O JOVEM, A SANTIDADE E A MODERNIDADE
CARTA DO DIRETOR ESPIRITUAL, CÔNEGO JOSÉ GERALDO VIDIGAL DE CARVLHO, AO GRUPO JOVENS SEGUIDORES DE CRISTO (JSC) DA PARÓQUIA DE SANTA RITA DE CÁSSIA, VIÇOSA (MG) AO ENSEJO DA VII JORNADA DE APROFUNDAMENTO EM CRISTO - 28 A 30 DE SETEMBRO DE 2012.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO: A SANTIDADE
CAMINHOS DA SANTIDADE
Autodomínio
Amar como Jesus amou
Ser santo é ser salvo
O JOVEM MODERNO
Como viver a modernidade
LIVRAR-SE DA AGITAÇÃO HODIERNA
Evitar a estreiteza de espírito
Abolir a desconfiança
Resultados faustosos
BUSCAR A IMPERTURBABILIDADE
Revivificar a fé e intensificar o amor
Importância da prece silenciosa
ADQUIRIR A SERENIDADE DO CORAÇÃO
Cuidado com o ativismo
Importância da reflexão e da confiança em Deus
COMBATER OS PECADOS CAPITAIS
Meios para vencer tais pecados
MULTIPLICAR OS TALENTOS
Apostolado necessário
Ser serviçal
CONCLUSÃO
COMO BEM SE EXPRESSOU JOÃO PAULO SE PODE ENTÃO CONCLUIR QUE O JOVEM CRISTÃO QUE VIVE A MODERNIDADE ESTÁ NO MUNDO, MAS NÃO É MUNDANO,
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INTRODUÇÃO: A SANTIDADE
-Ao jovem, como, aliás, a todo ser racional, cumpre ser testemunha do Invisível e do Inefável, ícone da santidade de Deus que é a fonte e a razão de ser de toda perfeição.
A busca da santidade não um projeto utópico. Trata-se de orientar para Deus todos os movimentos e as raízes do ser humano.
Tal a ordem divina no Antigo Testamento: “Sereis santo para mim, porque eu, o Senhor, sou santo” (Lev 20,26).
Na plenitude dos tempos Jesus determinou a seus seguidores: “Sede perfeitos, como o Pai celeste é perfeito” (Mt 4,48).
Ele, porém, veio a este mundo para ensinar a ser santo, por ser Ele o santo por excelência, como proclamara o Profeta Isaías: “O Santo é o seu nome” (Is 57,15).
O Verbo de Deus se encarnou, tomando uma alma e um corpo humanos para traçar os caminhos da santidade, Ele o santo, o verdadeiro, como fala o Apocalipse (Ap 3,7).
A Segunda Pessoa da Trindade santa, fazendo-se carne e habitando entre nós quis, assim, santificar a natureza humana, não para se conservar isolado nessa Santidade única, mas para participá-la a seus irmãos. Os cristãos seriam santos “em Cristo Jesus”, expressão tão usada por São Paulo. Estariam incorporados Àquele que assim saudamos: “Só vós sois Santo, só Vós sois Senhor, só Vós, o Altíssimo, Jesus Cristo”.
No momento do batismo se torna o fiel membro de Cristo que o faz participar de Sua própria morte para, ao receber a água batismal, lhe dar parte na Sua gloriosa ressurreição.
É a vida nova de que fala São Paulo aos romanos (Rm 6,4-11).
É lógico que o batismo não age como uma operação mágica que transformasse o batizado sem determinar nele uma transformação integral.
Com efeito, incorporado ao divino Salvador, partícipe de Sua santidade, terá que viver como Cristo, ou seja, animado por Seu espírito, numa identidade total a Ele. Foi o que aconteceu com o Apóstolo: “Já não sou eu quem vive, é Cristo quem vive em mim” (Gl 2,20).
É preciso, então, que se tenha consciência desta união com Jesus, o que alertou São Paulo: “não sabeis que vossos corpos são membros de Cristo”? (1 Cor 6, 15).
CAMINHOS DA SANTIDADE
Autodomínio
Na prática, é preciso então ao cristão dominar “a carne”, ou seja não apenas as paixões lascivas do corpo, mas também os movimentos desregrados da alma.
