O SER RACIONAL E DEUS
Côn. José Geraldo Vidigal de
Carvalho*
O ser humano,
criatura de Deus, é, em consequencia, um ente contingente, ou seja, existe, mas
poderia não existir. Deus é o Ser Absoluto, aquele no qual a essência coincide
com a existência, Ser Supremo, na linguagem dos filósofos Ens a Se, existe por si
mesmo. É o Ser Transcendente, Necessário. São Paulo ensina que “Ele não está
longe de cada um de nós, porque dele recebemos a vida, o movimento e o ser”
(Atos 17, 27-28). Toda a vida humana
está, de fato, ordenada para Deus de tal forma que o mesmo Apóstolo chega a
falar que “somos progênie de Deus” (v 28). Nem sempre, porém, se reflete sobre
estas luminosas verdades. Cada um tem um mundo imenso dentro de si. Deus nos criou, nos mantém e concorre para
cada um dos nossos atos. Ele age ininterruptamente em todas as nossas
faculdades, em todos os nossos sentidos e em cada uma das inúmeras células de
que se compõe o corpo humano. Nada escapa a seu soberano domínio. Santo
Agostinho foi feliz ao afirmar que “nele moram as causas de tudo o que
transcorre, as imutáveis origens de todas as coisas mutáveis e as razões
eternas e vivas de todas as coisas irracionais e temporais (Conf. I, V). A Bíblia inculca esta verdade de maneira
maravilhosa, lembrando inclusive que Deus está por toda parte. Proclama o salmista: “Senhor, vós me perscrutais e me
conheceis, sabeis quando me sento e quando me levanto, de longe penetrais os
meus pensamentos. Vós examinais o meu caminhar e as minhas paradas e todo o meu
proceder vos é familiar” (Sl 139 [138] 1-4).
Na inteligência divina se acham de antemão discriminados os caminhos que
toda criatura deve percorrer, o papel
que deve desempenhar e qual o destino que terá cumprido no instante em que deixar
este mundo. Deus influencia e penetra todos os pensamentos e afeições,
impressões, sentimentos e atos. Ele, contudo, criou o homem livre e este pode
acatá-lo ou desprezá-lo. Entretanto, se a onipotência divina se estende a todos
os seres e atua de modo especial naqueles que foram criados “a sua imagem e
semelhança”, que felicidade então a do batizado que possui Sua presença
especial dentro de si através da graça santificante! São Pedro tem uma
expressão belíssima ao dizer que o cristão participa da natureza divina – divinae
consortes naturae.(2 Pd 1,4). É toda uma existência que se acha
mergulhada em Deus. Por sua subsistência divina, Deus está presente tão
realmente como está no céu. Eis porque o verdadeiro cristão vive na Sua
presença santíssima, nunca se esquecendo de seu Senhor, lançando nele todas as
preocupações, confiando-Lhe o cuidado de prover todas as necessidades. Cumpre
preludiar nesta terra a vida eterna, cuja ventura suprema será a visão
beatífica. Deste modo, resulta uma trajetória terrena inteiramente conformada
aos desígnios do Onipotente, na obediência completa a seus preceitos e numa
atenção contínua a suas inspirações. Longe dele impera a desordem e nunca a
paz. Longe dele reinam o desgosto, a confusão, o infortúnio e jamais a
serenidade. É preciso uma lembrança contínua de que Deus é o princípio e o fim
do ser racional e daí a necessidade da submissão à Sua vontade santíssima. A
dependência ontológica de Ser Supremo é uma realidade que precisa ser vivida
integralmente em todos os momentos. Não basta, entretanto, tender para Ele com
toda a energia, é necessário ainda manifestar a Ele, uma adesão completa. Os
atos de amor, de reparação pelas próprias faltas, de agradecimento são
expressões que intensificam as relações com Ele. Todos os pormenores de cada
instante são vividos segundo seu império universal e, por isto, nele se deve
pensar a cada momento. Deus não deve explicações a ninguém e, quando alguém
reflete, percebe que muitos males são ocasionados exatamente porque se
contradiz a vontade divina. Ser limitado, contudo, o homem deve aceitar sempre
os desígnios divinos e reconhecer as limitações pessoais, as inevitáveis
fraquezas inerentes à sua natureza. Os projetos de santidade inclusive precisam
ser colocados nas mãos de Deus que conhece perfeitamente as debilidades de cada
um. Quanto aos males físicos é cuidar em tudo da própria saúde e procurar
transformar os espinhos de um vale de lágrimas em pérolas para a eternidade.
Luzes, consolações, trabalhos, dificuldades, tudo entregue nas mãos de Deus.
Não se trata de um conformismo irracional, mas de uma sabedoria que ilumina os
passos de cada um nesta caminhada para a Casa do Pai. Tudo coopera para o bem
dos que amam a Deus!
*
Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.
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