segunda-feira, 31 de outubro de 2016

A FELICIDADE DOS SANTOS

A FELICIDADE DOS SANTOS
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho

Na solenidade de todos os santos a liturgia leva os fiéis a refletirem sobre as Bem-aventuranças (Mt 5,1-12), É que os santos compreenderam plenamente que ser feliz é reconhecer a Deus como única felicidade e foram, assim, bem-aventurados. Entretanto, a ventura que Jesus descreve não é segundo a medida dos valores humanos, nem segundo a sabedoria terrena. Supõe, ao contrário, uma ruptura com os critérios mundanos e isto como condição para se atingir a santidade a qual se contempla em todos aqueles que estão por toda a eternidade lá no céu. Deste modo, as bem-aventuranças são a descrição daqueles que já conquistaram a glória eterna, especificando os aspectos de suas existências nesta terra. Eles devem ser imitados por aqueles que ainda estão a caminho da Jerusalém celeste. Cristo mostra que felizes não são aqueles que possuem a abundância de riquezas, mas os que suportam com paciência as adversidades; os que conservam a mansidão em todas as circunstâncias da vida; aqueles que procuram a justiça, ou seja, que fazem em tudo a vontade divina; quem tem compaixão, imitando a misericórdia da Deus; os que não se deixam macular com as paixões desregradas; aqueles que são profetas da paz. Por tudo isto, muitas vezes eles são perseguidos, injuriados, mas se alegram porque seus nomes estão no rol dos que se candidatam a entrar na casa do Pai. Tudo isto aconteceu com os santos não porque eles se privaram de algo que é bom oferecido pela bondade de Deus ou se viram sempre em situações dolorosas, mas porque em tudo estavam unidos ao seu Criador, observando seus desígnios em todos os momentos e circunstâncias. Amaram a vida, mas a amaram não através de vulgares prazeres e míseras ambições. Amaram-na pelo que a existência neste mundo tem de importante, de grande, de divino. Há, portanto, em cada bem-aventurança alguma coisa de radical que estrutura a verdadeira felicidade a qual se radica no Senhor Todo-poderoso.  Porque Deus é a herança dos santos, porque a pátria verdadeira é o céu onde se verá o Ser Supremo face a face, é que se deve procurar ser feliz dentro dos parâmetros estabelecidos por Cristo. Os santos foram ditosos na alegria ou na tristeza, na pobreza ou no bem-estar, dado que viveram initerruptamente em função de Deus o qual a eles bastava. Por isto imitaram a misericórdia divina e tiveram o coração aberto às misérias alheias para aliviá-las. Foram puros uma vez que observaram o sexto e o nono mandamentos à risca e não se deixaram contaminar pelas aliciações lascivas suscitadas pelo espírito do mal. Compreenderam e viveram a máxima estabelecida por Jesus: “Sede perfeitos como o Pai celeste é perfeito”. Procuraram então ter um coração grande como o do Deus no qual pulsa um amor infinito. Eis aí o que propõe a solenidade de todos os santos. São eles não apenas os que foram canonizados e estão nos altares das Igrejas, mas tantos parentes e amigos nossos que retrataram em suas vidas as bem-aventuranças registradas por São Mateus.  Todos eles estão a mostrar que, de acordo com o Evangelho, a felicidade consiste em ter Deus como o bem supremo, único, suficiente. Eles nos convidam a ter uma vida conforme os ensinamentos bíblicos e não como as estapafúrdias visões de um mundo divorciado da verdade, imerso nos vícios, na voluptuosidade e em toda espécie de corrupção.  Os santos foram luz do mundo e sal da terra e estão a nos recordar o conselho do Mestre divino: ”Brilhe do mesmo modo a vossa luz diante dos homens, a fim de que, vendo as vossas obras, glorifiquem vosso Pai está nos céus” (Mt, 5,16). Que então a proclamação das bem-aventuranças possa significar a essência mesma da vida do verdadeiro cristão, pois a felicidade íntima de cada um é proporcional à largura e à profundidade de sua fé. É preciso saber viver o que Jesus nos propõe. Ele quer uma atitude decidida de nosso coração, de todo o nosso ser que se concentra na vontade de Deus para poder estar com Ele um dia lá no céu por todo sempre na companhia de todos os santos.* Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