São Paulo aos Gálatas detalhou o que isto significa: “fornicação, impureza, desonestidade, luxúria, idolatria, malefícios, inimizades, contendas, ciúmes, iras, rixas, discórdias, partidos, invejas, homicídios, embriaguez, orgias e outras coisas semelhantes” e acrescentou claramente: “quem as praticarem não herdarão o reino de Deus”. Os que agem segundo o espírito de Jesus possuem a caridade, o gozo, a paz, a paciência, a continência, a castidade”. Acrescentou o meio para que se evite tudo que mancha a alma e esta possa cultivar os frutos espirituais: “Os que são de Cristo crucificaram a carne, com as paixões e concupiscências” (Gl 5, 15-25).
Deve-se então concluir que sem o domínio do corpo não há santidade e esta não existe sem passar pela cruz.
Quem quiser ser santo tem que se mortificar, mas esta mortificação deve ser necessariamente fruto de um grande amor a Jesus Cristo.
Isto porque a vida sem pecado, ilibada, é apenas um aspecto negativo da santidade. De fato, ações positivas só podem fluir da dileção Àquele que é o caminho, a verdade e a vida e que se imolou no Calvário levado pelo seu imenso amor pela humanidade.
Foi o que lembrou São João: “Ninguém tem maior amor, do que aquele que dá a sua vida por seus amigos” (Jo 15,13).
Amar como Jesus amou
Assim, a santidade consiste em amar como Jesus amou.
Amar é preferir. É sacrificar suas preferências para aderir o seu Senhor. É envolver na dileção mais profunda os irmãos.
Como isto se dá no cotidiano, foi minudenciado pelo Apóstolo: “A caridade é paciente, é benigna; a caridade não é invejosa, não se ufana, não se ensoberbece, não é ambiciosa, não busca os seus próprios interesse, não se irrita, não suspeita mal. Não folga coma injustiça, mas alegra-se com a verdade Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta” (1 Cor 13,4-7).
Esta deve ser a trajetória dos membros do Povo Santo de Deus e é a única maneira de se obter a salvação eterna.
Ser santo é ser salvo
Não existe distinção entre ser salvo e ser santo.
Tudo isto leva à edificação do Corpo Místico de Cristo, como ensina ainda São Paulo, “até que alcancemos todos nós a unidade da fé e do pleno conhecimento do Filho de Deus, o estado de homem perfeito, a medida da estatura da plenitude de Cristo” (Ef 4,13).
Para isto é necessário abrir a porta do coração para receber Jesus, aceitando de bom grado suas advertências secretas ou evidentes, quando desta forma o cristão passa a realizar aquilo que deve fazer. Jesus com ele e ele com Jesus através da luz de sua presença, progredindo cada vez mais no desejo das coisas do alto e deixando que Ele alimente os anseios celestes dentro de cada um.
Isto supõe coragem, determinação e eis porque o Papa Bento XVI assim se dirigiu sobretudo àqueles que estão na plenitude da vida: “Jovem, não tenhais medo de se decidir por Cristo”!
O JOVEM MODERNO
Tudo isto, contudo, vivido em pleno século XXI e já o Papa Pio XI, no século passado, clamava que todo cristão devia ser sadiamente moderno. Com muita mais razão, então, o jovem de hoje inserido num mundo inteiramente diferente.
Este foi o apelo do Papa João Paulo II no Congresso da Juventude Feminina de Schoesntatt: "Jovens do mundo inteiro, tenham a santa ousadia, de serem os santos do novo milênio".
Este Pontífice deixou claro que é vivendo na sociedade na qual está inserido que o jovem se santificará e formará centenas de jovens que vivem em seu derredor, conduzindo-os bem longe dos padrões oferecidos por uma sociedade materialista, hedonista.
Para isto o grande meio, ensinou este Papa, é cada um ter um senso crítico apurado ao assistir os filmes, ao escutar as músicas, ao passear com os amigos.
O ponto de mira é o respeito total aos dez mandamentos sagrados da Lei de Deus.
Como viver a modernidade
Eis aí o que cada um deve levar por toda parte a seus colegas a mensagem de que ser jovem que vive a modernidade e possa cumprir sua missão evangelizadora ele precisa possuir, no coração, uma fonte de esperança, de nobres ideais, de otimismo alvissareiro.
Ter lá dentro de si, caudais de energias prontas a se concretizar em iniciativas pelo bem comum, pelo próximo, pela pátria, pela humanidade, imitando Jesus que afirmou que Ele "veio, não para ser servido, mas para servir" (Mt 20,28).
Saber amar, cercando, sem cessar, de ternura e compreensão os entes queridos, pois tal é o preceito de Cristo: Amarás teu próximo como a ti mesmo (Mt 22,39). Fazer do dever de cada hora a felicidade mais inebriante, transformando a existência em sublime realização de si mesmo.
