terça-feira, 30 de outubro de 2012

Preces pelos fiéis falecidos

                   PRECES PELOS FIÉIS FALECIDOS                              
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
     Em  novembro preces especiais são elevadas a Deus pelos falecidos. A existência do Purgatório foi definida em dois Concílios Ecumênicos: no de Florença, no século XV, e no de Trento, no século seguinte. Deste Concílio este texto: “A Igreja Católica, instruída pelo Espírito Santo, baseada nas Escrituras Sagradas e nas antigas tradições dos Padres, declarou nos Santos Concílios0; que existe um Purgatório, e que as almas nele detidas podem ser auxiliadas pelos sufrágios dos fiéis, mas principalmente pelo Sacrifício do altar”. Lemos no segundo livro dos Macabeus (2 Mac. 12,43-46 que Judas Macabeu vencera Górgias numa batalha. Ao sepultar os seus mortos encontrou em suas túnicas algumas moedas tomadas das ofertas feitas aos ídolos de Jâmnia, o que era contra a Lei (Deut. 7,25). Fez uma coleta, recolheu 12 mil dracmas de prata e enviou-as a Jerusalém, para que se oferecesse um sacrifício pelos pecados dos mortos. Não julgou que eles tivessem pecado mortalmente, “pois considerou que, tendo morrido piedosamente, tinham assegurado uma grande paz”. Vem então a grande diretriz bíblica: “É um santo e salutar pensamento orar pelos defuntos, a fim de que sejam livres dos seus pecados”. Havia, portanto, entre os judeus a crença num lugar de purificação na outra vida. Jesus  fala de perdão de pecados “no outro mundo” (Mt. 12,32), o que se refere ao Purgatório. S. Paulo, fala de pecados leves que serão queimados pelo fogo, (1 Cor. 3,11-15); referindo-se igualmente ao Purgatório. No século terceiro. Tertuliano  já falava de Missas de aniversário de defuntos: “Consagramos um dia por ano a oblações pelos mortos, como se fora dia de seu nascimento”. Santo Agostinho, no século quinto, escreve que sua mãe, Santa Mônica, lhe disse, já prestes a morrer: “Enterre este meu corpo onde quiseres, e não te incomodes mais com ele. Uma coisa te peço: onde quer que estiveres, lembra-te de mim ao altar do Senhor” (Conf., 9,27). S. Cirilo de Jerusalém (315-386) afirmou: “Rogamos por todos os que faleceram em comunhão conosco, pois cremos que suas almas recebem grande auxílio, quando oramos por elas, e principalmente quando por elas oferecemos o santo Sacrifício”. De S. João Crisóstomo (344-407) estas palavras: “Não são vãs as oblações que fazemos pelos defuntos; não são vãs as súplicas; não são vãs as esmolas”. Todas as antigas Liturgias, do Oriente como do Ocidente, contém orações pelos mortos. É que  muitos morrem com pecados veniais, ou sem ter pago à divina justiça a pena temporal devida a seus pecados graves. O mês de novembro, consagrado aos fiéis defuntos,  é, por tudo isto, um tempo em que se renova a crença firme na vida eterna, multiplicando-se as preces pelos que já deixaram este mundo. Deus é o Senhor  da vida e da morte (Os 13, 14; Dt 32, 39; 1 Sam 2, 6). Cristo tem as chaves do reino dos mortos (Ap 1, 18; 1 Ped 4, 5-6; Ef 4, 8-10). O Redentor comunica a vida ao mundo pela Sua Ressurreição (Jo 7, 37; 10, 14; 12, 20-) e redime-nos por ela (Rm 4, 24; 10, 9; 2 Cor 5, 14-16) . A Ressurreição de Jesus é a causa da nossa ressurreição escatológica (1 Cor 15, 1 ss); batismal (Rom 6,1-11) e moral (Ef 4, 17-24). Cristo  foi claro: “Eu sou a ressurreição e a vida. O que crê em mim ainda que esteja morto viverá e  todo o que vive e crê em mim, não morrerá eternamente” (Jo 11,15). Donde a conclusão  de São Paulo ao falar da ressurreição final: “Consolai-vos, pois, uns aos outros com estas palavras” (1 Ts 4,17). Aconselha, porém:  Se, pois, ressuscitastes com Cristo (no batismo), procurai as coisas do alto, onde Cristo está sentado à direita de Deus. Pensai nas coisas do alto, e não nas da terra, pois morrestes (para as coisas do mundo) e a vossa vida está escondida com Cristo em Deus” (Cl 3,1). Com Paulo proclamemos então: “Onde está ó morte a tua vitória?” (1 Cor 15,55) * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos



Homenagem a todos os Santos

HOMENAGEM A TODOS OS SANTOS
                                       Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
A solenidade de Todos os Santos leva a refletir sobre a razão dos louvores aos santos, os cânticos jubilosos comemorando sua glória. Como bem explicou São Bernardo, eles não têm necessidade alguma de serem aclamados pelos homens, uma vez que o Pai, realizando as promessas do Filho, os cumula ele mesmo de toda honra. É aos fiéis que interessa este louvor e não a eles. De fato, o culto aos santos estimula o desejo de um dia estar com eles na Casa do Pai para uma felicidade sem fim. Cumpre a cada batizado trabalhar para ser concidadão e companheiro deles lá na Jerusalém celeste. Eles  lá nos aguardam no final da jornada terrena. Eis porque cresce o anseio de estar com Cristo para sempre sem o perigo de jamais O perder, uma vez que no céu os membros do Corpo Místico estarão configurados Ele para sempre. Adite-se que a ajuda e a intercessão dos santos junto do trono de Deus é imprescindível para que não se perca o rumo do paraíso. Na vida eterna os que foram fiéis a Cristo durante a vida mortal contemplarão com os olhos da inteligência a glória fulgurante de Deus e todo esplendor da corte celeste. Além do mais, no último dia, no julgamento final com todos os demais santos todos os corpos ressuscitarão brilhantes como o sol, transparentes como o cristal. Todos a cantarem o mesmo cântico num júbilo sem fim, êxtase perene da visão beatífica já então de corpo e de alma. Por tudo isto a festa de todos os santos vem então também lembrar a importância da santidade. Afinal de contas cumpre saber o que é, realmente, um santo, mesmo porque à santidade são chamados todos os que têm fé. No sentido estrito da palavra somente Deus é santo. Ele mesmo decretou: “Sede santos, porque eu sou santo”. Jesus foi claro:”Sede perfeitos como o Pai celeste é perfeito”. São Paulo mostrou como “Deus nos educa para nos comunicar sua santidade”. Se pela fé e pelo amor se entra em comunicação com o Deus três vezes santo, será na medida em que se cresce nesta fé e nesse amor que o fiel vai se tornando semelhante a Ele. Quanto mais alguém se deixa possuir pelo Espírito de Deus, mais progride na santidade, se tornando justo e agradável ao seu Senhor. É que a fé é um dinamismo de amor, envolvendo toda a conduta pessoal e social. Todo combate e toda iniciativa que faz sair da mediocridade leva a um crescimento espiritual maravilhoso. Significa uma união sempre maior com o Pai em Cristo sob o influxo do Divino Espírito Santo. Eis porque não há uma forma única de santidade, ou seja, o mesmo tipo de união com o Ser Supremo, nem a mesma plenitude da vida cristã, ou da mesma dileção para com Deus. É, realmente, santo ou santa, aquele ou aquela que, nos limites de suas características próprias, de suas qualidade, de seu perfil caracterológico, de suas circunstâncias pessoais se adere à Boa Nova e se conforma com Cristo. É isto que faz a beleza da hagiografia e tanto encanta na vida dos bem-aventurados canonizados por Deus. Aí está também a razão pela qual lá no céu estão tantos amigos, tantos parentes cuja existência se pautou pelos mandamentos sagrados, pela vivência do Evangelho, por uma caridade sem limites, por uma dedicação ilimitada no cumprimento de seus deveres específicos. Na verdade, não há uma diferença essencial entre a santidade heróica  e a santidade comum. Uns viveram ou vivem em plenitudes as bem-aventuranças e chegam às raias da generosidade no serviço divino, outros se esforçaram ou se esforçam no dia a dia para serem sempre fiéis ao amor a Deus e ao próximo, mas sempre procurando fazer a vontade de Deus. Isto significa que se vive no meio de muitos santos já aqui na terra, isto é, todos que têm o senso dos valores transmitidos pela revelação divina. É de se notar ainda que é partilhando a Palavra e o Pão na celebração eucarística que todos se constituem num povo santo, irradiando depois na sociedade a espiritualidade que haurem no contacto com Deus. É uma felicidade pertencer à imensa família de homens e mulheres que viveram e vivem de acordo com os desígnios de Deus, aceitando as provações que o Senhor envia como meios de purificação. Carregaram ou  carregam nessa terra os santos a cruz de cada dia sem esmorecer no combate pelo bem, pelo progresso espiritual.  Cumpre, realmente  que cada  cristão seja uma luz, pequenina ou refulgente como a dos grandes santos, mas luz que ilumine o mundo e diminua as trevas do mal. Eis aí a missão de todo batizado, chamado a ser santo como o Deus que o criou e salvou.  * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.
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sábado, 27 de outubro de 2012

