor edificante, aberto à renovação de métodos de apostolado, e um Patriota abalizado, vivendo intensamente os problemas nacionais. Administrador emérito, ele dotou a Arquidiocese de bens materiais extraordinários a serviço da evangelização.
Seu dia era uma lida constante dentro de um esquema de trabalho racional, bem planejado, todo entregue a seu múnus, labutando pertinazmente, intensamente, com a cruz fixa no coração, nela haurindo energia para tantos labores.
Sua vida refletiu constantemente o que asseverou São Bernardo: “Toda a honra para Deus, todo proveito para o próximo, todo o trabalho para mim” omnes honor Deo, omnes utilitas proximo, omnes labor mihi.
Como almejava sempre servir a Deus e ao próximo, seu era o lema de Plauto: agere, si quid agis - faze depressa o que tens a fazer.
No final de sua brilhante trajetória ele poderia repetir com Santo Agostinho: “Grato me foi ter sido útil a todos”! Cada habitante da Arquidiocese teve nele, de fato, sempre um amigo sincero, leal, dedicado. Seja qual fosse a posição social de cada um, para todos manifestou iguais carinhos continuamente regidos pelos princípios da retidão e da justiça, da bondade e da caridade.
Suas visitas pastorais foram fruto de um espírito que amava o sacrifício a bem das almas e dos párocos a quem sempre soube prestigiar, exaltando-lhe os méritos. Impávido mensageiro evangélico, nunca se omitiu lá onde sua presença se fazia necessária além destas programadas Visitas Pastorais. Estas foram um capítulo maravilhoso na história de sua existência, pois são como um pulcro canto de epopéia. Percorreu de ponta a ponta o vasto território que a Providência lhe confiou, permanecendo durante metade do mês junto dos fiéis, reservando a outra metade para suas consagradas aulas de Direito Canônico no Seminário, que era a menina dos olhos do desvelado Pastor.
Nas visitas pastorais ele foi tudo: supervisor, urbanista, consolador dos aflitos, semeador de fúlgidas idéias, impulsionando o progresso de vilarejos e cidades. Suas sugestões abriram horizontes, melhoraram os serviços públicos, fizeram brilhar por toda parte esperanças de dias melhores.
Por entre pelejas admiráveis, e quase, sobre-humanas, ele promoveu o progresso, dilatou o Evangelho, fez Deus mais conhecido e amado. Tudo isto revelando uma notável proteção divina e uma singularidade humana que fez dele o grande Apóstolo de Jesus Cristo.
A beleza de seus dizeres só foi igualada pela ternura dos sentimentos de um grande coração. Ele se mostrou sempre esquivo a ostentações e pompas, procurando unicamente nos merecimentos de uma vida íntegra os aplausos de sua consciência com a qual nunca transigiu. Sacerdote por uma vocação ingênita, seu valor pessoal o exaltou como dignitário da Igreja. Teve as grandezas esculturais de um perfeito presbítero e aquela consumada prudência de um epíscopo sábio.
Mais do que tudo isto teve um dom encantador: D. Oscar foi sempre a bondade em pessoa. Acessível a todos, afável e sempre cativante, ele se inscreveu, sem sombra de dúvidas, entre os mais típicos evangelizadores apostólicos, exercendo desartificiosamente, lizamente os seus deveres. O padre, o bispo, o cidadão, o mestre, o patriota, o amigo estão fielmente estampados neste varão sincero e raro, generoso e firme, austero e franco, justo e gentil, útil e bom.
Suas ações e suas palavras traduziram-lhe e transluziram-lhe o caráter sem jaça que possuía.
Foi um modelo do pastor dedicado, símbolo da caridade evangélica. Nele brilhou o espírito de fé e todas as manifestações engenhosas do amor cristão para com o próximo.
Sua influência, como se pode perceber no que aqui ficou registrado, não ficou limitado aos lindes da Arquidiocese de Mariana, pois sua contribuição, através de inúmeras sugestões ao Concílio Ecumênico Vaticano II, foi de suma valia, bem como as propostas que apresentou nas reuniões da CNBB. Seus aludidos artigos publicados também na Europa e na Ásia e inúmeros jornais e revistas do Brasil orientaram milhares de cristãos. Com que júbilo recebeu eles cartas comentando tais escritos ou suas incansáveis pregações!