A TURBULÊNCIA POLÍTICA CONTINUA

A TURBULÊNCIA POLÍTICA CONTINUA
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho, da Academia Mineira de Letras, cadeira n.12

A crise atual agora envolvendo o Legislativo e o Judiciário é mais um episódio lamentável que vem agitar a história brasileira. Os paradoxos emergentes trazem no seu bojo uma advertência séria. O que deve pesar é a retidão do homem público que precisa sempre usar uma linguagem nobre e não resvale para a vulgaridade. É preciso a aferição da tensão concreta sobre a qual se pode erguer uma verdadeira democracia, Que haja um final honroso deste novo affaire. Além disto, o fato dos escândalos envolvendo políticos continuarem a vir a público, depois de tantas enigmáticas atitudes, é porque houve anteriormente pactuação condenável nas falcatruas que estarrecem o país.  Tais ações levam ao alheamento do que interessa de fato à melhoria das condições de vida dos que sofrem, uma vez que o foco é o julgamento de pessoas que não cumpriram com o seu dever e desviaram o dinheiro público. É mister buscar a verdade social sobre a normativa na conciliação entre o desenvolvimento econômico e o político, respeitada a ética, evitando-se qualquer fraude lesiva à sociedade. É necessário denunciar o binômio perverso expresso tantas vezes pela contradição entre o que se diz na Câmara dos Deputados e no Senado e o que se passa na realidade cotidiana dos brasileiros. Estar vigilante diante das contradições concretas da realidade social para uma diagnose das mensagens que vão fluindo tantas vezes para manipular a opinião pública. Saber captar circuitos interrompidos que ficam embasados pelo jogo de cena, pelas montagens ilusórias, e, inclusive, pelas promessas que nunca foram nem serão cumpridas. Nada de supervalorizar um triunfalismo risível daqueles que se dizem salvadores da sociedade, mas dilapidam o erário público. Não se perca a grade da leitura real dos valores que foram agredidos e que são escondidos numa fala que pode enganar. Os anéis da História não podem ser vistos separados, mas devem poder se ligar sob pena de haver a dilaceração do humano e o ludíbrio das consciências. É aí que o papel do verdadeiro cientista social aparece não se perdendo em análises superficiais e sensacionalistas, mas tirando conclusões profundas de tudo que está ocorrendo sem  acomodação às circunstâncias, sem a distorção dos fatos, sem exceção de pessoas. Que a justiça plena seja feita e que retorne realmente aos cofres da nação todo dinheiro que foi desviado. Que se tomem medidas eficientes para que tanta calamidade não se repita. Estarrecidos ficam os brasileiros quando a imprensa noticia que quantias fabulosas foram bloqueadas nas contas de certos políticos e isto num país com milhões de desempregados e grande parte na miséria. Haja então para o futuro mecanismos que impeçam tanta ganância numa concentração espúria de bens nas mãos de alguns que usurpam o que a todos pertence. 