Equívocos psicológicos

                        EQUÍVOCOS PSICOLÓGICOS
                                   Côn..José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Devido a confusão mental hoje reinante, multiplicam-se os livros de auto-ajuda. Estes oferecem inúmeros conselhos práticos que, de fato, podem auxiliar como adjutório psicológico no sentido de superação dos limites humanos.  Entretanto, os conceitos atinentes ao que pode levar à auto-destruição, nem sempre ficam claros. Estes bem pontuados ajudariam ainda mais na cura interior. Generalizou-se o termo depressão que é diferente da angústia. Com efeito, o distúrbio mental que se caracteriza pela prostração física e/ou moral se difere da aflição intensa e do estado de náusea perante a existência. A depressão pode incluir a angústia, mas nem toda angústia é depressão.  Uma pessoa pode entrar num quadro depressivo sem estar ainda imerso na adinamia e, portanto, fica mais fácil  para ela atalhar o mal pela raiz sem ser necessário apelar para os profissionais da psiquiatria que, em casos graves, são obrigados a receitarem medicamentos oportunos. O diagnóstico da angústia que surge perante um perigo real deve, antes de tudo, levar a pessoa a cair na realidade, afastando perspectivas sombrias fruto da imaginação mal controlada. Há indivíduos que se deixam levar ao retorno periódico de encadeamentos idênticos de acontecimentos geralmente infelizes e isto pode gerar a fobia diante do futuro. Neste caso, as causas estão no inconsciente que precisa ser desmascarado através de uma viagem interior e a fixação dos instantes luminosos do passado. Não se deve nunca ser artífice da própria infelicidade, alimentando a neurose de fracasso. Esta leva a uma blocagem parcial da própria energia. Isto pode levar à frustração e esta, que inicialmente não é patogênica, pode se converter em uma situação intolerável, desencadeando a frustração interna, devido a construção mental doentia de um obstáculo externo destituído de fundamento. Isto pode ocorrer também pela criação de desejos que levam a necessidades fictícias. Seja como for, é preciso sempre o estado de alerta, pois é sempre válido o axioma médico que aconselha a cortar os males pela raiz. Muita confusão se dá, outrossim, no que tange à melancolia. Há indivíduos cujo perfil caracterológico é o melancólico. São pessoas emotivas, não-ativas, e secundárias, não impulsivas. Possuem tendências positivas: bondade e honradez. São incapazes de serem cruéis ou ásperas com os outros, ainda que exteriormente sua reserva pareça apatia. São simples, humildes e fidedignos, perseverantes. Têm, porém, que tomar cuidado, pois tendem a cair na omissão, isto é, à indecisão ante um partido a tomar. São inclinados a subestimar suas próprias qualidades. Isto pode levar ao pessimismo, à amargura, à tristeza.. Sua tendência à solidão pode torná-los egoístas. Nada isto indica que são levados a distúrbios psicológicos, desde que procurem agir não pelos sentimentos, mas pela razão. Não se deixem levar pela tristeza. Refugiem-se na oração e na intimidade com Deus, fomentando confiança filial no Ser Supremo, que é Pai amoroso. Não se deixem perder em fantasias, ocupando-se num trabalho moderado, mas constante, colocando-se em contacto com a realidade que os cerca. Devem incrementar a boa convivência com os companheiros. Não se pode confundir, portanto, este quadro com a melancolia que é uma forma de depressão, sensação de incapacidade, de interesse pela vida. Cumpre, neste caso, evitar qualquer tipo de auto-acusação, não deixando que isto evolua para a ansiedade, tomando tal pessoa consciência da falta de causa evidente desta apreensão que deve logo ser vencida. Portanto, há, por vezes, uma generalização de termos que impedem o diagnóstico preciso de um determinado momento existencial. O importante, entretanto, é sempre a busca da imperturbabilidade que obsta a evolução de males interiores que tendem a se tornarem crônicos. Todas as pessoas, segundo Renné Le Senne, seja qual for seu perfil caracterológico, possuem qualidades. A má administração destas qualidades é que geram os defeitos, os quais se tornam causa de perturbações para si e para os outros. É isto que muitos orientadores ignoram e, daí, muitos outros equívocos psicológicos. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos



quinta-feira, 25 de outubro de 2012

UM GLORIOSO JUBILEU

                        UM GLORIOSO JUBILEU
            Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho, da Academia Mineira de Letras
Mariana, urbe sacrossanta, austera e incomparavelmente graciosa, na qual se processou o amálgama das raças que produziu uma população que legaria à pátria varões insignes que se fizeram lição de grandeza moral, transverberando luzeiros de ombridade; sítio mágico pelas suas realizações tão caras a Minas e ao Brasil,  terra abençoada que dispõe, o que não é comum entre as cidades de envergadura através dos tempos, da disposição de meditar, de refletir, de voltar para a contemplação da natureza: montes, colinas, luares. Nela estão tesouros de arte barroca autenticamente criada e nascida em Minas Gerais; nela se encontram atraentes templos, que não se repetem, cada um guardando seus segredos centenários; nela está a alma boa e generosa do mineiro; nela se entrelaçam o patriotismo e a fé, pois esta cidade é história viva de Minas Gerais Templo do devotamento á pátria, orgulho de um povo  e “mineiro não seria quem deixasse de amar a mais antiga cidade de Minas”. Berço da democracia, uma vez que foi em Mariana que se elegeu a primeira edilidade erigida na região do ouro, erguendo-se a consciência pública, relampejando o espírito nacional. Pois, bem, esta cidade de tantas glórias está celebrando um Jubileu significativo: o cinquentenário da Academia Marianense de Letras que foi fundada, em 28 de outubro de 1962, por ilustres intelectuais mineiros como Pedro Aleixo, Alphonsus de Guimaraens Filho, Waldemar de Moura Santos, Salomão de Vasconcelos, José Mesquita de Carvalho, Cristóvão Breyner, Wilson Chaves, Dom Oscar de Oliveira e Marly Moysés. Esta era uma brilhante colegial, quando convidada por Moura Santos, secretariou a primeira reunião da Academia. Esta Academia acolheu depois inúmeros literatos mineiros que prosseguiram a trajetória cultural e cívica desta veneranda agremiação.Dia 27, às 20h,  haverá sessão solene comemorativa dos 50 anos da Casa de Cultura- Academia Marianense de Letras.. Dia 28, às 11h, na Capela do Colégio Providência, Missa solene concelebrada pelos padres acadêmicos, presidida pelo Padre José Carlos Brandi Aleixo com a participação do Coral Crescere. Dia 14 de novembro, às 19h, lançamento do livro “Palavra de advogado”, do acadêmico José Anchieta da Silva. Dia 30 de novembro, às 17h, posse da profa. Regina Almeida na Cadeira nº 12 cuja patrona é Cecília Meireles. Estão plenejadas a realização de duas edições comemorativas do cinquentenário, uma contendo todos os discursos de posse desde 1962 que forem encontrados nos arquivos da Casa, e outra com um tema livre, mas, relacionado com Mariana. Tudo isto incentivado, organizado pelo Dr. Roque José de Oliveira Camêllo, dinânimo Presidente. O Jubileu é uma etapa de luz numa trajetória juncada de vitórias e é o que se está comemorando em Mariana.