Não tergiversar, nem vacilar ante os árduos embates da vida; mas enfrentar com ânimo varonil obstáculos e dificuldades, transpondo-os com olhos fitos em Cristo, que afirmou: "Eu sou a videira; vós, os ramos. Quem permanecer em mim e eu nele, esse dá muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer" (Jo 15,5).
Procurar não assimilar o erro, veiculado tão sutilmente, aqui e ali, nos jornais, nas revistas, no rádio, na televisão, na internet, nas palavras do falso amigo, lembrado da advertência de São Pedro: "Sede sóbrios e vigiai. Vosso adversário, o demônio, anda ao redor de vós como o leão que ruge, buscando a quem devorar" (1 Pd 5,8).
Não entrar nunca em sites pornográficos e fugir das ocasiões de pecado: "Quem ama o perigo nele perecerá". (Eclo 3,27). Pugnar sem tréguas contra o mal, as tentações, os vícios; evitando os caminhos fáceis.
Estar certo de que espíritos superiores zelam pela saúde do corpo e da alma e, deste modo, detestam toda substância entorpecente, alucinógena, excitante, como a maconha, o haxixe, a cocaína, o álcool e tantas outras drogas que degradam o ser humano, lembrados das palavras paulinas: "Não sabeis que sois o templo de Deus, e que o Espírito de Deus habita em vós?" (1Cor 3,16).
Ser livre e usar, com responsabilidade, a liberdade, atento às palavras do Apóstolo: "Fostes chamados à liberdade. Não abuseis, porém, da liberdade como pretexto para prazeres carnais. Pelo contrário, fazei-vos servos uns dos outros pela caridade" (Gl 5,13).
Não desanimar nunca, porém, ver o lado bom dos acontecimentos, sempre acendendo uma vela e não lamentando a escuridão.
É saber que Cristo é a origem da eterna juventude.
Este jovem, sim, vence o Maligno, não ama o mundo erotizado, nem o que há neste mundo alienado de Deus, pois disse São João que “quem ama o mundo não está nele o amor do Pai. Porque tudo o que há no mundo, a concupiscência humana, a cobiça dos olhos e a ostentação da riqueza, não vem do Pai, mas do mundo. Ora, o mundo passa e também sua cobiça, mas aquele que faz a vontade de Deus permanece para sempre” (1 João 2, 14-17)
LIVRAR-SE DA AGITAÇÃO HODIERNA
Entretanto que o jovem hoje mais do que nunca precisa afastar a agitação interior.
Cumpre, em primeiro lugar, se conscientizar que a tristeza é causa de ansiedade. Eis por que São Paulo aconselhava: “Alegrai-vos sempre no Senhor. Repito: alegrai-vos“ (Fl 4,4).
Reina no atual contexto uma contagiante e infausta baixa estima e, assim, se multiplicam os transtornos as perturbações na sociedade. Disto resulta o medo, toda espécie de fobia, e com eles a turbulência dentro de cada um. Denota-se, hoje em dia, também o fenômeno, não menos alarmante, da desmedida. O homem hodierno não encontra limite para suas necessidades e seus desejos. Aliás, um dos objetivos da sociedade de consumo é criar imperativos de compra, aumentando a volição de possuir o que está na moda. Aspira-se sempre a novidade e, nem bem se usou um determinado produto e já se quer usufruir de outro sem nenhum proveito real. A propaganda tem estratégias diabólicas para mover a vontade dos incautos. Nem ainda bem se utilizou de um refrigerador e já se está pensando na outra geração do mesmo que há de ser ainda mais aprimorada.
Evitar a estreiteza de espírito
A tudo isto se adite a estreiteza de espírito, outro ingrediente da agitação. Muitos são de tal modo obstinados, aderidos a seu modo de ver, que não aceitam admoestação alguma e prosseguem nos mesmos erros, caem sempre na defensiva. Tal estreiteza de espírito que a carta aos Hebreus chama de “endurecimento” do coração, leva à irritação contra tudo e contra todos. O indivíduo fica prisioneiro de seus moldes mentais limitados e perde a perspectiva dos grandes horizontes das medidas claras e vivificantes. Por outro lado, como conseqüência do consumismo vem a inveja e, embora rodeado de tanta coisa boa, a pessoa se entrega a uma depressão profunda por não ter o que o outro possui. Deixa de ser ele mesmo para querer ter o que nada lhe vai avantajar. Isto é fonte de sofrimento inútil e desnecessário.