terça-feira, 25 de outubro de 2016

ZAQUEU E JESUS

ZAQUEU E JESUS
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*

O publicano Zaqueu desejava ver Jesus (Lc 19,1-10). Uma simples curiosidade o moveu a remover os obstáculos de seu intento, dado que era de baixa estatura, estava a serviço do governo romano, era ganancioso e idolatrava o dinheiro. Sua curiosidade o conduziria, porém, a um final feliz. É que no íntimo de sua alma ele tinha sede de uma realidade que pudesse satisfazer inteiramente suas mais íntimas aspirações. O conforto em que vivia e as lições dos escribas e fariseus não lhe proporcionavam uma solução à sua inquietude interior. Ele ouvira falar de Jesus de Nazaré possivelmente através de algum publicano que fora convertido pelo Mestre divino. Este, aliás, era conhecido como amigo dos cobradores de impostos e pecadores. Ele poderia endireitar sua vida e iluminá-la com seu ensinamento. Eis porque com perseverança venceu todos os óbices que o impediam de olhar para Jesus, inclusive sacrificando a dignidade de seu cargo e subiu a uma árvore. Lá de cima, como um fruto esdrúxulo, ele pôde assistir a passagem do célebre Rabi da Galileia. Este que buscou, no seu bureau, Mateus, que era também coletor de impostos, Bartolomeu sob uma figueira, a Samaritana perto de um poço, e na cruz encontraria o Bom Ladrão, ali em Jericó deparou Zaqueu no alto de um sicômoro. Jesus era aquele que lia o coração dos homens e deu uma ordem: “Zaqueu, desce depressa porque hoje eu devo ficar em tua casa”. Bem podemos imaginar a estupefacção de Zaqueu ao escutar o seu nome e a receber tal notícia. Entretanto, é a cada um de nós que Jesus também dirige este apelo, pois Ele quer morar não apenas hoje, mas sempre dentro do coração de seus discípulos. Na casa de Zaqueu Ele operou uma conversão total e é isto que Ele quer ininterruptamente obrar na vida de seus fiéis. Zaqueu recomeçou sua existência longe dos cuidados fatigosos de sua profissão, sem se importar mais com o desprezo dos outros, sem defraudar no futuro a ninguém. Estava resolvido inclusive a restituir quatro vezes mais a quem ele havia prejudicado e até iria dar a metade de seus bens aos pobres. Cumpre observar que esta conversão admirável se deu por diversos motivos. Em primeiro lugar, a obediência de Zaqueu à determinação de Jesus, pois desceu imediatamente da árvore e foi ao encontro de Cristo. Uma grande alegria dele se apossou, o que já revelou sua gratidão interior. Sua generosidade em receber Jesus em sua casa foi notável e, sobretudo, a presteza com que se dispôs a rever sua vida passada, fazendo uma reparação condigna de seus erros. Tudo isto serve de alerta, pois bem se expressou Santo Agostinho: “Temo a Jesus que passa e pode não voltar”. .Cumpre que sempre percebamos Jesus passando às portas de nosso coração que só se abre por dentro, dado que Ele respeita a liberdade de cada um. Cristo não arromba a porta, mas bate suavemente.  Pede acolhida e quer um diálogo amigo, salvador, mas exige muita sinceridade da parte de cada um. Ele deseja que tenhamos sempre a disposição e a maleabilidade de Zaqueu. A Deus que vem até nós é preciso dizer com Davi: “Fazei-nos ver, Senhor, teu amor e dai-nos vossa salvação” (Sl 84,8). Segundo o salmista, “o que Ele diz é a paz para seu povo e seus fiéis e que eles não voltem nunca a sua loucura” (Idem, v 9). Como ensina São Cipriano, “Vivamos como templos de Deus, para que se veja que em nós habita o Senhor”. Na casa de Zaqueu, Cristo obrou uma admirável conversão. Tal foi sempre a incumbência de Jesus nesta terra, ou seja, procurar as ovelhas tresmalhadas e as conduzir até Deus. Esta é também a missão de seus seguidores que devem humildemente, pacientemente, perseverantemente levar os pecadores para o redil do Bom Pastor. Além de todas estas considerações, cumpre ainda ressaltar que Zaqueu mostrou como  transformar nossas incapacidades em atitudes inventivas. O publicano subiu a um sicômoro e venceu sua pequenez física. Não ficou paralisado ante o anseio de ver Jesus que ele não poderia contemplar no meio da multidão. Feliz aquele que ignora as estreitezas de seu coração e corre para junto de Cristo para escutar sua palavra de vida e salvação.. Não se pode, realmente, nunca deixar passar a hora de Deus que continuamente distribui suas mensagens salvíficas. Não é necessário realizar grandes coisas para que Jesus nos convide a estar com Ele. É preciso saber captar suas inspirações e seguí-las.com fé e prontidão. O passado pode ter sido tenebroso, o instante presente doloroso, o futuro é incerto. Para tudo, contudo, o divino Salvador tem solução. O importante é saber acolher sua misericórdia infinita com alegria e perseverança. Ofereçamos a Ele nossa disposição de progredir sempre mais espiritualmente e ele fortificará o nosso espírito, solidificará nossas resoluções e veremos maravilhas ainda maiores dos que as que se deram com Zaqueu. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