quarta-feira, 24 de outubro de 2012

MARIA IMACULADA, A CHEIA DE GRAÇAS

MARIA IMACULADA, A CHEIA DE GRAÇAS
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Ao se festejar a Imaculada Conceição de Maria, vem logo à mente a saudação do Arcanjo Gabriel àquela mulher privilegiada: “Salve, cheia de graça, o Senhor é contigo” (Lc 1,28). O termo grego empregado por São Lucas foi kékaritomèné. A Igreja sempre viu nesta plenitude de graças um fundamento bíblico da Imaculada Conceição. Com efeito, a Mãe do Messias prometido possui a plenitude da graça que não está limitada no tempo de modo a excluir qualquer período inicial da vida de Maria. O notável teólogo Garrigou-Lagrange assim se expressou: “Se Maria tivesse contraído o pecado original, a plenitude da graça teria sido restrita neste sentido que não se estenderia a toda sua vida. A Igreja ao ler as palavras da saudação angélica à luz da Tradição e com a assistência do Espírito Santo, viu o privilégio da Imaculada Conceição, implicitamente revelado, não como o efeito na causa que pode existir sem ele, mas como uma parte no todo; a parte está atualmente no todo pelo menos implicitamente enunciado”. A genitora do Redentor não deveria estar nunca sob a jurisdição do inimigo cuja cabeça ela esmagaria, segundo o vaticínio paradisíaco: “Porei inimizades entre ti e a mulher, e entre a tua posteridade e a posteridade dela. Ela te pisará a cabeça”. Foi a primeira resgatada por seu divino Filho numa única redenção antecipada, preservativa, e, em virtude, de estar intimamente ligada à obra salvadora, inserida profundamente na missão profético-pneumática de Cristo. Como assevera Suenens, outro notável mariólogo: “A santidade do Filho é a causa da santificação antecipada da Mãe, como o sol ilumina o céu antes dele mesmo aparecer no horizonte”.  Em previsão dos méritos desta redenção, ela ficou imune do pecado original. É que no mistério da Imaculada Conceição, a iniciativa de Deus de operar com a sua graça assume o valor de uma declaração programática anterior a qualquer operação humana independente. A Mãe de Jesus é resplandecente de santidade, de beleza, de graça, justamente porque  ela seria a genitora do Filho de Deus feito homem, a esposa puríssima do Espírito Santo,  sendo a filha bem-amada do Pai. Maria é a mulher perfeita, a nova Eva, aquela que Deus preparou desde toda eternidade para se tornar uma mãe digna do Salvador do mundo. Eis porque todo cristão está indiretamente implicado no mistério da Imaculada Conceição e deve a Maria o culto de hiperdulia, veneração especial devida a grandiosidade de sua missão. Aliás, na vida do discípulo de Jesus tudo é graça. Sem mérito da parte de seja quem for tudo que se tem é dom de Deus, no qual “movemos, existimos e somos” (Atos 17,28). A exemplo de Maria o cristão pode repetir: “O  Senhor fez por mim maravilhas. Santo é seu Nome” (Lc 1,49). Tudo expressão de seu amor. Disto, a exemplo de Maria, deve resultar gratidão profunda e correspondência ininterrupta à bondade do Ser Supremo.  É deste modo que se expressa a verdadeira devoção à Virgem Imaculada, imitando sua postura diante das benesses divinas. Deus quer que todos sejam salvos e cheguem ao conhecimento da verdade (1 Tm 2,4). Maria, como ensinou o Concílio Vaticano II, esta no coração do mistério da salvação, porque ela trouxe sempre consigo aquele que é “o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14,6). É o que deve acontecer com seus filhos em todas as circunstâncias da vida. Ela está a dizer que é por Jesus que se chega ao Pai pela fé (Jo 11,6). Ele que nos torna filhos de Deus, herdeiros de Deus e seus co-herdeiros (Rm 8, 17). Eis aí a beleza da devoção a Maria, sobretudo neste mistério de sua Imaculada Conceição. Assim, sendo, Maria Imaculada imerge o seu devoto na universalidade da salvação em Cristo, sendo ela a primeira a gozar desta realidade salvífica do Redentor, numa aplicação antecipada da obra redentora. Celebrar por isto mesmo a festa da Imaculada Conceição é conhecer uma conversão pastoral, contemplando a dimensão missionária deste mistério, dado que cumpre por toda parte o senso da importância da missão salvadora de Jesus que deve alcançar a todos. Além disto, a beleza e a força que promanam do mistério da Imaculada Conceição de Maria induzem a que se projete sob seu broquel toda a vida. Se Ela estiver, de fato, a presidir existências, a farolizar anseios, a iluminar veredas, a aclarar planos, a esmaltar intentos, a fundamentar projetos, a dirigir aspirações, a ser fulcro de todo o ideal, então a santidade florescerá, o conhecimento mais profundo das verdades perenes brotará. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.
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sábado, 20 de outubro de 2012

LEVANTA-TE, JESUS TE CHAMA

LEVANTA-TE, JESUS TE CHAMA
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho”
O episódio da cura do cego Bartimeu  oferece lições preciosas, sobretudo no que tange o dever de cada um de ajudar o próximo (Mc 10, 46-52).. Auxílio sobretudo aos que, como o filho de Timeu, estão reduzidos à mendicidade, marginalizados, desamparados. Embora, cego, assentado à beira do caminho,  aquele que nada enxergava não era mudo e, por sinal possuía uma voz forte, estridulante que até incomodava os transeuntes. Intimado a se calar, como tinha plena fé e confiança no Rabi da Galiléia que por ali passava, clamava “Jesus, filho de Davi, tem piedade de mim”! O Redentor ouve aquele brado e resolve manifestar ainda uma vez sua misericórdia, sua bondade. É de se notar que Jesus poderia ter ido até o suplicante, ou mesmo ordenado diretamente que ele visse até junto dele. Preferiu, contudo, que outros o chamassem. Ele desejou associar alguns que O circundavam ao seu gesto de comiseração. Ele queria mostrar que muitas vezes não está ao alcance das pessoas realizar por si mesmos o ato de caridade, mas cumpre então mobilizar os poderes públicos, os líderes comunitários, os vicentinos  para ajudarem os que necessitam de amparo. Tantas vezes, porém, o comodismo impera e aqueles que carecem de uma internação ou nos hospitais, ou nas casas de recuperação não encontram quem os ajude. Não basta, de fato, recriminar apenas os que se entregam à bebida, às drogas, ou aos demais vícios. É necessário ir às autoridades para que, dentro de sua alçada, venham em socorro dos que podem voltar a ser úteis à sociedade. Depois é rezar pela saúde física ou mental daqueles que foram socorridos.  Pedagogo admirável, Cristo mostrou como se deve agir. Não basta recriminar, urge mobilizar as instituições, os governantes. Ao invés de simplesmente colocar os que erram nas prisões, cumpre tudo fazer para que se regenerem aqueles que perturbam o convívio social, levando-os, sempre que viável, para clínicas terapêuticas. Os que rodeavam o Mestre aprenderam logo a lição, pois se antes mandavam o cego se calar, agora lhe dirigem palavras confortadoras: “Coragem, levanta-te, Jesus te chama”! Entre Jesus e os que sofrem não se deve ser um muro, mas uma ponte. Nada de rejeição, mas de compreensão. Se não se pode pessoalmente naquela circunstância ajudar o próximo, há recursos a serem obtidos e caminhos a serem abertos. Entretanto, se deve sempre passar uma mensagem de otimismo de coragem.  É possível acender no íntimo do coração sofredor uma chama ardente de esperança, levando-o a uma prece confiante como a de Bartimeu. Uma palavra de conforto pode abrir a mente do que padece para a sinfonia do universo. O próprio sofrimento pode se associar a este canto universal. O certo é que todas as vezes que alguém se aproxima de Jesus, escutará sua indagação que enche de esperanças: “O que queres que eu te faça”! Quem assim sempre procedia, na alheta do Mestre divino, era D. Luciano Mendes de Almeida e centenas de fiéis que dele se aproximaram escutaram indagação semelhante à de Jesus: “O que eu posso fazer por você”? Tudo isto interpela a cada um sobre o que tem realizado em seu derredor. Ficou célebre o ditado: “É melhor ensinar a pescar do que dar o peixe”. De fato, uma esmola mal direcionada até prejudica, embora em casos extremos seja necessária e imperiosa. O autêntico discípulo de Cristo, porém, não se desinteressa pelo outro. O Reino dos céus está preparado para os  que enxergam o Filho de Deus no seu próximo e se interessa por ele. Nunca se lembra demais a sentença taxativa de Jesus: “O que fizestes a um destes menores de meus irmãos, foi a mim que o fizeste” (Mt 25,34-40). No coração  de cada  um deve morar o que tem fome, sede, está doente física ou mentalmente. Matriculados na escola do divino Salvador é assim que procede quem se diz seguidor de Cristo. É mister proclamar aos que padecem: “Coragem! Jesus te chama”! Não te revoltes mais com seu sofrimento. Para isto, entretanto, mister se faz que cada um de nós se encontre com Jesus para obter a luz da fé e para se enxergar melhor como ser solidários com os outros. Repetir como Bartimeu esta preciosa súplica: “Mestre, que eu veja”! Ver para ir buscar a felicidade lá onde ela se encontra e não nas orientações dos falsos formadores de opinião. Enxergar o que na própria existência tem que ser corrigido para alcançar a pureza de coração a qual levará fatalmente a sanar as misérias alheias, a promover a dignidade humana, a defender os fracos, a instaurar uma sociedade mais fraterna e justa. Todos com olhos abertos para a ventura comum na vivência de uma total confiança em Jesus, aquele que cura, que salva e abre os olhos para ver as maravilhas que Deus espalhou mundo todo no qual, infelizmente, impera tanta miséria. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.