Abolir a desconfiança
Acrescente-se ao rol das causas da agitação interior a desconfiança. Desconfiar é estar sempre à espreita de quem e daquilo que pode prejudicar. Donde um julgamento constante dos outros nos quais se contempla sempre um inimigo em potencial e um julgamento pessimista das coisas, enxergando não o que elas podem servir, auxiliar, mas causar dano. Este estado de alerta é maléfico. Deve-se confiar nos outros até prova em contrário é a máxima de quem é sábio e prudente. A agitação interior flui, portanto, das atitudes negativas. Os franceses têm um provérbio muito sábio: “À quelque chose malheur est bon” – há sempre um lado positivo em qualquer desgraça. No mínimo esta serve de admoestação e leva à formulação de uma revisão de vida. Quem assim procede jamais perde a paz e caminha com determinação para frente, atingindo-se a maturidade que tranqüiliza. Trata-se de uma ação eficaz, de uma maneira frutuosa de se dirigir na vida.
Resultados faustosos
O fruto é uma serenidade na ação, na responsabilidade quanto ao dever de cada instante, na atitude diante dos conflitos da existência. Nada mais necessário para a sociedade do que possuir pessoas tranqüilas, pois estas estão sempre se realizando e levando outros às regiões da beatitude, lá nos espaços interiores donde jorra a fonte da energia para as tarefas diárias. Um elã vital toma conta de tudo a bem de todos. Soluções aparecem para todo e qualquer impasse. Eis aí uma maneira de se vencer o stress contemporâneo para se agir melhor no mundo, de uma maneira mais eficiente.
No mundo agitado de hoje é preciso procurar a paz interior.
BUSCAR A IMPERTURBABILIDADE
Cumpre a busca da imperturbabilidade.
Vários fatores conspiram contra a tranqüilidade interior de cada um. Entre eles se enumerem a preocupação com o que é preciso para a subsistência diante da insegurança do mundo do trabalho, a agitação reinante por toda parte, o pandemônio generalizado, a baixa estima.
A maldição da intranqüilidade parece caracterizar nossa época. Filon, notável filósofo judeu de Alexandria, considerava a paz como o mais alto dos valores. O que muitos, entretanto, se esquecem é que a energia criativa para remar contra tudo isto só pode ser encontrada em Deus. Com efeito, a serenidade não significa inatividade, mas atividade sem aflição. Cumpre encontrar a serenidade da alma para experimentar fisicamente a calma. O coração sossegado permite agir com toda a quietude. O repouso é o que Deus reserva para quem age em sua presença.
Revivificar a fé e intensificar o amor
Para tanto é necessário revivificar a fé. Por ela o cristão ultrapasse este mundo e toma parte, desde agora, neste descanso perene. Desde agora, a despeito da ansiedade, das turbulências, das ofensas, das feridas, o coração fica continuamente sereno, quando possui esta virtude de uma fé arraigada. Ela abre um espaço de silêncio, transformando o coração humano num santuário no qual Cristo entra e impede qualquer agitação do mundo. Ele, então, sempre a dizer: “Deixo-vos a paz, dou-vos a minha paz. Não vo-la dou como o mundo a dá. Não se perturbe o vosso coração, nem se atemorize (Jo 14,27). Contudo, para abrir as portas da sua interioridade cumpre a cada um se envolver no amor, primeiramente de si mesmo, depois do próximo e de Deus. Quem não vive em paz consigo mesmo jamais evidentemente encontrará a paz, mas a amargura. Quem é amargo se revolta contra si, contra os outros e contra o próprio Ser Supremo. Muitos deixam inclusive transparecer no próprio olhar a terrível angústia de que está possuído. O coração acabrunhado passa sempre de uma emoção a outra, fica em estado de agonia e não se deixa encher do amor. O ser racional nesta situação se martiriza, apoquenta os outros e renega a Deus e se torna incrédulo, duro, penoso, fechado. Questiona a Deus ao invés de se deixar questionar por Ele. Os aflitos são geralmente insensíveis. Querem escapar à intensidade dos sentimentos e fogem de si mesmos, atacam os outros e o próprio Criador de tudo. Apenas quem tem fé e sabe amar entra na região do repouso. Aí se encontra a santificação e a salvação. O pecado e o mal não atingem mais tal cristão, que fica em paz com Deus, consigo e com os outros. Penetra-se no mistério do próprio Senhor Onipotente que é amor eterno. Os pensamentos transviados e os sentimentos maus, as paixões desregradas e os desejos condenáveis, os cuidados desnecessários e os dissabores que atormentam, a horrípila agitação do mundo e do coração ficam excluídos, por quem se imerge no oceano de uma dileção sem fim, conhecendo o mais profundo equilíbrio psicossomático, encontrando-se reunificado em Deus, âncora segura por entre as tormentas deste exílio terreno.
