INAUGURAÇÃO DA SALVAÇÃO HUMANA
Côn. José
Geraldo Vidigal de Carvalho*
Como homem e cabeça do Corpo Místico dos que creem, ao ir
de Corpo e Alma para o céu no dia de sua Ascensão, Jesus inaugura oficialmente
a salvação humana. Trata-se do acabamento de uma obra admirável a favor
daqueles que Ele veio redimir. Momento sublime no qual nossa pobre humanidade
vai para o mais alto do céu. Na Carta aos Colossenses São Paulo mostra que Ele
é “o primogênito dentre os mortos” e que “foi do agrado do Pai que nele residisse toda plenitude”
(Col 1, 18-19). Eis aí a essência do mistério da Ascensão (Lc 24,46-53). A
oração desta solenidade mostra que este acontecimento é já nossa própria
vitória, pois é a humanidade que é introduzida na glória da Trindade e temos
então um intercessor junto do Pai. É o que, aliás, diz a Carta aos Hebreus:
“Cristo não entrou num santuário feito por mãos humanas, cópia do verdadeiro, mas
no próprio céu, para conservar-se agora em vista da presença de Deus em nosso
favor” (Hb 9,24). Ele partindo para o céu, mostra o homem partilhando da vida
trinitária, tendo Ele aberto a porta para todos os que, por Ele, deparam a
comunhão com o Pai. Ele veio a este mundo, fez-se homem semelhante a nós e
retornou glorificando definitivamente a humanidade que assumira. Ressuscitado, seu corpo glorioso
não estava mais sujeito à corrupção. Ele já havia passado a uma outra dimensão
da realidade terrena e a morte e as degradações inerentes à matéria não mais o
atingiriam. Eis porque a Ascensão vem lembrar que não é no mundo material que se pode encontrar
Jesus. A Ascensão dele aos céus, como
bem se expressou o Pe. Armand Veilleux, “foi uma passagem do tempo à eternidade, do visível ao invisível, da
imanência à transcendência, da opacidade de nosso mundo à luz divina”. Sua
presença se insere, assim, na ordem da fé e daí o motivo pelo qual Ele enviaria
o Espírito Santo que nos faz penetrar profundamente nesta esfera espiritual. Assim
sendo, a ida de Jesus para junto do Pai não significou uma separação dele com
relação a seus seguidores e a sua Igreja. Ele continua sempre presente no
coração dos fiéis. Além disto, Ele na Eucaristia é contemporâneo de todas as
gerações cristãs e seu seguidor o contempla sempre na figura do próximo. Os Apóstolos, segundo São Lucas, enquanto Jesus ia se elevando para os céus, o
adoraram e, depois, voltaram para Jerusalém. A festa da Ascensão se, realmente,
lança nossos pensamentos e nosso coração para o Alto, lembra-nos também que é
preciso retornar às ocupações habituais, preparando-se cada um para um dia
estar junto do Mestre divino na sua glória. O cristão não vive nas nuvens para
estar com Jesus, mas o reencontra nos acontecimentos cotidianos, no contexto
pessoal e coletivo, nas provações, nas dificuldades, como também nas alegrias e
na esperança. Eis porque o cristão
jamais se torna cúmplice das misérias das paixões desordenadas e de tudo
que signifique sua ruptura com Aquele que o aguarda além túmulo. Um dia Ele
voltará e, até lá, é o tempo da conversão, de uma contínua ascensão na prática
do bem. As incoerências, as contradições
naturais a um exílio terreno, as feridas na luta contra o mal fazem parte de uma preparação para a
felicidade sem fim e sem ocaso que Jesus nos prepara na Casa do Pai. O paradoxo
de nossa fé reside no fato de que por Cristo, o Verbo de Deus, a cruz que cada
um deve carregar não é um ponto final, como não foi para Jesus sua morte no
Calvário. A cruz se tornou para Ele uma
passagem, uma Páscoa que resultou na sua Ressurreição a qual Lhe abriu o
caminho para sua Ascensão. Ele traçou um itinerário para seus seguidores e os
convida a seguir o mesmo dinamismo que Ele, a nos libertar do que São Paulo chamou
de “velho homem” para se tornar assim nele e por Ele homens novos à sua imagem.
O mistério da Ascensão de Jesus com
todas estas consequências não se impõe, mas leva o cristão a crer e a esperar.
Ele não está visível a seus discípulos,
mas os engaja em outro plano, a saber o da total confiança nele. Sua Ascensão
nos introduz assim na ação dinâmica que nos responsabiliza e nos
faz crescer e enraizar nossa vida numa fé profunda nele em quem podemos
confiar. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.
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