VER E ESCUTAR
Côn.
José Geraldo Vidigal de Carvalho*
Lemos que Jesus tomou
consigo Pedro, Tiago e João e os levou à parte a um alto monte e
transfigurou-se diante deles (Mc 9,2-10). Como observam os hermeneutas, os intérpretes
da Sagrada Escritura, o monte Tabor longe de ser uma elevada montanha é, antes,
uma bela colina de mais ou menos seiscentos metros de altura. Entretanto se o
evangelista emprega o termo montanha não foi para exagerar, nem para induzir ao
erro. Sua intenção foi, por certo, colocar o acontecimento da Transfiguração no
universo simbólico das admiráveis manifestações do Messias, salientando o
notável episódio. Há um paralelo entre o fato do Tabor e o do monte Sinai onde
Deus entregou a lei a Moisés. No Tabor como no Sinai temos a montanha, a nuvem
e Deus com suas mensagens, Uma presença formidável do Ser Supremo no Antigo
Testamento e também na Nova Aliança. Jesus conversa no Tabor com dois
personagens que representam magnificamente as duas fontes da revelação judaica:
Moisés e Elias. Duas figuras realmente emblemáticas: a lei e os profetas. Moisés
e Elias, personagens marcantes da primeira Aliança, em tertúlia com Jesus que
surge então como uma nova etapa da revelação. Adite-se a voz do Pai que se fez
ouvir: “Este é o meu filho amado, escutai-o”. Perante a nova revelação Moisés e
Elias desaparecem. Não se tratou assim de uma simples nova etapa na história da
revelação, mas o acabamento que, de uma certa maneira, relativiza a antiga
revelação. O acontecimento da transfiguração reorienta a revelação iniciada da
primeira Aliança. Com efeito, a palavra
que Deus passa a dirigir aos homens não ´e mais uma mensagem, mas uma pessoa,
seu Filho amado e com uma determinação “escutai-O”. Moisés e Elias, a alei e os
profetas, propunham a quem cresse uma mensagem, ou seja, fazer isto, não
praticar aquilo e Deus estará convosco. Agora, com a pessoa de Jesus, a Nova Aliança
não consiste apenas em acolher uma lei ou uma profecia, mas em crer na obra da graça manifestada
no próprio Filho de Deus. É certo que temos textos, um Novo Testamento, que
somos chamados a nos comportar segundo a fé e a moral evangélica, mas o que faz
que alguém seja cristão, não é a prática,
a moral, mas a Fé na pessoa de Cristo. No sentido estrito, o Evangelho, a Boa
Nova, não é o texto que conta a vida e a mensagem de Jesus, mas o acontecimento
da vitória do Bem-amado do Pai sobre a morte, pois a vida de Jesus manifesta a
verdadeira via para que alguém se salve, para se viver em comunhão com Deus. Sua
crucifixão mostrou que Ele, tomando os pecados da humanidade era um reprovado e
lemos no Deuteronômio: “Maldito aquele que pendeu do lenho da cruz!’ São Paulo
dirá que Deus O havia por nós identificado com o pecado (2 Cor 5, 21). Foi,
entretanto, após sua paixão que Deus, o Pai de Jesus, O ressuscitou dentre os
mortos e aos olhos de seus contemporâneos, Sua paixão e Sua morte sobre a cruz
demonstraram que Ele era o rejeitado de Deus. Esta rejeição era exterior, o
visível, o sensível, porque o interior estaria sempre intacto. Por isto o que a
Transfiguração manifestava aos três privilegiados discípulos ali no Tabor era o
esplendor da divindade sempre intacta em Jesus. A Ressurreição fez brilhar aos
olhos dos discípulos a realidade da comunhão profunda de Jesus com a vida divina
que não fora vencida pelo mal. O que a Transfiguração
havia manifestado aos olhos de Pedro, Tiago e João ficara vivo na pessoa de Cristo
durante sua paixão e morte. Quando Deus
fez aliança com o homem, Ele levou até o seu acabamento a obra de vida que Ele
iniciara. Não obstante o mal que paira neste mundo e o desfigura, aquele que habita
na amizade do Pai na confiança e no amor, possui a vida divina. A Boa Nova dos cristãos não é uma mera narrativa, um
escrito transmitido em quatro evangelhos falando da morte e da ressurreição de
Cristo. A religião dos cristão não é propriamente a religião do livro, da lei e
dos profetas, mas a religião da relação viva e atual com Jesus como aconteceu
no Tabor com seus três discípulos. Assim sendo, com este episódio da Transfiguração,
Deus quer nos comunicar coragem: não ter medo, apesar das provações, das
dificuldades desta vida. Nunca se sentir abandonado. No final da vida de cada um
se manifestará na plenitude a Aliança que o Pai concluiu com os que se salvam através de seu Filho único, Jesus
Cristo, Ele o Unigênito bem- amado No Tabor, porém ressoou uma ordem do Pai:
“Escutai-o”. E nós como temos colocado em prática esta determinação do Pai lá no Tabor? Como temos escutado Cristo na nossa
existência cotidiana? Ele é, de fato, o Senhor que nos conduz à vida eterna ou é
somente alguém que nos ajuda no dia a dia. Trata-se de uma questão que pode
parecer simplista, mas se o cristão volta-se para Deus apenas para os afazeres
deste mundo, será como os Apóstolos querendo fazer no Tabor três tendas. Escutemos,
de fato, o Filho amado, colocando nele a toda nossa fé. Deixemos a graça traçar seu caminho e
transformar nossa conduta em vista do tempo e da eternidade. Cumpre passar
todos os imantes escutando o que o Filho bem amado tem a nos dizer. *Professor no Seminário de Mar
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