quarta-feira, 19 de outubro de 2016

O PERIGO DAS GENERALIZAÇÕES

O PERIGO DAS GENERALIZAÇÕES
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*

 Há uma música denominada “Pelos pecados” muito difundida que tem a seguinte frase: “Hoje se a vida é tão ferida, deve-se a culpa / E a indiferença dos cristãos!”. Melhor se diria “Deve-se à culpa de alguns cristãos”. Nem todos os cristãos são maus cristãos a ponto de tornar a vida do mundo tão desgraçada. Há numerosíssimos santos na Igreja que são, de fato, para-raios diante dos crimes que se cometem mundo afora. Perfeito é só Deus e há de se distinguir entre pecados graves e leves e também entre falhas que não são pecados, mas fruto da mera fragilidade humana, cometidas sem pleno conhecimento e sem pleno consentimento. Segundo Dom Murilo Krieger, Para o cristão, mais do que um culpado, o mal tem uma causa: a liberdade. Fomos criados livres, com a possibilidade de escolher nossos caminhos. Podemos, pois, fazer tanto o bem quanto o mal. Se não tivéssemos inteligência e vontade, não existiria o mal no mundo; se fossemos meros robôs, também não. Por outro lado, sem liberdade não haveria o bem e nem saberíamos o que é um gesto de amor. Também não conheceríamos o sentido de palavras como gratidão, amizade, solidariedade e lealdade”. Adite-se que são os santos da vida de cada dia e os mártires de nossos dias que fazem progredir a Igreja com sua vida coerente e seu corajoso testemunho de Jesus Ressuscitado, graças à obra do Espírito Santo. Foi o que inclusive ensinou o Papa Francisco na sua homilia na missa matinal do dia 7 de abril de 2016 na Capela da Casa Santa Marta em Roma. São, na realidade, um sem número de bons cristãos que dão testemunho de vida e se alegram em ser luz do mundo, atraindo as bênçãos de Deus para esta terra e não desventuras. Há muita coerência entre a vida de muitos batizados e sua fé, fruto da ação dos dons divinos. São os santos de todos os dias que no cumprimento de seus deveres e na observância dos mandamentos divinos fazem gloriosa a Igreja de Cristo que é  “una, santa, católica”. * Professor no
Seminário de Mariana durante 40 anos 

