segunda-feira, 6 de agosto de 2012

VIVER NA PRESENÇA DE DEUS

VIVER NA PRESENÇA DE DEUS
Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho
Tal foi a ordem divina: “Anda na minha presença e sê perfeito (Gen. 17,1). Para isto cumpre um total desapego de tudo e uma íntima pureza interior que fluem do silêncio no qual a alma se envolve e o ser humano passa a conhecer uma profunda unidade em si mesmo e no Ser Supremo. As paixões ficam submersas no amor e a paz passa a reinar em todas as circunstâncias. Isto porque tanto mais alguém entra em união com o seu Criador mais ele se simplifica e deixa de complicar-se no dia a dia. Com efeito, quando Deus entra numa alma que O recebe amorosamente Ele a conduz a um deserto, dado que o ser humano passa a desejar estar a sós com o Senhor de tudo e nunca se sente isolado, quando  reserva momentos de uma prece diante do hóspede divino. Verifica-se então um silêncio sem tensões. Donde a importância de um momento de reflexão mesmo quando se recitam orações vocais. É estar atento ao recado do Espírito Santo que vem de palavras tantas vezes repetidas, mas que se tornam instrumento do Paráclito. É lógico que o instante de uma meditação é ainda mais favorável para escutar as mensagens celestiais. No decurso inclusive das ocupações cotidianas é de bom alvitre, por um breve momento que seja, dizer a Deus que aquela ação é para sua honra e glória. Trata-se do retorno contínuo a Ele numa aspiração persistente da alma. Daí o significado expressivo do viver cada segundo da existência plenificada pelo Todo-poderoso no qual “existimos, nos movemos e somos” (Atos 17,28). Cria-se, desta forma, o hábito de agir pelo instinto sobrenatural que eleva tudo para a Trindade santa. Está aí o motivo pelo qual os santos sempre mantinham uma postura de suavidade, refletindo no exterior a imensidade de uma eternidade já vivida nesta terra. Para se chegar a esta realidade existencial a ascese é indispensável num combate contínuo a tudo que obsta estar unido a Deus, mesmo porque quando alguém está cheio de si mesmo ou se deixa levar pelos desregramentos da natureza, já não há lugar para Deus. A guarda do coração é de vital necessidade, levando à penitência e à mortificação sem cair em qualquer tipo de exagero ou em alucinações condenáveis. Deus quer sempre almas vigorosas que não se deixam levar pela emotividade. É de se notar que  mesmo os grandes místicos tiveram que começar a vencer corajosamente as distrações que se intrometem nas orações, mas eles, suavemente, logo as afastavam, sabendo que elas podem ser uma provação enviada por Deus, o qual nunca deixa de agir em quem a Ele sinceramente se entrega. É a arte espiritual de acalmar a imaginação. As distrações involuntárias não debilitam o amor, desde que evidentemente haja um combate corajoso, embora suave, e que não deixa brechas. O que o Espírito Santo não aprova é a negligência condenável. Há, isto sim, uma indiferença salutar advinda da consciência da presença daquele que enche, ocupa todo o espírito humano envolto no seu admirável silêncio. Deus, de fato, quer conduzir os corações sinceros à união do perfeito amor. Esta dileção leva o ser racional não à busca de uma mera tranqüilidade, mas simplesmente a perceber a imensidão divina que o envolve. Isto lhe basta. A alma fica até convencida de que lutar para possuir o silêncio é, em si, um silêncio interior, fruto da graça e não do mérito pessoal. O combate às distrações ganha assim uma dimensão que imerge na serenidade absoluta. O ser racional compreende então que o Senhor visita de modo especial a alma quando Ele quer e da maneira que Ele quer. O coração se submete a seus desígnios. Depara-se, desta forma, a paz e nada entrava a verdadeira liberdade de se doar a Deus. Aí a solução de todos os problemas da vida, o remédio para todo e qualquer sofrimento, a fonte da eutimia longe de toda agitação. Através desta paz o cristão se torna o lugar onde Deus, de modo especial, habita. Quem assim procede, não manifesta nenhum tipo de excentricidade. A atmosfera espiritual que emana de sua alma influencia naturalmente os outros. Os eflúvios que jorram do íntimo de si mesmo atingem o próximo suavemente e mostram a grandeza de uma existência aderida ao Ser Supremo. Toda dualidade é banida porque, mesmo sendo forte o desejo de se estar a sós com Deus, os deveres cotidianos não são sacrificados. Depara-se então uma outra forma de silêncio, não obstante os trabalhos e os contatos sociais. É que é possível esta harmonia e o próprio Deus opera uma síntese admirável, sendo que, deste modo, os instantes de oração se fazem ainda mais significativos. Felizes os que captam as maravilhas de se viver na presença de Deus! * Professor no Seminário de Mariana durante 40 anos.

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