Importância da prece silenciosa
O grande meio para se atingir este ideal é a prece silenciosa que coloca o cristão num profundo colóquio permanente com a divindade. Donde resultar um estado harmonioso de total eutimia. Há uma gestão sábia dos afetos que agitam a alma. Todas as emoções ficam canalizadas na direção daquele no qual “movemos, existimos e somos”. Daí a apathéia, ou seja, a ausência de agitação e a ataraxia, isto é, a imperturbabilidade. Clemente de Alexandria mostrou que o ideal da serenidade da alma não é acessível senão na união mística com Deus, sendo possível a todo cristão chegar à contemplação que não é privilégio dos que vivem nos mosteiros. É óbvio que só atingem os páramos desta serenidade os que possuem a pureza de coração, dado que Jesus afirmou: “Bem-aventurados os puros, porque eles verão a Deus”. Eis aí a vocação sublime dos que vivem a realidade de seu Batismo. A imagem de Deus de que falaram tão sabiamente os primeiros teólogos se torna uma realidade viva e irradiante e disto só pode resultar a beatitude mais inebriante.
ADQUIRIR A SERENIDADE DO CORAÇÃO
Há caminhos que conduzem à serenidade do coração os quais foram trilhados, sobretudo, pelos monges dos primeiros séculos do cristianismo. A intranqüilidade é um dos males do atual contexto histórico no qual a calma parece privilégio de uns poucos. É que o passo inicial para a beatitude interior passa pelo conhecimento aprofundado de si mesmo para se chegar a Deus, fonte de toda imperturbabilidade e no qual se pode encontrar a quietude, não obstante as atividades de cada hora. Inúmeras passagens bíblicas prometem a paz, desde que sejam, de fato, mentalizadas e vividas. Cumpre, de fato, afastar sempre a desventura e a ansiedade. É preciso encarar a verdade e não fugir da mesma com subterfúgios ilusórios.
A conquista do perfeito sossego do espírito não provém de técnicas tão propagadas nos livros de auto-ajuda, mas é o resultado de uma caminhada espiritual, a hesychia, rota para a eutimia total. Depara-se então a calma e cessa o temor, o ser racional se regenera e revive. É o encontro da harmonia consigo mesmo através de uma terapêutica que flui da reflexão. Então se aceita o convite de Deus para se abrigar à sombra de suas asas (Sl 61,5). Com a segurança do amor do Ser Supremo, resistente a qualquer adversidade, o cristão degusta um descanso revitalizador.
Cuidado com o ativismo
Muitos procuram sufocar o temor num ativismo que não passa de uma solução ilusória a qual partureja uma aflição ainda maior. Por outro lado, o homem moderno não se enraíza em nada porque se vê joguete de uma mobilidade característica da sociedade atual. O ativismo exacerbado leva à falta de um ideal consistente, de um objetivo bem determinado. A pressa suscita o vazio e o vazio provoca nova onda de precipitação. O indivíduo hiperativo nada produz de concreto e acaba, no final, sendo um desocupado, um frustrado ao término de um dia, mesmo porque muitas horas ficam também perdidas diante de televisão, da tirania da internet, das longas conversas inúteis, da vã verbosidade que não leva a nada, o que é, aliás, um atentado ao valor intrínseco da palavra. Daí o descontrole, a perda de um centro coordenador das atividades, porque se perde a própria medida das ações, mesmo porque os outros é que se tornam o referencial de tudo. Torna-se cada um escravo das imposições vindas do exterior.