sábado, 15 de outubro de 2016

ORGULHO EXECRADO E H HUMILDADE EXALTADA

ORGULHO EXECRADO E  HUMILDADE  ENALTECIDA
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Notável pedagogo, Jesus na parábola na qual focaliza um fariseu dominado pela soberba e um publicano a irradiar profunda sensatez retratou com maestria duas posturas contraditórias diante de Deus. Mostrou peremptoriamente a diferença. entre uma prece condenável e um contato verdadeiro com o Ser Supremo. O fariseu na sua altivez se centra em si mesmo faz a pintura de sua grandeza. Manifesta-se como um poço de virtudes. Os outros são “rapaces, injustos, adúlteros”, ele é um herói possuidor de todos os atributos, merecedores de aplausos. Era uma pessoa à parte, inatacável. Sua auto justificação fluía de uma erupção de deplorável narcisismo merecedor de repulso, pois os seu amor para consigo mesmo raiava as bordas do ridículo. Tudo isto o fazia ignorar seus muitos defeitos, os quais, aliás, projetava nos outros, como acontecia no seu julgamento deturpado do humilde publicano. Ele eliminava os outros para ser o único e exclusivo objeto do amor de Deus Firmava-se  apenas em ações exteriores, mas vazias porque contaminadas pela arrogância com que se posicionava perante Deus o qual, conhecedor de tudo que se passa no íntimo de cada um, via o desequilíbrio de um coração no qual só imperava o mais profundo exclusivismo do próximo. Por isto mesmo ousava fazer uma prece que era uma apologia que dimanava de seu psiquismo viciado. A agressividade marca a oração feita por este publicano, inclusive diminuindo a amplidão do coração de um Deus que ama todas as suas criaturas e que conhece o íntimo de cada um, não se deixando enganar pela hipocrisia, pela falsa devoção, pela simulação. Ao contrário, o publicano mantendo-se à distância, não queria nem sequer erguer os olhos ao céu, mas batia no peito, reconhecendo-se um grande pecador. Era um sábio, pois somente, de fato, Deus é perfeito e o ser humano é contingente e sujeito a erros e imperfeições cometidos por sua própria culpa. Ele sabia que não tinha direito de exigir nada de seu Senhor, mas esperava sua clemência e comiseração. Eis porque não se julgava superior a ninguém e confiava unicamente na bondade divina que viera suplicar. Não ostentava a mesquinhez do fariseu. No seu interior havia a aversão ao pecado que impede o verdadeiro amor ao Doador de todas as graças. Podia então numa atitude de verdadeira conversão solicitar que Deus tivesse dele compaixão. Naquele momento ele trilhava o caminho da autêntica paz, pois “Deus resiste aos soberbos, mas aos humildes ela dá sua graça” (Tg 4,6). Jesus declarou abertamente: “Quem se humilha será exaltado” (Lc 14,11) e lançou uma norma preciosa: “Aprendei de mim que sou manso e humilde de coração”. (Mt 11,29). O publicano estava matriculado na escola deste Mestre admirável. A humildade é o alicerce da vida do verdadeiro cristão. Este apaga o “eu” e não se deixa dominar pelo egocentrismo. Com isto atrai o amor misericordioso de Deus. Foi o que aconteceu com a Virgem Maria que pôde dizer: “Ele olhou para a humildade de sua serva” (Lc 1,48). Como o orgulhoso n é incapaz de amar os outros, o humilde, ao contrário, cheio do amor divino é capaz de envolver o próximo num amor sem limites. Eis porque Maria, a humilde serva do senhor,  se tornou a Senhora das graças, tendo se tornado a corredentora da humanidade. O fariseu da parábola não ama seu próximo, mas se limita a julgá-lo. O humilde não se sente maior que os outros e nem os traz a seu tribunal, porque está imerso na misericórdia de Deus e reconhece que em derredor de si há pessoas muito mais santas e virtuosas. Além do mais,      levado pela humildade, o verdadeiro cristão reconhece que nunca pratica todo o bem que deveria fazer e, assim, se confia à indulgência divina. A humildade é, verdadeiramente, a porta pela qual entram todas as bênçãos do Senhor Onipotente.* Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.



quinta-feira, 13 de outubro de 2016

A PERSEGUIÇÃO DOS CRISTÃOS NO MUNDO ATUAL

                 A PERSEGUIÇÃO DOS CRISTÃOS NO MUNDO ATUAL
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*

