quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

O SER RACIONAL E DEUS

O SER RACIONAL E DEUS
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
O ser humano, criatura de Deus, é, em consequencia, um ente contingente, ou seja, existe, mas poderia não existir. Deus é o Ser Absoluto, aquele no qual a essência coincide com a existência, Ser Supremo, na linguagem dos filósofos Ens a Se, existe por si mesmo. É o Ser Transcendente, Necessário. São Paulo ensina que “Ele não está longe de cada um de nós, porque dele recebemos a vida, o movimento e o ser” (Atos 17, 27-28).  Toda a vida humana está, de fato, ordenada para Deus de tal forma que o mesmo Apóstolo chega a falar que “somos progênie de Deus” (v 28). Nem sempre, porém, se reflete sobre estas luminosas verdades. Cada um tem um mundo imenso dentro de si.  Deus nos criou, nos mantém e concorre para cada um dos nossos atos. Ele age ininterruptamente em todas as nossas faculdades, em todos os nossos sentidos e em cada uma das inúmeras células de que se compõe o corpo humano. Nada escapa a seu soberano domínio. Santo Agostinho foi feliz ao afirmar que “nele moram as causas de tudo o que transcorre, as imutáveis origens de todas as coisas mutáveis e as razões eternas e vivas de todas as coisas irracionais e temporais (Conf. I, V).  A Bíblia inculca esta verdade de maneira maravilhosa, lembrando inclusive que Deus está por toda parte. Proclama  o salmista: “Senhor, vós me perscrutais e me conheceis, sabeis quando me sento e quando me levanto, de longe penetrais os meus pensamentos. Vós examinais o meu caminhar e as minhas paradas e todo o meu proceder vos é familiar” (Sl 139 [138] 1-4).  Na inteligência divina se acham de antemão discriminados os caminhos que toda criatura deve percorrer,  o papel que deve desempenhar e qual o destino que terá cumprido no instante em que deixar este mundo. Deus influencia e penetra todos os pensamentos e afeições, impressões, sentimentos e atos. Ele, contudo, criou o homem livre e este pode acatá-lo ou desprezá-lo. Entretanto, se a onipotência divina se estende a todos os seres e atua de modo especial naqueles que foram criados “a sua imagem e semelhança”, que felicidade então a do batizado que possui Sua presença especial dentro de si através da graça santificante! São Pedro tem uma expressão belíssima ao dizer que o cristão participa da natureza divina – divinae consortes naturae.(2 Pd 1,4). É toda uma existência que se acha mergulhada em Deus. Por sua subsistência divina, Deus está presente tão realmente como está no céu. Eis porque o verdadeiro cristão vive na Sua presença santíssima, nunca se esquecendo de seu Senhor, lançando nele todas as preocupações, confiando-Lhe o cuidado de prover todas as necessidades. Cumpre preludiar nesta terra a vida eterna, cuja ventura suprema será a visão beatífica. Deste modo, resulta uma trajetória terrena inteiramente conformada aos desígnios do Onipotente, na obediência completa a seus preceitos e numa atenção contínua a suas inspirações. Longe dele impera a desordem e nunca a paz. Longe dele reinam o desgosto, a confusão, o infortúnio e jamais a serenidade. É preciso uma lembrança contínua de que Deus é o princípio e o fim do ser racional e daí a necessidade da submissão à Sua vontade santíssima. A dependência ontológica de Ser Supremo é uma realidade que precisa ser vivida integralmente em todos os momentos. Não basta, entretanto, tender para Ele com toda a energia, é necessário ainda manifestar a Ele, uma adesão completa. Os atos de amor, de reparação pelas próprias faltas, de agradecimento são expressões que intensificam as relações com Ele. Todos os pormenores de cada instante são vividos segundo seu império universal e, por isto, nele se deve pensar a cada momento. Deus não deve explicações a ninguém e, quando alguém reflete, percebe que muitos males são ocasionados exatamente porque se contradiz a vontade divina. Ser limitado, contudo, o homem deve aceitar sempre os desígnios divinos e reconhecer as limitações pessoais, as inevitáveis fraquezas inerentes à sua natureza. Os projetos de santidade inclusive precisam ser colocados nas mãos de Deus que conhece perfeitamente as debilidades de cada um. Quanto aos males físicos é cuidar em tudo da própria saúde e procurar transformar os espinhos de um vale de lágrimas em pérolas para a eternidade. Luzes, consolações, trabalhos, dificuldades, tudo entregue nas mãos de Deus. Não se trata de um conformismo irracional, mas de uma sabedoria que ilumina os passos de cada um nesta caminhada para a Casa do Pai. Tudo coopera para o bem dos que amam a Deus!

* Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

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