FÉ E SERVIÇO
Côn. José Geraldo Vidigal de
Carvalho*
A
admoestação de Jesus poderia parecer uma exigência desmesurada: “Uma vez feito
o que se vos ordenou, dizei: ”Somos servos inúteis; fizemos o que devíamos
fazer" (Lc 17,10). Trata-se, porém, de uma questão de fé. Antes de dar
esta diretriz os apóstolos haviam pedido: “Aumenta-nos a nossa fé” (Lc 17,5).
Com efeito, Deus que é o doador de tudo que cada um possui é o senhor com todos
os direitos e a criatura humana nada tem que exigir dele. O existir, o agir, o
ter vem da prodigalidade de sua bondade e cabe a cada um trabalhar para sua
glória e o bem do próximo. É certo que para quem ostenta uma fé humilde grande
recompensa estará reservada, mas segundo os critérios divinos. Como Ele quiser
e da maneira que Ele assim desejar. É evidente também que sendo Ele o juiz
clemente de todas as ações humanas saberá premiar todo o bem feito sem
ulteriores interesses egoístas, mas isto cabe a Ele. Quem se julga servo inútil
é desta maneira que concebe os deveres cotidianos. Mesmo porque quem possui uma
fé arraigada procura sempre viver dentro
dos planos do Criador, servindo os outros, seja qual for a atividade, e
no contexto no qual a Providência o colocou. Sendo assim, para quem crê nada se
torna impossível, ainda que seja uma fé como o grão de mostarda, como Jesus deixou claro na comparação que
fez. De fato, com o poder desta virtude se poderia dizer a uma amoreira: ”Arranca-te e
transplanta-te para o mar“, e ela obedeceria. É que Deus oferece sempre a todos
que servem de boa vontade os meios para
um serviço eficiente quer para sua glória, quer para a ajuda aos semelhantes. Pode,
às vezes, o dever de cada hora parecer
pesado, mas o cristão que se sente um servo inútil diz sempre a Deus: “Tua
graça me basta, Senhor, e é ela que eu te imploro”! Então por mais pesada que
possa parecer a cruz que Deus reservou a cada um não há um retrocesso e com
Davi no salmo 108 se pode repetir: “Com
Deus faremos proezas” (Sl 108,13). Ele,
realmente, calcará aos pés todas as dificuldades e não desamparará o servo
fiel. Fará com que ele veja sempre horizontes fulgentes, se não nesta terra,
certamente, um dia na eternidade venturosa para sempre. Com a força de seu amor
nada causa desânimo ao cristão que persevera não tendo em seu coração outra luz
que não sejam as promessas de Deus aos que O amam e fazem sua vontade
santíssima. Ficam assim afastados um fatalismo desesperador ou um conformismo
deformado, porque o verdadeiro cristão faz o que deve fazer de acordo com o
querer daquele que o chamou a esta vida para servir. Tudo isto fruto não de uma
fé meramente intelectual, artificial, mas daquela que leva a uma prática
coerente desta virtude teologal. Esta conduz a uma adesão pessoal a Deus. Como
ressaltou o Cardeal Newman, ser cristão é possuir um senso radical da presença
de Deus em si mesmo. Esta fé gera uma disposição invencível para enfrentar as
dificuldades cotidianas. Trata-se de uma luminosidade divina que faz as ações
humanas eminentemente ativas. Estas são o fruto opimo daquele que colabora com
este dom celestial que vivifica toda a existência do autêntico servidor de
Deus. A fé é como um sol que quer aclarar aos que se submetem a seu Deus e que
permitem que os raios deste sol penetre todo o seu interior. É o que queria
dizer o São João Maria Vianney, o Cura d`Ars, ao asseverar: “Aqueles que não
têm a fé têm a alma bem mais cega do que aqueles que não têm olhos. Nós estamos
neste mundo como em um nevoeiro, mas a fé é o vento que dissipa este nevoeiro e
que faz brilhar sobre a alma um belo sol”. É preciso, porém, sempre repetir a
prece dos Apóstolos: “Senhor, aumenta a nossa fé”. Então, sim, depois que
tivermos feito tudo que deveríamos realizar. diremos: “Somos servos inúteis,
fizemos o que devíamos fazer”. Estará assim vencida na existência e cada um a
pretensão de qualquer soberba ou indolência.* Professor no Seminário de
Mariana durante 40 anos.
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