Jesus foi claro ao dizer aos apóstolos: “No mundo tereis aflições, mas tende coragem, eu venci o mundo” (Jo, 16,33). Através da História da Igreja se pode verificar a veracidade destas palavras do Mestre divino. No império Romano, de Nero no ano de 54 até a chegada de Constantino ao poder no ano de 313, as diversas etapas de ódio aos cristãos fizeram milhares de mártires. No século VI, Dhu Nwas, rei judeu do Himiar, no Iêmen, moveu um massacre contra os cristãos da península Arábica  por volta de 518, destruindo as cidades cristãs de Zafar e Najaran e queimando suas igrejas e matando quem não renunciasse ao cristianismo. O evento diminuiu consideravelmente a população cristã na região, perecendo cerca de 20 mil pessoas. Ao longo da história da União Soviética  de 1922 a1991, as autoridades suprimiram e perseguiram, em diferentes graus, várias manifestações de cristianismo, A política marxista-leninista soviética defendia consistentemente o controle, supressão e a eliminação sobretudo da Igreja católica e encorajou ativamente o ateísmo durante este triste período. A Igreja de Cristo e seus adeptos foram sempre objeto de duros e cruéis ataques. O mesmo continua ocorrendo em nossos dias. São mais de duzentos milhões de cristãos que são perseguidos. Como a imprensa tem publicado, isto ocorre na África, onde grupos jihadistas ganham sempre mais terreno. Na Ásia, também isto ocorre, pois aos fundamentalismos islâmico, hindu e budista se soma a perseguição perpetrada por regimes totalitários como o norte-coreano. Entre os cenários mais difíceis, obviamente, se acha o do Oriente Médio. No Iraque, onde de 2002 até hoje a população cristã passou de um milhão para menos de 300 mil, com uma impressionante média de 60 a100 mil que deixaram o país a cada ano. Se a tendência continuar, em poucos anos a comunidade cristã deixará de existir no País do Golfo. Por tudo isto, cumpre que os católicos se unam em oração para que, não obstante tanta calamidade, os seguidores de Cristo fiquem firmes na fé. Os mártires de hoje, porém, acabam sendo semente de novos cristãos.  As portas do inferno jamais prevalecerão contra a Igreja de Jesus Cristo. Para fazer frente a toda e qualquer discriminação é preciso a graça poderosa de Deus. Mesmo nos lugares nos quais a perseguição não é tão ostensiva, infelizmente, muitos batizados renegam sua condição de cristãos e atraiçoam os compromissos batismais. Portanto, é necessário que todos orem pelos irmãos perseguidos em tantas partes do mundo, mas também é preciso trabalhar pelo crescimento do Reino de Cristo no meio em que se vive. Anunciá-lo por toda parte com ânimo e alegria, sobretudo com o testemunho da própria vida. É de vital importância o oferecimento dos próprios sofrimentos para que o Evangelho seja conhecido e respeitado e para que os perseguidos tenham coragem para não abandonarem a Igreja. Eis aí um apostolado que todo cristão pode e deve fazer. Ter consciência de que a nova evangelização deve ser o empenho claro e sem equívoco para que Jesus Cristo reine nos corações pela vivência de sua doutrina. Isto é trabalhar para a glória de Deus e salvação das almas. Todos unidos espiritualmente aos irmãos perseguidos e aos  que não possuem a liberdade religiosa. *Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