Importância da reflexão
É que o homem de hoje detesta o silêncio e, não refletindo, se dispersa sempre mais. Numa época trepidante como a atual, disto resulta a agressividade que chancela a sociedade deste início do século XXI, dado que se vive num ambiente estressante. Isto é fonte de inúmeros erros e de uma cegueira que não permite as verdadeiras soluções. Procuram-se resultados imediatos para necessidades artificiais que se multiplicam a cada hora. A pessoa humana fica presa da akedia, ou seja, esta incapacidade de se deixar prender pelo instante que se está vivendo. Dá-se uma ausência fundamental de cuidado por si mesmo, deixando de haver a colaboração na realização pessoal. Resulta a atonia da alma, isto é, a ausência do cuidado com o que se está fazendo aqui e agora. Não se entra no fluxo da vida. É a negação mesma da existência de que falam as terapias comportamentais. Na falta então de um critério seguro para as ações surge a desvalorização dos outros para se poder afirmar a si mesmo, camuflando assim o estado de crise em que se está. Para reverter este processo danoso cumpre uma confiança ilimitada em Deus, a qual afasta a insegurança existencial. Isto significa que quem tem fé faz tudo que se acha em seu poder, concentra-se naquilo que deve realizar, priorizando o que é essencial e suas preocupações ele as coloca dentro do Coração de Jesus. Dá-se o que está na prece de Santa Tereza de Ávila: “Nada te perturbe. Nada te espante. Tudo passa. Só Deus não muda. A paciência tudo alcança. Quem tem a Deus, nada lhe falta. Só Deus basta”. Quem assim age se sente sustentado e em segurança total mesmo no maremoto interior, pois Jesus é aquele que liberta verdadeiramente das tormentas que surgem. Ele não mente e afirmou: Vinde a mim, vós todos que estais aflitos sob o fardo, e eu vos aliviarei” (Mt 11,28).
COMBATER OS PECADOS CAPITAIS
Para se conseguir tudo isto é preciso uma luta sem tréguas dos pecados capitais.
Um dos capítulos mais importantes da Teologia Moral é o que focaliza o pecado, fenômeno tratado por todas as religiões. Na Bíblia a visão teológica do pecado é vista em relação ao Ser Supremo e corresponde a uma maior sensibilidade do homem. É uma oposição à vontade santíssima de Deus. Os teólogos, depois Tomás de Aquino, falam nos pecados capitais. Capital vem do latim caput, que significa cabeça. Os pecados capitais são os princípios de inúmeros outros vícios, ou seja, distorções morais condenadas na Bíblia, por serem contra a ordem estabelecida pelo Ser Supremo. Têm sua origem da tríplice concupiscência de que fala São João, a saber, a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida ( 1 Jo 2, 16). São sete: Soberba (Tg 4,6; 1 Pd 5,5): Avareza (1 Cor 6,10), Luxúria (idem), Inveja (Gal 5,19), Gula (Idem ), Cólera (Idem), Preguiça (Pv 6,6). Inúmeras as passagens bíblicas condenam tais aberrações. A SOBERBA é a estima exagerada de si mesmo e o não reconhecimento dos dons divinos, da dependência ontológica do Criador e o menoscabo do próximo. O contrário é a humildade que é a verdade sobre si mesmo, sobre Deus e sobre o semelhante. É o orgulho causador também da ambição, da presunção e da vã glória. A AVAREZA é o amor desordenado dos bens terrenos, apego exagerado ao dinheiro. Ela gera a dureza para com os pobres, o desassossego, o desprezo pelos bens eternos, as fraudes, as traições. O cúpido se esquece de que nada se leva desta vida e não sabe usufruir dos bens que o Onipotente concede a cada um. A LUXURIA é a procura desenfreada dos prazeres carnais, indo frontalmente contra o sexto e nono mandamentos da Lei de Deus. Partureja o endurecimento do coração, a cegueira espiritual, o egoísmo, o ciúme, o ódio a todos os valores que engrandecem o ser racional, o aborto. O epicureu entrega-se a toda espécies de atitudes animalescas e pode chegar às mais abomináveis depravações. A INVEJA é a tristeza causada pela felicidade e pelas qualidades do próximo. Daí as suspeitas injustas, a maledicência, as discórdias, as rixas, as calúnias. É uma traça que corrói o coração, só destrói a paz, ocasionando todo tipo de perturbação, nada constrói. A zelotipia exarcebada impossibilita qualquer relacionamento normal dentro de uma comunidade. A GULA é o amor desordenado do comer e do beber. Causa a embriaguez, as mais variadas moléstias orgânicas, o embrutecimento espiritual. O glutão não come para viver, mas vive para comer. A gulodice é o contrário da temperança, da sobriedade que inibem a voracidade, a glutonaria. A IRA é o movimento desordenado da alma pelo qual se repele com violência o que desagrada. É a fonte da vingança, das injúrias, das agressões, das mortes violentas, do destempero verbal. Nada pior do que tratar com uma pessoa iracunda, colérica que vive agastada e furiosa. A PREGUIÇA é o amor desordenado ao descanso e leva à omissão dos deveres. A indolência é chamada a mãe de todos os vícios pois gera a ociosidade que conduz a todo tipo de maus desejos e péssimas idéias, a perda do tempo, a inconstância, a infidelidade aos compromissos, a vida inútil e fútil. A acédia conduz à impureza da consciência, à miséria, à depressão, ao desgosto da vida, à angústia existencial. O mandrião é presa fácil do Maligno. Note-se que o pecado capital que predomina em cada um é denominado o vício dominante Trata-se do calcanhar de Aquiles de cada um, pois é por aí que o Inimigo começa a triunfar.
Meios para vencer tais pecados
Os meios para vencer os pecados capitais estão ao alcance de todos. Podem ser assim enumerados: uma vontade sincera, firme e enérgica, que conduz a grandes triunfos; a oração constante, que é a força do cristão; a renovação diária do bom propósito de emenda, que é um recurso psicológico de alta valia; a ascese que leva à mortificação, pois quem faz tudo que pode, acaba fazendo o que não pode; a freqüência aos sacramentos, canais das graças divinas; a orientação do diretor espiritual que é mestre, juiz e médico. Quem combate os pecados capitais atinge aquela perfeição desejada por Jesus: “Sede perfeitos como o Pai celeste é perfeito” (Mt 5,48).
MULTIPLICAR OS TALENTOS
Na parábola dos talentos recebidos e restituídos se depara o magnífico elogio aos que os multiplicaram: “Muito bem, servo bom e fiel” (Mt 25, 21.23) e se encontra ao que nenhum lucro apresentou terrível reprimenda: “Servo inútil”. Os primeiros entraram para a felicidade de seu senhor, este último foi lançado nas trevas. A mensagem do Mestre divino é patente: da administração sábia e eficiente do tempo da vida presente depende a salvação eterna. O julgamento divino será justo e a recompensa perene ou será uma pena eterna.
Apostolado necessário
Num dos elementos do processo da gerência dos dons recebidos está incluído o zelo pela salvação do próximo, uma vez que ninguém entrará no Reino dos Céus sozinho, dado que as boas obras arrastam infalivelmente os outros para os caminhos de Deus. Para isto é necessário o cuidado contínuo, bem valorizando a comunicação verbal e a não verbal. As pessoas, com efeito, não se comunicam apenas por palavras, mas ainda através de seu modo de ser e de viver. Estudos atualizados mostram que a comunicação não verbal é tão ou até mais importante do que aquilo se diz. Esquece-se, muitas vezes, que menos da metade da boa comunicação é composta pela fala, o restante está ligado à vivência do comunicador. Isto não apenas pelo seu exemplo de vida, mas também porque o que ele fala só tocará o receptor da mensagem se esta tiver inteiramente impregnado a mente daquele que a profere. Bem disse o Pe. Antônio Vieira que “palavras sem exemplo são tiros sem balas”. Eis porque o apóstolo de Cristo na multiplicação dos carismas sagrados doados por Deus se esforça para se tornar semelhante a Cristo, o Verbo divino, que se fez modelo para todos. Não bastam as expressões orais, os conselhos oportunos, mas é preciso também a ratificação com a conduta condizente com as mesmas. Foi o que acontecia com São Paulo que pôde dizer aos Tessalonisenses: “Sabemos que a nossa pregação do Evangelho não se deu entre vós, somente com palavras, mas também com obras poderosas, com a força do Espírito Santo, com plena convicção” (1 Ts 1,5). O modo como se fala é de suma importância, pois o coração e a vida passam então em borbulhar na mensagem transmitida. Os catequistas, os pais, os mestres, os cristãos em geral, enfim todos que são discípulos de Jesus devem se lembrar das palavras do mesmo Apóstolo aos Coríntios: “Somos embaixadores de Cristo” (2 Cor 5,10). É desta maneira que se frutificam os talentos outorgados por Deus a cada um. Com efeito, a palavra foi dada não apenas para cantar os louvores de Deus, para Lhe dar graças, mas ainda para instruir os irmãos e lhes passar sábias inspirações, alicerçadas com o testemunho existencial. Tudo isto, é claro, com muito discernimento, doçura, perspicácia, perseverança.