sexta-feira, 19 de outubro de 2012

COMO SUPERAR SITUAÇÕES DOLOROSAS NO LAR

            COMO SUPERAR SITUAÇÕES DOLOROSAS NO LAR
                        Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho
O ciúme  é um sentimento intenso que pode afetar a vida dos casais. Quando não afastado com sabedoria, pode comprometer gravemente a auto-estima de um dos cônjuges e martirizar inutilmente a própria existência. Padecer por causa do ciúme é uma atitude que não leva a nada e significa se entregar à insegurança. O ciúme que pode se tornar hipocondríaco provoca muita vulnerabilidade e leva até a comportamentos indesejáveis, ocasionados pela impulsividade ou pela incapacidade do ciumento de conseguir se auto-controlar  e de ter uma visão menos negativa de uma situação que pode e deve ser contornada.O primeiro passo para superar o sentimento doloroso que as exigências de um amor inquieto, o desejo de posse da pessoa amada, a suspeita ou a certeza de sua infidelidade fazem nascer em alguém é relacionar este sentimento com a valorização pessoal diante de qualquer circunstância que tenha surgido. Em segundo lugar, é se conscientizar que o pesar, a tristeza, o desgosto, a mágoa não podem nem devem desestruturar a própria pessoa e destruir a saúde do corpo e da alma. Cumpre, além disto, superar a inseguridade inclusive depositando total confiança no outro sob pena de infernizar a vida de ambos. Perpetuar, através da imaginação, uma questão que se deve dominar é uma trilha completamente errada. É preciso continuar investindo no amor mútuo, perdoando radicalmente, não deixando que as fantasias neuróticas conduzam ao desespero. ou ao rompimento inteiramente desaconselhável em qualquer hipótese. Sábio o ditado: “O tempo cura todas as feridas”. Se de todo o mal persistir, na área da psicologia e da psiquiatria há recursos que podem produzir bons efeitos, desde que se confie em profissionais competentes, seguindo não só suas diretrizes, como também tomando à risca os medicamentos preceituados. Adite-se o recurso sobrenatural à oração que traz paz, serenidade, imperturbabilidade, além de alcançar de Deus a solução desejada para o problema em tela. Entretanto, vale também o brocardo: “Ajuda-te que o céu te ajudará!” O célebre literato Paul Claudel escreveu um tocante livro, cuja epígrafe é Qui ne souffre pas? – Quem é que não sofre? Portanto, não é o sofrimento em si que causa atitudes depressivas. A grande questão é sublimar as aflições existenciais dando-lhe uma aplicação transcendental e delas se servindo para o próprio amadurecimento. Resoluções firmes e arraigada confiança no porvir acompanham aqueles que encaram a vida com vistas amplas sem se deixarem trancar nos aposentos escuros da disposição de espírito que leva o indivíduo a encarar tudo pelo lado negativo, a esperar de tudo o pior. Venturosos os que estão cônscios de que cumpre plantar e aguardar o tempo da colheita sem se deixarem amesquinhar pelos receios de uma imaginação doentia que agiganta os perigos, aumentando falsos temores. O verdadeiro cristão se mostra sempre ativo, empreendedor, corajoso, sem pavor do futuro. Ostenta uma atitude esperançosa em face dos problemas humanos ou sociais, considerando-os passíveis de uma solução global positiva. Desta mundividência resulta uma atitude geral ativa e confiante, apartando o descompromisso com qualquer tipo de participação proveitosa para si e para os outros.  Infeliz o tímido, o pusilânime, incapaz de vencer obstáculos. Muitos fracassam exatamente porque descuidam o cultivo das habilidades que possui, contemplando sempre obstáculos intransponíveis em qualquer momento. Vivem perenemente a reboque dos seus sentimentos, sem nenhuma iniciativa vigorosa que conduz à melhoria da própria  história  e do meio em que vive. Donde a importância da educação da vontade e da mente. Ralph Waldo Emerson, filósofo americano, proclamou que “uma lei da natureza afirma-nos que a habilidade aumenta com a prática, e que quem não tem força de vontade para agir, não pode adquirir a perícia desejada”. O pior inimigo a ser enfrentado é o receio do malogro que estiola todo empreendimento. Felizes aqueles que, incapazes de retrocesso, esmorecimento ou desistência estão cientes de que “viver é lutar”, mas que só os destemidos, os otimistas, conhecem os louros dos magnos triunfos! * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.


quarta-feira, 17 de outubro de 2012

O PODER DA UNIÃO DA FAMÍLIA

O PODER DA UNIÃO NA FAMÍLIA
Côn.José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Este tema é importantíssimo. Com efeito, em nossos dias, quando tudo leva a um subjetivismo alarmante, fruto do individualismo que aflora de um egoísmo deletério, multiplicam-se os penosos problemas das relações mútuas o que leva à desunião familiar. Trata-se do convívio entre os esposos, entre os pais e os filhos. É preciso, antes de tudo,  que cada um procure se auto-realizar, mesmo porque quem não sabe conviver consigo mesmo nunca obterá êxito com os outros. Nada pior para uma pessoa do que a perda da auto-confiança. O pedagogo divino, Jesus Cristo, aliás ordenou que cada um amasse o próximo como a si mesmo (Mc 12,31). Auto-realizar-se significa alcançar o seu potencial num amadurecimento cotidiano, ou seja, cada um deve ser hoje melhor do que foi ontem em tentativas bem orquestradas ao som do discernimento interior. Uma norma elementar é que ninguém deve querer moldar os outros à sua imagem e semelhança, mas observando-se sempre os princípios elementares da caridade e da civilidade, ou seja, da boa educação. É uma arte descobrir, no relacionamento diário, o que normalmente se chama de “mania”, mas que vem a ser laivos do perfil caracterológico de cada um. Cumpre chegar a um denominador comum. Há necessidade de uma retroalimentação contínua que patenteia até onde cada deve ser respeitado. A chamada “correção de erro” é imprescindível, pois impede enganos e desvios, isto é, quando ou os esposos entre si, ou os pais diante dos filhos, notam algo que precisa ser considerado, há sempre o momento oportuno para o diálogo, troca de idéias e, neste caso, os pais podem e devem com bons modos corrigir os filhos sem que esteja a união familiar posta em jogo. Não se podem nunca desprezar os reforços  da experiência do passado que alimentam as atitudes no presente. Nada desgasta mais o ser humano do que o conflito sem motivo ou que deveria ser evitado. O segredo da vida é transformar a agitação em cooperação, o erro em correção oportuna. Nada mais necessário do que baixar o nível de defensividade, abolindo definitivamente acusações mútuas. A interação emocional é de vital importância em toda parte. Atitudes negativas devem ser evitadas, pois causam ressentimentos, aumentam a taxa de absenteísmo e reduzem o nível de energia positiva. Nas relações familiares se os presentes em certas ocasiões  são sinais de consideração, estima e apoio, nem sempre são um reforço positivo, se o que foi exposto acima faltar e se eles se configurarem como suborno afetivo. Sem alicerce nada duradouro se constrói. Assim também até qualquer tipo de elogio desproporcionado. É preciso sempre a busca de reforços interpessoais, como a atenção  que se manifesta nos mínimos detalhes, incluindo não se querer dominar o outro. Neste caso específico apontar erros através de queixas inoportunas é um desvio muitas vezes irreparável. Apresentar soluções é o caminho certo. O que se esquece muitas vezes é que qualquer indivíduo é do tipo ativo ou do tipo secundário. Este último é programado, por vezes rotineiro, e precisa ser avisado com antecedência para que possa se reorganizar e rever seus programas a curto e a longo prazo. O tipo primário, desprogramado, surpreende por atitudes imprevisíveis. Fala sem pensar e age precipitadamente. A questão fundamental, em um e outro caso, é a formação da própria personalidade na busca do equilíbrio de atitudes para que se evitem perturbações emocionais que prejudiquem a união dentro do lar. Entretanto, se uma pessoa faz alguma coisa que enraivece, não se deve  atacá-la e, sim,  procurar se safar da situação constrangedora  pela via da compensação não vingativa, inclusive com o pensamento salutar de que “o tempo cura todas as feridas”. Em qualquer circunstância é mister esfriar o ânimo e não ficar curtindo o sofrimento que prejudica gravemente a saúde psicossomática. Emoções mal controladas só aumentam as inquietações. Como o ser humano é um permanente enigma, é um erro fatal não saber evitar tudo que leve à desunião. Nos momentos de angústia, ocasionada seja qual for a circunstância, nada mais saudável uma conversa amiga, cheia de compreensão. Para tudo na vida há solução! Que os pais se amem como José e Maria e que os filhos respeitem seus pais como Jesus de Nazaré. Então sim, reinará sempre o poder da união da família e coisas maravilhosas acontecerão sempre dentro do lar cristão!* Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos- MG

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

ORAÇÕES A MARIA E AOS SANTOS

ORAÇÕES A MARIA E AOS SANTOS
                            Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Está claro na Bíblia que em Deus “nós somos, nos movemos e existimos” (Atos 17,28). Isto explica bem a Comunhão dos Santos, ou seja, os que são peregrinos nesta terra, os que padecem no purgatório e os que se acham no céu. Deus é onipresente, onipotente, onisciente. Maria, os santos e anjos podem ouvir as orações, pois estão diante dele e a Ele apresentam nossas preces. Está no Livro do Apocalipse: “Veio outro anjo, e pôs-se junto ao altar, tendo um incensário de ouro; e foi-lhe dado muito incenso, para que o oferecesse com as orações de todos os santos sobre o altar de ouro que está diante do trono. E da mão do anjo subiu diante de Deus a fumaça do incenso com as orações dos santos” (Ap 8,3-4). Lemos ainda no Apocalipse: “Logo que tomou o livro, os quatro seres viventes e os vinte e quatro anciãos prostraram-se diante do Cordeiro, tendo cada um deles uma harpa e taças de ouro cheias de incenso, que são as orações dos santos. E cantavam um cântico novo, dizendo: Digno és de tomar o livro, e de abrir os seus selos; porque foste morto, e com o teu sangue compraste para Deus homens de toda tribo, e língua, e povo e nação; e para o nosso Deus os fizestes um reino de sacerdotes; e eles reinarão sobre a terra" (Ap 5, 8-10).  Porque estamos unidos a Deus, lá no céu os santos podem ouvir nossas orações, pois já estão perante o Ser Supremo que lhes revela as necessidades e as preces seus irmãos na terra. A Igreja ensina que “a maternidade de Maria, na economia da graça perdura ininterruptamente, a partir do consentimento dela na Anunciação. Por isso Ela é invocada como mãe, advogada, protetora, auxiliadora”. Sobre os santos a Igreja doutrina que “eles não deixam de interceder por nós ao Pai, apresentando os méritos que receberam na terra pelo único mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo”. Escreveu o Apóstolo São Paulo  na Carta aos Romanos: “Estou convencido de que nem a morte nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem o presente, nem o futuro, nem as potestades, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura poderá nos separar do amor de Deus manifestado em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Rm 8,38-39). A morte não nos separa do amor de Cristo nem dos irmãos, não rompe a comunhão entre os que estão com o Senhor, no céu, e nós, peregrinos aqui na terra. Em Deus, o Senhor de tudo, todos vivemos e permanecemos num consórcio vital. O fato de que, orando com confiança, muito se obtém de Maria, dos anjos e santos é também comprovado por aqueles que confiam nesta proteção e atestam as graças obtidas, deixando claro quão poderosa é a intercessão daqueles que foram invocados.  Suas preces foram ouvidas e atendidas.  É o exercício da solidariedade e da caridade que unem numa aliança profunda todos os membros do Povo de Deus aqui na terra e lá na Casa do Pai. * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.