FÉ E SERVIÇO

FÉ E SERVIÇO
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*

A admoestação de Jesus poderia parecer uma exigência desmesurada: “Uma vez feito o que se vos ordenou, dizei: ”Somos servos inúteis; fizemos o que devíamos fazer" (Lc 17,10). Trata-se, porém, de uma questão de fé. Antes de dar esta diretriz os apóstolos haviam pedido: “Aumenta-nos a nossa fé” (Lc 17,5). Com efeito, Deus que é o doador de tudo que cada um possui é o senhor com todos os direitos e a criatura humana nada tem que exigir dele. O existir, o agir, o ter vem da prodigalidade de sua bondade e cabe a cada um trabalhar para sua glória e o bem do próximo. É certo que para quem ostenta uma fé humilde grande recompensa estará reservada, mas segundo os critérios divinos. Como Ele quiser e da maneira que Ele assim desejar. É evidente também que sendo Ele o juiz clemente de todas as ações humanas saberá premiar todo o bem feito sem ulteriores interesses egoístas, mas isto cabe a Ele. Quem se julga servo inútil é desta maneira que concebe os deveres cotidianos. Mesmo porque quem possui uma fé arraigada procura sempre viver dentro  dos planos do Criador, servindo os outros, seja qual for a atividade, e no contexto no qual a Providência o colocou. Sendo assim, para quem crê nada se torna impossível, ainda que seja uma fé como o grão de mostarda,  como Jesus deixou claro na comparação que fez. De fato, com o poder desta virtude se poderia  dizer a uma amoreira: ”Arranca-te e transplanta-te para o mar“, e ela obedeceria. É que Deus oferece sempre a todos que servem de boa vontade  os meios para um serviço eficiente quer para sua glória, quer para a ajuda aos semelhantes. Pode, às vezes, o dever de cada hora  parecer pesado, mas o cristão que se sente um servo inútil diz sempre a Deus: “Tua graça me basta, Senhor, e é ela que eu te imploro”! Então por mais pesada que possa parecer a cruz que Deus reservou a cada um não há um retrocesso e com Davi no salmo 108  se pode repetir: “Com Deus faremos proezas”  (Sl 108,13). Ele, realmente, calcará aos pés todas as dificuldades e não desamparará o servo fiel. Fará com que ele veja sempre horizontes fulgentes, se não nesta terra, certamente, um dia na eternidade venturosa para sempre. Com a força de seu amor nada causa desânimo ao cristão que persevera não tendo em seu coração outra luz que não sejam as promessas de Deus aos que O amam e fazem sua vontade santíssima. Ficam assim afastados um fatalismo desesperador ou um conformismo deformado, porque o verdadeiro cristão faz o que deve fazer de acordo com o querer daquele que o chamou a esta vida para servir. Tudo isto fruto não de uma fé meramente intelectual, artificial, mas daquela que leva a uma prática coerente desta virtude teologal. Esta conduz a uma adesão pessoal a Deus. Como ressaltou o Cardeal Newman, ser cristão é possuir um senso radical da presença de Deus em si mesmo. Esta fé gera uma disposição invencível para enfrentar as dificuldades cotidianas. Trata-se de uma luminosidade divina que faz as ações humanas eminentemente ativas. Estas são o fruto opimo daquele que colabora com este dom celestial que vivifica toda a existência do autêntico servidor de Deus. A fé é como um sol que quer aclarar aos que se submetem a seu Deus e que permitem que os raios deste sol penetre todo o seu interior. É o que queria dizer o São João Maria Vianney, o Cura d`Ars, ao asseverar: “Aqueles que não têm a fé têm a alma bem mais cega do que aqueles que não têm olhos. Nós estamos neste mundo como em um nevoeiro, mas a fé é o vento que dissipa este nevoeiro e que faz brilhar sobre a alma um belo sol”. É preciso, porém, sempre repetir a prece dos Apóstolos: “Senhor, aumenta a nossa fé”. Então, sim, depois que tivermos feito tudo que deveríamos realizar. diremos: “Somos servos inúteis, fizemos o que devíamos fazer”. Estará assim vencida na existência e cada um a pretensão de qualquer soberba ou indolência.* Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