Este depoimento é uma pálida amostra do que foi uma vida tão luminosa como a do terceiro Arcebispo de Mariana. É ela uma manifestação amortecida no meio de tantos feitos admiráveis. Resta, porém, a esperança de que ele não tenha toldado, como nuvem espessa, uma existência deslumbrantíssima que aqui se tentou reviver, trajetória gloriosa própria os grandes heróis do cristianismo.
D. Oscar foi, realmente, a personificação culminante das grandezas de um autêntico atlante da virtude e da verdade. Sua existência foi superiorizada por altos talentos e dignificada por enormes serviços. Escritor e pregador incansável do Evangelho, a sua palavra foi fulgurante. Pastor desvelado, sua influência foi portentosa. Homem de fé, a exaltação que fez da Igreja a tornou ainda mais prestigiosa. Devoto exemplar da Mãe de Deus, tendo como lema de seu brasão episcopal Ipsa duce soube glorificá-la como poucos. Erudito, dominava com autoridade absoluta as mais vastas e mais formosas províncias do saber.
Pela transparência de sua vida e pelo quilate de suas ações D. Oscar, ao deixar esta terra, se perenizou, pois, já dizia Cícero, que a glória segue o valor como a sua sombra - gloria virtutem tamquam umbra sequitur.
Grandiosos seus feitos que hão de ser sempre recordados pelas gerações futuras. É que ele preferia sempre ser bom a parecê-lo - esse, quam videri, bonus malebat.
No Livro da Vida, a nós inacessível, muito mais foi registrado por Deus que lá no Céu já o recompensou por todos os seus árduos trabalhos, por tanta fadiga propter Evangelium, mesmo porque como proclamou o mesmo Arcebispo dia 10 de fevereiro de 1980 em um de seus primorosos artigos “Cada um colherá o que tiver semeado”. Ele difundiu copiosamente o bem, a verdade, a paz por toda parte por palavras e por obras!
Os acontecimentos aqui enunciados estão registrados em inúmeros documentos no Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana e foram hauridos de O ARQUIDIOCESANO, que se tornou uma fonte primária do mais alto valor, da Biblioteca e do Arquivo particulares do autor. Todos os comentários exarados ficam aqui proclamados in fide sacerdotis et magistri.
Por certo os feitos deste Antístite continuarão a ser cantados por inúmeros literatos e cientistas sociais e sua personalidade extraordinária analisada por competentes biógrafos.
A ele cabe uma sentença de Virgílio semper honos, nomenque ejus, laudesque manebunt – Sua honra, seu nome e seu louvor hão de sempre perdurar!
______________

Fontes consultadas
Jornal
O ARQUIDIOCESANO, Mariana, Editora D. Viçoso, 1959-1993.
-Livros
CARVALHO, Côn. José Geraldo Vidigal de. D. Oscar de Oliveira: um
Apóstolo admirável, Viçosa, Editora Folha de Viçosa, 1999

OLIVEIRA, Dom Oscar de. Moinho d´Água. Belo Horizonte. Edição do
Autor, 1979
___________ Estância de Saudades. Belo Horizonte, Imprensa Oficial, 1987.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Escapar à engrenagem do pecado

ESCAPAR À ENGRENAGEM DO PECADO
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Após assistir a um noticiário em certa emissora de televisão, este articulista viu entrar em seguida uma horripila novela. Apenas algumas cenas e se vê que a engrenagem do pecado é terrível, pois penetra por toda parte. Por vingança um personagem manda um guarda incendiar a casa da desafeta. O que se viu é inteiramente desastroso porque, inclusive, não só insinua como destruir os bens do próximo, como também mostra a tantos desatinados que andam soltos por este mundo a praticar crime semelhante. O malfeitor contratado pega uma vasilha com gasolina, entra na casa e a derrama por toda parte e põe fogo! Eis como se formam delinqüentes na conturbada sociedade do atual contexto! Além de outros despautérios, a mãe diz para a filha que está com