segunda-feira, 1 de outubro de 2012

O JOVEM, A SANTIDADE E A MODERNIDADE

O JOVEM, A SANTIDADE E A MODERNIDADE



CARTA  DO DIRETOR ESPIRITUAL, CÔNEGO JOSÉ GERALDO VIDIGAL DE CARVLHO,  AO GRUPO JOVENS SEGUIDORES DE CRISTO (JSC)  DA PARÓQUIA DE SANTA RITA DE CÁSSIA, VIÇOSA (MG)  AO ENSEJO DA VII JORNADA DE APROFUNDAMENTO EM CRISTO - 28 A 30 DE SETEMBRO DE 2012.

              SUMÁRIO
    

     INTRODUÇÃO: A SANTIDADE

     CAMINHOS DA SANTIDADE
     Autodomínio
      Amar como Jesus amou
      Ser santo é  ser salvo

     O JOVEM MODERNO
Como viver a modernidade

      LIVRAR-SE DA AGITAÇÃO HODIERNA
Evitar a estreiteza de espírito
        Abolir a desconfiança
Resultados faustosos

      BUSCAR A IMPERTURBABILIDADE
Revivificar a fé e intensificar o amor
          Importância da prece silenciosa

     ADQUIRIR A SERENIDADE DO CORAÇÃO
          Cuidado com o ativismo
          Importância da reflexão e da confiança em Deus

     COMBATER OS PECADOS CAPITAIS
           Meios para vencer tais pecados

     MULTIPLICAR OS TALENTOS
         Apostolado necessário
         Ser serviçal
     CONCLUSÃO
     COMO BEM SE EXPRESSOU JOÃO PAULO SE PODE ENTÃO CONCLUIR QUE O JOVEM CRISTÃO QUE VIVE A MODERNIDADE ESTÁ NO MUNDO, MAS NÃO É MUNDANO,


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INTRODUÇÃO: A SANTIDADE

      -Ao jovem, como, aliás, a todo ser racional, cumpre ser testemunha do Invisível e do Inefável, ícone da  santidade de Deus que  é a fonte e a razão de ser de toda perfeição.
      A busca da santidade não um projeto utópico. Trata-se de orientar para Deus todos os movimentos e as raízes do ser humano.
      Tal a ordem divina no Antigo Testamento: “Sereis santo para mim, porque eu, o Senhor, sou santo”  (Lev 20,26).
       Na plenitude dos tempos Jesus determinou a seus seguidores: “Sede perfeitos, como o Pai celeste é perfeito” (Mt 4,48).
      Ele, porém, veio a este mundo para ensinar a ser santo, por ser Ele o santo por excelência, como proclamara o Profeta Isaías: “O Santo é o seu nome” (Is 57,15).
      O Verbo de Deus se encarnou, tomando uma alma e um corpo humanos para traçar os caminhos da santidade, Ele o santo, o verdadeiro, como fala o Apocalipse (Ap 3,7).
      A Segunda Pessoa da Trindade santa, fazendo-se carne e habitando entre nós quis, assim, santificar a natureza humana, não para se conservar isolado nessa Santidade única, mas para participá-la a seus irmãos. Os cristãos seriam santos “em Cristo Jesus”, expressão tão usada por São Paulo. Estariam incorporados Àquele que assim saudamos: “Só vós sois Santo, só Vós sois Senhor, só Vós, o Altíssimo, Jesus Cristo”.
      No momento do batismo se torna o fiel membro de Cristo que o faz participar de Sua própria morte para, ao receber a água batismal, lhe dar parte na Sua gloriosa ressurreição.
      É a vida nova de que fala São Paulo aos romanos (Rm 6,4-11).
      É lógico que o batismo não age como uma operação mágica que transformasse o batizado sem determinar nele uma transformação integral.
      Com efeito, incorporado ao divino Salvador, partícipe de Sua santidade, terá que viver como Cristo, ou seja, animado por Seu espírito, numa identidade total a Ele. Foi o que aconteceu com o Apóstolo: “Já não sou eu quem vive, é Cristo quem vive em mim” (Gl 2,20).
      É preciso, então, que se tenha consciência desta união com Jesus, o que alertou São Paulo: “não sabeis que vossos corpos são membros de Cristo”? (1 Cor 6, 15).

      CAMINHOS DA SANTIDADE
     
Autodomínio

      Na prática, é preciso então ao cristão dominar “a carne”, ou seja não apenas as paixões lascivas do corpo, mas também os movimentos desregrados da alma.
      São Paulo aos Gálatas detalhou  o que isto significa: “fornicação, impureza, desonestidade, luxúria, idolatria, malefícios, inimizades, contendas, ciúmes, iras, rixas, discórdias, partidos, invejas, homicídios, embriaguez, orgias e outras coisas semelhantes” e acrescentou claramente: “quem as praticarem não herdarão o reino de Deus”. Os que agem segundo o  espírito de Jesus possuem a caridade, o gozo, a paz, a paciência, a continência, a castidade”. Acrescentou o meio para que se evite tudo que mancha a alma e esta possa cultivar os frutos espirituais: “Os que são de Cristo crucificaram a carne, com as paixões e concupiscências” (Gl 5, 15-25).
      Deve-se então concluir que sem o domínio do corpo não há santidade e esta não existe sem  passar pela cruz.
      Quem quiser ser santo tem que se mortificar, mas esta mortificação deve ser necessariamente fruto de um grande amor a Jesus Cristo.
      Isto porque a vida sem pecado, ilibada, é apenas um aspecto negativo da santidade. De fato, ações positivas só podem fluir da dileção Àquele que é o caminho, a verdade e a vida e que se imolou no Calvário levado pelo seu imenso amor pela humanidade.
      Foi o que lembrou São João: “Ninguém tem maior amor, do que aquele que dá a sua vida por seus amigos” (Jo 15,13).

      Amar como Jesus amou

      Assim, a santidade consiste em amar  como Jesus amou.
      Amar é preferir. É sacrificar suas preferências para aderir o seu Senhor. É envolver na dileção mais profunda os irmãos.
      Como isto se dá no cotidiano, foi minudenciado pelo Apóstolo: “A caridade é paciente, é benigna; a caridade não é invejosa, não se ufana, não se ensoberbece, não é ambiciosa, não busca os seus próprios interesse, não se irrita, não suspeita mal. Não folga coma injustiça, mas alegra-se com a verdade Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta” (1 Cor 13,4-7).
      Esta deve ser a trajetória dos membros do Povo Santo de Deus e é a única maneira de se obter a salvação eterna.
     
      Ser santo é ser salvo

      Não existe distinção entre ser salvo e ser santo.
      Tudo isto leva à edificação do Corpo Místico de Cristo, como ensina ainda São Paulo, “até que alcancemos todos  nós a unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, o estado de homem perfeito, a medida da estatura da plenitude de Cristo” (Ef 4,13).
      Para isto  é necessário abrir a porta do coração para receber Jesus, aceitando de bom grado suas advertências secretas  ou evidentes, quando desta forma  o cristão passa a realizar aquilo que deve fazer.  Jesus com ele e  ele com Jesus através da luz de sua presença, progredindo cada vez mais no desejo das coisas do alto  e deixando que Ele alimente os anseios celestes dentro de cada um.
      Isto supõe coragem, determinação e eis porque o Papa Bento XVI assim se dirigiu sobretudo àqueles que estão na plenitude da vida: “Jovem, não tenhais medo de se decidir por Cristo”!

      O JOVEM MODERNO

       Tudo isto, contudo, vivido em pleno século XXI e já o  Papa Pio XI, no século  passado, clamava que todo cristão devia ser sadiamente moderno. Com muita mais razão, então, o jovem de hoje inserido num mundo inteiramente diferente. 
      Este foi o apelo do Papa João Paulo II no Congresso da Juventude Feminina de Schoesntatt: "Jovens do mundo inteiro, tenham a santa ousadia, de serem os santos do novo milênio".
      Este Pontífice deixou claro que  é vivendo na sociedade na qual está inserido que o jovem se santificará e formará centenas de jovens que vivem em seu derredor, conduzindo-os  bem longe dos padrões oferecidos por uma sociedade materialista, hedonista.
      Para isto o grande meio, ensinou este Papa,  é cada um ter um senso crítico apurado ao assistir os filmes, ao escutar as músicas, ao passear com os amigos. 
      O ponto de mira é o respeito total aos dez mandamentos sagrados da Lei de Deus. 

