sábado, 20 de fevereiro de 2021

 VER E ESCUTAR

Côn. José Geraldo Vidigal de Carvalho*

Lemos que Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João e os levou à parte a um alto monte e transfigurou-se diante deles (Mc 9,2-10). Como observam os hermeneutas, os intérpretes da Sagrada Escritura, o monte Tabor longe de ser uma elevada montanha é, antes, uma bela colina de mais ou menos seiscentos metros de altura. Entretanto se o evangelista emprega o termo montanha não foi para exagerar, nem para induzir ao erro. Sua intenção foi, por certo, colocar o acontecimento da Transfiguração no universo simbólico das admiráveis manifestações do Messias, salientando o notável episódio. Há um paralelo entre o fato do Tabor e o do monte Sinai onde Deus entregou a lei a Moisés. No Tabor como no Sinai temos a montanha, a nuvem e Deus com suas mensagens, Uma presença formidável do Ser Supremo no Antigo Testamento e também na Nova Aliança. Jesus conversa no Tabor com dois personagens que representam magnificamente as duas fontes da revelação judaica: Moisés e Elias. Duas figuras realmente emblemáticas: a lei e os profetas. Moisés e Elias, personagens marcantes da primeira Aliança, em tertúlia com Jesus que surge então como uma nova etapa da revelação. Adite-se a voz do Pai que se fez ouvir: “Este é o meu filho amado, escutai-o”. Perante a nova revelação Moisés e Elias desaparecem. Não se tratou assim de uma simples nova etapa na história da revelação, mas o acabamento que, de uma certa maneira, relativiza a antiga revelação. O acontecimento da transfiguração reorienta a revelação iniciada da primeira Aliança. Com efeito, a   palavra que Deus passa a dirigir aos homens não ´e mais uma mensagem, mas uma pessoa, seu Filho amado e com uma determinação “escutai-O”. Moisés e Elias, a alei e os profetas, propunham a quem cresse uma mensagem, ou seja, fazer isto, não praticar aquilo e Deus estará convosco. Agora, com a pessoa de Jesus, a Nova Aliança não consiste apenas em acolher uma lei ou uma profecia, mas em crer na obra da graça manifestada no próprio Filho de Deus. É certo que temos textos, um Novo Testamento, que somos chamados a nos comportar segundo a fé e a moral evangélica, mas o que faz que    alguém seja cristão, não é a prática, a moral, mas a Fé na pessoa de Cristo. No sentido estrito, o Evangelho, a Boa Nova, não é o texto que conta a vida e a mensagem de Jesus, mas o acontecimento da vitória do Bem-amado do Pai sobre a morte, pois a vida de Jesus manifesta a verdadeira via para que alguém se salve, para se viver em comunhão com Deus. Sua crucifixão mostrou que Ele, tomando os pecados da humanidade era um reprovado e lemos no Deuteronômio: “Maldito aquele que pendeu do lenho da cruz!’ São Paulo dirá que Deus O havia por nós identificado com o pecado (2 Cor 5, 21). Foi, entretanto, após sua paixão que Deus, o Pai de Jesus, O ressuscitou dentre os mortos e aos olhos de seus contemporâneos, Sua paixão e Sua morte sobre a cruz demonstraram que Ele era o rejeitado de Deus. Esta rejeição era exterior, o visível, o sensível, porque o interior estaria sempre intacto. Por isto o que a Transfiguração manifestava aos três privilegiados discípulos ali no Tabor era o esplendor da divindade sempre intacta em Jesus. A Ressurreição fez brilhar aos olhos dos discípulos a realidade da comunhão profunda de Jesus com a vida divina que não fora vencida pelo mal.  O que a Transfiguração havia manifestado aos olhos de Pedro, Tiago e João ficara vivo na pessoa de Cristo durante sua paixão e morte.  Quando Deus fez aliança com o homem, Ele levou até o seu acabamento a obra de vida que Ele iniciara. Não obstante o mal que paira neste mundo e o desfigura, aquele que habita na amizade do Pai na confiança e no amor, possui a vida divina. A Boa Nova dos cristãos não é uma mera narrativa, um escrito transmitido em quatro evangelhos falando da morte e da ressurreição de Cristo. A religião dos cristão não é propriamente a religião do livro, da lei e dos profetas, mas a religião da relação viva e atual com Jesus como aconteceu no Tabor com seus três discípulos. Assim sendo, com este episódio da Transfiguração, Deus quer nos comunicar coragem: não ter medo, apesar das provações, das dificuldades desta vida. Nunca se sentir abandonado. No final da vida de cada um se manifestará na plenitude a Aliança que o Pai concluiu com os que   se salvam através de seu Filho único, Jesus Cristo, Ele o Unigênito bem- amado No Tabor, porém ressoou uma ordem do Pai: “Escutai-o”. E nós como temos colocado em prática esta determinação do Pai lá no Tabor? Como temos escutado Cristo na nossa existência cotidiana? Ele é, de fato, o Senhor que nos conduz à vida eterna ou é somente alguém que nos ajuda no dia a dia. Trata-se de uma questão que pode parecer simplista, mas se o cristão volta-se para Deus apenas para os afazeres deste mundo, será como os Apóstolos querendo fazer no Tabor três tendas. Escutemos, de fato, o Filho amado, colocando nele a toda nossa fé.  Deixemos a graça traçar seu caminho e transformar nossa conduta em vista do tempo e da eternidade. Cumpre passar todos os imantes escutando o que o Filho bem amado tem a nos dizer. *Professor no Seminário de Mar

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