Ser serviçal
Feliz aquele que pode repetir sempre: “Coloquei a minha vida a serviço do próximo e o próximo é Jesus Cristo”, o qual proclamou que veio para servir e não para ser servido. O que se esquece é que em qualquer situação sempre se está a serviço dos outros em casa, na Igreja, no trabalho, nas diversões. Pela reta intenção se pode então valorizar, e muito, os talentos. Para tanto é mister se lembrar sempre a advertência de Cristo: “Vós sois o sal da terra e a luz do mundo”. Os talentos foram concedidos exatamente para que esta missão seja cumprida e, em consequência, se possa frutificar em boas obras. O sal não é sal por si mesmo e em certos países serve até para fazer a terra dar bons frutos. É que multiplicar os talentos não é viver para si mesmo, mas para os outros através de uma espiritualidade potente, irradiante. Esta espiritualidade é que torna o cristão luz, um reflexo da grandeza de Deus, vivendo coerentemente as promessas batismais. Multiplicar os talentos é também viver o espírito das bem-aventuranças. Condoer-se com os que choram; consolar os que sofrem; perdoar os que nos injuriam; ser artesão da paz, da não violência; não procurar o próprio interesse e estar atento aos marginalizados; é ser desapegado dos bens terrenos, multiplicando dentro de si os valores morais; é ter puro o coração sem se deixar contaminar com a depravação imposta pela mídia, pelos sites pornográficos; é ter fome e sede de justiça, é ser misericordioso. É, em síntese, realizar a metáfora do sal da terra dando gosto, sabor a uma sociedade que muitas vezes se divorcia de Deus. É ser luz nas trevas, iluminando os que trilham os caminhos do erro nunca se esquecendo que não há nada tão prodigioso como o testemunho existencial e que nunca praticamos grandes bens ou grandes males sem produzirem os seus efeitos nos nossos semelhantes. As boas ações são imitadas por emulações e as más pela malícia da natureza humana e esta aprisiona, enquanto o bom exemplo liberta dos vícios e arrasta para o bem e multiplicando os talentos de cada um..
Conclusão
Para terminar estas reflexões nada melhor do que um trecho da Carta de Diogneto escrita por volta do ano 120 d.C, mas que mostra bem como deve ser a postura do jovem dentro do contexto social em que vive. No mundo pós-moderno deve ter a mesma mentalidade dos primeiros cristãos.
O Cristianismo surgia como uma das maiores inovações criadas na Humanidade. Revolucionava os valores conhecidos, particularmente aquele da Fraternidade ou Solidariedade. Considerada a "jóia da literatura cristã primitiva", esta Carta de Diogneto é um testemunho escrito por um cristão anônimo respondendo à indagação de Diogneto, pagão culto, desejoso de conhecer melhor a nova religião que se espalhava com tanta rapidez pelas províncias do Império Romano. Impressionado pela maneira como os cristãos desprezavam os deuses pagãos e testemunhavam o Amor que tinham uns para com os outros, queria saber que Deus era aquele em que confiavam.
O texto mostra que “os cristãos não se distinguem dos demais homens, nem pela terra, nem pela língua, nem pelos costumes. Nem, em parte alguma, habitam cidades peculiares, nem usam alguma língua distinta, nem vivem uma vida de natureza singular. [...] Habitando cidades Gregas e Bárbaras, conforme coube em sorte a cada um, e seguindo os usos e costumes das regiões, no vestuário, no regime alimentar e no resto da vida, revelam unanimemente uma maravilhosa e paradoxal constituição no seu regime de vida político-social. [...] Casam como todos e geram filhos, mas não abandonam à violência os recém-nascidos. [...] Encontram-se na carne, mas não vivem segundo a carne. Moram na terra e são regidos pelo céu. Obedecem às leis estabelecidas e superam as leis com as próprias vidas. [...] São pobres, mas enriquecem muita gente; de tudo carecem, mas em tudo estão satisfeitos. [...] Insultados, bendizem; ultrajados, prestam as devidas honras. Fazendo o bem, são punidos como maus; fustigados, alegram-se, como se recebessem a vida. [...] Numa palavra, o que a alma é no corpo, isso são os cristãos no mundo. A alma está em todos os membros do corpo e os cristãos em todas as cidades do mundo. A alma habita no corpo, não é, contudo, do corpo; também os cristãos, se habitam no mundo, não são do mundo. A alma está encerrada no corpo, é todavia ela que sustém o corpo; também os cristãos se encontram retidos no mundo como em cárcere, mas são eles que sustêm o mundo. A alma imortal habita numa tenda mortal; também os cristãos habitam em tendas mortais, esperando a incorrupção nos céus”.
Na alheta destas reflexões se pode então concluir que o jovem cristão que vive a modernidade está no mundo, mas não é mundano, como bem se expressou João Paulo II.