      Como viver a modernidade

      Eis aí o que cada um  deve levar por toda parte a seus colegas a mensagem de que   ser jovem que vive a modernidade e possa cumprir sua missão evangelizadora ele precisa  possuir, no coração, uma fonte de esperança, de nobres ideais, de otimismo alvissareiro.
      Ter lá dentro de si, caudais de energias prontas a se concretizar em iniciativas pelo bem comum, pelo próximo, pela pátria, pela humanidade, imitando Jesus que afirmou que Ele "veio, não para ser servido, mas para servir" (Mt 20,28).
      Saber  amar, cercando, sem cessar, de ternura e compreensão os entes queridos, pois tal é o preceito de Cristo: Amarás teu próximo como a ti mesmo (Mt 22,39). Fazer do dever de cada hora a felicidade mais inebriante, transformando a existência em sublime realização de si mesmo.
       Não tergiversar, nem vacilar ante os árduos embates da vida; mas enfrentar com ânimo varonil obstáculos e dificuldades, transpondo-os com olhos fitos em Cristo, que  afirmou: "Eu sou a videira; vós, os ramos. Quem permanecer em mim e eu nele, esse dá muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer" (Jo 15,5).
      Procurar não assimilar o erro, veiculado tão sutilmente, aqui e ali, nos jornais, nas revistas, no rádio, na televisão, na internet, nas palavras do falso amigo, lembrado da advertência de São Pedro: "Sede sóbrios e vigiai. Vosso adversário, o demônio, anda ao redor de vós como o leão que ruge, buscando a quem devorar" (1 Pd 5,8).
      Não entrar nunca em sites pornográficos e fugir das ocasiões de pecado: "Quem ama o perigo nele perecerá". (Eclo 3,27). Pugnar sem tréguas contra o mal, as tentações, os vícios;  evitando os caminhos fáceis.
       Estar certo de que espíritos superiores zelam pela saúde do corpo e da alma e, deste modo, detestam toda substância entorpecente, alucinógena, excitante, como a maconha, o haxixe, a cocaína, o álcool e tantas outras drogas que degradam o ser humano, lembrados das palavras paulinas: "Não sabeis que sois o templo de Deus, e que o Espírito de Deus habita em vós?" (1Cor 3,16).
      Ser livre e usar, com responsabilidade, a liberdade, atento às palavras do Apóstolo: "Fostes chamados à liberdade. Não abuseis, porém, da liberdade como pretexto para prazeres carnais. Pelo contrário, fazei-vos servos uns dos outros pela caridade" (Gl 5,13).
      Não desanimar nunca, porém, ver o lado bom dos acontecimentos,  sempre acendendo uma vela e não lamentando a escuridão.
      É saber que Cristo é  a origem da eterna juventude.
      Este jovem, sim, vence o Maligno, não ama o mundo erotizado, nem o que há neste mundo alienado de Deus, pois disse São João  que “quem ama o mundo não está nele o amor do Pai. Porque tudo o que há no mundo, a concupiscência humana, a cobiça dos olhos e a ostentação da riqueza, não vem do Pai, mas do mundo. Ora, o mundo passa e também sua cobiça, mas aquele que faz a vontade de Deus permanece para sempre” (1 João 2, 14-17)

LIVRAR-SE DA AGITAÇÃO HODIERNA

Entretanto que o jovem hoje mais do que nunca precisa afastar a agitação interior.
Cumpre, em primeiro lugar, se conscientizar que a tristeza é  causa de ansiedade. Eis por que São Paulo aconselhava: “Alegrai-vos sempre no Senhor. Repito: alegrai-vos“ (Fl 4,4). 
 Reina no atual contexto uma contagiante e infausta baixa estima e, assim, se multiplicam os transtornos as perturbações na sociedade. Disto resulta o medo, toda espécie de fobia, e com eles a turbulência dentro de cada um. Denota-se, hoje em dia, também o fenômeno, não menos alarmante, da desmedida. O homem hodierno  não encontra limite para suas necessidades e seus desejos. Aliás, um dos objetivos da sociedade de consumo é criar imperativos de compra, aumentando a volição de possuir o que está na moda. Aspira-se sempre a novidade e, nem bem se usou um determinado produto e já se quer usufruir de outro sem nenhum proveito real. A propaganda tem estratégias diabólicas para mover a vontade dos incautos. Nem ainda bem se utilizou de um refrigerador e já se está pensando na outra geração do mesmo que há de ser ainda mais aprimorada.

Evitar a estreiteza de espírito

A tudo isto se adite a estreiteza de espírito, outro ingrediente da agitação. Muitos são de tal modo obstinados, aderidos a seu modo de ver, que não aceitam admoestação alguma e prosseguem nos mesmos erros, caem sempre na defensiva. Tal estreiteza de espírito que a carta aos Hebreus chama de “endurecimento” do coração, leva à irritação contra tudo e contra todos. O indivíduo fica prisioneiro de seus moldes mentais limitados e perde a perspectiva dos grandes horizontes das medidas claras e vivificantes. Por outro lado, como conseqüência do consumismo vem a inveja e, embora rodeado de tanta coisa boa, a pessoa se entrega a uma depressão profunda por não ter o que o outro possui. Deixa de ser ele mesmo para querer ter o que nada lhe vai avantajar. Isto é fonte de sofrimento inútil e desnecessário.

Abolir a desconfiança

 Acrescente-se ao rol das causas da agitação interior a desconfiança. Desconfiar é estar sempre à espreita de quem e daquilo que pode prejudicar. Donde um julgamento constante dos outros nos quais se contempla sempre um inimigo em potencial e um julgamento pessimista das coisas, enxergando não o que elas podem servir, auxiliar, mas causar dano. Este estado de alerta é maléfico. Deve-se confiar nos outros até prova em contrário é a máxima de quem é sábio e prudente. A agitação interior flui, portanto, das atitudes negativas. Os franceses têm um provérbio muito sábio: “À quelque chose malheur est bon” – há sempre um lado positivo em qualquer desgraça. No mínimo esta serve de admoestação e leva à formulação de uma revisão de vida. Quem assim procede jamais perde a paz e caminha com determinação para frente, atingindo-se a maturidade que tranqüiliza. Trata-se de uma ação eficaz, de uma maneira frutuosa de se dirigir na vida.

Resultados faustosos

O fruto é uma serenidade na ação, na responsabilidade  quanto ao dever de cada instante, na atitude diante dos conflitos da existência. Nada mais necessário para a sociedade do que possuir pessoas tranqüilas, pois estas estão sempre se realizando e levando outros às regiões da beatitude, lá nos espaços interiores donde jorra a fonte da energia para as tarefas diárias. Um elã vital toma conta de tudo a bem de todos. Soluções aparecem para todo e qualquer impasse. Eis aí uma maneira de se vencer o stress contemporâneo para se agir melhor no mundo, de uma maneira mais eficiente.
No mundo agitado de hoje é preciso procurar a paz interior.

BUSCAR A IMPERTURBABILIDADE

Cumpre a  busca da imperturbabilidade.
         Vários fatores conspiram contra a tranqüilidade interior de cada um. Entre eles se enumerem a preocupação com o que  é preciso para a subsistência diante da insegurança do mundo do trabalho, a agitação reinante por toda parte, o pandemônio generalizado, a baixa estima.
      A maldição da intranqüilidade parece caracterizar nossa época. Filon, notável filósofo judeu de Alexandria, considerava a paz como o mais alto dos valores. O que muitos, entretanto, se esquecem é que a energia criativa para remar contra tudo isto só pode ser encontrada em Deus. Com efeito, a serenidade não significa inatividade, mas atividade sem aflição. Cumpre encontrar a serenidade da alma para experimentar fisicamente a calma. O coração sossegado permite agir com toda a quietude. O repouso  é o  que Deus reserva para quem age em sua presença.

      Revivificar a fé e intensificar o amor

 Para tanto é necessário revivificar a fé.  Por ela o cristão ultrapasse este mundo e toma parte, desde agora, neste  descanso perene. Desde agora, a despeito da ansiedade, das turbulências, das ofensas, das feridas, o coração fica continuamente sereno, quando possui esta virtude de uma fé arraigada. Ela abre um espaço de silêncio, transformando o coração humano num santuário no qual Cristo entra e impede qualquer agitação do mundo. Ele, então, sempre a dizer:Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz. Não vo-la dou como o mundo a dá. Não se perturbe o vosso coração, nem se atemorize (Jo 14,27). Contudo, para abrir as portas da sua interioridade cumpre a cada um se envolver no amor, primeiramente de si mesmo, depois do próximo e de Deus. Quem não vive em paz consigo mesmo  jamais evidentemente encontrará a paz, mas a amargura. Quem é amargo se revolta contra si, contra os outros e contra o próprio Ser Supremo. Muitos deixam inclusive transparecer no próprio olhar a terrível angústia de que está possuído. O coração acabrunhado  passa sempre de uma emoção a outra, fica em estado de agonia e não se deixa encher do amor. O ser racional nesta situação se martiriza, apoquenta os outros e renega a Deus e se torna incrédulo, duro, penoso, fechado. Questiona a Deus ao invés de se deixar questionar por Ele.  Os aflitos são geralmente insensíveis. Querem escapar à intensidade dos sentimentos e fogem de si mesmos, atacam os outros e o próprio Criador de tudo. Apenas quem  tem fé e sabe amar entra na região do repouso. Aí se encontra a santificação e a salvação. O pecado e o mal não atingem mais tal cristão, que fica em paz com Deus, consigo e com os outros. Penetra-se no mistério do próprio Senhor Onipotente que é  amor eterno. Os pensamentos transviados  e os sentimentos maus, as paixões desregradas e os desejos condenáveis, os cuidados desnecessários e os dissabores que atormentam, a  horrípila agitação do mundo e do coração ficam excluídos, por quem se imerge no oceano de uma dileção sem fim, conhecendo o mais profundo equilíbrio psicossomático, encontrando-se reunificado em Deus, âncora segura por entre as tormentas deste exílio terreno.