o namorado dentro de sua casa: “Podem entrar para o quarto e fazerem o que quiserem. Sou uma mãe evoluída” (sic)! Em duas cenas o quinto e o sexto mandamentos foram para o espaço! É a engrenagem do pecado. Infelizmente, quantos que se dizem cristãos não têm, a coragem suficiente para não assistirem tais novelas. Muitas propagandas são simplesmente satânicas pelas cenas imorais e até criminosas que apresentam e não há providências das autoridades constituídas. É por isto também que não há mais nem segurança nas Igrejas. Fato lamentável o que se deu, por exemplo, em piedosíssima cidade mineira na Missa das dez horas, dia Primeiro de Janeiro último, quando alguém entrou pelo centro do templo com uma pedra grande e foi à beira do altar e o lançou contra o celebrante que estava fazendo a Homilia e falando exatamente sobre a Paz. Os episódios mais trágicos se multiplicam por toda parte. Mães a assassinarem os filhos, desvios do dinheiro público, corrupção descarada. Cumpre, realmente, uma cruzada de preces para que haja mais respeito aos dez mandamentos da santa lei do Senhor. Entretanto, cumpre a cada cristão, de plano, combater a malícia dentro de seu coração, ou seja, afastar os pecados interiores, porque quem se santifica, tende a purificar o mundo inteiro. Para afastar desejos perversos a mortificação é essencial. Ensina São Paulo: “Os que pertencem a Cristo crucificaram a carne com as suas paixões e os seus desejos” (Gl 5,24). Esta levará fatalmente a uma adesão completa ao serviço de Deus. Reforça todas as virtudes e é o princípio para se desmontar a engrenagem do pecado. A mortificação é fonte de paz, de quietude interior, gérmen de todas as boas qualidades. Conduz a uma oração fervorosa e quem sabe orar é um pára-raios da sociedade. Um espírito mortificado está pronto para a comunhão com Deus. Não se trata de fazer penitências astronômicas, mas, sim, de realizar de maneira extraordinária as tarefas ordinárias da vida, isto é, com determinação, sem indolência, sem omissões. É a procura do equilíbrio no pensar, no agir, no se alimentar, no trato com o próximo. É a busca da perfeição custosa, que exige sacrifício a todo instante. Hoje mais do que nunca é preciso praticar o que São Paulo disse aos Gálatas: “Procedei segundo o espírito e não dareis satisfações aos desejos da carne. Pois a carne tem desejos contrários aos do espírito e o espírito aos da carne: há oposição radical entre eles, a fim de que não façais o que quereis. Mas se vos deixais guiar pelo espírito já não estais sujeitos à lei. Ora as obras da carne são bem conhecidas: fornicação, impureza, libertinagem, idolatria, malefícios, inimizades, contendas, ciúmes, iras, disputas, discórdias, faccionismo, invejas, embriaguezes, orgias e coisa semelhantes e essas sobre as quais vos previno, como já o fizera; os que as cometem não participarão do reino de Deus” (Gl 5, 16-23). O Apóstolo apresenta a seguir um programa de vida cristã, ou seja, procurar cultivar os doze frutos do Espírito Santo. São eles a bondade, a benignidade, a paciência, a mansidão, a paz, a alegria, a castidade, a modéstia, a continência, a caridade, a fidelidade, a longanimidade. Proceder segundo o Espírito é agir de acordo com as normas de uma consciência iluminada e guiada pela Terceira Pessoa da Santíssima Trindade que habita a alma que se acha estado de graça. A carne é a natureza humana decaída pelo pecado original com todas as suas inclinações malévolas. Adverte o citado Apóstolo: “Não vos crieis ilusões: de Deus não se zomba. Cada um colherá aquilo que tiver semeado: quem, semeia na carne da carne colherá a corrupção e quem semeia no espírito, do espírito colherá a vida eterna” (Gl 6,7-9). Pensemos nisto! * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

.

terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Análise da superstição

ANÁLISE DA SUPERSTIÇÃO
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Muitas pessoas civilizadas e inteligentes do século XXI ainda se deixam, paradoxalmente, levar por inúmeras manifestações supersticiosas. O termo superstição vem do latim superstitio que significa o que sobrevive de épocas passadas.Acreditam muitos, de fato, ingenuamente, nas formas primitivas de interpretação dos eventos da existência neste planeta, próprios tais modos de ver de povos incultos que não conheceram o desenvolvimento social. A experiência científica avançou consideravelmente, mas crendices ainda povoam mentes que se infantilizam diante dos desafios da vida. Ainda se fala em dias faustosos e aziagos, em pressentimentos tenebrosos, em forças ocultas que agem através de certos ritos inteiramente desconexos com a realidade dos fatos. O fatalismo impera em certas mentes que tudo atribuem a um determinismo que contradiz a reta Filosofia e a sã Teologia. Cumpre ser invulnerável às impressões destituídas de fundamento lógico ou bíblico. É de se notar que tantas vezes se apela para algo extraterreno a fim de justificar fracassos ou a indolência que conduziu a desastres físicos ou psíquicos. Aquele que tem fé sabe, porém, que, segundo as Escrituras, o Ser Supremo é Pai misericordioso, Pastor desvelado e Jesus deixou claro o poder da oração. Por outro lado, tantos fenômenos que se dão têm explicações científicas, mas há acontecimentos tão complexos que nem os sábios podem desvendar. O Todo-Poderoso pode vir sempre em auxílio dos que O imploram, desde que cada um faça o que estiver a seu alcance e sirva o favor divino para o bem da própria pessoa ou por quem se orou e contribua para a mesma glória do Criador de tudo. É preciso não atribuir as coincidências que ocorrem a ações malévolas do Maligno e a imaginação doentia de alguns passam a ver a intervenção de Satanás nas mínimas circunstâncias do dia a dia. A superstição é sempre indício de uma regressão infantil e demonstra insegurança e falta de uma crença profunda. Como declarou Edmund Burke “a superstição é a religião dos espíritos fracos”. Joubert tem o mesmo pensar: “A superstição é a única religião das almas covardes”. É necessário se ater à psicologia dos atos conscientes, o mecanismo da vontade, o que flui dos reflexos nervosos que influenciam tantas ações humanas. É que onde tremula a bandeira da verdade, atitudes supersticiosas definitivamente se afastam. O Marquês de Marica em suas famosas Máximas deixou escrito: “A superstição é filha da ignorância e produto de idéias falsas a respeito de deus e fenômenos da Natureza: o meio mais eficaz de a reduzir ou extirpar é o estudo das ciências naturais com que se consegue uma noção clara da Natureza e atributos divinos e se dissipam muitos erros, ficções e entidades fabulosas, criaturas da ignorância, imaginação e impostura humana”. Quantas pessoas têm medo de passar debaixo de uma escada e isto acontece por que uma crença se arraigou, partindo do fato de certos indivíduos desprevenidos não terem visto se ela estava firme, se a lata de tinta em cima estava bem equilibrada, se o pintor não estava movido a álcool ... Um dos fatos mais deprimentes que se viu na televisão foi a de um Presidente da República brasileira, homem culto e político arguto, ao sair de um hotel no Rio de Janeiro voltou para poder sair pela mesma porta pela qual entrara, pois disse ele, do contrário a desgraça viria visitá-lo! Se doutores agem deste modo, se compreende que indivíduos de menor cultura se deixem levar ainda mais por explicações de certos fenômenos atribuindo-os a forças de índole sobrenatural. Atitudes irracionais, como por exemplo, ligar a ferradura de um animal à sorte de uma casa que a tem pregada na soleira da porta. Há completa desconexão entre causa e efeito. Deste modo a superstição nunca se justifica. Cumpre raciocinar para se chegar a uma conclusão plausível e não relacionar nunca efeitos estranhos com causas ineptas que impressionam por motivos acidentais ou por semelhança meramente extrínseca com os ditos efeitos. A superstição denoda decrepitude do pensamento, fuga do homem de si mesmo e negação de sua dignidade de criatura pensante. Não se deve nunca admitir qualquer tipo de feitiço, pois isto repugna à uma inteligência esclarecida e a quem tem verdadeira fé em Deus. Ridículas foram as simpatias para o Ano Novo de 2012, como ter comido três uvas à meia-noite, fazendo um pedido para cada uma delas; ter jogado moedas da rua para dentro de casa para atrair riqueza. Estas e outras atitudes semelhantes são indignas de um autêntico cristão
* Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos