APRESENTAÇÃO DO SENHOR
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
A
apresentação de Jesus no Templo após quarenta dias de seu nascimento tem seu
sentido profundo no texto Malaquias (Ml 3, 1-4). Todo o plano redentor de Deus
se patenteia no Verbo que se fez carne e habitou entre nós. Simeão faz eco ao
que prenunciou o Profeta: ”Meus olhos viram a salvação que preparaste à face de
todos os povos: luz para iluminar as nações e glória de Israel seu povo” (Lc
2,30-33). Estas passagens cantam a beleza da missão do Menino que seus pais
apresentaram no templo. Infante excepcional, pois como está na Carta aos
Hebreus, assim Cristo se dirigirá ao Pai: “Não quiseste nem sacrifício, nem
oblação, mas me formate um corpo [...] Eis que venho, ó Deus, para fazer a tua
vontade” (Hb10,5-7). Esta, realmente, a
vontade divina que todos os homens
fossem salvos e chegassem ao conhecimento da verdade (1 Tm 2,4). O Pai oferece
seu Filho nascido de Maria para a redenção de todos. Ele será o Cordeiro
imolado (Jo 1,9) a favor da humanidade, o Servidor sofredor de que falou
Isaías. Não somente Ele seria a luz das nações, mas aquele que ofereceria sua
vida em expiação pelo pecado do mundo. Tal seria o destino daquele Menino que
José e Maria apresentam no Templo. Sua vida toda colocada nas mãos do Pai. Ele
é oferecido para ser dado em oblação reparadora pela ofensa dos homens. Sua
existência toda inteira entregue nas mãos do Pai. Ela não lhe pertence como um
objeto do qual Ele se apropriaria. Ele a recebe e a dá de volta dentro dos
desígnios eternos da Trindade. Eis aí o mistério da Apresentação do Senhor.
Todos somos objetos dos dons de Deus. A vida que nos é dada não pertence a nós.
Nós a recebemos, somos dela depositários. Depois de bem fazer frutificar as
dádivas divinas a maior felicidade de cada um será poder dizer ao Ser Supremo:
“Pai em vossas mãos entrego o meu espírito” (Lc 23,46). Será então a verdadeira
apresentação na presença do doador de todas as graças. Eis porque São Paulo
aconselhava: “Portanto, quer comais quer bebais,
ou façais outra qualquer coisa, fazei tudo para glória de Deus" (1Co
10.31). Com Maria e José é preciso, juntamente com o divino Infante, que haja
esta entrega total a Deus. O Mestre dirá: "Felizes aqueles que escutam a Palavra
de Deus e a guardam” (Lc 1, 28). Assim o mistério da Apresentação de Jesus no
Tempo é um ponto de referência na vida do batizado que deseja seguir fielmente
a Cristo. Cada um deve brilhar como uma luz neste mundo, apontando a muitos o
caminho da salvação. Daí o sentido da bênção das velas neste dia solene. Na época dos romanos havia uma celebração em
honra do deus Pan. Durante toda a noite os devotos desta falsa divindade pagã
percorriam as ruas de Roma agitando suas tochas. Em 432 o papa Gelásio I
decidiu cristianizar esta festa e a fez coincidir com a celebração da
Apresentação de Jesus no Tempo. É como uma preparação antecipada da noite
pascal. É o encontro repetido entre Deus e os homens. Assim a solenidade da
Apresentação trás à baila a teologia do Encontro ou da visita de Deus. Um encontro
que não oferece nada de anormal, pois tudo se passa na simplicidade de um
diálogo, de uma troca de olhar, de um sorriso, de um gesto respeitoso, nos
quais Deus e o homem se aproximam, se engajam mutuamente. Entretanto, o que agrada
a Deus é um coração contrito. O coração que renuncia a tudo para se colocar nas
mãos de seu Senhor. Encontro desconcertante e verdadeiro, dado que o Verbo
eterno esconde sua divindade sob o véu da humanidade que recebeu da Virgem
Maria e se oferece a nós como um Menino nos braços de sua mãe. Nele
reconhecemos o Filho de Deus que se fez Filho do homem para não massacrar a
humanidade com o fulgor de sua glória eterna. Maria e José foram ao Tempo para
cumprir um preceito da Lei judaica, mas em o fazendo eles apresentam aos homens
aquele que veio cumprir todos os preceitos e todas as leis do Senhor Onipotente
no contexto da Antiga Aliança. A grande conversão à qual todo cristão é chamado
na Nova Aliança consiste em se deixar surpreender por um Deus surpreendente que
procura engajar um diálogo cheio de simplicidade, de familiaridade, de sinceridade.
Foi o que Jesus fez durante toda sua vida nesta terra. O Rei da glória, o
senhor, o forte, o poderoso nos combates, o Deus do universo nos visitou e quer
morar dentro de cada coração (Lc 19,5). Ele veio a até nós pobre, mendigo de amor,
como uma criança dependente de seus pais. Para se ir até Ele é preciso afastar
todo orgulho, purificar o íntimo da consciência. O batizado anuncia então por
toda parte uma vida nova já presente na História. Daí o devotamento de cada um
ao próximo como sinal eloquente da presença do Reino de Deus que Jesus veio
implantar nesta terra. Saibamos sempre nos apresentar ao Ser Supremo com todos
estes sentimentos que a festa de hoje inspira e, então sim, Jesus será sempre a
luz da vida de cada um de nós. * Professor no Seminário de Mariana durante
40 anos