      Importância da prece silenciosa

 O grande meio para se atingir este ideal é a prece silenciosa que coloca o cristão num profundo colóquio permanente com a divindade. Donde resultar um estado harmonioso de total eutimia. Há uma gestão sábia dos afetos que agitam a alma. Todas as emoções ficam canalizadas na direção daquele no qual “movemos, existimos e somos”. Daí a apathéia, ou seja, a ausência de agitação e a ataraxia, isto é, a imperturbabilidade. Clemente de Alexandria mostrou que o ideal da serenidade da alma não é acessível senão na união mística com Deus, sendo possível a todo cristão chegar à contemplação que não é privilégio dos que vivem nos mosteiros. É óbvio que só atingem os páramos desta serenidade os que possuem a pureza de coração, dado que Jesus afirmou: “Bem-aventurados os puros, porque eles verão a Deus”. Eis aí a vocação sublime dos que vivem a realidade de seu Batismo. A imagem de Deus de que falaram tão sabiamente os primeiros teólogos se torna uma realidade viva e irradiante e disto só pode resultar a beatitude mais inebriante.

ADQUIRIR A SERENIDADE DO CORAÇÃO

      Há caminhos que conduzem à serenidade do coração os quais foram trilhados, sobretudo, pelos monges dos primeiros séculos do cristianismo. A intranqüilidade é um dos males do atual contexto histórico no qual a calma parece privilégio de uns poucos. É que o passo inicial para a beatitude interior passa pelo conhecimento aprofundado de si mesmo para se chegar a Deus, fonte de toda imperturbabilidade e no qual se pode encontrar a quietude, não obstante as atividades de cada hora. Inúmeras passagens bíblicas prometem a paz, desde que sejam, de fato, mentalizadas e vividas. Cumpre, de fato, afastar sempre a desventura e a ansiedade. É preciso encarar a verdade e não fugir da mesma com subterfúgios ilusórios.
      A conquista do perfeito sossego do espírito não provém de técnicas tão propagadas nos livros de auto-ajuda, mas é o resultado de uma caminhada espiritual, a hesychia, rota para a eutimia total. Depara-se então a calma e cessa o temor, o ser racional se regenera e revive. É o encontro da harmonia consigo mesmo através de uma terapêutica que flui da reflexão. Então se aceita o convite de Deus para se abrigar à sombra de suas asas (Sl 61,5). Com a segurança do amor do Ser Supremo, resistente a qualquer adversidade, o cristão degusta um descanso revitalizador.

      Cuidado com o ativismo

 Muitos procuram sufocar o temor num ativismo que não passa de uma solução ilusória a qual  partureja uma aflição ainda maior. Por outro lado, o homem moderno não se enraíza em nada porque se vê joguete de uma mobilidade característica da sociedade atual. O ativismo exacerbado leva à falta de um ideal  consistente, de um objetivo bem determinado. A pressa suscita o vazio e o vazio provoca nova onda de precipitação. O indivíduo hiperativo nada produz de concreto e acaba, no final, sendo um desocupado, um frustrado ao término de um dia, mesmo porque muitas horas ficam também perdidas diante de televisão, da tirania da internet, das longas conversas inúteis,  da vã verbosidade que não leva a nada, o que é, aliás,  um atentado ao valor intrínseco da palavra. Daí o descontrole, a perda de um centro coordenador das atividades, porque se perde a própria medida das ações, mesmo porque os outros é que se tornam o referencial de tudo. Torna-se cada um escravo das imposições vindas do exterior.

      Importância da reflexão

 É que o homem de hoje detesta o silêncio e, não refletindo, se dispersa sempre mais. Numa época trepidante como a atual, disto resulta a agressividade que chancela a sociedade deste início do século XXI, dado que se vive num ambiente estressante. Isto é fonte de inúmeros erros e de uma cegueira que não permite as verdadeiras soluções. Procuram-se resultados imediatos para necessidades artificiais que se multiplicam a cada hora. A pessoa humana fica presa da akedia, ou seja, esta incapacidade de se deixar prender pelo instante que  se está vivendo. Dá-se uma ausência fundamental de cuidado por si mesmo, deixando de haver a colaboração na realização pessoal. Resulta a atonia da alma, isto é, a ausência do cuidado com o que se está fazendo aqui e agora. Não se entra no fluxo da vida. É a negação mesma da existência de que falam as terapias comportamentais. Na falta então de um critério seguro para as ações  surge a desvalorização dos outros para se poder afirmar a si mesmo, camuflando assim o estado de crise em que se está. Para reverter este processo danoso cumpre uma confiança ilimitada em Deus, a qual afasta a insegurança existencial. Isto significa que quem tem fé faz tudo que se acha em seu poder, concentra-se naquilo que deve realizar, priorizando o que é essencial e suas preocupações ele as coloca dentro do Coração de Jesus. Dá-se o que está na prece de Santa Tereza de Ávila: “Nada te perturbe. Nada te espante. Tudo passa. Só Deus não muda. A paciência tudo alcança. Quem tem a Deus, nada lhe falta. Só Deus basta”. Quem assim age se sente sustentado e em segurança total mesmo no maremoto interior, pois Jesus é aquele que liberta verdadeiramente das tormentas que surgem. Ele não mente e afirmou: Vinde a mim, vós todos que estais aflitos sob o fardo, e eu vos aliviarei” (Mt 11,28).

COMBATER OS PECADOS CAPITAIS

      Para se conseguir tudo isto é preciso uma luta sem tréguas dos pecados capitais.
      Um dos capítulos mais importantes da Teologia Moral é o que focaliza o pecado, fenômeno tratado por todas as religiões. Na Bíblia a visão teológica do pecado é vista em relação ao Ser Supremo e corresponde a uma maior sensibilidade do homem. É uma oposição à vontade santíssima de Deus. Os teólogos, depois Tomás de Aquino, falam nos pecados capitais. Capital vem do latim caput, que significa cabeça. Os pecados capitais  são os princípios de inúmeros outros vícios, ou seja, distorções morais condenadas na Bíblia, por serem  contra a ordem estabelecida pelo Ser Supremo. Têm sua origem da tríplice concupiscência de que fala São João, a saber, a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida  ( 1 Jo 2, 16). São sete: Soberba (Tg 4,6; 1 Pd 5,5): Avareza (1 Cor 6,10), Luxúria (idem), Inveja (Gal 5,19), Gula (Idem ), Cólera (Idem),  Preguiça (Pv 6,6). Inúmeras as passagens bíblicas condenam tais aberrações. A SOBERBA é a estima exagerada de si mesmo e o não reconhecimento dos dons divinos, da dependência ontológica do Criador e o menoscabo do próximo. O contrário é a humildade que é a verdade sobre si mesmo, sobre Deus e sobre o semelhante. É  o orgulho causador também da ambição, da presunção  e da vã glória. A AVAREZA é o amor desordenado dos bens terrenos, apego exagerado ao dinheiro. Ela gera a dureza para com os pobres, o desassossego, o desprezo pelos bens eternos, as fraudes, as traições. O cúpido se esquece de que nada se leva desta vida e não sabe usufruir dos bens que o Onipotente concede a cada um. A LUXURIA é a procura desenfreada dos prazeres carnais, indo frontalmente  contra o sexto e nono mandamentos da Lei de Deus. Partureja o endurecimento do coração, a cegueira espiritual, o egoísmo, o ciúme, o ódio a todos os valores que engrandecem o ser racional, o aborto. O epicureu entrega-se a toda espécies de atitudes animalescas e pode chegar às mais abomináveis depravações. A INVEJA é a tristeza causada pela felicidade e pelas qualidades do próximo. Daí as suspeitas injustas, a maledicência, as discórdias, as rixas, as calúnias. É uma traça que corrói o coração, só destrói a paz, ocasionando todo tipo de perturbação, nada constrói. A zelotipia exarcebada impossibilita qualquer relacionamento normal dentro de uma comunidade.  A GULA é o amor desordenado do comer e do beber. Causa a embriaguez, as mais variadas moléstias orgânicas, o embrutecimento espiritual. O glutão não come para viver, mas vive para comer. A gulodice é o contrário da temperança, da sobriedade que inibem a voracidade, a glutonaria. A IRA é o movimento desordenado da alma pelo qual se repele com violência o que desagrada. É a fonte  da vingança, das injúrias, das agressões, das mortes violentas, do destempero verbal. Nada pior do que tratar com uma pessoa iracunda, colérica que vive agastada e furiosa. A PREGUIÇA é o amor desordenado ao descanso e leva à omissão dos deveres. A indolência é chamada a mãe de todos os vícios pois gera a ociosidade que conduz a todo tipo de maus desejos e péssimas idéias, a perda do tempo, a inconstância, a infidelidade aos compromissos, a  vida inútil e fútil. A acédia conduz à impureza da consciência, à miséria, à depressão, ao desgosto da vida, à angústia existencial. O mandrião é presa fácil do Maligno. Note-se que o pecado capital que predomina em cada um é denominado o vício dominante Trata-se do calcanhar de Aquiles de cada um, pois é por aí que o Inimigo começa a triunfar.

      Meios para vencer tais pecados

       Os meios para vencer os pecados capitais estão ao alcance de todos. Podem ser assim enumerados: uma vontade sincera, firme e enérgica, que conduz a grandes triunfos; a  oração constante, que é a força do cristão; a renovação diária do bom propósito de emenda, que é um recurso psicológico de alta valia; a ascese que leva à mortificação, pois quem faz tudo que pode, acaba fazendo o que não pode; a freqüência aos sacramentos, canais das graças divinas; a  orientação do diretor espiritual que é mestre, juiz e médico. Quem combate os pecados capitais atinge aquela perfeição desejada por Jesus: “Sede perfeitos como o Pai celeste é perfeito” (Mt 5,48).

MULTIPLICAR OS TALENTOS
       Na parábola dos talentos recebidos e restituídos  se depara o magnífico elogio aos que os multiplicaram: “Muito bem, servo bom e fiel” (Mt 25, 21.23) e  se encontra ao que nenhum lucro apresentou terrível reprimenda: “Servo inútil”. Os primeiros entraram para a felicidade de seu senhor, este último foi lançado nas trevas. A mensagem do Mestre divino é patente: da administração sábia e eficiente  do tempo da vida presente depende a salvação eterna. O julgamento divino será justo e a recompensa perene ou será uma pena eterna.
      Apostolado necessário
      Num dos elementos do processo da gerência dos dons recebidos está incluído o zelo pela salvação do próximo, uma vez que ninguém entrará no Reino dos Céus sozinho, dado que as boas obras arrastam infalivelmente os outros para os caminhos de Deus. Para isto é necessário o cuidado contínuo, bem valorizando a comunicação verbal e a não  verbal. As pessoas, com efeito,  não se comunicam apenas por palavras, mas ainda através de seu modo de ser e de viver. Estudos atualizados mostram que a comunicação não verbal é tão ou até mais importante do que aquilo se diz. Esquece-se, muitas vezes, que menos da metade da boa comunicação é composta pela fala, o restante está ligado à vivência do comunicador. Isto não apenas pelo seu exemplo de vida, mas também porque o que ele fala só tocará o receptor da mensagem se esta tiver inteiramente impregnado a mente daquele que a profere. Bem disse o Pe. Antônio Vieira que “palavras sem exemplo são tiros sem balas”. Eis porque o apóstolo de Cristo na multiplicação dos carismas sagrados doados por Deus se esforça para se tornar semelhante a Cristo, o Verbo divino, que se fez modelo para todos. Não bastam as expressões orais, os conselhos oportunos, mas é preciso também a ratificação com a conduta condizente com as mesmas. Foi o que acontecia com São Paulo que pôde dizer aos Tessalonisenses: “Sabemos que a nossa pregação do Evangelho não se deu entre vós, somente com palavras, mas também com obras poderosas, com a força do Espírito Santo, com plena convicção” (1 Ts 1,5). O modo como se fala é de suma importância, pois o coração e a vida passam então em borbulhar na mensagem transmitida. Os catequistas, os pais, os mestres, os cristãos em geral,  enfim todos que são discípulos de Jesus devem se lembrar das palavras do mesmo Apóstolo aos Coríntios: “Somos embaixadores de Cristo” (2 Cor 5,10). É desta maneira que se frutificam os talentos  outorgados por Deus a cada um. Com efeito, a palavra foi dada não apenas para cantar os louvores de Deus, para Lhe dar graças, mas ainda para instruir os irmãos e lhes passar sábias inspirações, alicerçadas com o testemunho existencial. Tudo isto, é claro,  com muito discernimento, doçura, perspicácia, perseverança.

      Ser serviçal

       Feliz aquele que pode  repetir sempre: “Coloquei a minha vida a serviço do próximo e o próximo é Jesus Cristo”, o qual proclamou que veio para servir e não para ser servido. O que se esquece é que em qualquer situação sempre se está a serviço dos outros em casa, na Igreja, no trabalho, nas diversões. Pela reta intenção se pode então valorizar, e muito, os talentos. Para tanto é mister se lembrar sempre a advertência de Cristo: “Vós sois o sal da terra e a luz do mundo”. Os talentos foram concedidos  exatamente para que esta missão seja cumprida e, em consequência, se possa frutificar em boas obras. O sal não é sal por si mesmo e em certos países serve até para fazer a terra dar bons frutos. É que multiplicar os talentos não é viver para si mesmo, mas para os outros através de uma espiritualidade potente, irradiante. Esta espiritualidade é que torna o cristão luz, um reflexo da grandeza de Deus, vivendo coerentemente as promessas batismais. Multiplicar os talentos é também viver  o espírito das bem-aventuranças. Condoer-se com os que choram; consolar os que sofrem; perdoar os que nos injuriam; ser artesão da paz, da não violência; não procurar o próprio interesse e estar atento aos marginalizados; é ser desapegado dos bens terrenos, multiplicando dentro de si os valores morais; é ter puro o coração sem se deixar contaminar com a depravação imposta pela mídia, pelos sites pornográficos; é ter fome e sede de justiça, é ser misericordioso. É, em síntese,  realizar a metáfora do sal da terra dando gosto, sabor a uma sociedade que muitas vezes se divorcia de Deus. É ser luz nas trevas, iluminando os que trilham os caminhos do erro  nunca se esquecendo que não há nada tão prodigioso como o testemunho existencial e que nunca praticamos grandes bens ou grandes males sem produzirem os seus efeitos nos nossos semelhantes. As boas ações  são imitadas por emulações e as más pela malícia da natureza humana e esta aprisiona, enquanto o bom exemplo liberta dos vícios e arrasta para o bem e multiplicando os talentos de cada um..
Conclusão
      Para terminar estas reflexões nada melhor do que um trecho da Carta de Diogneto escrita por volta   do ano 120 d.C, mas que mostra bem como deve ser a postura do jovem dentro do contexto social em que vive. No mundo pós-moderno  deve ter a mesma mentalidade dos primeiros cristãos.
       O Cristianismo surgia como uma das maiores inovações criadas na Humanidade. Revolucionava os valores conhecidos, particularmente aquele da Fraternidade ou Solidariedade. Considerada a "jóia da literatura cristã primitiva", esta Carta de Diogneto é um  testemunho escrito por um cristão anônimo respondendo à indagação de Diogneto, pagão culto, desejoso de conhecer melhor a nova religião que se espalhava com tanta rapidez pelas províncias do Império Romano. Impressionado pela maneira como os cristãos desprezavam os deuses pagãos e testemunhavam o Amor que tinham uns para com os outros, queria saber que Deus era aquele em que confiavam.
O  texto mostra  que “os cristãos não se distinguem dos demais homens, nem pela terra, nem pela língua, nem pelos costumes. Nem, em parte alguma, habitam cidades peculiares, nem usam alguma língua distinta, nem vivem uma vida de natureza singular. [...] Habitando cidades Gregas e Bárbaras, conforme coube em sorte a cada um, e seguindo os usos e costumes das regiões, no vestuário, no regime alimentar e no resto da vida, revelam unanimemente uma maravilhosa e paradoxal constituição no seu regime de vida político-social. [...] Casam como todos e geram filhos, mas não abandonam à violência os recém-nascidos. [...] Encontram-se na carne, mas não vivem segundo a carne. Moram na terra e são regidos pelo céu. Obedecem às leis estabelecidas e superam as leis com as próprias vidas. [...] São pobres, mas enriquecem muita gente; de tudo carecem, mas em tudo estão satisfeitos. [...] Insultados, bendizem; ultrajados, prestam as devidas honras. Fazendo o bem, são punidos como maus; fustigados, alegram-se, como se recebessem a vida. [...] Numa palavra, o que a alma é no corpo, isso são os cristãos no mundo. A alma está em todos os membros do corpo e os cristãos em todas as cidades do mundo. A alma habita no corpo, não é, contudo, do corpo; também os cristãos, se habitam no mundo, não são do mundo. A alma está encerrada no corpo, é todavia ela que sustém o corpo; também os cristãos se encontram retidos no mundo como em cárcere, mas são eles que sustêm o mundo. A alma imortal habita numa tenda mortal; também os cristãos habitam em tendas mortais, esperando a incorrupção nos céus”.
      Na alheta destas reflexões se pode então concluir que o jovem cristão que vive a modernidade está no mundo, mas não é mundano, como bem se expressou João Paulo II.