O CULTO AO
CORAÇÃO DE JESUS
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
O culto ao
Coração de Jesus remonta aos escritos dos primeiros teólogos e, sobretudo, se
enraíza no texto mesmo da Bíblia. As Escrituras se referem centenas de vezes ao
coração. No Evangelho é marcante a passagem que relata o fato do soldado romano
que abriu o lado de Jesus morto na Cruz. Daí jorraram sangue e água (Jo 19,34),
bem significando as graças redentoras dos sacramentos. Entretanto, somente na
metade do século XVIII é que foi oficialmente instituída pela Igreja a festa em
honra do Coração de Jesus, atendendo às solicitações formuladas por santa Margarida Maria Alacoque. O fervor dos
fiéis permitiu que esta veneração se tornasse uma comemoração solene celebrada na sexta-feira que segue a semana da Festa de Corpus Christi. Cumpre penetrar fundo na
essência da devoção ao Sagrado Coração do Mestre divino. Esta devoção faz com que o fiel entre no
mistério da Encarnação da Segunda Pessoa da Santíssima Trindade. Cristo teve um
corpo humano, possuindo assim coração que pulsou de amor pela humanidade que
Ele viera remir. Ao ler os Evangelhos se percebe a compaixão que Ele teve pelos
sofredores. Movido por esta comiseração foi que Ele ressuscitou o filho único da viúva de
Naim, tendo-se condoído com a tristeza daquela mãe. Com ternura lhe diz: “Não chores” e realizou
o notável milagre (Lc 7,11). Quando as
turbas foram a pé a sua procura, Ele, ao
descer do barco em que estava, segundo São Mateus, “ao ver aquela multidão, condoeu-se dela e
curou-lhes os enfermos” (Mt 14,14). Em seguida, como o lugar era deserto,
multiplicou pães e peixes para dar de comer a mais de cinco mil pessoas (Mt
14,21). Este Coração de Jesus tão amoroso se inflamou de cólera ante a
profanação do templo de Jerusalém e expulsou os vendilhões clamando: “Está escrito::”A minha casa é casa de oração, mas
vós fazeis dela um antro de ladrões” ( Mt 21,12-13). Acolheu, porém, sempre com
ternura os pecadores arrependidos que O procuravam., como aconteceu com aquela
pecadora na casa de Simão, o fariseu, numa das mais comovedoras cenas narradas
no Evangelho (Lc
7,36-8,3). Ele sabia diagnosticar os sentimentos do ser humano e se mostrava compassivo
lá onde reinava um sincero desejo de mudança de vida. Eis porque o devoto do Coração de Jesus
precisa saber compreender o próximo, envolvendo a todos numa caridade
fraternal. Isso, contudo, só ocorre a quem se deixa envolver na dileção sem
limites de um Deus que é oceano infinito de misericórdia Este Deus
initerruptamente pronto a perdoar como
se lê no capítulo 11 do Profeta Oséias.
Com efeito, Israel cercado da ternura do Senhor Onipotente O abandonou,
mas este Deus depois encontra um caminho de perdão para seu povo. São Paulo
mostrou então que o Coração de Jesus fez refulgir nesta terra as quatro
dimensões do amor. Assim desejou aos Efésios: “Que Cristo habite, pela fé,
vossos corações e que vós, radicados e alicerçados na caridade, sejais capazes
de compreender, com todos os santos, qual
seja a largura, ao comprimento, a
altura e a profundidade isto é, o
conhecer a caridade de Cristo, que ultrapassa qualquer conhecimento, de modo
que sejais repletos de toda a plenitude de Deus” (Ef 3,17-20). Eis porque o
Coração trespassado de Jesus no Calvário é bem o lugar da conversão dos pecadores. Toda conversão é de um valor imenso diante de
Deus porque é a descoberta do pecado causa de tantas amarguras do divino
Redentor. Dá-se deste modo a recuperação da graça santificante. Meditar no amor
que palpita no Coração de Jesus é encontrar, de fato, a trilha da santidade.
Esta devoção leva o cristão a desejar a configuração com o Coração de Jesus,
atingindo o ideal alcançado por São Paulo. Este pôde asseverar aos Gálatas: “Eu
vivo, mas não eu, é Cristo que vive em mim. Esta minha vida presente, na carne,
eu a vivo na fé, crendo no Filho de Deus, que me amou e por mim se entregou”
(Gl 2, 20-21). O Papa Pio XII na encíclica Haurietis
aquas, assim se expressou: “desejando
ardentemente opor segura barreira às ímpias maquinações dos inimigos de Deus e
da Igreja, como também fazer as famílias e as nações voltarem ao amor de Deus e
do próximo, não duvidamos em propor a devoção ao sagrado coração de Jesus como
escola eficacíssima de caridade divina; dessa caridade divina sobre a qual se
há de construir o reino de Deus nas almas dos indivíduos, na sociedade
doméstica e nas nações, como sabiamente advertiu o nosso mesmo predecessor, de
piedosa memória: "Da caridade divina recebe o reino de Jesus Cristo a sua
força e a sua beleza; o seu fundamento e a sua síntese é amar santa e
ordenadamente. Donde necessariamente se segue o cumprir integralmente os
próprios deveres, o não violar os direitos alheios, o considerar os bens
naturais como inferiores aos sobrenaturais, e o antepor o amor de Deus a todas
as coisas".(Mt
26-37). Tudo isto frutos opimos do culto ao Coração de Jesus! * Professor no Seminário de Mariana durante
40 anos.
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