CONSTÂNCIA NA PRECE

CONSTÂNCIA NA PRECE
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*

O objetivo de Cristo ao narrar a parábola do juiz iníquo e a viúva injustiçada foi mostrado claramente por São Lucas, ou seja, ensinar a seus discípulos que é preciso rezar sempre sem desanimar (Lc 18,1-8). A perseverança é de suma importância, sobretudo na prece de súplica. Se perante um magistrado injusto uma pessoa pobre e desamparada conseguiu aquilo que com razão pleiteava, conclui Jesus que Deus faz justiça aos que nele confiam e continuamente a Ele clamam. A prece tenaz deparará sempre a resposta favorável da parte do Onipotente. Este, contudo, deseja, pedagogicamente, que se persevere na solicitação que o fiel vislumbra como imprescindível para si ou para o próximo. Deus quer a fidelidade de um diálogo, de uma oração iluminada por uma fé inabalável no seu poder sem limites e na sua bondade infinita. Ele não é um senhor desalmado como o juiz da parábola, nem um juiz indiferente, passivo, silencioso, mas quer ser tratado como um pai amoroso. Este pai, porém, diagnostica na constância do pedido que lhe é dirigido o que se passa lá no íntimo do suplicante. Trata-se do impetrante que passa então a reconhecer que de si nada pode, mas firma sua dependência ontológica daquele que é rico em comiseração. A pobreza do coração faz aflorar a necessidade do auxílio divino e leva ao reconhecimento da capacidade divina de atender o que se pede. Rezar assim e amar a este Deus é uma abertura interior de si mesmo, um dom precioso para pode receber deste Deus a graça solicitada. Não se trata, portanto, de se forçar a bondade do Ser Supremo ao qual se demonstra, contudo, uma confiança absoluta. Há algo maravilhoso na atitude do suplicante, pois este não lança clamores no vazio. Sua oração não é um brado sem possibilidade de ser acolhido por quem pode e quer ajudar, atender, consolar. O cristão, entretanto, nunca se esquece do que Jesus também ensinou, mostrando que se deve sempre dizer ao Pai do Céu: “Seja feita a tua vontade”. Muitas vezes o que se suplica na oração não pode ser atendido por muitas razões que Deus sabe melhor do que o ser humano com sua visão limitada. Numa prece humilde está, assim, implícito que o Senhor Poderoso atenderá quando for oportuno. Ele saberá sempre dar algo muito melhor para aquele que reza ou para as pessoas pelas quais se desejam graças especiais, dado que uma prece nunca fica sem resposta da parte do Criador o narrar a Parábola da viúva injustiçada Jesus, Mestre da Oração, ensina a todos os seus seguidores a procurarem sempre a justiça e a jamais quererem se vingar de seus malfeitores. Para estes se deve pedir o perdão divino como ocorreu com Santo Estevão, o qual ao morrer apedrejado pedia a Deus que não castigasse seus perseguidores. Está registrado no Livro “Atos dos Apóstolos": “Senhor, não lhes impute este pecado” (Atos 8,60). O protomártir imitava Jesus que, martirizado, no alto da Cruz suplicava: “Pai, perdoai-lhes porque não sabem o que fazem" (Lc 23, 46). Diante, porém, das iniquidades que se cometem pelo mundo afora muitos se esquecem de que Deus é paciente, porque é eterno, e quer dar oportunidade a todos de se arrependerem, e possam reparar seus crimes e, assim, poderem obter a vida eterna. Como bem se expressou São Pedro, "Ele não quer que alguns pereçam, mas que todos cheguem à conversão”. A longanimidade divina O leva a suportar os erros humanos, oferecendo oportunidade para que haja um arrependimento do pecador e este se converta e viva. Adite-se que mesmo os bons quando oram e suplicam devem estar certos de que Deus é fiel e sempre levará em conta suas preces. Por vezes Ele prova a persistência do orante. É que Deus usa com sabedoria sua paciência. É preciso também que o fiel se examine se está pedindo dentro do tripé sagrado, ou seja, pedindo bona, bene, boni. Isto significa que cada um deve suplicar sempre coisas boas, necessárias a si e aos outros, com muita fé e confiança e sendo bons, estando na graça divina e unidos a Deus em todos os instantes de sua existência. Nunca se deve suplicar coisas más ~mala; duvidando do poder de Deus de maneira má- male, e sendo maus - mali. Os grandes intercessores foram sempre os santos que viveram ou vivem de acordo com os desígnios divinos Eles têm o poder da prece eivada de uma fé inabalável, alicerçada numa vivência agradabilíssima a seu Senhor que logo os atende. Têm a chave dos tesouros do Deus justo e fiel! A exemplo deles tenhamos coragem e a audácia na prece e seremos atendidos como foi a viúva da Parábola de hoje, não por um juiz iníquo, mas por um Deus que é Pai de misericórdia infinita. * Professor no Seminário de Mariana, durante 40 anos.